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Revista Brasileira de

ISSN 1517-5545 Terapia Comportamental


2005, Vol. VII, nº 1, 021-037 e Cognitiva

Causa e explicação: Debate entre o mentalismo


e o behaviorismo radical
Causation and Explanation: Controversy Between Mentalism
and Radical Behaviorism

Carlos Eduardo Cameschi1


Universidade de Brasília
Lorismario Ernesto Simonassi2
Universidade Católica de Goiás

Resumo

Para contextualizar o debate entre a visão mentalista tradicional e o behaviorismo radical acerca
das concepções de causa e explicação no discurso coloquial e filosófico, o presente artigo revisa e
comenta criticamente a teoria da ação de Peter Strawson, baseada em supostas ligações
indissociáveis entre os conceitos de crença, atitude e desejo. Considerando que tais termos se
referem a complexos processos comportamentais, tenta-se mostrar que eles podem ser concebidos
como fenômenos naturais e que exprimem relações funcionais entre regras, comportamento
operante e operações estabelecedoras. Com isso, busca-se desmontar a distinção de Strawson entre
os conceitos de causa e explicação. A ênfase é que, para o behaviorismo radical, o fato crucial é que
nas contingências que promovem o conhecimento, não há nada além de estímulos e respostas,
posto que não incluem processos mediadores.

Palavras-chave: causa explicação mentalismo behaviorismo radical

Abstract

To contextualize the disagreement between the traditional mentalistic assumption and radical
behaviorism about the concepts of causation and explanation, this paper presents a review and a
critical analysis of Peter Strawson's action theory, based in supposed links between the concepts of
belief, attitude, and desire. Such concepts can be seen as complex behavioral processes and as
natural phenomena which involve functional relations between rules, operant behavior and
establishing operations. We try to eliminate the Strawson's distinction between causation and
explanation. Our gist is that for radical behaviorism the important fact is that contingencies which
promote the knowledge involve nothing more than stimuli and responses, without mediating
processes.

Key-words: causation explanation mentalism radical behaviorism

1Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A, Colina, Bloco B, ap. 33 CEP 70904-102, Asa Norte, Brasília (DF), e-mail:

cameschi@unb.br.
2Endereço: e-mail: lorismario@ucg.br. Trabalho realizado com apoio de bolsa do CNPq, processo no. 301881-88-0.

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Carlos Eduardo Cameschi - Lorismario Ernesto Simonassi

Em interessante ensaio recente sobre o que consciência dos falantes e ouvintes. Entre-
aconteceu com o behaviorismo, motivado tanto, embora ocorram com certa facilidade,
pelo centenário do nascimento de B. F. Skin- conceitos como causa, explicação, conheci-
ner, Roediger (2004) resume a história caricata mento e consciência envolvem processos ver-
em que muitos psicólogos cognitivistas bais complexos e sutis que desafiam ainda as
parecem acreditar, qual seja que o behavio- análises filosófica e científica. De fato, Chiesa
rismo representa a Idade das Trevas superada assim resumiu o problema:
pela Renascença, representada pela revolução “O conceito de causa está explícita ou impli-
cognitiva que conduziu a psicologia em citamente entrelaçado em muitos dos nossos
modos de falar sobre o mundo e no âmago das
direção à luz. Após especular sobre algumas práticas de muitas de nossas instituições jurídi-
razões do suposto declínio do behaviorismo, cas, políticas, econômicas, educacionais e cientí-
Roediger sugere que não há nada de errado ficas. Mas, a despeito deste uso generalizado, é
com ele e arrisca que a resposta mais radical a surpreendentemente difícil esclarecer o que é
causa, como e quando ocorre, mesmo na ciência
oferecer é que o behaviorismo é menos
que, rigorosamente, exige provas cuidadosa-
discutido hoje em dia porque, na verdade, ele mente obtidas para demonstrar suas afirmações
venceu o debate intelectual. O fato curioso é sobre relações causais” (Chiesa, 1994, p. 95).
que embora o autor se apresente como psicó- Também parece ser senso comum admitir que
logo cognitivista, justifica seu entusiasmo durante a conversação, certos processos que
apontando simplesmente que as análises e se supõe ocorrerem na mente do falante, tais
intervenções comportamentais funcionam e, como idéias ou pensamentos, lembranças ou
para certos transtornos, como no autismo, elas memórias, emoções ou sentimentos, são co-
representam a única esperança (Roediger, municados ao ouvinte, que passa a possuir, de
2004). algum modo, os conteúdos de experiência
Chiesa (1994) elaborou um texto mais extenso relatados. Baum assim resume:
visando também apontar e corrigir os erros e “A concepção tradicional sustenta que, na comu-
preconceitos recorrentes na literatura, que nicação, há algo que é passado de uma pessoa
para outra. Etimologicamente, comunicação sig-
insinuam o behaviorismo como uma visão nifica 'tornar comum'. O que se torna comum?
unificada, além de supostamente superada Uma idéia, uma mensagem, um significado.
por uma nova visão de mundo, mas, na Alguns psicólogos enfeitam essa concepção
verdade, suas várias versões divergem em cotidiana acrescentando que a idéia é codificada
pelo remetente, transmitida em código para o
muitas questões substantivas. Como o
destinatário, e depois decodificada por esse
trabalho de Chiesa, o presente ensaio pre- destinatário, que passa então a possuir a men-
tende esclarecer as concepções de causa e sagem... Como todas as noções mentalistas, a
explicação do behaviorismo radical, a visão noção cotidiana de comunicação nada acrescenta
filosófica original elaborada por B. F. Skinner, ao que observamos, e nos impede uma
compreensão melhor” (Baum, 1994, p. 103, itálico
que oferece uma alternativa científica aos do original).
métodos que dominam as publicações nos
textos e periódicos psicológicos. 1. Um Exemplo de Análise Conceitual Men-
Na conversação cotidiana, com freqüência, talista em Debate com o Behaviorismo Ra-
emitimos opiniões sobre as origens dos dical
eventos que ocorrem no mundo e, com base
em certas relações óbvias ou sutis entre esses Para ilustrar uma visão mentalista em deta-
fatos, supomos que os entendemos. Ou seja, lhes, selecionamos o trabalho Análise e Meta-
nosso discurso inclui muitas referências a física (Strawson, 1992/2002), cujo conteúdo
causas e explicações dos acontecimentos e, em reflete uma visão teórica geral semelhante à
parte, considera-se que esses relatos e seus divulgada por filósofos tais como Comte-
efeitos revelam o grau de conhecimento ou Sponville (2000/2002), Hessen (1925/2000),

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Nagel (1987/2001), entre outros que, embora termos conhecimento da distinção” (Strawson,
difiram nos detalhes da argumentação, man- 1992/2002, pp.143-144).
têm a distinção ontológica dualista entre os A distinção traçada por Strawson parece ser
processos naturais e os racionais (ou intelec- entre a suposta relação natural de causalidade
tuais). Strawson (1992/2002) articula as rela- entre coisas na natureza (que o behaviorismo
ções entre ontologia, epistemologia e lógica, radical descreve como contingências de re-
entre verdade e conhecimento, entre signifi- forço mantidas pelos sistemas físicos e sociais)
cado e compreensão, e esboça uma teoria e a relação explicativa entre fatos ou verdades
cognitiva em que supõe que uma ação resulta (considerada “não-natural”) que, para o beha-
de ligações indissociáveis entre crença, atitu- viorismo radical, são exemplos naturais de
de e desejo. Como esse seu esboço de teoria comportamento verbal. Por que a primeira
psicológica tem grande importância em sua relação é concebida como natural e a segunda
articulação dos traços fundamentais de nosso não? Essa distinção e outras a ela relacionadas,
sistema de idéias, constitui o alvo central da embora aparentemente simples, têm sido
presente análise e justifica nossa escolha. Em objeto de análises e debates filosóficos ao
seguida, Strawson avança para a análise dos longo dos últimos séculos que desafiam um
conceitos de causação e explicação para, en- resumo eficiente. Um cientista e filósofo que,
tão, proceder ao exame das idéias de liberdade ao longo de sua carreira, se ocupou com os
e necessidade que, em sua opinião, certamen- conceitos de causa e explicação em ciência foi
te figuram entre os elementos-chave do nosso Skinner (1953; 1969; 1974). Zuriff (2002) resu-
equipamento conceitual. De acordo com ele, miu suas contribuições à ciência e filosofia em
“Às vezes presumimos, ou diz-se que presu- três níveis profundos:
mimos, ser a causalidade uma relação natural “Primeiro: suas brilhantes interpretações beha-
mantida entre eventos ou circunstâncias parti- vioristas do mundo mental. Estas incluem inter-
culares no mundo natural, tal como acontece com pretar os conceitos mentais tais como significado,
a relação de sucessão temporal ou de proxi- propósito, e expectativa em termos de contin-
midade espacial. Associamos também, correta- gências e histórias de reforço, sua incorporação
mente, causalidade com explicação. Mas se a dos eventos privados no behaviorismo para ex-
causalidade é uma relação mantida no mundo plicar os relatos de episódios internos elaborados na
natural, a explicação é um caso diferente. As primeira pessoa e sua epistemologia comporta-
pessoas explicam coisas para si ou para outras, e mental. Segundo: sua concepção de teoria e
isso é algo que acontece na natureza. Mas teorização psicológica que inclui, de um lado,
também falamos que uma coisa explica (ou que é oposição às inferências teóricas hipotéticas, a
a explicação de) outra coisa, como se explicar substituição de determinação (causa) por relação
fosse uma relação entre coisas. E é mesmo. Mas funcional, a noção de teoria como um conjunto
não uma relação natural no sentido em que parcimonioso de leis e a de explicação como
consideramos a causalidade como uma relação predição e controle; de outro, temos sua visão de
natural. É uma relação intelectual, racional ou que a prática científica efetiva consiste em
intencional3. Não é uma relação mantida entre permanecer próxima aos dados e observação, sua
coisas no mundo natural, às quais podemos atri- oposição ao método hipotético-dedutivo, sua
buir lugar e tempo na natureza, mas entre fatos liderança na promoção de uma ciência do
ou verdades. Os dois níveis de relação são comportamento autônoma e sua interpretação da
freqüente e facilmente confundidos no pensa- ciência como o comportamento dos cientistas. Ter-
mento filosófico porque não estão bem distingui- ceiro: sua filosofia social e as idéias sobre a apli-
dos no pensamento corrente ou não-filosófico. E cação da tecnologia comportamental, com ênfase
não são claramente distinguidos pelo pensa- no controle comportamental, oposição ao uso da
mento corrente, porque fazer a distinção não punição e aos conceitos tradicionais tais como
teria muitas vezes um objetivo prático. Todavia, 'liberdade' e 'responsabilidade pessoal' que jul-
na medida em que nosso objetivo filosófico é gava atrapalhar o progresso humano (Zuriff,
entender o pensamento não-filosófico, o melhor é 2002, p. 369, itálicos acrescentados).

3
Este conceito, formulado por W. O. Quine, filósofo norte-americano, é um modo econômico de se referir a processos que se supõe
ocorrerem na mente quando buscamos explicar a distinção entre o natural e o intelectual, empregando de modo bem liberal noções tais
como pensamentos, significados, propósitos, conhecimento, necessidade lógica ou semântica, etc (Strawson, 1992/2002). Portanto,
resume os conceitos do mentalismo.

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Conforme Skinner (1969), as origens do co- mologia) e a teoria geral da proposição, do que
nhecimento podem ser resumidas com base é verdadeiro ou falso (a lógica) não são senão
na distinção entre comportamento modelado apenas três aspectos de uma única inves-
por contingências, comportamento gover- tigação unificada (Strawson, 1992/2002).
nado por regras e suas interações, como segue: Para os objetivos do presente trabalho, ressal-
“(A) certos sistemas mantêm certas contin- tamos a relação entre experiência sensível e
gências de reforço: uma parte do ambiente natu-
ral, os instrumentos no laboratório de pesquisa
objetos materiais e a ênfase de Strawson de
ou um grupo cultural; (B) o comportamento for- que devemos conceber como algo no mundo a
mado e emitido por ser reforçado nessas intera- experiência que um sujeito tem do mundo,
ções; (C) regras derivadas das contingências: como uma parte do mundo e da história desse
ações verbais que descrevem ocasiões, respostas
e conseqüências; e (D) o comportamento evocado
sujeito, mas também como uma experiência
pelas regras. Uma ação em D quase nunca é igual do mundo, e, portanto fonte de juízos obje-
à de B porque as regras em C jamais serão tivos a seu respeito (Strawson, 1992/2002). E
descrições completas das contingências em A. As também, que esses objetos que retêm sua
relações em B e D são efêmeras e sobrevivem
apenas nossos registros delas que, em geral, estão
identidade (incluindo as pessoas) com suas
sob o controle de diferentes estados motiva- mudanças, relações e interações, constituem
cionais, subjetivos só porque são típicos de certas ou fornecem o quadro unitário espaço-tem-
pessoas e suas histórias particulares, enquanto A poral do nosso mundo, conforme refletidos na
e C são objetivos e duráveis. As regras de C são
estímulos verbais e suas relações com A ofuscam
linguagem como referentes primários dos
os efeitos em B e D, dizendo-se que A é aquilo nomes e frases nominais (Strawson,
sobre o que uma pessoa 'adquire conhecimento' e C 1992/2002).
é 'conhecimento'” (Skinner, 1969, p. 160, itálicos Para sustentar as principais linhas de conexão
acrescentados).
e interdependência que, para Strawson, man-
Esta distinção permite compreender a dife-
têm coesos os conceitos fundamentais de nos-
rença entre aprender por “entendimento”
sa estrutura geral das idéias, ele passa a con-
(modelagem por contingências) e por “descri-
frontá-la com uma abordagem, ou família de
ção” (governado por regras) e que, no primei- abordagens, completamente diferente quanto
ro caso, o comportamento é muito mais sutil e a esta estrutura geral que, segundo o autor,
efetivo do que no segundo porque as regras dominava até há pouco a tradição empirista
nunca descrevem completamente as contin- britânica da filosofia. Conforme Strawson
gências e, portanto, ambos produzem diferen- (1992/2002), de acordo com essa tradição, a
tes estados corporais tanto quanto os senti- estrutura geral das nossas idéias deriva de
mentos que esses estados engendram uma pequena região da própria estrutura.
(Skinner, 1989). Esta parte fundamental da estrutura é con-
cebida como básica e não derivada, como dada
A) Esboço de uma Teoria Cognitiva da Ação (Strawson, 1992/2002, itálico do original), e
e Análise de sua Natureza Comportamental consiste numa seqüência temporalmente
ordenada de estados mentais subjetivos,
Strawson (1992/2002) considera como tarefa incluindo experiências sensórias na mente do
principal do filósofo (a tarefa metafísica) res- sujeito. E, ainda, com base na separação brus-
ponder às perguntas: quais são os conceitos e ca entre experiência sensível e juízo (crenças),
categorias mais gerais que organizam nosso os estados mentais são concebidos de modo
pensamento, nossa experiência, acerca do bastante estreito como impressões ou imagens
mundo? E como se relacionam entre si dentro de qualidades sensórias simples, isoladas ou
da estrutura total do pensamento? O projeto em combinação. Conforme o autor, esta tradi-
de Strawson, que julgamos correto, visa mos- ção mentalista, subjetivista, ou seja, interna-
trar que a teoria geral do ser (a ontologia), a lista, iniciada por Descartes, de um modo ou
teoria geral do conhecimento (a episte- outro dominou o empirismo de Locke, Ber-

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Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

keley e Hume, que tentaram, por diferentes ções” que, para o externalismo, são suspeitas
meios, construir, justificar ou explicar a nossa porque estão encharcadas de mentalismo. En-
imagem geral do mundo apoiados na estreita tretanto, Strawson argumenta que o exter-
base constituída pela sucessão de estados nalismo não pode reconstruir, com base
mentais subjetivos (Strawson, 1992/2002). apenas em eventos e objetos observáveis de
Oposto à tradição acima, conforme Strawson, fora, a distinção entre o que é lógica ou seman-
o externalismo defende a idéia de que as ticamente necessário e o que é lógica e seman-
características, as relações e o comportamento ticamente contingente. Sustenta que não se
dos corpos, incluindo os corpos humanos, no pode fugir a uma certa dose de mentalismo,
espaço, são, ou parecem ser satisfatoriamente tanto na teoria do significado como na teoria
definidas e observáveis, enquanto a vida da percepção, embora não esclareça essa im-
mental ou interior parece ser elusiva e possibilidade. Mas sugere abandonarmos o
indefinida, não disponível para inspeção que considera como duas perversões filo-
pública ou verificação científica. Strawson sóficas: “o empirismo clássico, ou o que pode-
equipara o externalismo à abordagem sólida ria ser chamado de mentalismo desenfreado,
ou científica, mas, para ele, tentar efetuar uma de um lado, e o externalismo, ou o que poderia
redução externalista da experiência perce- ser chamado de fisicalismo desenfreado, de
ptiva não é apenas intrinsecamente absurdo; outro” (Strawson, 1992/2002, p. 104).
refuta-se a si próprio, pois atinge a própria Tanto quanto Strawson, Skinner (1945/1984,
razão que torna o externalismo atrativo: isto é, 1969, 1974) criticou com eloqüência a própria
a natureza satisfatória e definitivamente ob- distinção entre externalismo e internalismo,
servável da cena física pública. Assim, uma tendo em vista que a pele não é assim tão
receita corretiva útil para as dúvidas acerca do importante como fronteira e critério para
interior não é olhar dentro, mas olhar separar diferentes processos, bem como com
exteriormente: “a plena descrição do mundo sua distinção entre comportamento modelado
físico como percebido fornece inciden- por contingências e comportamento gover-
talmente e ao mesmo tempo uma completa e nado por regras ofereceu um contexto teórico
rica descrição da experiência subjetiva do para superar as distinções entre “verdades de
percepiente” (Strawson, 1992/2002, p. 103). fato” e “verdades de razão” (Skinner, 1957;
Strawson (1992/2002) sugere que a distinção 1969). Com respeito aos exageros do exter-
entre internalismo e externalismo remete a nalismo, Skinner (1974) referiu-se ao beha-
uma distinção filosófica tradicional antiga que viorismo metodológico - ou seja, às várias for-
Leibniz expressou ao distinguir entre ver- mas de psicologia S-R que compartilham a
dades de razão e verdades de fato, que Russell noção de causa como essencialmente antece-
(s.d./2001) esclarece ao comentar que para dente ao comportamento, inclusive a psicolo-
Leibniz, tudo no universo acontece por uma gia cognitiva (ver Day, 1983) - como uma ver-
razão suficiente, mas admitia o livre-arbítrio,
são psicológica do positivismo ou operacio-
no sentido em que as razões pelas quais o ser
nismo lógico (fisicalismo, conforme Straw-
humano age carecem da rígida compulsão da
son), embora reconheça que se preocupam
necessidade lógica. Outros filósofos falaram
com questões diferentes. Skinner refuta vigo-
de verdades lógica ou semanticamente
rosamente a alegação do positivismo lógico de
necessárias, em contraste com verdades
que, como dois observadores, não podem con-
contingentes; ou, talvez de modo mais estrito,
cordar acerca do que ocorre no mundo da
de verdades analíticas e verdades sintéticas
mente; então, do ponto de vista da ciência da
(Kant, 1781/1983). Conforme Strawson
(1992/2002), as noções de verdades de razão, física, os acontecimentos mentais são
lógicas ou semanticamente necessárias “inobserváveis”. E acrescenta que precisa ser
ilustram as “noções intencionais” ou “inten- mais bem esclarecida a afirmação de que os

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behavioristas negam a existência de sentimen- reza e a diferença consiste no acesso a esses


tos, sensações, idéias e outros traços da vida objetos de observação. Conforme a brilhante
mental (Skinner, 1974). análise de Abib (1997), o problema não está
Conforme Skinner, o behaviorismo metodo- situado na ontologia ou na estrutura da reali-
lógico excluiu os acontecimentos privados por dade, mas sim na epistemologia, ou seja, se os
não ser possível um acordo público acerca de eventos privados existem e são da mesma
sua validade, mas o behaviorismo radical natureza dos eventos públicos, o problema é
adota uma linha diferente, pois não nega a de acesso e, sendo assim, trata-se de encontrar
possibilidade da auto-observação ou do um método para conhecê-los.
autoconhecimento nem sua possível utilida- Baum (1994) esclarece que todas as ciências
de, apenas questiona a natureza daquilo que é estudam eventos naturais, tais como objetos
sentido ou observado e, portanto, conhecido. em movimento, reações químicas, crescimen-
Portanto, também restaura a introspecção, to de um tecido, estrelas que explodem, sele-
mas não aquilo que os filósofos e os psicólogos ção natural, ou ação corporal. A análise com-
introspectivos acreditavam “contatar” e, as- portamental não é diferente, e os eventos na-
sim, levanta o problema de quanto de nosso turais específicos de seu interesse são aqueles
corpo e sob quais condições podemos real- atribuídos a organismos vivos e íntegros. Ele
mente observar (Skinner, 1974). Ele esclarece assim ilustra: “Se eu disser O céu está azul, essa
que o que é sentido ou introspectivamente verbalização (evento) é atribuída a mim; ela é,
observado não é nenhum mundo imaterial da digamos, meu relato de que O céu está azul. E se
consciência, da mente ou da vida mental, mas pode dizer o mesmo com respeito aos eventos
o próprio corpo do observador, ou mais exata- privados. Se eu pensar O carro está fazendo um
mente os produtos colaterais das histórias ge- barulho novo, esse evento é atribuído a mim
nética e ambiental da pessoa (Skinner, 1974), enquanto organismo como um todo e, ambos,
pois somente sob tipos especiais de contin- são exemplos do que designamos como
gências verbais podemos responder a certas comportamento” (Baum, 1994, p. 30, itálicos do
características de nosso corpo (Skinner, 1989). original). Portanto, os eventos públicos são
E sobre os exageros do internalismo, Skinner aqueles que podem ser relatados por mais de
(1974) aponta que o mentalismo, ao fornecer uma pessoa, enquanto os privados podem ser
uma aparente explicação alternativa, man- relatados apenas pela pessoa que os expe-
tinha a atenção afastada dos eventos externos rimenta, como quando relatamos nossos pen-
antecedentes que poderiam explicar o com- samentos ou sentimentos. Para o behavio-
portamento, enquanto que o behaviorismo rismo radical essa distinção tem pouco signifi-
metodológico fez exatamente o contrário ao cado, sendo a única diferença irrelevante o
lidar exclusivamente com os acontecimentos número de pessoas que podem relatá-los. Fora
externos antecedentes: desviou a atenção da isso, são eventos do mesmo tipo, possuem as
auto-observação e autoconhecimento. Para mesmas propriedades, e, portanto, para Skin-
ele, o behaviorismo radical restabelece um ner os eventos privados são naturais e, sob
certo tipo de equilíbrio, não insiste na verdade todos os aspectos, semelhantes aos eventos
por consenso e pode, por isso, considerar os públicos (Baum, 1994).
acontecimentos que ocorrem no mundo O comportamento verbal é, de longe, a aveni-
privado dentro da pele, pois não os considera da mais conveniente para se ter acesso a qual-
inobserváveis e nem os descarta como quer coisa que seja considerada um aspecto
subjetivos, mas simplesmente questiona a significativo do conhecimento humano, in-
natureza do objeto observado e a fidedig- cluindo o autoconhecimento (Day, 1969).
nidade das observações (Skinner, 1974). Esta Conforme Day, a característica mais saliente
visão filosófica sustenta que tanto o mundo desta nova epistemologia pode resultar da
externo quanto o interno são da mesma natu-

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Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

análise psicológica do comportamento, pú- favoráveis ou desfavoráveis para com estados


blico e privado, de cientistas, professores, e de coisas que acreditamos existirem de fato no
outras pessoas que razoavelmente se consi- presente ou que achamos possíveis ou pro-
dera que sabem sobre ou conhecem as coisas. váveis no futuro. Assim, para Strawson:
De modo mais especifico, ela envolve a análise “As ações têm origem na combinação de crença e
atitude relevantes: ao originar-se de uma com-
das variáveis controladoras do comporta-
binação de crença e atitude que uma ação inten-
mento verbal em quaisquer usos interessantes cional é a ação que é. Elas visam o cessar ou evitar
e significativos da palavra conhecimento e ou- estados de coisas desfavoráveis, presentes ou
tros conceitos relacionados, e que a preo- futuros, e perpetuar ou criar estados de coisas
cupação não é se o que o falante diz é ou não favoráveis, presentes ou futuros; é dessa maneira
que se direcionam à luz de nossas crenças” (Stra-
verdade, mas o que o levou a dizer o que disse. wson, 1992/2002 p. 105).
Basicamente, qualquer um é livre para falar o Entretanto, o conceito de comportamento ver-
que quiser, que alguém diz o que pode dizer e bal como comportamento operante, formu-
que disse o que quis dizer. Em princípio, tudo lado por Skinner (1957), recobre grande parte
isto é aceitável para o behaviorista radical, das distinções e conceitos mencionados, tais
uma vez que o que se diz é uma manifestação como: “traços gerais e fundamentais de nosso
do complexo funcionamento humano e, por sistema de idéias”, “crenças”, “seres cogni-
isso, um legítimo objeto de investigação tivos”, “atitudes favoráveis ou desfavorá-
comportamental. Portanto, ao estudá-lo, o be- veis”. Ele assim começa:
haviorista deve tentar descobrir as variáveis “Os homens agem sobre o mundo, modificam-
que controlam o que se falou e, neste sentido, no e, por sua vez são modificados pelas conse-
mesmo a linguagem mais mentalista pode ser qüências de sua ação. Alguns processos que os
compreensível e valiosa (Day, 1969). seres humanos compartilham com outras espé-
cies alteram o comportamento para que ele obte-
O que Day sugere não é simplesmente uma nha um intercâmbio mais útil e mais seguro em
“tradução” do mentalismo para o behavio- determinado meio ambiente. Uma vez estabe-
rismo, mas, visando construir e consolidar a lecido um comportamento apropriado, suas con-
ciência do comportamento, a análise deve ir seqüências agem através de processos seme-
lhantes, para permanecerem ativas. Se, por acaso,
bem além de meras inferências sobre
o meio se modifica, formas antigas de compor-
conteúdos privados, buscando sistematica- tamento desaparecem, enquanto novas conse-
mente descobrir e descrever as variáveis con- qüências produzem novas formas” (Skinner,
troladoras de comportamentos tão complexos 1957, p. 1).
quanto o de elaborar teorias e discursos filo- Portanto, as “atitudes favoráveis” ou “desfa-
sóficos. E à medida que análises funcionais voráveis” surgem de conseqüências que têm,
frutíferas sejam descritas, podem revelar não respectivamente, as mesmas características
apenas as limitações das interpretações cau- afetivas (isto é, as “favoráveis” são reforça-
sais do mentalismo, mas também a força dessa doras e as “desfavoráveis” são punitivas), e as
análise no entendimento desses processos crenças podem ser descritas como regras que
como avanços na concepção de explicação orientam o que fazer ou deixar de fazer. Em
como predição e controle. resumo, aprendemos a seguir regras à medida
Voltando a Strawson (1992/2002), ele con- que tais ações operantes são reforçadas por
sidera óbvio que existem muitos traços gerais conseqüências naturais e/ou sociais, ou ações
e fundamentais de nosso sistema de idéias, não condizentes com elas são punidas e, para-
entre eles as noções de agência e sociedade: lelamente a esse processo, também aprende-
somos agentes (isto é, seres capazes de ação) e mos a formular regras igualmente sob o con-
seres sociais. Segundo ele, o que torna inte- trole de contingências naturais e sociais de re-
ligível o conceito de ação e põe o nosso papel forço e punição (Baum, 1994). O compor-
como seres cognitivos em relação com o nosso tamento verbal é modelado pela comunidade
papel como agentes é termos atitudes verbal e, dessas interações sociais, deriva nos-

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sa capacidade de formular regras e agirmos ceito de crença e o de ação, pois considera que
como “seres cognitivos”, na medida em que a ação deriva de uma combinação de crença e
podemos descrever para nós ou para outras desejo. Então, pergunta “O que é possuir uma
pessoas nosso próprio comportamento (e o de crença?”. Para ele, uma crença acerca do
outras pessoas) e seus motivos, causas ou ra- mundo envolverá freqüentemente uma cons-
zões, isto é, o complexo contexto antecedente ciência dos modos possíveis de atuação para
imediato e remoto, descritos tecnicamente co- evitar o que queremos evitar e realizar os fins
mo estímulos discriminativos e eliciadores, desejados. Portanto, um primeiro passo para o
bem como suas conseqüências reforçadoras. entendimento do conceito de crença pode ser
Quando exemplos desses comportamentos dado dizendo-se que: “acreditar em algo
verbais ocorrem, diz-se que a pessoa tem auto- (honestamente) é, pelo menos em parte, estar
consciência ou consciência dos outros e suas preparado, se houver oportunidade, para agir
intenções (Skinner, 1969) ou, em outras pala- de modo apropriado” (Strawson, 1992/2002,
vras, certas “contingências práticas levam as p. 108). Mas, como efetuar corretamente a
pessoas a apresentar, umas às outras, pergun- conexão entre crença, desejo e ação, ou dispo-
tas que resultam na auto-observação que de- sição para agir, é um problema que reco-
nominamos consciência; outras perguntas ge- menda e deixa ao cuidado do leitor. Contudo,
ram o comportamento de autogoverno a que insiste que nenhum desses três elementos
damos o nome de pensamento. Juntos, eles pode ser devidamente compreendido, ou
conduzem à ciência” (Skinner, 1989, p, 53). mesmo identificado, senão em relação aos
Strawson (1992/2002) também enfatiza que os outros. Finalmente, todos esses desenvol-
conceitos de coisas que ocupam espaço no vimentos cognitivo, conceitual e comporta-
mundo e o conceito da nossa posição percep- mental ocorrem num contexto social (em
tual em relação a eles estão permeados pelas particular, a aquisição da linguagem, sem a
possibilidades de ação que permitem ou qual é inconcebível o pensamento desenvol-
inibem e insiste em que ao aprender a natu- vido, que depende do contato interpessoal e
reza das coisas, aprendemos as possibilidades da comunicação), de modo que cada um deve
de ação e vice-versa. Para ele, as duas aprendi- ver a si próprio numa relação social em que
zagens são inseparáveis de modo que a cons- seu propósito interage com os de outros.
ciência de que a situação admite certas possi- Esses últimos argumentos de Strawson
bilidades de ação é a outra face da consciência situam-se no campo da motivação, especial-
da limitação daquelas possibilidades. E nem é mente as referências ao desejo e suas conexões
preciso salientar o quanto aprendemos sobre com crença e ação. Este campo é abordado no
o mundo por manipulação, que assim ilustra: behaviorismo radical por meio do conceito
“O conceito de uma porta é-me dado na ação de mais técnico e preciso de operações estabe-
abrir aquilo que me permite passar para lecedoras (OE) porque o conceito de “moti-
dentro ou para fora de um prédio ou de uma vação”, como um termo da linguagem colo-
sala, e na ação de fechar, que me permite excluir quial, pode apresentar ambigüidades em suas
a vista ou o som do que está do outro lado”
várias acepções jurídica, lingüística, semiótica
(Strawson, 1992/2002, p. 106). Não parece
e psicológica (Cunha & Isidro-Marinho, 2005).
haver dúvidas de que o autor está susten-
Conforme estes autores, uma OE é uma variá-
tando, como eventos causais, os conseqüentes
vel ambiental definida em função de seus dois
e os antecedentes que controlam o compor-
tamento operante e os subprodutos verbais principais efeitos, denominados de efeito
que resultam dessas interações. estabelecedor do reforço e efeito evocativo, ou
Mas, além da conexão íntima entre o conceito seja: é um evento ambiental que está correla-
de objetos e o conceito de ação, Strawson cionado filogenética ou ontogeneticamente
enfatiza uma ligação importante entre o con- com a eficiência do reforço ou da punição e

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Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

que evoca ou suprime um tipo de compor- particular descreve uma ação que pode pro-
tamento que tenha sido reforçado ou punido duzir um resultado desejado, a probabilidade
por esse evento, sendo as operações de priva- da ação (“atitudes favoráveis ou desfavorá-
ção e saciação exemplos do conceito (Cunha & veis”, para Strawson) atinge um máximo e a
Isidro-Marinho, 2005). ação tende a ocorrer efetivamente.
Quando uma OE altera o valor reforçador de
um evento filogeneticamente importante, tra- B) Verdade e Conhecimento
ta-se de exemplo de operação estabelecedora
incondicionada (eg. privar ou saciar um Strawson (1992/2002) analisa o conceito de
organismo de água ou alimento induz com- verdade com base na disputa entre duas teo-
portamentos que conduzem, respectivamen- rias: a teoria da correspondência, segundo a
te, ao beber e comer ou à rejeição de líquidos e qual uma crença é verdadeira se e somente se
alimentos). As operações estabelecedoras condi- corresponde a um fato, a um estado de coisas
cionadas são de origem ontogenética e, por- objetivamente existente; e a teoria da coerên-
tanto, relacionadas à história de reforçamento cia, segundo a qual uma crença é verdadeira
de cada pessoa e são classificadas como: 1) OE se e somente se é um membro de um sistema
condicionada substituta: se um estímulo de crenças mantidas que seja coerente, consis-
previamente neutro precede uma OE incondi- tente e compreensivo. Para o teórico da corres-
cionada ou condicionada ele adquire a carac- pondência, segue Strawson, um aspecto fun-
terística motivacional da OE com a qual foi damental de qualquer sistema ou estrutura
emparelhado; 2) OE condicionada reflexiva: individual de crença é o fato (sic) de ser acerca
trata-se de relação um pouco mais complexa, de uma realidade concebida como existindo
onde um estímulo sistematicamente precede a independentemente das crenças a seu
apresentação de um estímulo aversivo e, se o respeito. Strawson não menciona que este
primeiro estímulo é removido contingente à aspecto remete à tese básica do realismo filo-
emissão de uma resposta, a apresentação do sófico desde Tales de Mileto no século VI a.C.
estímulo aversivo é cancelada. Os procedi- (Baum, 1994), e sim que o teórico da coerência
mentos de esquiva sinalizada são exemplos insiste na interdependência das partes da es-
deste tipo de OE; 3) OE condicionada transi- trutura porque não se pode corrigir uma cren-
tiva: a efetividade de muitas formas de refor- ça sem formar outra (Strawson, 1992/2002).
çadores positivos condicionados pode depen- O autor considera que ambas têm méritos, não
der de uma condição de estímulo antecedente, estão em conflito e devem ser apoiadas, mas
durante a qual foi estabelecida a eficácia des- alega que a obviedade da correspondência
ses reforçadores positivos condicionados (ver pode induzir uma imagem confusa e em
detalhes em Cunha e Isidro-Marinho, 2005). última análise contraditória de acesso sem-
Com base nos conceitos de operações estabe- conceito aos fatos, à realidade. Contra essa
lecedoras, regras e comportamento operante, visão, a teoria da coerência insiste em que não
podemos sugerir como ocorre a “conexão en- há contato cognitivo com a realidade, nem,
tre crença, desejo e ação” deixada por Straw- portanto, conhecimento dela, que não envolva
son (1992/2002) para o leitor. Uma crença formar uma crença, fazer um juízo e recorrer a
seria uma regra do tipo “se esta ação ocorrer conceitos (Strawson, 1992/2002). Ele sustenta
produzirá tal resultado”, que exerce funções que a noção de verdade serve de ligação entre
de estímulo discriminativo (quando estabelece o a teoria do conhecimento e a teoria do signi-
contexto para uma ação ocorrer ou não) e ficado, que teria máximo interesse e valor ex-
operação estabelecedora (isto é, quando tem plicativo ao mostrar como os significados das
função evocativa). O desejo pode ser enten- sentenças são sistematicamente determinados
dido como efeito de uma privação natural ou pelos significados de seus elementos consti-
condicionada de modo que, se uma crença tuintes e pelas formas de sua combinação, mas

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Carlos Eduardo Cameschi - Lorismario Ernesto Simonassi

também deve explicar como compreendemos rais” ou de relações na esfera moral. A primei-
os significados assim determinados. Segundo ra limita o conceito de verdade, enquanto que
ele, a noção de compreensão fornece outra a segunda estica ou expande o conceito de
ligação se a pensarmos como a apreensão de realidade ou de mundo, mas ambas têm sido
condições de verdade, de modo que uma insatisfatórias porque partilham o questio-
teoria geral das condições de justificação para nável pressuposto do modelo simples da cor-
afirmar ou negar proposições vem a ser respondência palavra-mundo. Para Strawson,
precisamente o que se entende por teoria do o modelo deve ser tomado como ponto de
conhecimento. Mas, considera que, embora partida desde os casos primários ou básicos da
pouco se possa objetar a essas idéias simples, verdade e, então, avançar para explicar como
elas podem conduzir ao engano acerca dos é possível e legítimo estender a noção de
conceitos de verdade e de conhecimento. verdade para além desses limites sem ali-
Certamente, pois o behaviorismo radical sus- mentar mitos ou ilusões. Desse modo, pode-se
tenta que “os significados, conteúdos e refe- compreender e aceitar sem dificuldade a
rências devem ser procurados entre os deter- noção de verdade a proposições que não são
minantes, não entre as propriedades, da res- simples registros de fatos naturais, mas de-
posta” (Skinner, 1984, p. 548). Em sua breve sempenham um papel diferente e mais com-
análise do significado das palavras faladas ou plicado em nossas vidas (Strawson, 1992/
escritas, Nagel (1987/2001) reconhece que o 2002). Certamente desempenham: sua função
mistério do significado é que ele, aparen- como regras não deve ser subestimada, con-
temente, não se situa em nenhum lugar - nem forme sugere Skinner ao afirmar que:
na palavra, nem na mente, nem em nenhum “A lógica e a matemática possivelmente ori-
ginaram-se de contingências simples de refor-
conceito ou idéia pairando entre a palavra, a
çamento. A distinção entre é e não é e a relação
mente e as coisas sobre as quais estamos entre se e então são características do mundo
falando. Mas, corretamente, considera que físico, e os números devem ter aparecido pela
sem dúvida é importante o fato de que a lin- primeira vez quando as pessoas começaram a
guagem seja um fenômeno social e que quan- contar coisas. Uma vez que as regras foram for-
muladas a esse nível, porém, novas regras come-
do a aprendemos ingressamos em um sistema çaram a serem derivadas delas, e as contin-
já existente há séculos (Nagel, 1987/2001). gências práticas logo ficaram para trás. Vários
Strawson (1992/2002) questiona a noção de matemáticos dizem que o que fazem não tem
verdade como “correspondência semântica absolutamente nenhuma referência ao mundo
entre palavra e mundo” porque surgem difi- real, a despeito dos usos práticos dos sistemas
matemáticos” (Skinner, 1989, p. 42).
culdades em sustentar a relação quando o
A análise de Strawson, embora densa e per-
refe-rente não pode ser encontrado no mundo
suasiva, mostra-se pouco parcimoniosa ao
concreto4. Esta teoria se defende ao julgar que
supor ligações entre conceitos tais como co-
os juízos morais, as equações matemáticas e as
nhecimento, significado, verdade e compre-
tautologias da lógica não são enunciados ou
proposições e, portanto, não são verdadeiros ensão, empregados de um modo bem liberal.
ou falsos. Embora tenham relação com o Eliminando os pressupostos realistas da
mundo natural, eles não se relacionam com ele correspondência e os mentalistas da coerên-
como enunciados a seu respeito, mas como cia, reconhecendo que são, sobretudo, exem-
instruções para agir no mundo, fazer cálculos plos de comportamento verbal, as duas teorias
ou raciocinar acerca do mundo. A reação podem se revelar complementares, pois a
oposta consiste em adotar o platonismo e primeira envolve comportamento verbal sob
aceitar a existência de qualidades “não-natu- o controle de um fato público, enquanto a
4
Conforme o behaviorismo radical, os significados estão em algumas das propriedades das contingências e as correspondências
palavra-mundo criam a ilusão de que as palavras carregam em si mesmas os significados. Conforme Moore (2000b), as palavras não
substituem as coisas. Ou seja, uma mesma palavra pode ocorrer em diferentes contextos que são os determinantes dos seus significados
(Skinner, 1957).

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Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

outra envolve comportamento verbal sob o qual uma classe especial de proposições, a sa-
controle de outros exemplos de comporta- ber, as proposições da observação corrente
mento verbal, isto é, outras “crenças” ou re- constituem a evidência última, as razões
gras que não impliquem em contradições. Em derradeiras (os fundamentos ou a justificação)
exemplos mais complexos, a correspondência para aceitarmos como verdadeiras outras coi-
pode ser ilustrada por meio da descrição de sas que dizemos conhecer. Após mostrar os
uma relação funcional que, de acordo com a no- equívocos a que muitos filósofos sucumbiram
ção de teoria de Skinner como um conjunto adotando a metáfora, Strawson sustenta que
parcimonioso de leis, ilustra a coerência se existe uma verdade mais geral e interessante a
estiver de acordo com esse conjunto de leis ou ser recuperada dessas ruínas:
a necessidade de corrigir a teoria se revelar al- “A formação do corpo de crenças do indivíduo -
a formação da sua imagem do mundo - é o
guma contradição lógica ou empírica inacei-
resultado causal da sua exposição ao mundo e da
tável. interação com ele, incluindo a educação recebida
Em resumo, é trivial que o contato sensorial de outros membros da comunidade; e é evidente
com o mundo pode ser o início do conhe- que essa exposição envolve observação (ver e
cimento, mas contato não é suficiente. Uma ouvir). Em algum ponto do processo emerge o
poder da reflexão crítica e autoconsciente. Talvez
pessoa conhece o mundo e como se comportar não se possa dizer que o indivíduo possua um
nele, à medida que adquire o comportamento corpo de crenças anterior a esse poder. Mas com
que satisfaz as contingências que o mantém, e certeza não diremos que esse poder emerge antes
a distinção entre regras e contingências equi- do in-divíduo possuir um corpo de crenças.
vale à distinção entre variáveis controladoras Wittgens-tein disse muito bem: “Quando
começamos a acreditar em algo, aquilo em que
distintas responsáveis pelos diferentes acreditamos não é uma proposição isolada, é um
“significados” dos comportamentos. As re- sistema in-teiro de proposições. A luz pouco a
gras [leis] da ciência são públicas, sobrevivem pouco ilumi-na o todo” (Strawson, 1992/2002,
aos cientistas que interagem com sistemas de pp. 126-127).
reforço e, assim, adquirem repertórios discri- E de modo muito coerente com o behavio-
minativos cuja descrição as tornam dispo- rismo radical, a despeito da diferença em ter-
níveis a outros cientistas que são, por sua vez, minologia, para Strawson, o ponto a ser
guiados por elas (Skinner, 1969). Mas essas enfatizado é a natureza operante e contínua da
regras não descrevem o que se passa no exposição do indivíduo ao mundo. A todo o
mundo “lá fora”, independentemente da ex- momento, nosso sistema de conhecimento (ou
periência do cientista que, no início, as apren- crença) tem de acomodar as crenças que a
de com a comunidade científica - fatos, leis e experiência corrente (ou a observação cor-
teorias (estímulos especificadores de con- rente) provoca em nós nesse momento de
tingências) e, depois, as corrige através de sua forma tal, que os estados subseqüentes de
experiência sempre em curso (Abib, 1993b). nosso sistema de crença são o resultado de um
Portanto, as leis da ciência não descrevem a processo continuado de acomodação às
realidade, mas sim a experiência do cientista e incessantes pressões da experiência. Por fim,
ele ou outros as empregam fazendo predições ele acrescenta não uma intuição teórica ou
acerca do que pode acontecer sob determi- filosófica, mas um preceito estritamente prá-
nadas condições iniciais conhecidas. E, assim, tico, um convite à crítica muito salutar, pois
quem segue as leis da ciência não é a natureza, avesso ao dogmatismo e também coerente
mas sim os cientistas ao agirem de acordo com com o pragmatismo behaviorista:
elas para prever e produzir os efeitos práticos “Nem toda crença mantida ou informação pre-
de interesse (Skinner, 1969). tendida pode ser verificada ou testada através do
testemunho de nossos olhos e ouvidos; mas algu-
Strawson (1992/2002) avança na análise mas podem e devem sê-lo. O ceticismo radical e
crítica da teoria do conhecimento questionan- universal (isto é, filosófico) é na pior das hipó-
do a metáfora dos fundamentos, segundo a teses sem sentido; na melhor, vazio. Mas um ceti-

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Carlos Eduardo Cameschi - Lorismario Ernesto Simonassi

cismo prático e seletivo é sábio, particularmente corrente elétrica, etc. Em geral, então, a busca
quando o que está em questão são as asserções de de teorias causais é uma busca de modos de
partes interessadas ou de pessoas com opiniões
fortemente partidárias ou ideológicas, apesar do
ação e reação que não são observáveis no nível
seu desinteresse no plano pessoal” (Strawson, mais corrente (hipóteses e postulados) e que
1992/2002, pp.127-128). achamos inteligíveis porque os modelamos
sobre (ou pensamos neles por analogia com)
C) Causa e Explicação aqueles vários modos de ação e reação que a
experiência oferece à observação vulgar ou
Como vimos, Strawson (1992/2002) distingue nos quais temos consciência de tomar parte
entre a suposta relação natural de causali- ativa ou de os suportar. Entretanto, nas
dade, mantida entre coisas na natureza, e a fronteiras mais sofisticadas da teoria física os
relação explicativa não-natural (racional) modelos parecem completamente esgotados.
entre fatos ou verdades. Para ele, segura- A causação é engolida pela matemática
mente, o poder de um fato explicar outro deve (Strawson, 1992/2002). Admitindo a com-
ter alguma base no mundo natural onde os pleta disposicionalidade dos nossos conceitos
eventos ocorrem, as condições vigorem e as pré-teóricos correntes das coisas e qualidades,
relações causais se mantêm. Temos que pen- isto é, que eles antecedem a experiência, e
sar assim sob pena de sustentar que a própria negando que as meras regularidades de
relação causal não tem existência natural (ou sucessão por si próprias nos são suficientes
existência nenhuma) fora de nossas mentes. para encontrar as causas, Strawson conclui
Em parte, esta posição resume a doutrina de que Kant está fundamentalmente certo contra
Hume, considerada “a opinião aceite” por seu Hume. Segundo ele, Kant possuía uma com-
maior crítico que assim a descreve: somente preensão segura do ponto central de que o
através da percepção e comparação de conceito de eficácia causal não deriva da
eventos que sucedem repetidamente de modo experiência de um mundo de objetos, mas é
uniforme a outros fenômenos precedentes é por ela pressuposto; ou, talvez melhor, já está
que primeiramente fomos levados a elaborar conosco quando a “experiência” começa. En-
para nós o conceito de causa (Kant, 1871/ tretanto, Kant assim começa sua análise crítica
1983). Strawson sustenta que a opinião aceite da razão pura:
está em parte correta e em parte errada. “Não há dúvida de que todo o nosso conhe-
cimento começa com a experiência; do contrário,
Conforme Strawson, Hume seguiu a pista de por meio do que a faculdade de conhecimento
uma fonte subjetiva que considerava ser o deveria ser despertada para o exercício senão
aspecto distintivo da concepção de causalida- através de objetos que toquem nossos sentidos e
de como uma relação natural, a que se referia em parte produzem por si próprios represen-
como a idéia de conexão necessária e seus tações, em parte põem em movimento a ativida-
de do nosso entendimento para compará-las, co-
“quase”-sinônimos (eficácia, força, agência,
nectá-las ou separá-las e, desse modo, assimilar a
poder, energia, necessidade e qualidade matéria bruta das impressões sensíveis a um
produtiva). A idéia discernível nos conceitos conhecimento dos objetos que se chama expe-
de “poder”, “força” e “compulsão” parece de- riência? Segundo o tempo, portanto, nenhum
rivar da impressão de força exercida ou sofri- conhecimento em nós precede a experiência, e
da nas transações mecânicas (empurrar, pu- todo o conhecimento começa com ela” (Kant,
1871/1983, p. 23).
xar, ser empurrado ou puxado). Portanto, não
Considerando que as categorias do entendi-
é de se admirar que essas transações forneçam
um modelo básico quando efetuamos a busca mento (os conceitos “pré-teóricos” ou a priori)
teórica das causas ou “mecanismos” causais são vazias antes de serem aplicados aos obje-
(Strawson, 1992/2002). tos do conhecimento, uma interpretação plau-
O modelo permitiu o exame das noções de sível é que não há oposição entre razão e
atração e repulsão, da mecânica dos corpos experiência. Conforme Abib (1993a), sendo
sólidos, do comportamento dos fluidos, da essas categorias puras e a priori, isto é, nada

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Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

contendo de empírico e sensível, elas por si termos e conceitos que relacionem suas uni-
mesmas não representam nenhum conheci- formidades entre classes ou propriedades e
mento, são vazias. Essas formas de pensamen- tornem tais relações familiares e compreensí-
to, contudo, aplicadas ao objeto de uma intui- veis (Baum, 1994). Assim, combateu a visão
ção, produzem conhecimento e sem elas não mecanicista de que a “coisa-no-meio” inferida
há conhecimento possível. De fato, Abib explique a relação, simplesmente porque “não
afirma não haver, na filosofia de Kant, oposi- existe causa e efeito na natureza, exceto se al-
ção entre os conceitos de razão e experiência, guém escolhe chamar relações constantes e
sendo o objeto da sua crítica a ilusão da possi- funções matemáticas de causas”(Chiesa, 1994,
bilidade de um conhecimento racional sobre a p. 112).
alma, o mundo e Deus, assim como não há Conforme Skinner (1969), o comportamento
oposição entre idealismo e realismo. Isto por- como objeto de estudo não requer o método
que o idealismo transcendental é uma investi- hipotético-dedutivo porque é geralmente ob-
gação dos objetos como fenômenos ou repre- servável como a maioria das variáveis de que
sentações, não como “coisa-em-si”, número é função, onde as exceções colocam problemas
ou objeto transcendental. Para Kant, um obje- mais técnicos do que metodológicos. As hipó-
to como coisa existente fora de nós, indepen- teses surgem com freqüência somente porque
dente de nossa sensibilidade, não pode ser o pesquisador voltou sua atenção para even-
objeto de conhecimento. Portanto, parece pos- tos inacessíveis - alguns dos quais fictícios e
sível conciliar os conceitos de razão e expe- outros irrelevantes (Skinner, 1969). Antes,
riência, idealismo e realismo e, assim, superar Skinner (1953, p. 140) resumiu assim a origem
os equívocos que engendram (Abib, 1993a). do conhecimento:
Chiesa (1994) esclarece que a filosofia de “O controle funcional exercido por um estímulo
permite distinguir entre sentir e certas outras
Skinner segue a ênfase de Ernst Mach, que se
atividades sugeridas por termos como “ver”,
opôs ao mecanicismo da física teórica do “perceber” ou “conhecer”. “Sentir” pode ser
século XIX, baseadas em especulações tomado para se referir à mera recepção do
metafísicas hipotéticas sobre um éter, força ou estímulo. “Ver” é o comportamento “interpre-
agência causal e outras entidades inobser- tativo” que um estímulo controla. O termo “ver”
caracteriza uma relação especial entre compor-
váveis, bem como à distinção entre descrição e tamento e estímulos. É diferente de “sentir” da
explicação, e promoveu uma visão de ciência mesma forma que responder é diferente de ser
descritiva, observacional e integrativa. A estimulado. Nossa “percepção” do mundo - nos-
crítica de Hume a essas referências hipotéticas so “conhecimento” do mundo - é o nosso com-
levou Mach a defender como tarefa da ciência portamento em relação ao mundo. Não deve ser
confundido com o mundo propriamente dito ou
somente a descrição das relações constantes com outro comportamento em relação ao mundo
(relações funcionais) e combater as interpre- ou com o comportamento de outros em relação
tações que avançavam além das descrições de ao mundo”.
dependências funcionais. As especulações Hineline (1990) aponta que, na linguagem
hipotéticas seriam apenas auxílios provisórios comum, considera-se uma pessoa ou organis-
(ou heurísticas) úteis para gerar novas ques- mo como o agente iniciador do comporta-
tões e estabelecer novas relações e leis empíri- mento, enquanto na formulação behaviorista
cas que, depois, deveriam ser dispensadas em
radical o papel é atribuído ao ambiente. Entre-
vez de transformadas em realidades ontoló-
tanto, falar do ambiente como agente inicia-
gicas, posto que têm um papel importante
embora intrinsecamente transitório na ciência dor ou dizer que o ambiente seleciona o
natural, na medida em que não descrevem comportamento envolve atribuir muito ao
nada do mundo (Chiesa, 1994). Mach susten- ambiente, obscurecendo a ênfase real da for-
tou que a explicação em ciência natural é a mulação behaviorista, melhor descrita na for-
descrição de relações funcionais, por meio de ma passiva: o comportamento é selecionado

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Carlos Eduardo Cameschi - Lorismario Ernesto Simonassi

pelo ambiente (Hineline, 1990). Essa análise mente em um mundo muito semelhante àque-
destaca os aspectos ativo e dinâmico do con- le em que a espécie evoluiu (Skinner, 1990). O
ceito de operante como ação no ambiente em organismo não nasce como uma “tabula rasa”
vez de sobre o ambiente e resume a concepção mas construído para ser afetado por estímulos
causal da abordagem: considerar o organismo cruciais de seu contexto5 (Baum, 1994). No
integral como “anfitrião” de seu comporta- segundo, ao longo da vida do indivíduo, são
mento, um ponto focal de energia e atividade e formados padrões comportamentais com-
um “lugar” onde as variáveis genéticas e onto- plexos através da imitação6 e do reforçamento
genéticas se juntam (Skinner, 1972; Hineline, operante, entre os quais, apenas no nível hu-
1980). Com base na noção de causação múlti- mano capaz de comportamento verbal, se
pla, articula-se o princípio de seleção de varia- pode aprender a seguir e formular regras. E,
ções como um modelo causal (Skinner, 1981), no terceiro, são selecionados padrões compor-
onde: “(1) a força de uma única resposta poder tamentais, principalmente verbais, nas intera-
ser, e usualmente é, uma função de mais de ções com os membros do grupo social, envol-
uma variável; e (2) uma única variável afeta vendo a aprendizagem de regras úteis porque
mais do que uma resposta” (Skinner, 1957, p. descrevem contingências de longo prazo e
227). Ela é útil para a análise do comporta- orientam as práticas relacionadas à sobre-
mento verbal, mas também “para ilustrar que vivência do grupo e sua cultura (Skinner,
muitas variáveis contribuem para qualquer 1971/1987; 1981), e em que a ciência se inclui
situação, que as situações podem ser anali- como um dos exemplos mais conspícuos.
sadas pelo modo como essas variáveis são Com base no modelo de falseamento de hipó-
divididas e classificadas” (Chiesa, 1994, p. teses de Karl Popper, Dodwell (1988, p. 241)
114), tornando possível esclarecer onde se di- afirmou que “não há circunstâncias sob as
rigem as ciências naturais e as várias subdis- quais uma proposição da teoria skinneriana
ciplinas da psicologia na busca de relações pudesse ser conclusivamente refutada”. Para
causais. Conforme Moore (2000a), o beha- rebater e se posicionar sobre a questão da
viorismo radical enfatiza as fontes pragmá- verdade, Skinner assim se pronunciou:
ticas e as contribuições do comportamento “O falseamento presumivelmente é o oposto do
estabelecimento da verdade, mas não a sustento
verbal considerado como explicativo.
mesmo em casos simples. Até o ponto em que
A análise filosófica e científica esboçada acima estou envolvido, a ciência não estabelece a
sustenta que o comportamento do organismo verdade ou falsidade; ela busca o modo mais
como um todo é produto de três tipos de eficiente para lidar com os seus objetos de estudo. A
teoria da evolução não é verdadeira ou falsa; é a
variação e seleção: filogenético, ontogenético
melhor interpretação possível de uma vasta série
e cultural (Skinner, 1981), onde as falhas de de fatos à luz de princípios que vêm sendo
cada nível são corrigidas no seguinte (Skinner, lentamente melhor compreendidos na genética e
1990). No primeiro, a seleção natural é res- outras ciências biológicas. Fui ousado o bastante
para sugerir que uma análise cuidadosa da teoria
ponsável pela evolução da espécie e seu
física moderna, usando os termos da análise
comportamento específico que é eficaz so- experimental do comportamento, poderia escla-
5
Esta predisposição talvez possa justificar a absurda teoria das idéias inatas, combatida por Hume tanto quanto a lei da causalidade
como inerente ao mundo físico, ao sustentar que o próprio raciocínio experimental que compartilhamos com os animais, do qual
depende toda a conduta da vida, é nada mais que uma espécie de instinto ou um poder mecânico que age em nós sem que tenhamos
consciência dele (Hume, 1748/1972). Talvez, como todos os organismos têm reações ou respostas inatas, incluindo “as respostas
adaptadas a acontecimentos iminentes”, o mentalista rotula-as como “expectativas” para sustentar a “expectativa de encontrar
regularidades” como “conhecimento inato” e que “nascemos, portanto, com expectativas - com um 'conhecimento' que é anterior a
experiência derivada da observação.” Entretanto, somente quando nos comportamos verbalmente, é que uma regra está envolvida
(Skinner, 1989) e exibimos o que é considerado “racional”, quando aprendemos a formular e seguir as regras que descrevem as
contingências, habilidades que se caracterizam como comportamento operante selecionado por contingências de reforço e punição
(Baum, 1994).
6
O comportamento operante é imitado porque existe possibilidade de ocorrências das mesmas conseqüências reforçadoras; a imitação é
especialmente importante quando as contingências são escassas e porque “evoca” o comportamento pela primeira vez e, assim, as
conseqüências reforçadoras passam a assumir sua função (Skinner, 1989; 1990).

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Causa e explicação: mentalismo e behaviorismo radical

recer algumas das fontes de suas controvérsias qualquer modo, foi inevitável gastar tempo e
atuais” (Skinner, 1988a, p. 241-242). espaço com a simples correção de confusões
A ousadia ilustra sua confiança na possibi- sobre os fatos e minha posição, onde daria boa
lidade da epistemologia comportamental que vinda às oportunidades para trocas mais pro-
dutivas. Qualquer que seja a utilidade desta
buscou desenvolver, enquanto liderava a
edição, pelo menos deverá ser de interesse para o
promoção de uma ciência do comportamento futuro historiador como uma amostra do estilo
autônoma e a interpretação da ciência como o de discussão entre os cientistas comportamentais
comportamento dos cientistas. do final do século XX” (Skinner, 1988b, p. 487-
488).
A preocupação de Skinner com a definição
2) Comentários Finais
rigorosa de termos e conceitos para que sejam
Do debate acima esboçado, pode-se concluir cientificamente úteis, obrigou-o a debater ex-
que o ponto central das controvérsias envolve tensamente com seus críticos como quando
sustentar ou refutar a existência de duas utilizou a famosa estratégia de Émile Zola em
substâncias, uma natural e a outra não-natu- Dreyfus affair: 'J' accuse...' e resumiu seis críti-
ral. Enquanto Strawson (1992/2002) e grande cas aos cientistas cognitivos, entre elas “Eu
parte dos teóricos da psicologia sustentam as acuso os cientistas cognitivos de relaxarem os
duas, Skinner questiona que os eventos padrões de definição e pensamento lógico e
chamados mentais tenham propriedades formularem enchentes de especulações carac-
especiais e os reinterpreta como processos terísticas da metafísica, literatura e conver-
comportamentais. Ele, “na verdade, não sação coloquial, talvez adequadas para tais
admite nem mesmo a idéia de substância. É propósitos, mas inimigas da ciência” (Skinner
um monista. Existem eventos subjetivos, mas 1985, p. 300). Finalmente, para ilustrarmos
sua condição subjetiva decorre de sua que o debate-alvo deste ensaio envolve inter-
privacidade e não de sua natureza” (Abib, locutores respeitáveis, Skinner assim resumiu
1997, p. 128). A ênfase de Skinner na possibi- sua posição em palestra proferida em 1972,
lidade de uma ciência do comportamento cujo título foi Humanismo e Behaviorismo:
"O fato importante é que nas contingências,
humano, nos mesmos moldes das ciências sociais e não-sociais, que promovem o conhe-
naturais, recebeu ataques de todos os tipos, cimento (do mundo e de si mesmo) não há nada
mas nem sempre as críticas se revelaram úteis além de estímulos e respostas; elas não incluem
ao debate por atingirem a pessoa e não sua processos mediadores. O que sentimos durante
as emoções e o que observamos por meio da
posição teórica e filosófica. E assim se
introspecção são nada mais que uma mistura de
pronunciou a esse respeito: conjuntos de produtos colaterais ou subprodutos
“Por que não fui mais prontamente entendido? das condições ambientais às quais o comporta-
Má exposição de minha parte? Tudo que posso mento está relacionado. Com isso, quero dizer
dizer é que trabalhei duro nesses artigos, mas a que Platão nunca descobriu a mente? Ou que
posição central, entretanto, não é tradicional e Tomás de Aquino, Descartes, Locke e Kant esta-
talvez seja este o problema. Mover-se de uma vam preocupados com subprodutos incidentais
determinação interna do comportamento para do comportamento humano e, com freqüência,
uma determinação ambiental é um passo difícil”. irrelevantes? Ou que as leis mentais da psicologia
Mas Skinner a seguir pergunta
de Wundt, o fluxo de consciência de William
“Por que a discussão nas ciências comporta-
James ou o aparelho mental de Sigmund Freud
mentais tem que ser tão pessoal? Einstein não
não ajudam no entendimento do comportamento
aludiu à 'senilidade' de Newton nem Mendel e
humano. Sim, é exatamente o que quero dizer"
outros acusaram Darwin de 'ignorar totalmente'
(Skinner, 1978, p. 51).
as bases genéticas da evolução. Por que foi tão
tentador dizer que sou 'estranhamente provin- Embora não ofereça qualquer justificativa
ciano', 'quixotesco' ou que certa outra questão é lógica para o livre-arbítrio, Nagel (1987/2001)
'uma trágica ironia'? Esses pontos são relevantes afirma que se pensasse que seu compor-
numa discussão científica? Eu tentei manter o tamento foi determinado pelas circunstâncias
tom pessoal fora de minhas réplicas, mas a
tentação foi grande e falhei em alguns pontos. De e condição psicológica corrente, ele se sentiria

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Carlos Eduardo Cameschi - Lorismario Ernesto Simonassi

encurralado; e se pensasse a mesma coisa estão ligados e são elas, e não os sentimentos,
sobre todas as outras pessoas, sentiria que não que nos habilitam a explicar o comporta-
somos mais do que um bando de marionetes. mento. Como filosofia de uma ciência do com-
Conforme Skinner (1974), em uma ciência do portamento, o behaviorismo exige, provavel-
comportamento ou em sua filosofia não há mente, a mais dramática mudança jamais
nada que obrigue alterar sentimentos ou proposta em nossa forma de pensar sobre o
observações introspectivas e que estas e os homem, que implica literalmente em virar
sentimentos merecem reconhecimento, mas a pelo avesso a explicação do comportamento
ênfase é dada às condições ambientais a que (Skinner, 1974).

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Recebido em: 22/11/04


Primeira decisão editorial em: 22/05/05
Revisão em: 20/06/05
Aceito em: 22/06/05

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1 - Curso de Aprimoramento em
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Público alvo
Profissionais e estudantes
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(a partir do 4 ano) de Medicina,
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Informações: Luciana
Fone: (11) 3069-6988
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