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Direitos Reais

4º ano
Ano Lectivo 2003/2004

Regente: Prof. Dr. José González


PROGRAMA:

PARTE GERAL

Parte I

1. Conceito de direito real.


1.1. Breve perspectiva histórica.
1.2. Relação jurídica.
1.2.1. Concepção corrente.
1.2.2. Relação jurídica com uma coisa.
1.3. Oponibilidade erga omnes.
1.3.1. Conteúdo.
1.3.2. Pressupostos. Princípio da publicidade.
1.3.2.1. Publicidade espontânea.
1.3.2.2. Publicidade provocada.
Registo Predial: efeitos.
a) Para terceiros: fé pública.
b) Para o beneficiário do registo:
- Enunciativo.
- Constitutivo.
- Consolidativo.
- Atributivo.

Parte II

Capítulo I

Secção I – Pessoa

1. Personalidade e capacidade de gozo.


2. Capacidade de agir.
3. Capacidade natural.
4. Legitimidade.
4.1. Direitos de gozo, de garantia e de aquisição.
4.2. Legitimidade para transmitir.
4.3. Legitimidade para onerar.
4.4. Legitimidade para extinguir.
5. Titularidade. Contitularidade: regime geral.

Secção II – Coisa
(remissão)

1
Capítulo II – Facto

1. Conceito.
2. Tipicidade exemplificativa. Excepções.
3. Titularidade efectiva.
4. Factos com eficácia constitutiva/translativa genérica.
4.1. Contrato.
a) Princípio do consentimento.
b) Excepções e desvios.
4.2. Negócio unilateral.
4.3. Usucapião (remissão).
4.4. Sentença.
4.5. Expropriação por utilidade particular.
4.6. Aquisição tabular.
5. Factos com eficácia constitutiva/translativa específica.
5.1. Da propriedade.
5.1.1. Ocupação.
5.1.2. Achamento.
5.1.3. Acessão.
5.1.4. Especificação.
5.2. Das servidões.
4.2.1. Destinação do pai de família (remissão).
4.2.2. Acto administrativo (remissão).
5.3. Da retenção.
6. Factos modificativos.
6.1. Modificação subjectiva.
6.2. Modificação objectiva.
6.2.1. Oneração.
6.2.1.1. Sobreposição de direitos sobre a mesma coisa: princípio
da elasticidade.
6.2.2. Perda da coisa.
6.2.2.1. Subrogação real.
7. Factos extintivos.
7.1. Renúncia.
7.2. Não uso.
7.3. Usucapio libertatis (remissão).
7.4. Termo e condição.
7.5. Consolidação.
7.6. Expropriação por utilidade pública.
7.7. Desaparecimento da coisa.
8. Titularidade aparente.
8.1. Factos constitutivos.
8.2. Factos transmissivos.
8.3. Factos extintivos.

Capítulo III – Conteúdo

1. Taxatividade.
2. Taxatividade aberta.
3. Conteúdo positivo e negativo.
3.1. Conteúdo positivo.
3.1.1. Direitos reais de gozo.
3.1.2. Direitos reais de garantia.
3.1.3. Direitos reais de aquisição.
3.2. Conteúdo negativo.
3.2.1. Limites.
3.2.1.1. No interesse geral.

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3.21.2. No interesse particular.
a) Restrições de vizinhança.
i) Natureza.
ii) Regulações específicas de vizinhança.
3.2.2. Obrigações propter rem.
a) Características.
b) Regime.
3.2.3. Ónus reais.
a) Características.
b) Regime.

PARTE ESPECIAL

Capítulo I – Propriedade

I) Regime Geral.

1. O direito de propriedade como direito fundamental.


2. Conteúdo do direito de propriedade.
O conteúdo essencial do direito de propriedade.
3. Natureza jurídica.
4. Objecto. Coisas corpóreas e incorpóreas.
4.1. Direitos sobre criações intelectuais.
4.2. Direitos sobre universalidades de direito.
5. Defesa judicial do direito de propriedade.
a) Reivindicação.
b) Negatória.
c) Demarcação.

II) Regimes Especiais.

A – Compropriedade.

1. Noção.
2. Natureza jurídica.
3. Modos de constituição.
4. Situação jurídica do comproprietário.
5. Poderes e deveres do comproprietário.
4.1. Disposição da quota.
4.2. Divisão da coisa comum.

B – Propriedade das águas.

1. Águas públicas e particulares.


1.1. Enumeração das águas particulares.
2. Natureza jurídica dos direitos a águas particulares.
a) Propriedade.
b) Servidão.
3. Regime de aproveitamento das águas particulares.

Capítulo II – Propriedade horizontal.

1. Noção.
2. Natureza jurídica.
3. Modos de constituição.
4. Situação jurídica do condómino.

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5. Poderes e deveres do condómino.
6. Órgãos de administração das partes comuns.

Capítulo III – Usufruto

1. Conteúdo do direito de usufruto.


2. Natureza jurídica.
3. Constituição do direito de usufruto.
3.1. Per deductionem e per translationem: relevância
da distinção.
3.2. Usufruto sucessivo e simultâneo; o direito de
acrescer.
4. Usufruto de coisas consumíveis.
5. Direitos de uso e habitação: traços específicos.

Capítulo IV – Habitação periódica

1. Conteúdo do direito real de habitação periódica.


2. Natureza jurídica.
3. Modo de constituição e transmissão/oneração.
4. Situação jurídica do usuário.
5. Poderes e deveres do usuário.

Capítulo V – Superfície

1. Conteúdo do direito de superfície.


a) Direito de construir no solo ou no subsolo.
b) Direito de sobreelevação.
2. Natureza jurídica e objecto da superfície.
3. Modos de constituição.
4. Situação jurídica do superficiário.
5. Poderes e deveres do superficiário.

Capítulo VI – Servidão

1. Traços característicos.
2. Conteúdo da servidão predial.
3. Natureza jurídica.
4. Modos de constituição.
a) Destinação do pai de família.
b) Acto administrativo.
5. Classificações.
4.1. Servidões legais e voluntárias.
4.2. Servidões aparentes e não aparentes.
4.3. Servidões positivas e negativas.

Capítulo VII – Posse

1. Noção de posse: posse causal e posse formal.


2. Estrutura da posse: concepção subjectiva e concepção objectiva.
3. Natureza jurídica da posse.
4. Objecto da posse.
5. Espécies de posse.
6. Aquisição da posse.

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a) Apossamento.
b) Inversão do título.
c) Constituto possessório.
d) Traditio: longa manu e brevi manu.
7. Sucessão na posse e acessão da posse.
8. Exercício e conservação da posse.
9. Perda da posse. Em especial, pela posse de outrem.
10. Efeitos jurídicos da posse.
10.1. Presunção de titularidade.
10.2. Benfeitorias.
10.3. Frutos.
10.4. Acções possessórias, na posse exclusiva e na composse.
a) Manutenção e restituição.
b) Embargos de terceiro.
10.5. Usucapião.
a) Pressupostos.
b) Efeitos. A usucapio libertatis.

BIBLIOGRAFIA

a) Básica

- Augusto da Penha Gonçalves, "Curso de Direitos Reais", 2ª


edição,
Lisboa, 1995.

- Luís Carvalho Fernandes, "Lições de Direitos Reais", Lisboa,


2003.

- José Alberto González,


"Direitos Reais (parte geral) e Direito Registal
Imobiliário",
Lisboa, 2002, 2ª edição.
"Código do Registo Predial anotado", Lisboa, 2002, 2ª
edição.

5
“Restrições de vizinhança (de interesse particular)”,
Lisboa,
2003.

- José de Oliveira Ascensão, "Direito Civil – Reais", 5ª edição,


Coimbra, 1994.

- António Menezes Cordeiro, "Direitos Reais", reprint, Lisboa,


1995.

- Rui Pinto Duarte, “Curso de Direitos Reais”, Cascais, 2002.

- Pires de Lima-Antunes Varela, "Código Civil Anotado", vol. III.

- Manuel Rodrigues, "A Posse – Estudo de Direito Civil


Português",
Coimbra, 1996.

- Mota Pinto, "Direitos Reais", Coimbra, 1971.

- António Menezes Cordeiro, "A Posse: perspectivas


dogmáticas
actuais", Coimbra, 1997.

- Manuel Henrique Mesquita, "Direito Reais", Coimbra, 1967.

b) De desenvolvimento

- Manuel Henrique Mesquita, "Obrigações Reais e Ónus Reais",


Coimbra, 1990.

- José de Oliveira Ascensão, "A Tipicidade dos Direitos Reais",


Lisboa, 1968.

- José de Oliveira Ascensão, "As Relações Jurídicas Reais",


Lisboa,
1962.

- António Menezes Cordeiro, "Da natureza do direito do


locatário",
Revista da Ordem dos Advogados, vol. I e II, Lisboa, 1980.

- Mário Júlio de Almeida Costa, "Cláusulas de Inalienabilidade",


Coimbra, 1992.

- J. J. Gomes Canotilho, "Protecção do Ambiente e Direito de


Propriedade", Coimbra, 1995.

- José de Oliveira Ascensão, "Estudos sobre a superfície e a

6
acessão", Braga, 1973.

- José de Oliveira Ascensão, "Estudos sobre Expropriações e


Nacionalizações", Lisboa, 1989.

- José de Oliveira Ascensão, "Preferência do arrendatário


habitacional, notificação, caducidade, renúncia", Revista da
Ordem dos Advogados, vol. III, 1993.

- A. Santos Justo, "Direito Privado Romano – III (Direitos


Reais)",
Coimbra, 1997.

- Fernando Alves Correia, "O Plano Urbanístico e o Princípio da


Igualdade", Coimbra, 1989.

- Mário Tavarela Lobo, "Águas – Titularidade do domínio


hídrico",
Coimbra, 1985.

- António dos Santos Lessa, "Usufruto e Arrendamento",


Coimbra,
1984.

- Fernando Alves Correia, “Manual de Direito do Urbanismo”,


Coimbra, 2001.

c) Estrangeira

- Martin Wolff-Ludwig Raiser, "Sachenrecht", (trad. esp.), tomo


III,
vols. I e II, Barcelona, 1971.

- J. L. Lacruz Berdejo, "Derechos Reales", tomo III, vols. I e II,


Barcelona, 1991.

- Manuel Albadalejo, "Curso de Derecho Civil Español", vol. III,


"Derecho de Bienes", Barcelona, 1982.

- Luis Diez-Picazo y Antonio Gullón, "Sistema de Derecho


Civil",
vol. III, 5ª edição, Madrid, 1990.

- Luis Diez-Picazo, "Fundamentos del Derecho Civil


Patrimonial",
vol. III, Madrid, 1995.

- José Castán Tobeñas, "Derecho Civil Español, comun y foral",


tomo II, "Derecho de Cosas", vols. I e II, Madrid, 1987.

7
- Antonio Gambaro, "La Proprietà", Milano, 1990.

- Angelo Belfiore, "Interpretazione e Dommatica nella teoria dei


Diritti Reali", Milano, 1979.

- Francesco De Martino/Giovanni Pugliese no Commentario del


Codice Civile de Scialoja-Branca, "Della Proprietà", Bologna-
Roma, 1946.

- Vincenzo Lojacono, "Gli Atti di Immissione", Milano, 1972.

- François Terré-Philippe Simler, "Droit Civil - Les Biens", 4ª


edição, Paris, 1992.

- Maurice Picard no Traité Pratique de Droit Civil Français de


Planiol-Ripert, "Les Biens", tomo III, Paris, 1952.

DIREITOS REAIS:
Do ponto de vista dos direitos patrimoniais a distinção básica
faz-se entre direitos de crédito e direitos reais. Os direitos de
crédito são direitos a uma prestação, são direitos relativos a
uma conduta de um sujeito. Os direitos reais são direitos
sobre coisas.

A própria lei deu a noção de direitos de crédito, direito a um


comportamento alheio. Os direitos reais não têm na lei um
conceito, no rigor a lei não utiliza a própria designação de
direitos reais de uma forma genérica, utiliza só para efeitos
específicos (“utiliza em DIP e no Usucapião”), mas nunca em
termos gerais. A propriedade não tem a designação de direito

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real dada pela própria lei. O conceito de direito real é dado pela
própria história do direito, jurisprudência e doutrina que foi
sendo aperfeiçoado.

O conceito de direito real só se consegue obter através da


evolução histórica.

De uma forma que se aproxima ao que ainda hoje se defende


parecer corresponder à noção dada pela teoria realista (surgiu
em 1º lugar). Os direitos reais implicam uma ligação jurídica
entre um agente e uma coisa, ou seja, aquele que tem um
direito tem uma ligação imediata com uma coisa.

Em rigor este conceito é o mais próximo daquilo que se pode


comprovar, mas originalmente o conceito de direito real foi
criado com base no direito de propriedade. Na teoria realista
entendia-se que a ligação entre o sujeito e a coisa era factual,
tinha de existir um domínio de facto. O direito tem de permitir
ter a coisa em seu poder.

Com a noção de ligação factual só seriam direitos reais os


direitos reais de gozo (propriedade, propriedade horizontal,
usufruto, direito de habitação periódica e algumas servidões de
passagem).

Foi-se formando um consenso de que existem mais duas


categorias: os direitos reais de garantia (hipoteca, penhor,
consignação de rendimentos, penhora, direito de retenção e
alguns privilégios creditórios) e direitos reais de aquisição
(preferências legais, preferências negociais com eficácia real).

Os direitos reais de garantia e os direitos reais de aquisição


normalmente não implicam a ligação factual entre o titular e a
coisa “a coisa hipoteca fica em poder do seu titular”.

A teoria personalista surge porque se partiu do principio que


todos os acontecimentos jurídicos podem ser reduzidos ao
esquema da relação jurídica. Aí surge a relação jurídica
absoluta, do lado passivo está o sujeito titular de um direito
absoluto e do lado passivo estão os demais sujeitos, obrigação
passiva universal.

Esta teoria acaba por mudar a própria perspectiva, nesta teoria


a própria possibilidade de uma relação entre um sujeito e uma
coisa é inconcebível, pois as coisas não são sujeitos e uma
relação jurídica implica direitos e obrigações que cabem aos

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sujeitos e não às coisas. A coisa está fora do enquadramento,
não faz parte da relação, é aquilo a que se refere a relação.
Durante o Séc. XX esta foi a teoria dominante.

É uma forma de concepção que acaba por distorcer a realidade,


porque por exemplo: A é proprietária de uma coisa x, para esta
teoria é-se proprietário em relação aos demais em virtude de
uma coisa.

O proprietário de um terreno é essencialmente proprietário


porque pode proibir os outros sujeitos de utilizarem o seu
terreno. É essencialmente um direito negativo. O essencial não
é a relação com terceiros, mas o aproveitamento que pode
retirar da coisa, os outros sujeitos não se podem intrometer.

Surgiu uma teoria mista, esta soma a teoria personalista com


a teoria realista. Passou a dizer-se que nos direitos reais existiria
na mesma relação jurídica entre o titular do direito real e
terceiros, mas isto seria apenas o lado externo desta relação
jurídica, o lado interno seria a relação com a coisa.

Se a relação é entre sujeitos, o lado interno não consegue


integrar-se neste conceito. É por isso que actualmente, de um
modo geral se concebe o direito real na perspectiva realista.

A ligação já não é concebida de um ponto de vista meramente


factual, mas por oposição ao conceito de direitos de crédito.
Assim para o art. 397º do CC, os direitos de crédito implicam
uma ligação entre dois sujeitos por força da qual o credor pode
exigir do devedor um comportamento, o que significa que o
direito do credor só se consegue efectivar se o devedor executar
o comportamento a que está obrigado. O direito de crédito
implica a colaboração de outro sujeito, ao contrário nos direitos
reais dado que a ligação é entre um sujeito e uma coisa a
efectivação do direito real não está dependente da colaboração
de outro sujeito, “o proprietário não necessita da colaboração de
terceiros, o seu direito efectiva-se através da sua própria
vontade”.

Nos direitos reais existe uma ligação entre o titular do direito e a


coisa objecto desse direito, na medida em que a actuação do
titular do direito real é autónoma. O titular pode aproveitar as
utilidades do direito sobre a coisa sem necessidade de
colaboração de terceiros.

Assim já se inclui os direitos de gozo, aquisição e garantia.

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Esta característica do direito real é necessária, mas não
suficiente. Hoje em dia é unânime, que pelo menos, existem
direitos reais de gozo e os direitos pessoais de gozo “o direito do
locatário é um direito de gozo, mas é direito pessoal de gozo
para alguns autores”.

A outra característica corresponde à oponibilidade, perante


terceiros, erga ommes.

Oponibilidade erga ommes:


A relação direita entre o sujeito e a coisa existe sem dúvida nos
direitos reais, mas também pode existir em direitos não reais
como os direitos pessoais de gozo.
Nos direitos pessoais de gozo também há uma utilização
autónoma, mas ela diferencia-se da utilização que é permitida
nos direitos reais, porque nos direitos reais verifica-se a
oponibilidade erga ommes.

A oponibilidade erga ommes é a possibilidade de invocar a


existência e o exercício de um determinado direito perante
qualquer sujeito. Esta definição não pode ser levada
inteiramente à letra, porque todos os direitos reais e não reais
para serem direitos são oponíveis pelo menos perante aquele
que pratica um acto que implique violação de um direito “um
direito de crédito vale não apenas perante o devedor como
perante os terceiros que tenham praticado actos que impeçam a
possibilidade do credor receber a prestação”.

Um direito de crédito dado que se dirige a um agente


determinado, normalmente só é susceptível de violação por
parte do devedor.
Um direito real, normalmente, é susceptível de violação por
qualquer agente, porque não se dirige a ninguém em especial.

Para o Professor parece errado dizer que a principal


manifestação da oponibilidade erga omme manifesta-se
independentemente de violação, na possibilidade do exercício
do direito real poder ser afectado independentemente de quem
seja o sujeito atingido, onerado, sacrificado com esse exercício.

A (proprietário) → B (usufruto) → D (usufruto)

A (proprietário) → deu → B (comodato)

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Do ponto de vista da relação com a coisa com a coisa e o titular
pode não haver grande diferença entre usufruto e o comodato.

Se A vender a coisa a Co usufruto mantém-se, D pode continuar


a fruir tanto contra A como contra B.

Se A vende a C a venda implica a extinção do contrato com B,


salvo se o novo proprietário concordar na continuação do
comodato. O comodato obedece ao princípio da relatividade só
vinculando as partes e não terceiros.

No rigor, parece que a oponibilidade não é do direito real


propriamente dito mas do facto no qual se baseia esse direito. O
que é oponível ou inoponível não é o direito propriamente dito,
mas o facto que constitui esse direito.

A oponibilidade pressupõe a publicidade, isto é, só se pode dizer


que algo é oponível perante uma determinada pessoa na
suposição de que esta pessoa podia conhecer a situação e se
em concreto não conhece é por culpa sua. À contrario, as
situações ocultas não são oponíveis dado que a pessoa não
podia ter conhecimento da mesma. Por isso se diz que os
direitos reais estão sujeitos ao princípio da publicidade.

O principal instrumento de publicidade relativa a direitos reais é


o registo predial e o registo de alguns bens móveis.

O registo predial visa dar publicidade e com isso garantir a


oponibilidade.

Aquilo que se regista são factos jurídicos, regista-se a “compra e


venda”. Ao registar-se os factos garante-se a oponibilidade dos
factos a terceiros. Aquilo que se opõe através do registo é um
facto, não é um direito.

Numa grande medida saber se o facto constitutivo de um direito


é ou não oponível, no essencial resulta de uma tradição histórica
e não propriamente da lei. Tal como não há nenhuma disposição
legal que qualifique este ou outro direito como direito real,
excepto o direito de habitação periódica. Também não se diz
directamente quais são os factos oponíveis a terceiros, nem os
inoponíveis.

No máximo pode entender-se quanto aos imóveis que tendo a


lei considerado registáveis os factos relativos ao usufruto e não
tendo considerado registáveis os factos relativos ao comodato

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de imóveis retira-se que a lei deu oponibilidade aos factos
relativos ao usufruto.

A oponibilidade dos factos resulta apenas da evolução cultural.

Para o Professor, o arrendatário tem um direito real porque o


facto constitutivo do direito do arrendatário é oponível perante
terceiros, é eficaz perante quem quer que seja o senhorio, art.
1057º do C.C.

A regra histórica era de que quando o senhorio mudava


extinguia-se o arrendamento, por isso, houve a necessidade da
lei dizer que o arrendamento se mantém sendo oponível ao
novos senhorio.

Quanto aos outros direitos reais o legislador não sentiu


necessidade, porque a oponibilidade dos factos constitutivos é
indiscutível.

É direito real quando implique uma relação entre o titular do


direito e a coisa objecto desse direito. O titular pode exercer
autonomamente o direito.

O facto constitutivo desse direito tem de ser oponível a


terceiros.

Está pensado essencialmente para o direito de propriedade, os


restantes direitos reais são direitos que implicam do ponto de
vista meramente figurativo um fraccionamento da propriedade,
por isso, são direito sobre coisa alheia “a existência de
usufrutuário significa que existe um proprietário”.

É evidente que nos direitos sobre coisa alheia aquele que é


essencialmente atingido pelo exercício do direito é o
proprietário que é o principal sacrificado. De todo o modo o
usufrutuário pode exercer o seu direito contra qualquer pessoa
que lhe coloque um obstáculo.

Qualquer pessoa está em condições, ilicitamente, de colocar


obstáculos ao exercício de direito.

Nos direitos de crédito a violação só pode ocorrer, nas


generalidades das situações, devido a uma acção ou omissão do
devedor.

Somente é oponível aquilo que possa ser conhecido.

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Em direitos reais existe um princípio da publicidade, isto é, os
factos jurídicos que determinam a constituição, modificação ou
extinção de direitos reais devem ser públicos para serem
oponíveis.

A publicidade de um modo geral distingue-se em publicidade


espontânea e publicidade provocada.

A publicidade espontânea é aquela que deriva da utilização de


um meio que não se destina especificamente a dar publicidade,
mas que indirectamente acaba por publicitar.
“A utilização do nome de cada pessoa é efectuada com o intuito
de identificar a pessoa, mas a utilização reiterada nas relações
sociais acaba por publicitar o nome de tal maneira que o nome
fica intrinsecamente ligado à pessoa”. Daí que de um modo
geral não seja possível modificar o nome da pessoa.

“Quando alguém tem o domínio de facto sobre uma coisa


(posse), ao exercer a posse a pessoa está apenas a utilizar a
coisa, mas essa utilização se for reiterada acaba por publicitar
uma certa relação jurídica, dada a impressão a terceiro que tem
um direito que justifica aquela utilização”, tratando-se de coisas
móveis não registáveis esta é a única forma de publicidade.

A publicidade provocada é aquela que se baseia na utilização de


um meio que está especialmente instituído para dar publicidade.

Distingue-se publicidade registal da publicidade não


registal.

A grande diferença no essencial é que na publicidade registal


a entidade, que mantém o registo – o conservador – tem o dever
de, ao registar os factos fazê-lo de maneira a que quem consulta
o registo possa obter uma informação relativa à globalidade da
situação jurídica em que se encontra a pessoa, se o registo for
pessoal, ou em que se encontra o bem, se o registo for predial.

Ao contrário na publicidade não registal quem dá essa


publicidade não tem o dever de coneccionar todos os factos
relativos à mesma pessoa ou bem. A informação que o público
obtém será uma informação parcial a menos que o interessado
(público) tenha meios para fazer uma investigação por si.

“Escritura de constituição de uma sociedade utiliza-se o Diário


da República, quem consulta o D.R. não tem percepção imediata
que houve uma escritura de modificação do pacto social.”

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Na publicidade registal esse dever de interligar todos os factos
relativos à mesma realidade, pertence à entidade que os dá a
conhecer.

Descrição Inscrição
G1 G1 A vende a B
C1 C1 B hipoteca a C
G2 G2 B vende a C
F1 F1 D constitui
propriedade horizontal

Descrição, assento central no registro predial, identifica o


imóvel que iá ser objecto das futuras inscrições com os
elementos necessários e suficientes, assim em relação a cada
descrição fazem-se as inscrições que são os assentos através
dos quais se descrevem cada facto jurídico referente àquele
imóvel, cada vez que acontece alguma coisa devem inscritas.

Inscrição, registam-se todos os factos entretanto ocorridos que


tenham por objecto o imóvel descrito.

O registo predial ao contrário do registo civil não é obrigatório.


Há no entanto instrumentos que indirectamente forçam a
realização do registo, art. 9º do C.R.Predial, princípio da
legitimação e art. 34º do C.R.Predial, princípio do tracto
sucessivo. O não registo pode implicar desvantagens indirectas.

Para relacionar os factos descritos com o imóvel utilizam-se


códigos de identificação – cotas de referência. O código é
formado com uma letra e um número de ordem.
- Propriedade: G – seguido do número de inscrição,
- Hipoteca: C – seguido do número de inscrição,
- Tudo o resto é identificado pela letra F mais o número de
inscrição.

O Conservador quando inscreve deve verificar se o acto que


está a inscrever observa todos os requisitos de validade e de
eficácia. O que significa que se o conservador se aperceber de
alguma irregularidade não deve registar definitivamente, deverá
recusar (art. 69º CRPredial) ou quando não há fundamento de
recusa deve registar provisoriamente para dúvidas (art. 70º
CRPredial).

Não pode recusar, nem registar para dúvidas se a irregularidade


conduzir à anulabilidade.

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O Conservador está sujeito a um princípio da legalidade com
uma amplitude muito grande por força do art. 68º CRPredial e,
por isso, se o conservador não identificou nenhuma
irregularidade, que impeça a realização do registo definitivo
pode partir-se do princípio que, o que está registado é válido e
eficaz.

Se o conservador não teve dúvidas e registou definitivamente


não há razões para o público ter mais dúvidas que o
conservador. O público pode assumir como verdadeiras as
informações. É nisto que consiste a Fé Pública do Registo
Predial, art. 7º do CRPredial.

Efeitos do Registo:
Efeitos para terceiros (público) - Fé Pública Registal

Efeitos para a pessoa que regista:


- Efeito enunciativo;
- Efeito constitutivo;
- Efeito consolidativo;
- Efeito atributivo.

Quando regista produz simultaneamente efeitos para terceiros e


para a pessoa que regista.

Fé Pública:

O público pode partir do princípio de que a informação


constante no registo é fidedigna, corresponde à realidade.
No fundo a existência do registo predial só se justifica se o
registo tiver fé pública.

Do ponto de vista dos custos económicos para o público a


existência do registo predial com fé pública é uma forma de
diminuir os custos das transacções, no caso de compra e venda
e hipoteca.

Se não houver fé pública o adquirente nunca tem segurança de


que a pessoa a quem adquire tem legitimidade. A forma do
adquirente estar seguro é ele próprio investigar se o alienante
tem legitimidade.

A necessidade de fé pública impõem-se sempre que há registo


predial. A fé pública é conferida por lei, a presunção de que o
registo é verdadeiro é uma presunção legal.

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A fé pública não alcança a descrição, é só relativamente à
inscrição.

O que se regista não são coisas, supõe-se que já está registado,


também não se registam direitos. O que se registam são factos
jurídicos que determinam alguma vicissitude sobre direitos
reais, pelo menos. “O que se regista, por exemplo, é o contrato
que tenha em vista constituir uma hipoteca”.

Indirectamente o registo publica além do próprio facto, por


presunção o direito associado a esse facto por força da fé
pública.

A fé pública tem dois possíveis sentidos/efeitos: sentido positivo


e sentido negativos:

Sentido Negativo: presume-se a compleição do registo,


presume-se que o registo está completo no sentido de que todos
os factos relativos ao imóvel em causa foram registados.

Quem beneficia da presunção (público em geral) está legitimado


para em princípio ignorar factos não registados.

Exemplo:
B (não regista)

 (vende)

A
 (vende)

A segunda venda é venda de bem alheio, pois o B adquiriu a


propriedade no momento em que foi celebrada a escritura de
compra e venda, art. 408º nº1 do C.C.

No suposto de que o A tem registo a seu favor e B não, do


registo resulta que o proprietário é o A e, por isso, a fé pública
forma-se pela ultima inscrição. A é o proprietário presumido, C
pode fiar-se na legitimidade de A.

Sentido Positivo: presume-se a exactidão do registo, presume-se


que os factos registados são válidos e eficazes e, por tanto o
terceiro que adquira direitos baseados no registo pode partir do
princípio de que os factos anteriormente registados, no qual o
seu facto está fundamentado, produziram os seus efeitos
normais.

17
C  (venda) D
D presume que a venda de B a C é válida e que a venda de C a
D também é válida.

Trata-se apenas de uma presunção, o 3º não adquire o que quer


que seja apenas por força do registo anterior que fundamenta a
sua confiança.

Entre nós é discutível que a fé pública tenha o sentido positivo.


O conservador quando decide registar não pode estar
inteiramente seguro de que o facto que regista é válido, por um
lado, porque em termos probatórios ele fundamenta a sua
decisão apenas em documentos e, por outro lado, há vícios que
não são humanamente detectáveis.
“Se o acto que se inscreve é simulado, por definição a simulação
é secreta, por isso, o conservador não tem possibilidade de
descobrir a irregularidade”.

A  (venda B  (venda de bem alheio) C


simulada)

É um argumento inteiramente irreversível. O que se diz para o


conservador vale para qualquer pessoa que tenha o dever de
julgar. No registo predial entre a recusa do registo e a realização
do registo o conservador pode realizar o registo provisório por
dúvidas. À contrario, quando o conservador regista
definitivamente é porque não encontrou nada que lhe
levantasse dúvidas, por isso, não há razão para o público ter
dúvidas onde o conservador não teve.

À letra ambos os sentidos cabem no art. 7º CRPredial. Há que


saber quem beneficia da presunção de compleição ou exactidão.
E saber se aqueles que beneficiam dessa presunção podem
estar em condições de excepcionalmente transformarem a
presunção de compleição ou exactidão em presunção inilidivel.

Literalmente quase não tem sentido porque do art. 5º nº1 do


CRPredial resulta que o registo tem por finalidade garantir a
oponibilidade de certo facto perante terceiros, serão esses
mesmos terceiros que deveriam beneficiar das presunções
derivadas do registo.

Acontece que entre nós o conceito de terceiro para efeito de


registo, além de não coincidir com o conceito normal de
terceiro, é discutível porque há pelo menos duas versões, uma
imposta pela jurisprudência.

18
Convém salientar que terceiro para efeito de registo predial não
está em causa qualquer pessoa, terceiro é só aquela pessoa que
esteja na situação de colisão ou incompatibilidade com a
situação de outra pessoa que tenha direitos sobre o mesmo
imóvel.

O terceiro para efeitos de registo não é o mesmo terceiro que se


considera para efeitos da oponibilidade erga ommes.

Por outro lado dentro desta noção restrita de terceiro discute-se


se se deve adoptar um conceito amplo ou restrito de terceiro
para efeitos de registo.

A opinião tradicional da doutrina que foi seguida pela


jurisprudência que deixou de ser e voltou a ser pelo acórdão de
uniformização 3/99 era pelo sentido do conceito restrito em que
só é terceiro quem adquire direitos apartir de um transmitente
comum, portanto, com a intervenção da vontade desse
transmitente comum.

O conceito amplo ou restrito está relacionado apenas com as


situações triangulares “as pessoas adquirem direitos
incompatíveis de uma mesma pessoa”, o problema não se
coloca nas situações lineares em que o terceiro é sub-
adquirente.

No conceito restrito como se exige a intervenção da vontade do


transmitente comum significa que por exemplo: numa situação
de dupla venda o C é terceiro dado que a sua situação deriva do
A tal como a do B e ambos os casos derivam do A por vontade
deste.

Exemplo:
B

(venda)

A

C (credor)

C intenta acção executiva onde se penhora o imóvel vendido a


B. A penhora incide sobre um bem alheio ao devedor, só que C
beneficia da protecção do registo, pois beneficia da presunção
de que A é proprietário. Em termos de presunção C tem a
presunção de compleição mas o direito real de garantia não é
obtido com a intervenção da vontade de A.

19
No conceito restrito C credor não é terceiro para efeitos de
registo dado que o direito não deriva de um transmitente
comum.

No CRPredial (art. 5º nº4) adoptou-se aparentemente o conceito


restrito, à letra é praticamente igual ao acórdão 3/99.

Prof. Gonzalez: não parece que seja bom. Os casos mais


frequentes são os da penhora sobre bens vendidos e não
registados e não os casos de dupla venda. Até se notou que,
depois do acórdão 3/99 e do art. 5º nº4 do CRPredial, alguns
devedores se aproveitaram do conceito restrito para
defraudarem credores.

Nas situações lineares em que o terceiro é um sub-adquirente


funciona apenas a protecção que estiver directamente prevista
na lei, daí não ser necessário discutir o conceito de terceiro, são
basicamente as condições do nº 2 do art. 17º do CRPredial e do
art. 292º do C.C.

Efeitos do registo para a pessoa que regista

- Efeito enunciativo:

Quando o registo não acrescenta nada em termos de


publicidade, porque nestes casos o facto que se regista já não é
um facto público independentemente do registo, este efeito é
um efeito excepcional dado que nestes casos o registo
praticamente não tem utilidade, salvaguardam-se alguns casos,
porque nesses necessariamente pode o registo trazer algum
benefício para aquele que regista. Os exemplos usuais são o
registo de mera posse (art. 1295 nº2 do C.C.), o registo de
aquisição por usucapião (art. 5º nº2 a) do CRPredial) e
constituição de servidões aparentes (art. 5º nº2 b) do
CRPredial).

Nos casos de mera posse e usucapião a posse só é invocável no


pressuposto de que a posse seja pública (arts. 1295º e 1297º).
Isto é, o possuidor em ambos os casos só pode invocar a sua
qualidade se tiver actuado publicamente (art. 1262º). Quando
depois de invocar o registo já está a registar algo que por
definição é publica, indirectamente acaba por se obter uma
vantagem adicional dado que no caso da mera posse
procedendo-se ao registo os prazos do usucapião em princípio
tornam-se mais curtos.

20
No caso da aquisição por usucapião a vantagem do registo está
ligada à questão da transmissão ou oneração do direito
adquirido, é que nos termos do artº 9º do CRPredial, sempre que
a transmissão ou oneração de um direito implique a intervenção
de uma entidade que tem competência para documentar o acto
de transmissão, essa entidade tem o dever de recusar essa
documentação sempre que o alienante não tenha registo, ou
seja, o possuidor que invoca o usucapião pode registar ou não,
do ponto de vista da aquisição é totalmente irrelevante, mas se
posteriormente quiser transmitir esse direito não o pode fazer
sem registo.

No caso das servidões aparentes, que são aparentes caso se


revelem por sinais visíveis e permanentes, a existência da
servidão é manifestada por marcas colocadas no próprio imóvel.
O registo é totalmente indiferente e só se admite registo por
razões históricas.

- Efeito Constitutivo:

Quando a existência do direito esteja dependente do próprio


registo no sentido de que sem registo o direito nem sequer se
transmite ou nem sequer se constitui.

A “hipoteca” (art. 4º nº2 do CRPredial e art. 687º do CC) não


implica qualquer desapossamento da coisa, isto é, o proprietário
quando constitui a hipoteca continua com o imóvel hipotecado
em seu poder, portanto para terceiros não há nada que
manifeste a existência da hipoteca e, por isso, a única maneira
de publicitar a hipoteca é através do registo, sem registo nem
sequer há hipoteca. Também este efeito é excepcional.

- Efeito Consolidativo: (REGRA)

É o efeito normal do registo, o registo predial é indiferente para


que o facto registável produza os seus efeitos, isto é, o facto
produz os efeitos típicos seja objecto de registo ou não. Só que
se não for registado aquele que não registou corre o risco
eventual de outra pessoa registar um outro facto sobre o
mesmo imóvel que seja total ou parcialmente incompatível com
o efeito do facto não registado.

Exemplo: (art. 408º nº1 do CC)

21
B
(não regista, mas é proprietário)

 (vende)

A
 (vende)

C
(regista)

O B ao não registar corre o perigo de perder o seu direito, por


isso, à contrario, se B tivesse registado teria impedido a
constituição de uma situação incompatível.

Diz-se então que o registo tem efeito consolidativo, enquanto o


beneficiário do facto não regista, esse facto produz na mesma
os seus efeitos. Como pode aparecer um terceiro com uma
situação incompatível esses efeitos são a título precário, se o B
registar, os efeitos que eram precários consolidam-se.

Este efeito encontra-se muito brevemente previsto no art. 5º


nº1 do CRPredial.

- Efeito atributivo:

Há situações, em que, aquele que regista, regista um acto


inválido, mas inválido por razões anteriores à sua aquisição
“regista um acto inválido porque o seu causante já tinha vícios
na sua situação jurídica”.

A Simulação, venda nula (art. 240º nº2)


B Venda (art. 892º)
C
regista regista

Num certo sentido o vício da venda de B a C não é um vício


próprio, é um vício por factos anteriores à aquisição. Nestes
casos verificadas certas condições apesar de ser inválido o
terceiro (C) adquire o direito e, por isso, se pode dizer que o
registo é atributivo do direito dado que em última análise é o
próprio registo que dá o direito.

Este efeito não anda muito longe do constitutivo. No efeito


constitutivo de facto o registo dá o direito, mas é o registo de
um acto válido, ao passo que no efeito atributivo o registo dá o
direito apesar do acto ser inválido.

Têm de estar reunidos os requisitos do art. 17º nº1 do CRPredial


e o art. 291º do C.C.

22
O art. 17º nº2 do CRPredial protege o terceiro contra a
invocação de nulidades registais, ou seja, nulidade do próprio
acto de registo, ao contrário, o art. 291º protege o terceiro
contra nulidades substantivas do próprio acto registado.

As nulidades registais são nulidades que directamente dizem


respeito apenas ao próprio acto praticado pelo conservador
quando regista o facto que lhe pediram para registar e essas
nulidades são as que constam taxativamente do art. 16º do
CRPredial. De um modo geral são invalidades que não têm
repercussões sobre o próprio facto registado.

Isto é, há circunstâncias em que uma invalidade do próprio facto


registado determina a nulidade do registo, é pelo menos o caso
em que o facto registado não esteja contido no documento em
que deveria estar contido, art. 16º a) e b) do CRPredial.

Ao contrário, as invalidades substantivas são aquelas em que o


vicio que existe é um vicio de registo, nesses casos o vício
substantivo determinará a invalidade do facto, mas não
determinará a invalidade do registo, o registo deverá deixar de
estar em vigor. Então a diferença que se tem encontrado no art.
17º nº2 e no art. 291º está nisto: no art. 17º nº2 pressupõe-se
que o causante do terceiro tenha um registo embora seja nulo,
ao passo que no art. 291º não se pressupõe o registo a favor do
causante do terceiro porque no âmbito do art. 291º não é
protegido contra as invalidades do registo, mas sim das
invalidades do facto registado.

Critério do Prof. Menezes Cordeiro (com


aceitação na jurisprudência):

Critério de distinção do art. 17º nº2 do CRPredial

Tem por consequências que o art. 17º nº2 do CRPredial pode ser
aplicado tanto em casos de invalidade do próprio registo –
invalidade registal – como em casos de invalidade do facto
registado – invalidade substantiva. Dado que a distinção se faz
consoante exista ou não registo a favor do causante.

A Venda simulada (art. 240º nº2)


B Venda (art. 892º)
C
Registo – Art. 17º
art. 16º nºº2

23
C é sempre protegido pelo art. 17º nº2. Aplica-se o art. 291º
quando não haja registo a favor de B.

Este critério que é simples (saber se existe ou não registo)


implica que o disposto no art. 291º tenha caracter excepcional
face ao art. 17º nº2. Entre os requisitos de protecção de
terceiros está sempre um outro requisito implícito, é que, C
(terceiro) só é protegido contra vícios que decorram
reflexamente de vícios existentes em facto anterior. O terceiro
não é terceiro, é sim parte, pelo que, não é protegido contra
vícios próprios do acto aquisitivo.

Os casos em que se admite que o causante terceiro não tenha


registo determinam quase sempre a invalidade formal do acto
celebrado entre o causante e o terceiro.

Nos termos do art. 9º nº1 qualquer acto de transmissão ou


oneração em que deva intervir uma entidade para
titular/documentar (notário), essa entidade deverá recusar a
forma se não houver registo a favor de quem está a alienar.

O art. 291º do CC só se pode aplicar nos casos excepcionais do


art. 9º nº2 do CRPredial. Muito dificilmente podem surgir casos
em que o causante e terceiro possam celebrar registo sem que
o causante tenha registo anterior.

Assim, resulta do art. 16º do CRPredial que quando exista uma


invalidade do registo do causante aplica-se para protecção do
terceiro o art. 17º nº2 do CRPredial. E as nulidades do registo
são apenas as do art. 16º.

Ao contrário se a invalidade for substantiva só pode funcionar


para o terceiro a protecção resultante do art. 291º.

Por um lado há casos em que a invalidade substantiva


determina a invalidade do registo. Se a venda A – B for nula por
vício de forma e mesmo assim teve acesso ao registo, o registo
é inválido devido à invalidade do facto (art. 16º). Aplica-se ao
terceiro o art. 7º nº2 pois do ponto de vista do terceiro o art. 17º
nº2 é o mais favorável.

Por outro lado há casos de invalidade do registo que não têm


implicações directas sobre a validade dos actos registados, o
problema que se coloca não tem directamente implicações
substantivas. É um problema de registo.

24
A  B  C  C
(Registo) (Venda) (Venda) (Registo) (Venda) (Registo)

B não registou por distracção, o notário fez o registo a favor de


C. O registo de C é nulo por violação do princípio do tracto
sucessivo (art. 16º e)), deve existir no registo uma sequência
coerente de factos para que o leitor tenha uma sequência
lógica, faltando o registo do B a sequência não tem lógica.

O vício é puramente registal, por isso mesmo que o registo de C


fosse nulo e D não fosse protegido a venda C – D é válida. Só
que se D não fosse protegido pelo nº2 do art. 17º era como se o
D não tivesse registado, o nº2 do art. 17º funciona só para
manter em vigor o registo do D.

No registo predial as irregularidades do registo só determinam a


nulidade do registo nos casos do art. 16º. Qualquer
irregularidade do registo que não esteja prevista no art. 16º não
gera invalidade, mas pode na mesma gerar falsa publicidade,
por isso, se estabeleceu um regime paralelo. Se o registo tiver
uma irregularidade não prevista no art. 16º existe uma
inexactidão do registo que pelo art. 18º é susceptível de
rectificação. A rectificação no entanto não pode prejudicar
direitos de terceiros que estejam nas condições do art. 124º

A  B  C
(Registo) (Venda sob reserva de (Regista) (Venda)
propriedade)

O conservador ao fazer o registo de B não registou por


distracção a cláusula de reserva de propriedade. B está a
vender bem alheio. Quando se dá pela inexactidão pode
rectificar-se mas se o C estiver nas condições do art. 124º a
rectificação não é eficaz para C.

Condições de protecção de terceiros:

- O terceiro tem de ter registado;


- O terceiro tem de estar de boa fé (subjectiva,
desconhecimento de que está a lesar outrém). Nos arts.
17º nº2, 124º e 291º a boa fé presume-se por causa do
registo anterior a favor do causante. O terceiro tem um
fundamento para confiar na titularidade do causante.
- A aquisição a favor do terceiro tem de ter caracter
oneroso, o que corresponde ao princípio geral de que as
aquisições a título oneroso são sempre mais protegidas
que as a título gratuito.

25
- No âmbito dos arts. 17º nº2 e 124º pressupõe-se quase
sempre que o causante tenha registo, salvo os casos em
que o terceiro seja a primeira pessoa a registar. Só no
âmbito do art. 291º exige-se que tenha decorrido o prazo
de 3 anos a contar da celebração do negócio
originariamente invalido sem que nesse prazo seja
registada a acção de declaração de invalidade desse facto.
- Os arts. 17º nº2, 124º e 291º estão escritos para as
situações lineares ou sequenciais, situações em que existe
uma sucessão de factos onde surge o terceiro. Os casos
triangulares (dupla venda) literalmente não estão
previstos, por isso, há uma série de opiniões possíveis
quanto aos requisitos de protecção do C.

B

A

C

- Dupla Venda:

– na opinião tradicional: aplica-se a prioridade do registo.


Protege-se o C mesmo que o C saiba que está a prejudicar
o B. No acórdão 3/99 exige-se que, para protecção de
terceiro, além do registo, que este terceiro esteja de boa
fé.

– na opinião do prof. Gonzalez: aplicar por analogia ao C


o art 299º, porque no essencial a situação do C é igual em
todas as situações quer lineares, quer triangulares. O
terceiro beneficia do facto de um acto de uma pessoa que
não tinha legitimidade. O terceiro pretende protecção
contra a demonstração de que o registo publicita algo que
não corresponde à realidade. O efeito do registo a favor do
terceiro que está em condições de ser protegido pelos arts.
17º nº2, 124º e 291º e situações triangulares é um efeito
atributivo porque o terceiro registou um facto que é
inválido e como está em condições de ser protegido
adquire direito em causa.

Requisitos relativos à pessoa titular do direito real

De um modo geral no que toca à titularidade do direito real os


requisitos quanto ao titular são os requisitos gerais de

26
personalidade, capacidade, mas com especificidade, na
capacidade de gozo, capacidade natural e legitimidade.

Capacidade de Gozo: - existem no que toca aos direitos reais


de gozo algumas especificidades. Há determinados direitos
“direitos de uso e haitação – art. 1484º do CC” que só podem
estar na titularidade de pessoas singulares dado que é um
direito que se fundamenta na necessidade desse titular (art.
1481º nº1 e 1486º ambos do CC).

Por outro lado também há determinados direitos que só podem


ser titulados por pessoas colectivas como o direito de
propriedade sobre edifícios submetidos ao regime do direito de
habitação periódica (art. 4º nº1 f) do DL 275/93 de 5 de Agosto),
restringe a propriedade a determinadas pessoas colectivas.

Capacidade Natural: - Há pelo menos uma regra específica,


art. 1266º, para a posse. No caso da posse, de um modo geral,
para se ter posse basta ter a capacidade natural, suficiente
(capacidade para entender e querer), sendo coisas susceptíveis
de ocupação, art. 1318º do CC, nem sequer é exigida a
capacidade natural. Pode entender-se que a regra do art. 1266º
é extensível a outros direitos reais em que baste a apreensão
material de uma coisa para que o direito exista “direito de
retenção”.

Legitimidade: - A legitimidade é a aptidão que em concreto


determinada pessoa tem para actuar juridicamente. É um
problema que se coloca de forma semelhante à capacidade de
exercício só que é caso a caso.
À que ver a legitimidade para praticar actos de transmissão,
oneração ou extinção relativos a direitos reais. É preciso
distinguir as diversas espécies de direitos reais:

- Direitos de Gozo: aqueles que atribuem pelo menos poderes


de utilização, poderes de fruição e poderes de disposição
material (transformação da própria coisa).
“Propriedade, propriedade horizontal, usufruto, uso e habitação,
superfície, habitação periódica e servidão predial”

- Direitos de Garantia: aqueles que atribuem um


determinado privilégio a um credor relativamente a uma
determinada coisa, de modo que o credor em caso de
incumprimento tem o direito de se fazer pagar judicialmente
através do valor de troca dessa coisa.

27
Os direitos de garantia são sempre direitos acessórios de um
direito de crédito. “Consignação de rendimentos; penhor;
hipoteca; direito de retenção; privilégios creditórios especiais e
pelo menos também a penhora”.

- Direitos de aquisição: aqueles que atribuem ao seu titular o


poder de potestativamente adquirir outro direito. Este outro
direito não tem de ser real, nem de gozo.
“O credor que possa constituir uma hipoteca legal pode
constitui-la potestativamente adquirindo um direito de
garantia”.

Todos estes direitos (gozo, garantia e aquisição) podem ser


reais ou não. Esta classificação faz-se atendendo à função que o
direito desempenha, podem ser reais ou obrigacionais. São reais
quando sejam direitos relativos a uma coisa e desde que o facto
constitutivo seja oponível “erga ommes”.

Legitimidade Relativa:

- Legitimidade para transmitir:


Em princípio os direitos reais como são direitos de natureza
patrimonial são direitos transmissíveis. No que toca aos direitos
gozo esta regra só pode sofre excepções determinadas ou
imposta pela própria lei ou por ela admitidas.

Direitos de gozo que sejam legalmente intransmissíveis é só o


direito de uso e habitação (art. 1488º). No caso do direito de
usufruto a regra é a da transmissibilidade, mas a lei permite que
o acto de constituição contenha uma cláusula que proiba ou
restrinja a transmissão.

Para estes dois casos as cláusulas que proíbam a transmissão


de direitos de gozo são em princípio nulas dado que não estão
previstas na lei.

É preciso distinguir se a cláusula de intransmissibilidade é


estabelecida para um negócio que seja liberalidade ou se é para
outra situação qualquer:

No que respeita às liberalidades (doação, testamento) a cláusula


de intransmissibilidade não vale propriamente com este efeito,
mas vale como se fosse uma substituição fideicomissária (art.
2286º, 2295º nº1 a) e 2º).

28
A substituição fideicomissária é a forma de instituição de
herdeiro ou legatário através da designação de no máximo duas
pessoas que irão suceder sucessivamente ao autor da sucessão.

A  testamento  B  C

O primeiro beneficiário é o fiduciário e o segundo é o


fideicomissário.

O fiduciário de um modo geral só tem poderes de uso e fruição,


art. 2290 nº2 do CC, porque tem de manter os bens objecto de
substituição e conservá-los para o fideicomissário. No entanto o
fiduciário pode em casos excepcionais dispor ou alienar os bens
desde que se trate de um caso de evidente necessidade para o
fiduciário e desde que se obtenha autorização judicial (art.
2291º do CC).

Quando por testamento ou doação se estabeleça uma cláusula


de intransmissibilidade, essa cláusula tal e qual não tem valor,
mas é convertida em substituição fideicomissário, art. 2295 nº1
a). O art. 2295 nº2 refere que os herdeiros legítimos do
donatários são havidos como fideicomissários.

O autor do testamento ou doação consegue obter a finalidade


pretendida pois o fiduciário acaba por não poder dispor.

Em relação aos restantes negócios a cláusula de


intransmissibilidade nunca é válida com eficácia real, pois não
está prevista na lei. Por força do art. 1306º nº1 o que não está
previsto na lei com caracter real não pode ter essa natureza.

Admite-se que a cláusula possa ter eficácia obrigacional (entre


as partes) originando responsabilidades pelos danos causados
se o que fica obrigado por ela não a respeitar.

A  B  C
Venda com cláusula de Venda
intransmissibilidade (eficácia
obrigacional)

A venda é válida, mas B é responsável pelos danos causados. A


eventualidade da responsabilidade civil acaba por condicionar o
B. É uma forma indirecta de proibir.

Mesmo para ter eficácia obrigacional é no suposto que a


cláusula atende a um interesse sério e não pode ter duração
indeterminada, nem prazo excessivamente longo.

29
Os direitos de garantia são direitos sempre acessórios em
relação a um direito de crédito, por isso, são concebiveis duas
formas de transmissão. A regra é de que os direitos de garantia
são transmissíveis. Essas duas formas são:

- ou transmissão autónoma da garantia sem transmissão do


próprio crédito garantido;
- ou cessão do crédito e correspondentes garantias se as
houver.

Sendo cessão de crédito e das correspondentes garantias se as


houver a regra é de que o acessório segue o principal, logo a
regra é de que a cessão de crédito é acompanhada da
transmissão da garantia (art. 582º nº1).

Ao contrário sendo transmissão autónoma do direito de


garantia, somente a hipoteca, penhor e consignação de
rendimentos é que são susceptíveis da transmissão. De
qualquer modo para esses 3 a transmissão só se pode fazer
dentro dos limites do art. 727º e 729º.

No caso do art. 727º admite-se a transmissão do direito de


garantia mas desde que essa garantia vá assegurar outro
crédito de outra pessoa e é necessário que a outra pessoa que
tem o crédito que irá ser garantido seja credor do mesmo
devedor.

No caso do art. 729º como a hipoteca se constitui apenas por


causa do registo do facto constitutivo decorre que é possível
existirem diversas hipotecas sobre a mesma coisa. Essas
hipotecas são graduadas, a graduação é efectuada pela data do
registo, art. 6º do CRPredial. O art. 729º permite que os
credores hipotecários de diferentes graus troquem entre si os
respectivos graus. Em rigor é transmissão de hipoteca, mas que
implica uma mudança do grau de cada um dos credores.

Há direitos de aquisição que fazem parte de outras situações


jurídicas. É o caso do direito de aquisição que surge para o
possuidor que possa invocar o usucapião, neste caso a
transmissão do direito de aquisição não pode ser feita
autonomamente.

Quando o direito de aquisição tenha auonomia “direito daquele


que achou uma coisa perdida, art. 1323º do CC, como é
autónomo pode ser transmitido por si próprio”.

30
- Legitimidade para onerar:

Oneração: sobre a mesma coisa podem existir diversos direitos


reais de todas as espécies, cada coisa que constitui um direito
real a constituição desse direito limita ou pode limitar o
conteúdo de outros direitos já existentes sobre a mesma coisa –
colisão de direitos sobre a mesma coisa. Essa colisão pode dar-
se entre direitos de diferentes espécies (propriedade e usufruto)
ou entre direitos da mesma espécie (comproprietários).

A oneração verifica-se quando se constituam a favor doutra


pessoa direitos da mesma espécie ou de espécie diferente que
limita o conteúdo de um direito já existente.

A regra é a mesma da transmissão, se um direito é transmissível


então também é susceptível de oneração. Por isso, os direitos
intransmissíveis são também insusceptíveis de oneração.

No entanto a oneração só é concebivel em relação a direitos


reais de gozo. Tantos os direitos de garantia como os direitos de
aquisição mesmo sendo transmissíveis não são susceptíveis de
oneração porque não há nenhuma oneração concebivel, salvo
no que diz respeito a um direito de garantia “consignação
rendimentos” art. 656º do CC ou “coisas móveis não
registáveis” art 672º nº1 do CC.

Na consignação de rendimentos o credor obtém o direito de


receber os rendimentos de determinada coisa imóvel de modo a
que o recebimento dos frutos irá satisfazendo gradualmente o
crédito até à respectiva extinção. Essa coisa objecto da
consignação pode, por exemplo, continuar em poder de
terceiros a título de arrendamento, ou ser entregue ao próprio
credor (art. 661º do CC).

No caso em que a coisa seja entregue ao credor, este fica com


o direito de usar e fruir o que resulta numa situação esquisita,
dado que é um direito de gozo estruturalmente e um direito de
garantia funcionalmente. Neste caso é possível a oneração, o
credor para obter os rendimentos pode arrendar a terceiros para
receber as rendas.

- Legitimidade para extinguir:

A regra é de que se o direito real é patrimonial o seu titular pode


que querendo libertar-se unilateralmente da titularidade desse

31
direito. Em abstracto são possíveis 3 formas de extinção
unilateral potestativas:

- Renúncia Abdicativa;
- Abandono;
- Renúncia Liberatória.

Renúncia Abdicativa e abandono são nas finalidade e efeitos


semelhantes. O titular do direito declara que não pretende
manter a titularidade. A diferença é que na renúncia a
declaração é expressa e no abandono é tácita porque se deduz
de determinados factos.

A Renúncia abdicativa tratando-se de imóveis tem que observar


a forma escrita, normalmente por escritura pública. O abandono
não tem de revestir nenhuma forma especial.

De um modo geral só em relação às coisas móveis é que o


abandono produz efeito porque não é preciso forma. Quanto aos
efeitos, normalmente o efeito da renúncia ou abandono é o
efeito extintivo, no entanto no caso da propriedade de imóveis é
discutível se esse é o efeito. Há quem entenda que a
propriedade de imóveis não é susceptível de extinção por
renúncia devido ao facto de a lei não o prever. Esta concepção
implica que o direito de propriedade de imóveis tem
simultaneamente um componente de dever.

A opinião minoritária é de que é susceptível de renúncia, mas


por força do art. 1345º do CC, essa renúncia em vez de ter o
efeito extintivo normalmente implica a transmissão do direito de
propriedade renunciado para o Estado. O efeito é transmissivo.

Na renúncia liberatória em certas circunstâncias o titular de um


direito real pelo facto de ser titular fica obrigado a efectuar
determinadas prestações – obrigações reais (arts. 1411º, 1424º
e 1472º). Estas obrigações existirão enquanto a pessoa for
titular do direito. Exactamente porque há esta ligação entre
titularidade do direito real e obrigação a lei permite que, o
devedor titular do direito renuncie ao direito real como forma de
extinção da obrigação. A renúncia tem de ser realizada a favor
do credor dessa obrigação. No fundo é um fenómeno de troca
do ponto de vista económico. O que significa também que a
renúncia liberatória não implica necessariamente a extinção do
direito a que se renunciou. De um modo geral aquele que
renunciou deliberatoriamente de um direito memor dá-se a
extinção do direito devido à renúncia liberatória. Se a renúncia é

32
realizada por quem é proprietário, o direito renunciado só se
transmite para o credor se este aceitar a transmissão, o que
significa que a renúncia terá efeito transmissivo.

Todos estes efeitos (transmissão, oneração e extinção) podem


derivar da própria vontade do titular do direito como da
intervenção de outra pessoa, quando essa pessoa tenha
legitimidade para impor ao titular a transmissão, oneração ou
extinção.

Atribui-se a terceiros o direito potestativo de provocar esses


efeitos. No caso da hipoteca legal (art. 704º e ss) e judicial (art.
710º e ss) e servidão legal (art. 1507º nº2 do CC) concede-se a
terceiros o direito de constituir uma oneração contra outrem
independentemente da intervenção da vontade da pessoa que
irá sofrer a oneração.

Exemplo: no art. 1370º do CC concede-se ao vizinho o direito de


impor a aquisição da meação dos muros ou paredes
(expropriação no interesse particular).

Facto jurídico que interfere com a relação jurídica subjacente ao


direito real.

Por um lado há factos relativos à titularidade efectiva. Do ponto


de vista dos direitos reais é possível distinguir os casos em que
alguém tem um direito e o exerce e os casos em que
aparentemente se exerce um direito sem que esse direito real
exista. A titularidade aparente resume-se à posse.

Por outro lado há factos jurídicos que podem interferir com


qualquer direito real, dado que há factos jurídicos específicos de
cada direito.

CONTRATO:
Contrato desde que tenha natureza translativa, desde que
esteja configurado para transmitir direitos. Em princípio
qualquer contrato serve para transmitir ou constituir direitos
reais de qualquer espécie.

O que há de especial é que por força do art. 408º nº1 do CC o


contrato é um instrumento necessário, mas também suficiente
para transmitir ou constituir direitos reais, ou seja, a aquisição
derivada de direitos reais quando esteja fundamentada no

33
contrato dá-se por efeito do contrato – Princípio do
Consentimento.

Quanto ao modo de aquisição contratual do direito


real são concebíveis três sistemas:

1º - o mais seguro é aquele em que o registo predial tem


natureza constitutiva, nesse caso o contrato é necessário para
constituir o direito real, mas não é suficiente pois a aquisição só
fica consumada com o registo. O contrato só não chega para
transmitir ou constituir, gera apenas efeitos obrigacionais.

2º - sistema tradicional – sistema do título e modo – a aquisição


por via contratual depende do contrato, mas o contrato não é
suficiente, é necessária a entrega da coisa, pois só com a
entrega é que se conclui a aquisição. O contrato somente gera
efeitos obrigacionais, só com a entrega é que o adquirente se
torna titular do direito. Este é o sistema que está mais próximo
do sentimento das pessoas.

3º - o contrato gera tanto efeitos obrigacionais como efeitos


reais. Neste sistema, que é o nosso, o próprio contrato é
suficiente tanto para produzir a vinculação das partes como
para proceder automaticamente à constituição ou transmissão
do direito em causa.

A regra do art. 408º nº1 do CC tem grande relevância em


matéria obrigacional devido à transferência do risco. O risco
corre por conta do adquirente a partir do momento em que o
contrato seja celebrado.

Em matéria de direitos reais pode dizer-se que a adopção do


princípio do consentimento antecipa o momento de aquisição.
Pode é trazer problemas de publicidade.

A regra do art. 408º nº1 do CC pode sofrer desvios e excepções,


ou seja, há casos em que o art. 408º nº1 do CC não funciona. As
excepções verificam-se quando a aquisição siga o modelo do
título e modo, quando a aquisição do direito esteja dependente
da entrega da coisa.

Desvios: o contrato não é suficiente para a transmissão, mas


também não se exige a entrega da coisa, exige-se antes outro
facto qualquer que não seja a entrega da coisa.

34
Excepções: são poucas e confundem-se de um modo geral com
os contratos reais quanto à constituição: penhor, doação de
coisas móveis quando não é feita por escrito, parceria pecuária,
comodato, mútuo e depósito. Só o penhor, doação e mútuo é
que transmitem ou constituem direitos reais, estes é que são
excepções ao princípio do consentimento.
Em rigor só no penhor é que a entrega da coisa ao credor tem
uma justificação plausível, o penhor de coisas incide sobre
coisas moveis não registáveis, por isso, a existência do penhor
não pode ser publicitada, só a transferência é consegue dar
alguma publicidade à existência do Penhor.

Desvios:

Art. 408º nº1 na parte final – casos em que a constituição do


direito depende do registo, casos em que se segue o sistema do
registo constitutivo o que abrange apenas a situação da
hipoteca.

Art. 408º nº2 – casos em que o contrato versa sobre uma coisa
que no rigor ainda não é coisa, seja quando é futura ou porque
não está determinada, incluindo os frutos naturais, partes
integrantes e partes componentes nas coisas futuras.

Os direitos reais exigem como objecto uma coisa real, por isso,
quando o contrato tenha por objecto coisa futura ou
indeterminada a transmissão só pode ocorrer quando a coisa se
tornar presente ou determinada. Existe um facto futuro do qual
está dependente a transmissão ou constituição do direito.

Os desvios do art. 408º nº2 do CC são impostos pela própria


natureza do direito real. Existem também desvios ou excepções
que podem ser determinados por vontade dos próprios
contraentes, é o que se verifica nos casos em que se estipula a
cláusula de reserva de propriedade (art. 409º do CC), neste caso
a transferência ou constituição do direito real fica dependente
de um facto futuro que é convencionado pelas próprias partes,
normalmente o facto que condiciona a transferência ou
constituição é um facto relativo ao cumprimento de certas
obrigações impostas ao adquirente “transferência do direito fica
dependente do pagamento do preço”.

É uma cláusula adaptada à transmissão ou constituição de


qualquer outro direito, a reserva de propriedade, implica uma
cláusula suspensiva que pode ser condição ou termo, suspende
apenas determinados efeitos do contrato e discutivelmente

35
suspende também a obrigação da entrega da coisa, se entregar
já não pode pedir a restituição a não ser com fundamento em
resolução do contrato.

Através da reserva de propriedade é possível estabelecer uma


excepção ao princípio do consentimento desde que se tenha
convencionado que a transmissão do direito irá ocorrer apenas
quando o alienante entregar a coisa objecto do direito ao
adquirente. Não é uma hipótese frequente, porque a finalidade
da reserva de propriedade é a de utilizar o direito que se
pretende transmitir ou constituir como um direito de garantia.

NEGÓCIO UNILATERAL:
Tradicionalmente os negócios unilaterais são encarados como
taxativos, ou seja, só se admitem os que estão previstos na lei.

Houve uma evolução que considera que o art. 457º do CC se


refere apenas aos negócios obrigacionais, aqueles que
constituem obrigações contra o autor do negócio “promessa
pública – art. 459º do CC”. Os negócios unilaterais que não
tenham essa eficácia não são abrangidos pelo art. 457º do CC e,
designadamente, para a constituição de direitos reais pode
adoptar-se o negócio unilateral independentemente de se tratar
de um negócio previsto na lei ou não, embora pelo menos em
matéria de direitos reais menores de gozo e garantia a lei refere
quase sempre que podem ser constituídos por negócios
unilaterais (hipoteca, usufruto, servidões).

Sucede que, quando um direito real seja constituído por negócio


unilateral o próprio negócio unilateral não é suficiente para que
o direito se constitua ou transmita, dado que a regra em direito
civil é de que a atribuição de um direito depende de aceitação
do beneficiário.

Só quando o beneficiário do negócio unilateral declara aceitar é


que se verifica o efeito transmissivo ou constitutivo. Os negócios
unilaterais apenas origina as condições de que depende a
transmissão ou constituição, o efeito só se concretiza com a
aceitação, a aceitação funciona como condição suspensiva.

No entanto o facto constitutivo é o negócio unilateral daí que


para efeito do registo o negócio seja imediatamente registável
independentemente de aceitação. Se a aceitação for proferida é
registado por averbamento, se não for proferida o registo do

36
negócio unilateral deverá ser cancelado dado que esse negócio
fica sem efeito.

De qualquer modo a aceitação em princípio tem eficácia


retroactiva à data do registo do negócio unilateral, só não é
assim no caso da hipoteca, porque o registo da hipoteca tem
natureza constitutiva, o próprio registo da aceitação é que
constitui a hipoteca.

Expropriação por utilidade particular:

Verifica-se sempre que alguém tenha o poder potestativo,


normalmente configurável como um direito real de aquisição, de
impor a outra pessoa a transmissão ou oneração de um direito
pertencente à pessoa que se sujeita ao exercício do poder
potestativo.

Trata-se de um acto de expropriação dado que, para todos os


efeitos, aquele que se sujeita não tem possibilidade jurídica de
impedir a transmissão ou oneração. Trata-se de uma
transmissão forçada ou oneração forçada.

É uma expropriação por utilidade particular porque o


beneficiário é uma pessoa individualmente identificada.

É o que se passa designadamente com a constituição da


hipoteca legal ou judicial. Na hipoteca legal o credor hipotecário
tem o direito de constituir a hipoteca porque a lei lhe atribui
esse poder nas situações do art. 705º do CC; na hipoteca judicial
qualquer credor que obtenha uma sentença condenatória a seu
favor tem nos termos do art. 710º nº1 do CC o direito de
constituir hipoteca mesmo que a sentença não tenha transitado
em julgado. A oneração forçada é evidente porque o credor
pode escolher os bens que pretende hipotecar.

Também com a constituição das servidões legais, nos casos em


que a servidão legal seja constituída por sentença ou acto
administrativo (art. 1547º) e constituição da comunhão forçada
sobre paredes ou muros divisórios (art. 1370º nº1 do CC).

Na generalidade dos casos de expropriação por utilidade


particular (excepto hipoteca) aquele que tem poder de
expropriar, normalmente fica obrigado a indemnizar o
expropriado pelo prejuízo que este tenha sofrido, art. 1310º do
CC.

37
Além disso também na generalidade dos casos o benefício que
se obtém com a expropriação é um benefício que se presume, a
pessoa que tem o poder de expropriar não tem que provar que
efectivamente tem interesse.

Mesmo que não haja um interesse efectivo na expropriação, a


expropriação mantém-se, é definitiva. A tal utilidade particular
presume-se inilidivelmente e, por isso, mesmo que se
conseguisse demonstrar a falta de interesse a indemnização
recebida não terá de ser devolvida, nem o expropriado pode
desfazer a expropriação, não tem o direito de reversão.

Aquisição Tabular: (pelo registo)

A aquisição tabular verifica-se sempre que alguém beneficie do


efeito atributivo do registo, seja nas situações lineares ou
triangulares, sempre que o terceiro esteja em condições de
beneficiar da protecção pelo registo (art. 17º nº2, 124º e 291º
do CRPredial), esse terceiro adquire pelo registo um direito que
não poderia adquirir atendendo apenas aos factos que
fundamentam a sua aquisição.

A aquisição do terceiro é uma aquisição que não se fundamenta


num negócio jurídico que tenha sido objecto de registo, porque
se está no pressuposto de que esse negócio jurídico é inválido.
Não é o facto registado que dá o direito, nem o registo desse
facto inválido serve para sanar o vício do mesmo facto.

C adquire pelo facto de beneficiar do registo.

A  B  C

B

A

C

C adquire porque está em condições de ser protegido e não por


causa do negócio jurídico.

A aquisição tabular é aquisição originária ou derivada? Uma vez


que não é o negócio que produz o efeito aquisitivo, a aquisição
fundamentando-se no registo tem a aparência de aquisição

38
originária, dado que entre o legítimo titular do direito e o
terceiro não há relação. De todo o modo tem-se sustentado que
a aquisição é derivada translativa ou constitutiva consoante as
circunstâncias. Não há justificação para o terceiro ser mais
protegido no caso de invalidade do que no caso de validade. A
aquisição originária é mais forte para o adquirente.

B - Venda
2º 
A  C - Venda c/Registo
1º 
D - Arrendamento

Quando o A vende a B, B tem de suportar o arrendatário dado


que a aquisição de B é derivada. Se a aquisição de C for
originária significa que o direito de propriedade que adquire não
é o mesmo direito que existia antes, então o arrendatário não
pode permanecer. Não há razão para dar mais do que poderia
ter adquirido se a aquisição fosse válida.

A derivação só pode partir do legítimo titular. No caso de dupla


venda a derivação tem de ser B – C, é uma derivação forçada
porque o C está numa situação que prevalece. Na situação
linear a derivação é de A – C , é uma transmissão forçada.

Só não há expropriação porque a transmissão ou constituição do


direito ocorre automaticamente porque se trata de um efeito
legal.

A aquisição tabular fundamenta-se num facto jurídico strito


senso, é um facto complexo dado que envolve todos os factos
do art. 17º nº2 e 124º do CRPredial e art. 291º do CC.

FACTOS CONSTITUTIVOS ESPECÍFICOS DO DIREITO DE PROPRIEDADE:

- Ocupação
- Achamento
- Acessão
- Especificação

Ocupação – art. 1318º do CC – consiste na apreensão material,


apossamento de coisa sem dono, seja porque nunca teve, seja
porque foi abandonada. De qualquer modo desde que seja coisa
móvel, dado que os imóveis nessa situação pertencem ao

39
Estado (art. 1345º do CC) é uma ocupação aquisitiva da
propriedade.
É um acto jurídico simples, mas sujeito a regras iguais às do
negócio jurídico pelo menos no que respeita à capacidade para
adquirir por ocupação.
No art. 1266º do CC diz-se que para adquirir posse sobre coisas
susceptíveis de ocupação não é sequer necessário ter
capacidade natural. Só que o apossamento tanto pode originar
aquisição da posse (art. 1266º do CC), como da propriedade
(art. 1318º do CC). Se aquele que toma posse sobre coisa sem
dono não tem capacidade natural p efeito consiste apenas na
aquisição da posse, posse formal. Ao contrário se aquele que
toma posse de coisa sem dono tem capacidade natural o efeito
é a aquisição da propriedade. Naturalmente o modo da
aquisição é o modo em que se toma a posse.

Achamento – art. 1318º do CC – o achamento distingue-se da


ocupação porque no caso do achamento a coisa tem dono,
proprietário, só que está perdida ou escondida. Nessas
condições o apossamento não chega para dar a propriedade
àquele que acha a coisa, dado que não é manifesto que o
proprietário a tenha abandonado, por isso, o art. 1323º do CC
(coisas perdidas) e os art. 1324º (coisas escondidas) referem
que o achador deve publicitar o achado.

Admitem-se duas possibilidade de publicitar: ou o achado é


comunicado a uma autoridade pública qualquer ou deve
anunciar pelo modo mais conveniente. A partir do momento em
que se publicita começa a contar o prazo de um ano. Se dentro
desse ano o proprietário não exigir a restituição o achador findo
o prazo tem o direito de se tornar proprietário da coisa que
encontrou.

Na dúvida sobre a situação da coisa deve partir-se do princípio


que está perdida. Se não se seguir este princípio e se aquele
que achou tornar a coisa sua, juridicamente não tem a
propriedade tem apenas a posse formal, poderá eventualmente
esse posse originar a aquisição da propriedade por usucapião.
Para a posse levar ao usucapião é necessária que seja pública e
a publicidade nesta hipótese dificilmente acontece.

Acessão – art. 1325º do CC – é um modo de aquisição da


propriedade que resulta da junção economicamente inseparável
de duas coisas pelo menos pertencentes a proprietários
diferentes.

40
Alguém utiliza o terreno que juridicamente não lhe pertence, o
utilizador constrói uma casa no terreno, feita a construção se o
proprietário alguma vez exigir a restituição do terreno coloca-se
a questão se o proprietário ter direito ao terreno e à construção
ou se aquele que fez a construção tem o direito de ficar com
tudo.

A acessão tem em vista definir qual dos dois proprietários em


conflito ficará proprietário do todo – beneficiário da acessão. A
acessão pressupõe que as coisas pertencentes a proprietários
diferentes sejam unidas de uma forma qualquer, física ou não, e
que a separação não seja pelo menos economicamente viável. A
acessão supõe que da junção resulta uma única coisa indivisível
nos termos do art. 209º do CC.
Além disso, pressupõe-se que a união é entre duas realidade
que isoladamente possam ser coisas no sentido jurídico, o que
tem implicações sobre uma das espécies da acessão, que pelo
menos nos casos previstos em rigor não é acessão, porque em
rigor não existem duas coisas, é o caso da acessão natural.

Espécies de Acessão – art. 1326º do CC:


– acessão natural - resulta da intervenção da própria
natureza (arts. 1328º e 1329º do CC)
– e acessão industrial - a junção resulta da intervenção de
uma vontade, pode ser a vontade e algum dos
proprietários ou a vontade de terceiros.

• União de coisas – há a junção de coisas


o União de coisas mobiliárias – junta-
se duas coisas móveis.
o União de coisas imobiliárias – junta-
se uma coisa móvel a uma coisa
imóvel.

• Especificação – verifica-se a
transformação de uma coisa pertencente
a uma pessoa por força do trabalho
realizado por outra pessoa. O trabalho
juridicamente não é uma coisa.

Acessão Natural:

- Aluvião, art. 1328º do CC: supõe uma modificação na


configuração de um determinado imóvel por força da acção
natural desde que essa transformação não seja perceptível, não

41
seja possível identificar o que é que se junta ao prédio por força
da acção natural.

- Avulsão, art. 1329º do CC: verifica-se uma mudança no


estado de um determinado prédio também por força da acção
natural, mas de modo a que aquilo que é transportado pela
acção natural seja identificável apesar de ter mudado de
localização. Não existe junção.
Nos termos do art. 1329º do CC o proprietário das coisas
arrojadas para prédio alheio tem o direito de as retomar. Sucede
é que, para que a situação não permaneça assim
indefinidamente, o proprietário do prédio para onde as coisas
foram arrojadas tem o direito de pedir a remoção em certo
prazo (geralmente 6 meses). Se não for feita a remoção o
proprietário do prédio tem o direito de se tornar proprietário
dessas coisas.

Na união mobiliária o beneficiário da acessão é determinado


pela conjugação de duas regras: primeiro deve verificar-se se a
junção foi efectuada de boa ou má fé.

Havendo boa fé, o problema é saber qual das coisas tinha maior
valor antes da junção. A totalidade resultante da junção será
atribuida àquele que era proprietário da coisa de maior valor,
ficando obrigado a compensar aquele que perde a propriedade
pelo valor dessa propriedade (art. 1333º do CC).

Se houve má fé o proprietário que não fez a junção fica com o


direito sobre a totalidade devendo indemnizar pelo
enriquecimento sem causa (art. 1334º nº2 do CC).

Na acessão imobiliária em primeiro lugar é necessário verificar


se aquele que faz a incorporação é proprietário do terreno ou
não. Se é proprietário do terreno vigora o princípio “superficie
solo cedit”, o que está incorporado à superfície cede perante o
solo, é pertença do proprietário do solo (art. 1339º do CC).
Nesse caso o proprietário do solo adquire a propriedade do que
for incorporado devendo pagar ao proprietário aquilo que foi
incorporado o seu valor.

Se o que faz a incorporação não é proprietário do terreno é


preciso distinguir se houve boa ou má fé. Se foi de boa fé o todo
pertence àquele que tinha a parte de maior valor, ficando
aquele que beneficia da acessão com a obrigação de compensar
o outro pelo valor que este perdeu, art. 1340º do CC. Se está de
má fé perde o que incorporou a favor do proprietário do solo que

42
tem de compensar pelo enriquecimento sem causa (art. 1341º
do CC).

PROBLEMAS DA NATUREZA DA AQUISIÇÃO:

A aquisição é originária na maior parte dos casos, mas resta


saber se é potestativa ou automática. Saber se o momento da
aquisição será apenas aquele em que o beneficiário declara que
quer adquirir – potestativa, ou se é automática, adquire-se
quando se faz a junção (Penha Gonçalves).

Na doutrina tradicional afirma-se que a aquisição é automática.


Para o Prof. Gonzalez na maior parte das situações é
potestativa, salvo quando a lei diz que a aquisição é automática.

Para o Prof. a aquisição por acessão exige que o beneficiário da


acessão declare se quer adquirir ou não por duas razões:

- a razão geral está relacionada com o principio de que a


aquisição de um direito está dependente do consentimento
do beneficiário, por isso, as situações em que se atribui um
direito independentemente de aceitação são excepcionais
- normalmente o beneficiário da acessão para adquirir tem
de compensar o outro proprietário seja pelo valor da coisa,
seja pelo enriquecimento sem causa.

Se for automática o beneficiário da acessão fica mesmo não


querendo obrigado automaticamente a pagar a compensação ao
outro proprietário.

Só não é potestativa nos casos em que a própria lei declara que


a aquisição é automática (art. 1339º do CC).

Diferença entre o regime da acessão e o regime das


benfeitorias

Há um problema usual que é a distinção entre o regime da


acessão e o regime das benfeitorias dado que na normalidade
dos casos em ambos se supõe que alguém incorpora alguma
coisa em coisa pertencente a outrém, surge um conflito entre
quem faz a incorporação e o proprietário da coisa que recebe a
incorporação.

43
PROFS. ANTUNES VARELA E PENHA GONÇALVES - CRITÉRIO TRADICIONAL:

A distinção faz-se consoante exista ou não uma relação jurídica


entre aquele que faz a incorporação e a coisa objecto dessa
incorporação. Se existir essa relação aplica-se o regime aplica-
se o regime das benfeitorias, se não existir aplica-se o regime
da acessão.

Se a incorporação é feita por um arrendatário, usufrutuário ou


comodatário existe uma relação prévia.

PROF. MENEZES CORDEIRO:

Para a acessão mobiliária pode fazer algum sentido, na acessão


imobiliária não faz sentido, porque a incorporação de uma coisa
num imóvel não pode ser espontânea, pressupõe alguma
relação jurídica – a posse. Praticamente todos os casos de
incorporação em imóveis são benfeitorias, pelo que não faz
sentido.
A distinção faz-se pela própria noção de benfeitoria que é um
melhoramento, logo supõe uma relação de acessoriedade, a
coisa é um acessório dessa coisa. O que ultrapassar a medida
do melhoramento passa naturalmente a ser acessão. O regime
das benfeitorias é supletivo, só funciona quando as partes não
tenham afastado esse regime. Quando se afasta, o proprietário
da coisa que recebe a incorporação torna-se automaticamente
proprietário da coisa incorporada sem qualquer compensação. O
modo de aquisição continua a ser a acessão que não está
subordinada ao regime normal da acessão.

Especificação – arts- 1336º a 1338º - consiste na


transformação de uma coisa alheia por força do trabalho de
outra pessoa. Não há junção de coisas, mas o problema final é
semelhante ao da acessão, saber a quem pertence a coisa
transformada.

À que saber se aquele que fez a transformação actuou de boa


ou má fé. Se actuou de boa fé (art. 1336º do CC), o problema
consiste em saber o valor que vale mais, se a coisa antes de
transformada ou se o trabalho realizado na transformação.
Aquele que adquire a propriedade fica com o dever de
compensar o outro.

FACTOS MODIFICATIVOS DA RELAÇÃO JURÍDICA REAL

Uma modificação pode ser:

44
- Objectiva: modifica-se o próprio conteúdo do direito real
- Subjectiva: quando ocorre uma mudança na titularidade
do direito em causa. Em rigor a modificação subjectiva só
por si não é modificação, porque o direito continua a ser o
mesmo depois da mudança do seu titular, só quando a
transferencia de titularedade implicar também a alteração
do conteúdo é que se pode falar em modificação.

Na modificação objectiva há duas espécies típicas:

• Oneração – dado que se constitui um direito a favor de


terceiros que limita o conteúdo do direito que sofre a
oneração, esse direito que é limitado sofre uma alteração
do conteúdo, seja porque há poderes que ficam inactivos
(poderes de uso e fruição do proprietário quando se
constitui o usufruto) seja porque simultaneamente existem
duas pessoas com poderes concorrentes
(comproprietários). A oneração supõe que sobre a mesma
coisa incidam dois ou mais direitos reais em titularidades
diferentes, o que quer dizer que a oneração é sinónimo da
sobreposição de direitos reais sobre a mesma coisa.

A sobreposição admite três espécies

• Paralela – os direitos sobrepostos são todos da mesma


espécie (compropriedade). Aplica-se o critério geral de
resolução dessa concorrência que resulta do art. 335º nº 1
CC, colisão de direitos, todos os titulares em presença
podem exercer, mas suportam o exercício dos demais, o
que implica que o exercício de cada um só se pode fazer
enquanto não colide com o exercício dos outros. Existem
tantos direitos reais quantos forem os contitulares.

• Hierárquica - o exercício de um direito exclui totalmente,


na parte em que há conflito, o exercício de outro direito
“concorrência entre proprietário e usufrutuário, só o
usufrutuário é que pode usar e fruir, os poderes do
proprietário ficam paralisados”.

• Prevalente – um direito exclui o exercício do outro direito,


mas só na medida em que o exercício do direito que
prevalece seja necessário. A exclusão não é total “conflito
entre proprietário e o titular do direito de uso e habitação,
art.1484ºCC ” o direito uso e fruição, só que o uso e fruição
faz-se na medida das necessidades do usuário, o que

45
significa que o proprietário tanto pode ficar inteiramente
excluído do uso e fruição ou não ficar, depende das
necessidades do usuário. “Conflito entre diversos credores
hipotecários sobre a mesma coisa”, o exercício da primeira
hipoteca não exclui necessariamente o exercício da
segunda hipoteca, depende do montante que se conseguiu
obter com a venda executiva.

Nos casos de sobreposição surge o problema básico de saber


em que situação é que fica o titular do direito que sofre a
limitação. Saber se há uma transferencia dos poderes que tinha
o titular do direito que agora fica limitado para o titular do
direito que agora onera ou se há é uma inactivação desses
poderes “saber se os poderes do proprietário se transferem para
usufrutuário sendo uma aquisição derivada translativa ou se
ficam inactivos e a aquisição do usufrutuário sendo derivada
constitutiva”.
Não há nenhuma transferencia, não há fraccionamento da
propriedade, há é a constituição de outros poderes concorrentes
e por isso, usam-se os critérios de resolução da sobreposição.
A sobreposição é explicada pelo principio da elasticidade dos
direitos reais têm um conteúdo variável e esse conteúdo mesmo
variando não altera a natureza do direito subjectivo.

SUB-ROGAÇÃO REAL

Existem sub-rogação real nos casos em que se verifica uma


mudança no objecto do direito real, designadamente por causa
da perda ou destruição parcial do objecto inicial.
Se o direito real incide sobre uma coisa necessariamente todas
as virtudes a que a coisa esteja sujeita representem-se sobre o
próprio direito real, por isso, se a coisa se perder direito real
extingue-se, se a coisa for transformada o direito real também
se modifica.
O direito real é inerente a uma coisa, vigora o principio da
totalidade, segundo o qual o direito real ainda que
materialmente se exerça apenas sobre uma parte da coisa
considera-se, no entanto que a coisa está juridicamente atingida
na sua totalidade.

“A servidão de passagem efectua-se por um determinado local


do prédio que dá passagem, juridicamente todo o prédio está
onerado ainda que materialmente o direito esteja circunscrito”

A lei prevê que o direito real permaneça mesmo após a


mudança do respectivo objecto, é o que se passa no direito de

46
usufruto nas situações dos arts.1478º nº 2 e ss, 1482º CC.
Nestes artigos o usufruto incide sobre um determinado objecto e
por uma razão qualquer esse objecto ou é destruído ou perde
totalmente o seu valor ou transforma-se noutro.
Pela lógica da inerência esta destruição do objecto deveria
implicar a extinção do direito de usufruto, mas a lei considerou
que seria razoável manter o usufruto. Quando exista um nexo
de proveniência entre a coisa que se destruiu ou perdeu e outra
que entrou no seu lugar (é nisto que consiste a sub-rogação
real) o direito pode manter-se apesar da mudança do objecto.
Segundo o art. 1481º CC se o usufruto incide sobre uma coisa
que se destruiu, mas a coisa estava segura, o usufruto
transfere-se para a indemnização devida pelo segurador.
A letra da lei é de que o usufruto se transforme ou passa a
incidir, dá a ideia que o direito se mantém. No entanto, de um
modo geral, a diferença de objecto implica que os poderes
contidos no direito não podem ser os mesmos que existiam no
usufruto sobre a coisa que se destruiu.
No art. 1481º CC o usufruto “transfere-se” para uma
indemnização, os poderes de uso e fruição já não podem ser os
mesmos. O que quer dizer que os poderes contidos no usufruto
depois da mudança do objecto são de tal modo diferentes que já
não se pode considerar que o direito seja o mesmo. Por isso, de
um modo geral, em rigor o caso não é de modificação do direito,
mas de extinção do direito anterior e constituição ex lege (a
partir da lei) de um novo direito que pode ter o mesmo nome,
mas não tem o mesmo conteúdo. O usufruto sobre a
indemnização não é direito real, é direito crédito.
Só é modificação quando o direito é aproximadamente o mesmo
depois da mudança de objecto, arts. 1478º e 1479º CC.

FACTOS EXTINTIVOS:

• Não uso
É a forma especifica de extinção de direitos reais que resulta do
não exercício prolongado desse direito. No fundo é uma variante
da prescrição, só que é especificamente aplicada apenas aos
direitos reais de gozo, art. 298º nº 3 CC.
O não uso supõe o não exercício independentemente da causa
desse não exercício, tanto faz que seja porque não se quer ou
não se pode, salvo se o não exercício for causado pela oposição
de um terceiro, nesse caso em vez de não uso verifica-se a
usucapio libertatis, art. 1574º CC.
Além disso o não uso como está sujeito ás regras da caducidade
dai decorre que não se verificam causas de interrupção ou

47
suspensão do prazo. O prazo corre independentemente da
causa do não uso.
De acordo também com o art. 298º nº 3 CC o não uso somente
opera para os direitos reais de gozo e pelos vistos não todos,
dado que pelo menos o direito de habitação periódica não esta
enumerado.
Por outro lado é necessário, para que o não uso seja facto
extintivo, que a lei contenda para cada direito a previsão de que
se extingue pelo não uso, ou seja, o art. 298º nº 3 CC apenas
admite a possibilidade dos direitos aí designados se extinguirem
pelo não uso, mas essa possibilidade só é concretizada se para
cada direito existir uma norma legal que contenha essa
previsão: usufruto; direito superfície art. 1536º nº 1 a) b);
servidões art. 1569º nº 1 b); direito propriedade (singular,
compropriedade e propriedade horizontal). Quanto ao direito
propriedade não há nenhuma previsão genérica, até porque a
regra é que o direito de propriedade não extingue pelo seu não
exercício. Parece que no caso da propriedade das águas o art.
1397º CC estabeleceu um caso de extinção dessa propriedade
por não uso. Dado que embora se utilize a expressão “caduca”
tem se entendido que como não há prazo fixado pela lei para
operar essa caducidade então o caso só pode ser de não. De
todo o modo é não uso com um regime muito suis generis
porque nas outras situações o não uso só por si não é m facto
suficiente, é preciso que o não uso se estenda durante um
determinado período de tempo. O prazo normalmente é de 10 a
20 anos.
No caso do art. 1397º CC o não uso opera independentemente
da verificação de um prazo fixo, fica ao critério de quem aprecia
se o prazo que já correu é suficiente para o não uso.
O não uso como está sujeito ás regras da caducidade opera
automaticamente, ou seja, verificando-se o não uso o direito que
não está a ser exercido extingue-se instantaneamente.
Os restantes direitos reais ( garantidos e aquisição) não estão
submetidos ao não uso e, por isso, o decurso do tempo sem
exercício desses direitos somente pode ter relevância no âmbito
da prescrição.
A prescrição tem de ser invocada, os prazos de prescrição são
prazos que se podem interromper ou suspender.

Usucapio libertatis (na lei só aparece um caso, 1574º CC)

A usucapio libertatis é uma questão de usucapião só que em vez


de ser usucapião com efeito aquisitivo é usucapião com efeito
extintivo, o que pressupõe que um determinado direito não seja

48
exercido só que a causa do não exercício é a oposição da
pessoa que é prejudicadamente onerada com este direito.

 Prédio Serviente

Prédio dominante  A B
 Servidão de Passagem

A tem uma servidão de passagem. A usucapio libertatis


pressupõe que B impeça A de exercer a servidão. A oposição é
na origem ilícita, B não pode impedir o exercício da servidão,
mas se por ventura A não reagir, judicialmente ou
extrajudicialmente, removendo os obstáculos e se a inércia se
prolongar cumpridos os prazos do usucapião obtém-se a
extinção da servidão por usucapião libertatis.
Tem-se entendido que a usucapião libertatis é extensível a
todos os casos de oneração /sobreposição de direito.
Os prazos são os do usucapião, depende das circunstancias do
caso, embora de um modo geral há-de ser o prazo máximo de
20anos, porque normalmente a oposição como é elícita é de má
fé.
A usucapião seja aquisição ou extintiva está equiparada à
prescrição, só produz os seus efeitos se for invocada por aquele
que beneficia da usucapião.

Uma vez que a usucapião libertatis supõe que o titular de um


direito se oponha ao exercício de outro direito só pode funcionar
tratando-se de direitos que impliquem poderes de utilização da
coisa em direito que não tem implícito o poderes “a hipoteca
não se pode extinguir pela usucapião, o credor hipotecário não
tem poderes sobre a coisa hipotecada”.

• Consolidação
É um fenómeno semelhante à confusão nos direitos créditos.
Verifica-se quando que qualquer circunstancia o titular de um
direito sobre uma coisa torna-se também titular de outro direito
diferente sobre a mesma coisa e que inicialmente estavam em
titularidades diferentes.
De um modo geral não faz sentido manter na mesma pessoa os
dois direitos porque os poderes que o titular já tinha ou
consomem ou são consumidos pelo o outro direito “se o
proprietário adquire o usufruto que outra pessoa tinha sobre a
mesma coisa, os poderes de uso e fruição são consumidos pelos
poderes uso e fruição contidos na propriedade”.

Há situações em que pode mais razoável manter os dois direitos


apesar de reunidos na mesma titularidade. A consolidação não

49
implica sempre extinção. Sempre que a extinção do direito que
é consumido pudesse causar um prejuízo a terceiros.

A  B  C
Proprietário Usufrutuário Hipoteca

Se por qualquer razão o usufruto fosse transferido para o A, pela


lógica da consideração extinguia-se o usufruto que iria implicar
a extinção da hipoteca. Nessas circunstâncias a extinção por
consolidação iria causar um prejuízo a terceiros. Para manter o
direito do terceiro a consolidação não tem efeito extintivo, em
rigor não se verifica a consolidação.
Na realidade o A será simultaneamente proprietário e
usufrutuário. O usufruto irá extinguir-se apenas quando se
verifique o facto que normalmente iria extinguir o direito (morte
do usufrutuário ou decurso do prazo). A hipoteca mantém-se té
se extinguir o direito.

Quando sobre a mesma coisa incidam diversas hipotecas, a


prioridade entre as hipotecas é estabelecida pela data do
registo de cada hipoteca.

 B 1ª - Hipoteca
A
 C 2ª - Hipoteca
Proprietário
 D 3ª - Hipoteca

A prioridade implica que quando a hipoteca anterior se extinga


qualquer que seja a razão, a hipoteca posterior avança um grau.
Se o crédito de B foi satisfeito extingue-se a hipoteca.

Pode acontecer no entanto que a hipoteca anterior se extinga


por uma razão anormal, que não podia ser legitimamente
esperada pelos credores hipotecários posteriores.

“B renuncia à hipoteca”, pela lógica da prioridade o que importa


é que se extinga a primeira hipoteca, os outros avançam um
grau. É em casos destes que não faz sentido permitir o avanço.
O mais razoável é manter aquele lugar vago o que implica que o
proprietário seja simultaneamente proprietário e beneficie de
uma hipoteca a seu próprio favor. Ao ficar vago o proprietário
pode transferir a hipoteca que tem sobre coisa própria para um
credor seu que não seja C ou D. Não há qualquer prejuízo para C
e D, porque nunca tinham estado no lugar anterior e porque
aquilo que a primeira hipoteca garante é aquilo que já estava
garantido quando a hipoteca pertencia ao B.

50
Esta posição tem a dificuldade de se admitir a hipoteca sobre
coisa própria, tem de se admitir assim uma hipoteca que não
garante nada (entre a renúncia de B e a transferência para
outro credor que não C e D).

• Termo e condição

De um modo geral os direitos reais podem ficar submetidos a


condição suspensiva e resolutiva nos termos gerais e normais e
a termo suspensivo e termo resolutivo nos termos gerais e
normais.

Salvo o caso do direito de propriedade, dado que nos termos do


art. 1306º do CC a propriedade temporária (termo resolutivo) só
é admissível nos casos previstos na lei, art. 1307º do CC.

Os casos previstos na lei são dois e ambos muito


discutíveis:

1. Substituições fideicomissários – casos em que o


testador ou doador designam um sucessor para o primeiro
beneficiário. Quando ao primeiro sucessor (fiduciário) será
que tem uma propriedade temporária? Será que o
fiduciário é proprietário?

A  B  C
Testador Fiduciário Fideicomissário

O fiduciário tem apenas poderes de uso e fruição (art. 2290º do


CC, mas embora muito limitadamente também tem poderes de
disposição, art. 2291º do CC. O fiduciário para ser só
usufrutuário tem poderes a mais dado que o usufrutuário nunca
tem o poder de disposição da própria coisa. O único direito que
permite a disposição para além do usufruto é a propriedade, por
isso, pode ser proprietário.

É verdade que o fiduciário deixa de ser proprietário quando


falecer, o C (fideicomissário) é sucessor do autor do testamento
(A), ora juridicamente o fiduciário não tem herdeiros,
juridicamente o herdeiro é havido como um continuador do
autor da sucessão, juridicamente os herdeiros são uma extensão
da personalidade dos autores da sucessão. Neste caso o
fiduciário não pode ter continuadores, por isso a propriedade é
temporária, a propriedade passa para outro herdeiro de A.

51
2. Outro caso de propriedade temporária é o caso do
Superficiário – art. 1524º e ss do CC – O direito de
superfície é o direito de constituir ou pelo menos manter
uma construção ou plantação em terreno alheio, por isso,
juridicamente verifica-se uma separação que excepciona o
funcionamento da acessão. Através do direito de
superfície uma pessoa fica titular do solo e outra pessoa
fica titular da construção implantada nesse solo. O
superficiário é proprietário da construção ou plantação, o
fundeiro é o proprietário do solo. Uma vez que o direito de
superfície tanto pode ser perpetuo como o temporário nos
casos em que o direito de superfície seja constituído para
certo prazo, o direito de propriedade do superficiário é
também um direito temporário. O direito de propriedade é
objectivamente temporário, o termo do prazo leva a que o
proprietário do solo torne-se automaticamente proprietário
(por acessão) das construções ou plantações.

• Expropriação por utilidade publica

A expropriação por utilidade publica supõe que tenha existido,


precisamente a declaração de utilidade publica através da lei ou
acto administrativo e na sequência do direito objecto dessa
expropriação, que não tem de ser necessariamente a
propriedade, deve ser transferido ou constituído para o
beneficiário da expropriação.
Como é evidente, ao abrigo do art. 1310º do CC e 62º da CRP, a
expropriação por utilidade publica implica o pagamento ao
expropriado da justa indemnização. Tem-se entendido que,
salvos os casos das expropriações urgentes, existe aqui uma
bilateralidade / sinalagma. O expropriado só está obrigado a
colocar o bem objecto da expropriação ao dispor do beneficiário
no instante em que a indemnização esteja ao seu dispor
também.
Ao contrário do que parece, o direito que o expropriado tinha
sobre a coisa expropriada não se extingue no modo nem
expropriação, nem no modo em que faz a entrega da coisa ao
beneficiário, porque o beneficiário tem de utilizar a coisa para o
fim de utilidade publica identificado no acto expropriativo e que
motivou essa expropriação, por isso, se o beneficiário não der
uma utilização ou der utilização diferente o expropriado tem o
direito de reversão, tem o direito de exigir a restrição que está
fundamentado no direito real que expropriado tinha e que
portanto mantém mesmo depois da exportação. Mesmo após a

52
expropriação o expropriado continua a ter o direito que tinha só
que não pode exercer. Se no entanto não for dada a utilização
que levou à expropriação, o expropriado pode exigir a
restituição que tem eficácia retroactiva à data da expropriação.
O direito de reversão está sujeito a um prazo máximo para o seu
exercício – 20 anos.

Em conclusão a expropriação por utilidade publica somente é


facto extintivo numa de duas hipóteses:
• Se o beneficiário da expropriação der à coisa expropriada a
utilização que motivou a expropriação;
• Ou se independentemente da utilização dada o expropriado
não exercer o direito de reversão.

Na prática quase nunca se exerce o direito de reversão, porque


evidentemente o expropriado tem que restituir a indemnização
e se houve benfeitorias realizadas pelo beneficiário da
expropriação as benfeitorias têm de ser compensadas.

CONTEÚDO DA RELAÇÃO JURÍDICA CORRESPONDENTE AO DIREITO


REAL:
De acordo com o art. 1306º nº 1 do CC existe uma taxatividade
de modelos de direitos reais, ou seja, não se podem construir
por negócios jurídico direitos reais diferentes daqueles que
estão previstos na lei.
O primeiro da taxatividade tem uma justificação histórica mas
que já não é actual. È um principio que é instituído pelo Código
Civil francês na sequência da revolução francesa para limitar ao
máximo os ónus que possível constituir sobre imóveis. No
regime jurídico corresponde à pré-revolução francesa a
propriedade imobiliária podia ser objecto de qualquer ónus /
encargos ainda que não previstos na lei. A ideia foi libertar a
propriedade da terra de forma que o proprietário retirasse
beneficio próprio e não para terceiros.
Hoje em dia, de todo o modo, os direitos reais têm sempre que
corresponder a um modelo legal.
É um principio muito formal, porque o que importa é que
existam direitos previstos na lei, o art. 1306º do CC no máximo
limita a constituição de direitos reais aos previstos na lei, mas
sem designar quais são os previstos na lei.

Normalmente designa-se este principio por principio da


tipicidade, no essencial é a mesma coisa, embora com rigor não
se deve falar em tipicidade, pois um tipo é por definição um
modelo maleável, é um modelo central mas permite a

53
subsunção de casos que não correspondendo exactamente ao
modelo legal ainda estão próximos. Este raciocínio não é
possível para a generalidade dos direitos reais devido ao art.
1306º do CC, não se admitem raciocínios por aproximação, ou
cabe no modelo ou não. Excluindo a propriedade não se pode
falar em tipos, mas em modelos ou classes, só o direito de
propriedade está definido em termos de aproximação, é que o
fiduciário ainda tem direito que por aproximação cabe no direito
de propriedade.

De acordo com o art. 1306º nº 1 do CC é necessário distinguir


consoante se tenha constituído restrições a um direito real ou se
tenham constituído s figuras parcelares a um direito real.
As restrições são limitações, proibições de actualização num
determinado sentido, restrições constituídas por negócios
jurídicos.

As figuras parcelares são ainda uma consequência da utilização


da teoria do desmembramento para explicar a sobreposição de
direitos reais sobre a mesma coisa. Por esta teoria os direitos
reais menores são configurados como parcelas do direito de
propriedade.
“Usufruto implica que os direitos uso e fruição do proprietário
lhe sejam retirados e atribuídos ao usufrutuário”.
De todo o modo a expressão “figura parcelar” aparece devido à
teoria do desmembramento e por tanto, quer-se dizer direitos
menores (por comparação com a propriedade).
Assim o art. 1306º do CC significa que não se podem constituir
figuras parcelares / direitos menores com caracter real a não ser
nos casos previstos na lei. E não se podem constituir restrições
a direitos reais com caracter real a não ser nos casos previstos
na lei.

A parte final do art. 1306º nº 1 do CC opera / procede a uma


conversão legal o que foi constituído pertençamente com
caracter real, mas não está previsto na lei não tem eficácia real,
mas tem eficácia obrigacional (vincula a partes, mas não atinge
terceiros).
Esta conversão legal funciona apenas para restrições não
previstas na lei, não funciona para as figuras parcelares.
“Se na compropriedade os comproprietários estabeleceram uma
cláusula de indivisão por prazo superior a 5 anos” como a lei,
art. 1412º nº 2 do CC, somente permite como o máximo 5 anos
considerar-se que o excesso é uma restrição não prevista e, por
isso, terá eficácia obrigacional.

54
Ao contrário, tratando-se de direitos menores não previstos,
como a lei não estabelece uma conversão legal considera-se
que o acto constitutivo desse direito menor é nulo nos termos
do art. 294º do CC porque se considera que o art. 1306º tem
uma norma imperativa. Admite-se que se possa fazer a
conversão desse negocio nos temos gerais do art. 293º do CC e
eventualmente obter também um acto jurídico constitutivo de
um direito menor, mas com eficácia obrigacional.
A conversão nos termos do art. 293º do CC exige a vontade
conjectural das partes.
A conversão legal opera independentemente da vontade
conjectural.

Entende-se que o art. 1306 do CC atinge também situações em


que se constituem situações jurídicas que nem são direitos
menores, nem são restrições. É o caso das situações em que se
constituem as obrigações reais ou ónus reais: através de um
acto jurídico impõem-se obrigações (alguém fica vinculado a ter
um comportamento positivo) desde que essas obrigações
pretendam atingir também pessoas / terceiros que não
participaram na respectiva constituição.
Se somente se podem constituir restrições com eficácia perante
terceiros nos casos previstos na lei, também só se podem
construir obrigações com eficácia sobre terceiros nos casos
previstos na lei. É um argumento por maioria de razão.

Quanto ao principio da taxatividade do art. 1306º do CC.


Esta taxatividade é uma taxatividade aberta, no sentido de que,
desde que não se alterem os modelos legais de direitos reais se
permite aos particulares através de negócios jurídicos a
conformação, permite-se que o conteúdo do direito real seja
fixado pela própria vontade dos intervenientes.

Exemplo:
Servidões, dado que seguindo o art. 1544º do CC as servidões
podem servir para prestar qualquer utilidade ao proprietário do
prédio dominante desde que se respeitem os requisitos do
modelo de servidão do art. 1543º do CC.

O regime jurídico que a lei estabeleceu para os direitos reais, de


um modo geral, aplica-se apenas supletivamente, na falta de
estipulação em contrário.

O conteúdo do direito real é formado por um conjunto de


elementos que se podem distinguir em elementos activos e
passivos. O titular do direito real tem poderes, mas tem também

55
limitações ou deveres que são impostos na qualidade de titular
do direito.

CONTEÚDO POSITIVO:
Nos direitos de gozo o conteúdo positivo é formado
essencialmente pelos poderes de utilização, fruição e também
elos poderes disposição da coisa, normalmente só o proprietário
é que é titular.

Nos direitos de garantia o titular tem um poder de promover a


alienação judicial da coisa objecto desse direito em caso de
incumprimento do devedor. O poder tem natureza potestativa e
exercício judicial.
Salvo o caso da consignação de rendimentos em que o direito
apesar de ser de garantia, estruturalmente concede poderes de
gozo (fruição). O titular tem o direito de se fazer pagar através
do recebimento dos frutos civis da coisa objecto da garantia. Na
prática dá quase o mesmo resultado que a dação em
cumprimento.
Na consignação de rendimentos quando os tais não sejam
directamente recebidos pelo credor, quando seja o devedor ou
um terceiro que tem de fazer a entrega dos rendimentos e não o
faz, pelos rendimentos não entregues, a coisa objecto da
consignação responde podendo-se penhorar e fazer venda
judicial.

Nos direitos de aquisição, estes atribuem essencialmente o


poder do titular do direito adquirir outro direito por declaração
unilateral, umas vezes dependente de intervenção judicial,
outras não.
O poder básico é um poder potestativo.

Os dois casos de aplicação mais genérica são as preferencias


legais ou negociais com eficácia real (art. 421º do CC) e o
direito de aquisição do promitente comprador quando a
promessa tenha eficácia real (art. 413º do CC). Em ambos os
casos é discutível que se trate de um direito real.
No caso das preferências o titular da preferencia só tem o tal
direito real de aquisição no suposto de que o obrigado à
preferência se colocou em situação de já não poder cumprir
(transmitindo o direito de objecto da preferência a um terceiro).

A  B
Obrigado Preferente

56
Nos termos do art. 416º do CC, o direito do preferente começa
por ser um direito crédito, exigir a comunicação do projecto de
venda. Feita a comunicação o preferente fica com o direito
potestativo de aceitar a comunicação , pois é considerado uma
proposta contratual.
Se o obrigado à preferencia celebra a favor de terceiros um acto
qualquer que não implique a transmissão, ainda assim não há
direito real aquisição, não se pode invocar contra terceiros,
porque o acto de oneração é ineficaz perante o preferente, por
isso, somente surge o direito real de aquisição na titularidade do
preferente quando o obrigado à preferencia se coloca em
situação de incumprimento definitivo (quando vende a C). Só
nesta altura o preferente tem uma situação oponível a um
terceiro.
Só que o direito do B não é um direito propriamente dito de
acompanhar a coisa, que o preferente pode fazer é intentar a
acção de preferencia nos outros termos gerais do art. 1410º do
CC.
A finalidade da acção de preferencia é uma substituição, o
preferente é substituído na posição do terceiro comprador
devido à sentença. O acto de alienação a favor do terceiro
mantém-se, simplesmente os efeitos desse acto passam a
produzir-se na esfera jurídica do preferente que obtém a
substituição.

Até se pode dizer que o direito do preferente acompanha a


coisa, mas se por exemplo:

C  D
Vende

B continua a preferir em relação ao C, nesse caso o direito


objecto da preferencia já não está na titularidade de C, mas na
de outro terceiro D. Para o preferente tudo se passa como se
pertencesse a C, mas juridicamente considera-se que são actos
ilegítimos por relativos a coisa alheia.
A venda C  D é venda de bem alheio, devido à
retroactividade, B adquire de C.
Trantado-se de preferência negocional é assim
necessariamente, se for preferencia convencional somente há
um obrigado à preferencia.
Se for preferencia legal o obrigado à preferencia é determinado
indirectamente, será aquele que for titular do direito sujeito à
preferencia.

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Na promessa com eficácia real o promitente adquirente mantém
o direito à execução especifica, mesmo que o promitente
alienante se tenha colocado em situação de não poder cumprir.

A  B
Promessa
Venda C

Só quando vende a C é que B tem um direito real de aquisição.


O direito vale contra A, apesar do titular actual ser o C. Actua-se
contra a pessoa que prometeu alienar.
Acontece é que o negocio a favor do terceiro torna-se ineficaz
perante o promitente adquirente, porque a promessa com
eficácia real supõe que a promessa esteja registada, por isso, o
terceiro tem de conhecer existência da promessa. Para o
promitente adquirente tudo se passa como se C não existisse.

Antunes Varela: O negocio A  C é um negocio que carece de


legitimidade, sendo nulo. Existe uma eficácia retroactiva à data
da celebração do negocio.

Professor González: Não parece chegar à nulidade, pois assim o


C teria de fazer restituições e o B só deve ser protegido quando
obtém a sentença de execução.
A aquisição do promitente tem eficácia retroactiva. Como a
sentença de execução substitui o controlo prometido o
promitente só adquire quando obtém a sentença.

Há quem considere que a promessa também tem eficácia real


quando o contrato-promessa é susceptível do registo provisório
de aquisição (art. 47º nº 3 do CRPredial) ou nos casos em que
não está registado o contrato-promessa, mas se registou a
acção de execução especifica nos termos gerais do art. 3º do
CRPredial, desde que em ambos os casos o registo seja anterior
ao registo de aquisição em favor do terceiro.
Mesmo que se entenda que não há eficácia real as
consequências práticas são a mesmas devido à prioridade do
registo do promitente adquirente. Em ambos os casos o registo
é provisório.

CONTEÚDO NEGATIVO:
O conteúdo negativo, de um modo geral, são os deveres ou
vinculações que incidem sobre o titular do direito real nessa
qualidade.

Limites:

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São sinónimo de restrições, são proibições de actuação que
servem para delimitar o conteúdo do direito real. Basicamente
os limites distinguem-se em limites impostos no interesse
público ou particular consoante estejam instituídos para
beneficiar pessoas indeterminadas ou pessoas determinadas ou
pelo menos determináveis .

Limites impostos no interesse público, são derivados do direito


administrativo e hoje podem agrupar-se em duas espécies:
Limitações impostas para protecção do ambiente
Limitações impostas para definir o planeamento do
território.
Nesta aqui é usual referir que a propriedade de imóveis abrange
historicamente o direito de construção e, por isso, no Código
Civil está reflectida essa perspectiva dado que nos termos do
art. 1344º nº1 do CC o direito propriedade sobre imóveis
abrange tanto o espaço aéreo correspondente como o subsolo
correspondente. O proprietário pode utilizar o imóvel tanto à
superfície como abstractamente em profundidade e altura.

Talvez seja maioritária a opinião que entende que o direito de


construção não faz parte da propriedade de imóveis, trata-se de
um direito que é ou não atribuído pela administração publica,
por força dos planos de ordenamento do território e da licença
de construção.

Tem duas implicações:


Por um lado o direito de construção é atribuído mais ou menos
discricionariamente pela administração publica através do
plano, pelo que em principio se alguém não tiver obtido o direito
de construção não tem meio de reagir contra essa não
atribuição, salvo se houver uma violação manifesta do principio
da igualdade.
Ao contrário para aqueles que defendem que o direito
construção continua inserido na propriedade, a proibição de
construção equivale a uma expropriação - quase expropriação,
dado que não se retira formalmente a propriedade, mas elimina-
se o seu conteúdo essencial. Dá origem a uma indemnização.

Por outro lado o direito de superfície já não é constituído pelo


proprietário a favor de terceiro (art. 1524º e ss), ao contrario é
concedido ou não pela Administração, dado que o direito de
superfície é o direito de construir sobre um solo alheio.

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A jurisprudência do Tribunal Constitucional entende que é a
Administração que atribui o direito de construção, as razões não
são jurídicas, mas económicas.

Além disso, há uma razão que está ligada à natureza do direito


propriedade, porque o direito propriedade é de todos os direitos
o único que tem dignidade constitucional e consta também nas
cartas sobre os direitos do Homem como um direito humano.
O direito de propriedade é também um direito análogo nos
termos do art. 17º da CRP (direitos, liberdade e garantias).
Está-se a pensar sempre na propriedade de imóveis. É direito
fundamental a propriedade, na medida em que ajuda a garantir
a liberdade individual.
Se o proprietário não pode construir fica excluído, na prática, de
quase todo o valor económico da propriedade.

Limites impostos no interesse particular


O Código Civil contém apenas uma espécie de limitações
- Limitações derivadas da vizinhança, art. 1346º e ss.
São limites que derivam do facto de o exercício do direito de
propriedade sobre imóveis poder ter repercussões no exercício
do direito de propriedade sobre outros imóveis próximos.
A lei intervém para fixar até onde é que essa repercussão se
admite.
De um modo geral as limitações impostas no interesse particular
agrupam-se em três hipóteses gerais.
• Situações em que o proprietário não pode impedir
utilizações vizinhas que tenham repercussão sobre o
direito propriedade próprio. Em teoria cada proprietário
pode excluir qualquer ingerência de terceiros no seu
direito, só que há ingerências que são inevitáveis,
designadamente por razoes naturais, até onde for
inevitável a ingerência é admissível e, por isso, o titular
do direito real atingido por essa ingerência tem de a
tolerar Art. 1346ºe 1347º do CC.
• Aquelas limitações em que a coexistência dos direitos
sobre imóveis vizinhos está definida através da
imposição da observância de certas distancias na
construção ou plantação, art. 1362º e 1365º do CC.
• Aqueles casos em que para protecção de direitos sobre
coisas vizinhas o proprietário deve evitar qualquer
actuação que pelo menos constitua um perigo para
imóveis vizinhos, art. 1348º e 1350º do CC.

Em todos estes casos as limitação são instituídas no interesse


de uma pessoa determinada ou determinável, por isso, é

60
possível que as limitações não se apliquem se existir
consentimento do lesado.
O consentimento pode ir desde o consentimento justificante
(art. 340º do CC) que isenta o autor de responsabilidade ou até
a constituição de servidão predial desvinculativa através da qual
o potencial lesado consente em termos reais que outrém possa
ultrapassar os limites que lhe são impostos não perante aquele
que consentiu como perante os terceiros.
Exemplo:
No caso das distancias, art. 1362º ou 1365º do CC, constituída a
servidão alimentação não pode ser observada.

Obrigação real ou proptem rem


São tal como os limites, vinculações impostas ao titular do
direito real nessa qualidade. No entanto distinguem-se dos
limites porque os limites implicam para o titular atingido não
fazer ou tolerar (actuação passiva ou omissiva), ao passo que as
obrigações proptem rem implicam fazer ou dar (comportamento
positivo).
De um modo geral as obrigações proptem rem implicam
vínculos obrigacionais normais, salvo que uma obrigação normal
tanto pode ter conteúdo positivo ou negativo, ao passo que as
obrigações proptem rem só são obrigações se tiverem conteúdo
positivo. As de conteúdo negativo são limites e não obrigações.

Em relação à obrigação normal a obrigação real apresenta


algumas especialidades: em geral nas obrigações a pessoa
vinculada / devedor é determinado pessoalmente, nas
obrigações reais, como estas são impostas a quem for titular de
certo direito real, a individualização do devedor é feita
indirectamente (é devedor quem for titular do direito real
atingida por aquela obrigação).

Exemplo:

Art. 1424º nº 1 do CC , obrigações de todos os condóminos


participarem nas despesas, quem está obrigado é quem for
condómino na altura em que se paga a despesa.

Daqui decorre que nas obrigações reais o vencimento da


obrigação (exigibilidade) não se processa nos termos normais, é
antes exigível quando os pressupostos de que depende a
constituição da obrigação estejam factualmente verificados.

61
Exemplo:
Os condóminos estão obrigados a participar na despesa do
elevador, quando o elevador se avariar.

CARACTERÍSTICAS DAS OBRIGAÇÕES REAIS:

1. Determinação do devedor: nas obrigações reais é


devedor quem for titular do direito atingido por essa
obrigação.
2. As obrigações reais supõem vinculações de
conteúdo positivo (fazer ou dar) dado que as de
conteúdo negativo não são propriamente obrigações, mas
limites.
3. Funcionalidade, isto é, a obrigação real desempenha a
função, normalmente, de assegurar a conservação ou
manutenção da própria coisa, por isso, num sentido
figurado pode dizer-se que na obrigações reais o credor é a
“própria coisa”, pois é ela que directamente beneficia do
cumprimento da obrigação. Arts. 1411º, 1424º, 1472º e
1567º do CC. Nem sempre é apontada esta característica.
4. Ambulatóriedade, são ambulatórias, acompanham a
transmissão do direito no qual estão integradas.
Transmitindo-se o direito de usufruto transmite-se para o
novo usufrutuário a obrigação do art. 1472º do CC. De um
modo geral uma obrigação para existir supõe que já é
exigível, só a partir dessa altura é que o devedor está
obrigado. As obrigações reais como são obrigações estão
também sujeitas a esta ideia, por isso, se a obrigação real
já é exigível ( no instante em que os pressupostos de facto
estão verificados) não é ambulatória de uma forma geral
porque quando a forma se torna exigível fica
individualizado o devedor.

Exemplo:
A condómino não pagou as ultimas 6 prestações para as
partes comuns, vendem a B. O novo comprador só está
vinculado às prestações que se vencerem enquanto ele é
proprietário.

As obrigações reais não exigíveis é que se transmitem,


transmite-se é a possibilidade da obrigação se tornar exigível
na titularidade do adquirente.

Naqueles casos em que a obrigação já esteja vencida, mas


não tenha sido cumprido pelo transmitente e ainda os

62
pressupostos de facto que de terminaram o vencimento
sejam aparentes, nesse caso transmitem-se.

Exemplo:
A comprou uma fracção autónoma de um edifício que tinha o
elevador avariado. Se aceitou comprar parta-se do principio
que aceitou a despesa. É possível, mas não está previsto na
lei.

5. Taxatividade – o art. 1306º nº1 do CC é aplicável


também às obrigações reais dado que as obrigações reais
criam ou podem criar vinculações para terceiros, isto é,
podem não participou na constituição (art. 1567º nº 4 do
CC). Como há oponibilidade considera-se que também só
podem ser constituídos por negocio jurídico nos casos
expressamente previstos na lei.
6. (Característica de regime jurídico) Denúncia liberatória,
como o devedor está obrigado apenas porque é titular do
direito real no qual essa obrigação está incluída, dai
decorre que se o devedor se libertar da titularidade deixa
de estar obrigado, mas sempre no suposto que a
libertação trás um beneficio para o credor da obrigação.
Por isso, é que a renuncia liberatória acaba por ser uma
espécie de troca, o devedor não cumpre, mas atribui ao
credor o beneficio resultante da renuncia ao seu direito.

A renuncia liberatória tem efeito tanto ao nível obrigacional


como ao nível real:

Nível obrigacional: a regra é que a renuncia libera do


cumprimento da obrigação unilateralmente, isto é, quer o
credor consista quer não. Salvo o caso do art. 1411º nº 2 do
CC, em que é necessário o consentimentos, dos restantes
comproprietários quando a dispersão que justifica a
obrigação tenha sido aprovada pelo próprio devedor quer
renunciar ou no caso especifico da compropriedade de águas
o art. 1398º nº 2 do CC em que a renúncia está sempre
dependente do consentimento dos outros proprietários.

Nível Real: a regra é de que a renuncia implica a extinção


do direito a que se renunciou sempre que credor e devedor
sejam titulares de direitos sobre a mesma coisa (casos de
sobreposição). Ao contrário se forem titulares de direitos
sobre coisas diferentes a renuncia nunca extingue o direito
renunciado, esse direito é colocado à disposição do credor
para este declarar se aceita ou não a transmissão, se não

63
aceitar o direito permanece com o devedor, mas a obrigação
fica extinta.

Exemplo:

A B
Dominante Serviente

B obrigou-se contratualmente a fazer as reparações à


manutenção da passagem. Se posteriormente considerar que
não lhe convém, pode renunciar à parte onerada a favor do
A. Se o A aceitar pelo menos aquela parcela é transmitida
para o A, se não aceitar o B continua proprietário, mas a
obrigação extingue-se, art. 1567º do CC.

Ónus Reais: Os ónus reais tal como as obrigações reais


são vínculos obrigacionais dos quais resulta uma obrigação
de fazer ou dar, imposta ao titular do direito real nessa
qualidade, o devedor é determinado indirectamente, é quem
for titular daquele direito.
Tem conteúdo positivo.
Pelas mesmas razões das obrigações reais estão sujeitos à
regra da taxatividade do art. 1306º do CC, mas:
- Não existe funcionalidade, as obrigações derivadas
no ónus não tem qualquer específica, pelo menos
atribuída por lei.
- O ónus implica que a coisa onerada com o ónus
fique automaticamente (sem necessidade de um
acto especifico) sujeita a execução judicial pelo não
cumprimento da referidas obrigações.
Isto é, o credor que tem direito de exigir as prestações
fica automaticamente com o direito de ser pago
preferencialmente em relação aos demais credores
pelo valor da coisa objecto do ónus. É como se
implicasse automaticamente a constituição da
hipoteca.

Exemplo:
Na doação, art. 959º nº1 parte final, o doador pode
reservar para si o direito a uma certa quantia sobre os
seus bens doados. Se o proprietário da coisa doada não
cumpre o doador pode executar a coisa que doou pelo
não cumprimento.

Exemplo:

64
Art. 2018º do CC, apanágio do cônjuge sobrevivo, o
cônjuge viúvo tem o direito a uma prestação de
alimentos retirada dos bens que foram deixados pelo
cônjuge que faleceu. Quem receber esses bens tem o
dever efectuar a prestação de alimentos sobre pena de
execução dos bens sobre que incide o apanágio.

Em ambos os casos é necessário que o ónus esteja


registado para garantir a oponibilidade.

Exemplo:
Art. 22º e 23º do DL 275/93 de 5 de Agosto, regula o
direito real de habitação periódica.

O direito de habitação periódica é um direito real


menor que permite ao seu titular habitar um edifício
durante um determinado período de tempo em cada
ano civil, quem fica obrigado a proceder à conservação
dessa habitação é o proprietário, esta obrigação do
proprietário é remunerada pelo titular do direito de
habitação periódica.
Pelo cumprimento desta obrigação o proprietário
beneficia de um privilegio creditório (art. 23º) sobre o
direito de habitação periódica. Se o titular da habitação
periódica não cumprir a obrigação do art. 22º o
proprietário pode executar o direito de habitação
periódica.
O privilegio creditório resulta da lei, por isso, o registo
não é necessário.

PARTE ESPECIAL
DIREITOS DE GOZO EM ESPECIAL

Direito de propriedade – art. 1302º e ss do CC


O direito de propriedade é o único direito patrimonial que está
previsto na CRP, art.62º, tem sido considerado um direito
fundamental análogo aos direitos de liberdade e garantias.
Isso implica que o direito de propriedade fique subordinado ao
regime da garantia / protecção que resulta do art.16º da CRP.
O art. 18º da CRP tem em vista estabelecer limites à legislação
ordinária que tenha por finalidade directa ou indirecta a
colocação de restrições aos direitos, de liberdade e garantias.
Como ideia geral, as restrições aos direitos de liberdade e
garantias tem que ser feitas atingindo o mínimo possível os
direitos objectos da restrição.

65
Assim, enumerado, as leis restritivas não podem ser
retroactivas; devem necessariamente ter alcance geral e
abstracto; são da competência da Assembleia da Republica que
pode delegar no Governo; e as leis restritivas nunca podem
atingir o conteúdo essencial de um direito, art. 18º nº 3 da CRP.
Quer isto dizer que cada direito sujeito ao regime do art. 18º nº
3 da CRP deve ter um conteúdo mínimo que em caso algum
pode ser afectado por lei restritiva.
No caso do direito de propriedade há pelo menos a seguinte
especialidade:
• Mesmo sendo um direito análogo aos direitos liberatórios
e garantias é um direito de natureza patrimonial e, por
isso, tem-se admitido que o conteúdo essencial da
propriedade poderá ser restringido desde que a perda
desse conteúdo essencial seja compensada
economicamente através de indemnização ou
compensação.

Exemplo: É por isso que justifica que se possa fazer a


expropriação.
Exemplo: Alguém proprietário de um imóvel é impedido de
construir pela autoridade Administrativa, falta do direito de
construção, que nos imóveis faz parte do conteúdo do direito de
propriedade, seja compensada como se fosse uma expropriação.

O conteúdo essencial da propriedade embora protegido, não é


protegido de forma absoluta dado que é susceptível de
compensação pecuniária.

Natureza jurídica do direito de propriedade


O art. 1305º do CC que se refere ao conteúdo do direito de
propriedade define este direito como o direito de usar, fruir e
dispor. Trata-se apenas de uma descrição dos elementos típicos
contidos na propriedade, porque a propriedade pode atribuir
menos poderes; porque, ao contrário, a propriedade pode
atribuir mais poderes; porque a propriedade impõe deveres e
obrigações.

Exemplo:
O fiduciário tem menos do que normalmente a propriedade
contém, o poder de disposição está muito limitado.

Exemplo:
Aquele que vende com reserva de propriedade (art. 409º do CC)
tem um direito de propriedade que não inclui o uso e fruição,

66
nem o essencial da disposição, nesse caso a propriedade está a
servir como um direito de garantia.

Por isso, o direito de propriedade apenas pode ser definido como


direito real pleno, no seu sentido de que abrange todos os
poderes concebíveis e possíveis que uma pessoa pode ter em
relação a uma coisa.

O regime da propriedade é um regime geral dos direitos reais


pelo menos de gozo. A maior parte das regras gerais aparece
formulada a propósito da propriedade, por isso, quase todos os
aspectos legais característicos da propriedade, no rigor são
característicos de todos os direitos de gozo.

Defesa judicial da propriedade


No essencial existem três tipos de acções destinadas à defesa
do direito de propriedade, embora dois sejam igualmente
extensíveis à defesa de outros direito de gozo.

• Acção de Reinvindicação – art. 1311º e ss do CC

É uma acção que pressupõe que o proprietário não tenha poder


da coisa pode facto a coisa. Supõe-se que a coisa está em poder
de terceiros ilicitamente.

A acção de reinvindicação tem em vista exigir judicialmente que


essa terceiro entregue a coisa ao proprietário.
Não supõe necessariamente que tenha havido uma privação da
posse contra a vontade do proprietário.

É uma acção de condenação pura e é uma acção que, segundo o


art. 1313º do CC, não está sujeita a nenhum prazo de
caducidade, porque o próprio direito de propriedade, também
não está sujeito, regra geral, a nenhum prazo de prescrição ou
não uso.

Têm legitimidade activa o proprietário que não tenha o poder de


facto sobre a coisa e o titular de qualquer outro direito de gozo
(art. 1315º do CC). Tem-se entendido que a acção de
reinvindicação também pode ser intentada pelo titular de um
direito de garantia quando esse direito de garantia atribua o
poder de facto sobre a coisa (ex. direito de retenção, penhor,
consignação de rendimentos quando a coisa seja entregue ao
credor).
É uma acção que está sujeito nos termos do art.3º da CRP, é um
registo provisório.

67
• Acção negatória (não está literalmente prevista)

É também uma acção de coordenação, mas que, ao contrário da


normalização das acções condenatórias, começa por ser uma
acção de apreciação negativa.
A condenatória supõe que o autor prova o direito que alega ter e
como consequência condena-se o réu a um determinado
comportamento.
No caso da acção negatória o que o actor pretende é que seja
negado um determinado direito ao réu e como consequência é
que se pede a condenação do réu num determinado
comportamento (normalmente uma abstenção). É o que se
passa nas hipóteses em que o réu pratica actos que pretende
manifestar a existência de um direito real menor sobre a coisa.
A acção negatória intentada pelo proprietário tem em vista
negar ao réu a existência desse direito e como consequência da
negação o réu será condenado na abstenção futura (cessação
dos actos que causam uma perturbação ao exercício normal da
propriedade).
De um modo geral pode dizer-se que a acção negatória supõe
uma perturbação ao exercício normal do direito. Essa
perturbação resulta do facto de o réu praticar actos pelos quais
pretende manifestar a existência de um direito menor.
Tal como a acção de reinvindicação não há prazo para intentar a
acção, aplica-se o art. 1313º do CC por analogia.
Tem legitimidade activa o proprietário e eventualmente o titular
de um direito menor de gozo pelo menos. E tem legitimidade
passiva o autor da perturbação.

Tanto na acção negatória, como na acção de reinvindicação,


quando se diz que não há prazo de caducidade quer dizer que o
exercício do direito que é a causa de pedir não está sujeito a um
prazo, mas é evidente que as acções não podem ser intentadas
quando o réu esteja em condições de invocar a usucapião a seu
favor, art. 1313º do CC, porque o direito do autor extingue-se,
logo a acção não tem fundamento.

• Acção de demarcação – art. 1353º e ss do CC

A acção de demarcação é uma acção que pressupõe uma


incerteza relativamente à linha divisória / às extremas entre dois
prédios e, por isso, a finalidade da acção consiste em
estabelecer essa extrema.
O problema é apenas relativo ao âmbito territorial de cada
prédio. Embora na prática seja frequente a confusão entre a

68
acção de reinvidicação e a acção de demarcação, o
estabelecimento da extrema pode implicar que um dos
proprietários em presença tenha que restituir a parcela que
ocupa indevidamente. A reinvidicação tem o mesmo objectivo,
obter a restituição da coisa.
A distinção faz-se atendendo ao objecto da discussão em litígio:
se forem os títulos de aquisição o problema é de reinvindicação
(saber a quem pertence uma parcela do prédio).
O problema é de demarcação se o que está em questão é a área
de cada prédio sem interferir nisso qualquer título de aquisição.

De um modo geral, o nome que se dá à acção não tem qualquer


relevância, o relevante é aquilo que se pede, no entanto, nesta
distinção o nome tem relevância porque a própria espécie de
acção é diferente.

A acção de reinvindicação e a acção negatória pertencem ao


processo comum, a acção de demarcação corresponde às
acções de arbitramento, onde não existe um autor e um réu,
dado que ambos os proprietários confinantes estão obrigados a
contribuir com elementos de prova para que se proceda à
demarcação. A invocação e apresentação das provas é uma
obrigação e não um ónus, art. 1353º do CC.

Se não for possível face à prova apresentada, estabelecer a


extrema, o tribunal não pode declarar que o pedido é
improcedente porque em ultima análise o tribunal deve
distribuir a parcela de terreno em litígio pelos proprietários
confinantes em partes iguais, art. 1354º nº 2 do CC.
A acção de demarcação é uma acção em que só têm
legitimidade activa ou passiva os proprietários confinantes,
embora se admita que os titulares de outros direitos possam
intervir, mas não a título principal.
Não está sujeita a qualquer prazo de caducidade, a todo o
tempo é possível fazer a demarcação, excepto se um dos
proprietários poder invocar a usucapião a seu favor. A causa de
pedir já não existe.

REGIMES ESPECIAIS DA PROPRIEDADE:


Compropriedade – art. 1403º e ss do CC

A especificidade da compropriedade decorre do facto de


existirem dois ou mais proprietários sobre a mesma coisa.
É um fenómeno de contitularidade ou comunhão.

69
CONCEPÇÃO DA COMPROPRIEDADE (existem três possibilidade):

1. Para Henrique Mesquita na compropriedade existe um


direito de propriedade único que pertence a dois ou mais
proprietários. Atendendo ao regime da compropriedade
esta concepção não é admissível porque configura como a
chamada comunhão de mão-comum ou propriedade
colectiva. A propriedade colectiva existe quando a
comunhão no direito de propriedade está fundamentada
numa outra comunhão mais intensa que constitui um
pressuposto que normalmente é uma comunhão de
interesse social. Ex: os terrenos baldios são propriedade
de uma comunidade local e é pelo facto das pessoas
pertencerem a essa comunidade que simultaneamente
são proprietários desses terrenos. A propriedade é uma
consequência da pertença à comunidade. Daí decorre que
na propriedade colectiva cada comproprietário só é
proprietário enquanto pertencer à comunidade local e daí
por exemplo que não existam cotas de participação, cada
um utiliza na medida do necessário e ninguém tem o
poder de impor aos outros a divisão do objecto dessa
propriedade colectiva.
Na compropriedade cada comproprietário tem uma
medida de participação – quota ideal – cada
comproprietário pode usar, conforme lhe apetecer, art.
1406º do CC, e cada comproprietário, independentemente
do valor da sua quota, pode impor aos outros a divisão da
coisa comum, art. 1412º do CC.

Outras duas possibilidades:

Na compropriedade existem tantos direitos de


propriedade sobre a coisa quantos forem os proprietários.
Pressupõe pluralidade de proprietários com igual
pluralidade de direitos de propriedade.

A diferença está no objecto de cada um desses direitos.

2. Na concepção tradicional parte-se do princípio que sobre


a mesma coisa não pode existir mais do que um direito de
propriedade. Assim, afirma-se que o direito de
propriedade de cada comproprietário incide / tem por
objecto não a própria coisa, mas uma quota ideal.

70
A quota ideal é a quantidade de participação de cada
comproprietário sobre a coisa comum. É a fracção ideal
que determina os direitos e obrigações de cada
comproprietário. Se forem dois comproprietários cada
comproprietário tem 50 % da coisa.
Na compropriedade temos um direito de propriedade que
não incide sobre uma coisa corpórea. É contraditório com
o art. 1302º do CC que diz que a propriedade só pode ter
por objecto coisa corpórea. Se o direito de cada
comproprietário incide sobre uma quota da coisa, então a
coisa comum não tem proprietário.

3. Professores: González, Oliveira Ascensão e Menezes


Cordeiro – na compropriedade existem tantos direitos de
propriedade quantos forem os comproprietários. Esses
direitos de propriedade incidem sobre a coisa. Cada um
sujeita-se à propriedade dos outros, limitam-se todos
reciprocamente. Na compropriedade existe uma
sobreposição paralela de direitos.

QUANTO AO REGIME DA COMPROPRIEDADE: há actos que podem ser


praticados individualmente por cada comproprietário. Casos em
que cada comproprietário sozinho tem legitimidade para
intentar acções para defesa da compropriedade.
Cada comproprietário tem legitimidade activa individualmente,
art. 1405º nº 2 do CC. Ao contrário, nos casos em que sejam
intentadas acções contra a compropriedade só tem legitimidade
passiva todos os comproprietários.
No que respeita à utilização da coisa comum a regra é de que
todos podem utilizar individualmente a totalidade da coisa, as
quotas não têm relevância para a utilização. Sempre no suposto
de que essa utilização na totalidade não impede os outros de
utilizarem também.

Admite-se que os comproprietários estabeleçam um


regulamento de utilização onde podem estabelecer qualquer
regra de utilização ainda que implique parcelamento do uso.
Não tem repercussão no resto dos poderes do comproprietário.

Qualquer disciplina de utilização que seja diferente da regra


legal implica uma aprovação unânime.
Admite-se, embora discutivelmente, que essa disciplina possa
vincular terceiros desde que tenha sido levada a registo a
deliberação que estabelece o uso em moldes diferentes dos
legais.

71
Tem-se admitido desde que, pelo menos, o regulamento de
utilização seja constante do acto que constitui a
compropriedade.

Poderes de disposição - é preciso distinguir a quota ideal da


parte especificadamente determinada.

A quota ideal é a medida de participação de cada


comproprietário nas vantagens e desvantagens da coisa
comum. Serve para determinar direitos e obrigações de cada
comproprietário.

A parte especificada é uma materialização, em concreto, de


uma determinada parte da coisa comum, ou seja, a parte
especificada é u bocado da coisa comum.

Exemplo: se no terreno que está em compropriedade


algum dos comproprietários reservar para si uma
parcela do terreno, isso representa uma parte
especificada.

Estes conceitos servem para definir o que cada comproprietário


pode fazer em termos de disposição ou oneração.

De um modo geral, cada comproprietário pode dispor ou onerar


livremente a sua quota, a sua participação. Ao contrário, cada
comproprietário individualmente não pode dispor ou onerar
qualquer parte especificada.

É que cada comproprietário tem um direito de propriedade e


esse direito de cada comproprietário atinge a totalidade da
coisa, portanto se um comproprietário praticar um acto de
disposição ou oneração sobre uma parte especificada da coisa
comum está a praticar um acto de versa sobre coisa
parcialmente alheia, dado que a parte especificada se é uma
parte da coisa pertence a todos, porque a coisa pertence a
todos, ou seja, o conceito de parte especificada serve para
definir o que é que cada comproprietário individualmente não
pode fazer. Tem uma função contrária à da quota ideal.

Por isso, a disposição ou oneração de uma parte especificada é


um acto que só pode ser praticado por todos ou por algum (ns),
mas com o consentimento dos outros.
Só todos é que podem dispor ou onerar da totalidade da coisa.

72
A
B  Venda a C (art. 1408º nº2 e 892º do CC)

A e B são comproprietários, o edifício não está constituído em


propriedade horizontal. O objecto da compropriedade é a
totalidade do edifício, podem regulamentar a utilização.

Quando B vende a C, está a vender uma parte especificada, o


que ele podia vender livremente eram os seus 50% no edifício.
Não pode vender o RC porque esse andar também é do A. Assim
a venda é equiparada a venda de bem alheio.

Os actos de alienação ou oneração de partes especificada são


actos que só serão válidos se forem praticados por todos ou
desde que os que não participam, pelo menos, consintam.
Nada impede que o consentimento seja à posteriori, mas o
consentimento à posteriori só faz sentido nos casos em que a lei
não exija nenhuma forma solene para os negócios de alienação.

Transmissão da quota ideal – Em relação à quota ideal o


comproprietário pode dispor ou onerar livremente, porque nesse
caso está a dispor ou onerar o seu direito de propriedade.

Essa disposição ou oneração é válida porque se está apenas a


praticar um acto sobre o direito próprio.
É um acto livre, salvo se a disposição consistir numa venda ou
dação em cumprimento, porque nesse caso os outros
comproprietários têm o direito de preferência nos termos do art.
1409º do CC.

E além disso, é necessário que se trate de venda ou dação em


cumprimento realizada ou a realizar com terceiro.
A venda ou dação em cumprimento entre comproprietários não
dá preferencia os outros comproprietários.
Justifica-se que a preferência só exista em relação a terceiros,
para por um lado evitar a entrada de estranhos que podem
perturbar o funcionamento da compropriedade e a preferência
destina-se também a tentar extinguir a compropriedade.

Nos casos em que tenha feito venda ou dação em cumprimento


de parte especificada esses actos são nulos dado que se foram
praticados por um único comproprietário este não tem
legitimidade para o efeito. No entanto se a venda ou dação em
cumprimento fosse a quota ideal os outros comproprietários
teriam direito de preferência.

73
Por isso, admite-se que a venda ou dação em cumprimento de
partes especificadas possa ser objecto de conversão nos termos
do art. 293º do CC em venda ou dação em cumprimento de
quota ideal e, por isso, desde que estejam verificados os
requisitos do art. 293º do CC pode tornar-se válida a venda ou
dação em cumprimento de modo que os outros comproprietários
possam preferir.

Se a conversão é feita para que outro comproprietário possa


preferir faz sentido a conversão, porque a intervenção do
terceiro adquirente é meramente formal, o terceiro adquire
apenas para que o preferente possa adquirir.

A
B  Venda a C  art. 293º do CC

Supondo que a venda B – C foi feita por escritura, nessa


perspectiva pode fazer-se a conversão em venda de 50%,
aproveita-se a escritura. O problema que surge é o da vontade
conjectural, o art. 293º do CC diz que é necessário provar que as
partes teriam celebrado o negócio sucedâneo se soubessem que
o negócio que celebraram era nulo. O comprador tem a intenção
de comprar o RC e saiu-lhe a compropriedade com A, mas se a
conversão é feita para que o A possa preferir já se respeita a
vontade conjectural, porque a situação do terceiro é indiferente
perante a conversão.
O terceiro adquire para que o A se possa sub-rogar na posição
do terceiro. Para o terceiro é indiferente porque materialmente
não tem nada.
Se não houver conversão C tem de pedir a B a restituição do
preço, se houver conversão o C sabe que se perder a acção de
preferência o preço está à partida à sua disposição.
Atenção que este pedido de conversão tem de ser feito na
própria acção de preferência.

Divisão – art. 1412º e 1413º do CC

A compropriedade é uma situação transitória do ponto de vista


legal e, por isso, permite-se que cada comproprietário
individualmente e independentemente da quota que tenha,
imponha o termo da compropriedade através da divisão aos
restantes comproprietários.

O poder de impor a divisão é um poder potestativo, os outros


sujeitam-se à divisão, salvo nos casos em que se tenha

74
convencionado a cláusula de indivisão. Nos termos do art. 1412º
nº 2 do CC essa cláusula não pode ter duração superior a 5
anos, apesar de se permitirem renovações sucessivas.

A divisão implica a cessação da compropriedade. De acordo com


o art. 1413º do CC a forma da divisão pode ser judicial ou extra-
judicial.

Se for extra-judicial a divisão configura um contrato entre os


comproprietários através do qual se estabelecem os termos
dessa divisão. As coisas imóveis necessitam de observar a
forma própria, normalmente a escritura pública.

A divisão judicial faz-se através de um processo que é de


arbitramento, ou seja, até porque a coisa pode ser indivisível
naturalmente ou legalmente, por isso, a divisão, pelo menos a
judicial, pode implicar parcelamento, mas pode fazer-se
adjudicando a coisa a um dos comproprietários ficando este com
a obrigação de compensar os outros monetariamente ou pode
fazer-se a venda judicial e depois faz-se a divisão do preço
obtido pelos ex-comproprietários em função da respectiva
quota.

A quota ideal de cada um não se concretiza necessariamente


sobre a própria coisa, pode concretizar-se sobre uma soma em
dinheiro. Além disso, se existirem onerações (se o
comproprietário tiver onerado o seu direito com uma hipoteca,
usufruto, etc) a divisão tem de ser feita com o consentimento do
titular do direito menor. No caso da hipoteca, art. 698º nº 2 do
CC, para evitar que a divisão seja feita em moldes que
prejudiquem os interesses desses titulares de direitos menores.
E, por isso, sem o seu consentimento a divisão está feita, mas é
ineficaz perante os titulares desses direitos menores.

Quanto aos efeitos da divisão – a divisão da compropriedade


está sujeita ao mesmo regime de partilha da herança.
Funcionam as regras gerais da partilha e, portanto, feita a
partilha (art. 2119º do CC) cada comproprietário é considerado
proprietário exclusivo daquilo que lhe couber pela divisão desde
a data da constituição da compropriedade.

A divisão tem efeito retroactivo, tudo se passa como se nunca


tivesse havido compropriedade. No entanto, esta
retroactividade, só se pode levar à letra quando a divisão

75
consista no parcelamento da coisa, nas outras hipóteses de um
modo geral não se pode fazer.

Actos que devem ser praticados pela maioria –


basicamente são os actos de administração ordinária – art 1407º
do CC e tratando-se de actos destinados à conservação ou
frutificação da coisa, esses actos devem ser praticados apenas
desde que tenham sido aprovados pela maioria, desde que essa
maioria represente pelo menos metade do valor das quotas, art.
1407º nº1 do CC.
Se porventura não for possível obter a maioria o caso tem de ser
submetido a decisão judicial, art. 1407º nº2 do CC.

O art. 1407º do CC abrange apenas à letra os actos de


administração ordinária, os actos de administração
extraordinária têm de estar na regra da unanimidade. Se o acto
de administração ordinária provocar despesas todos os
comproprietários, mesmo os que não aprovaram têm de
participar nas despesas pelo art. 1411º do CC. Por isso, se
porventura os actos de administração extraordinários também
pudessem ser praticados pela aprovação da maioria depois não
haveria meio de imputar essas despesas a todos os
comproprietários, porque o art. 1411º do CC apenas abrange as
despesas da administração ordinária.

Todos os actos que não estejam identificados como actos que


não podem ser praticados individualmente ou pela maioria
cabem no art. 1405º nº1 do CC, devendo ser praticados em
conjunto.

Propriedade Horizontal

Configura um modelo diferente de direito real, porque embora a


propriedade horizontal resulte no fundo da conjugação da
propriedade singular e a compropriedade, art. 1420º nº 1 do CC,
essa conjugação dá origem a um regime jurídico que não
corresponde exactamente à propriedade singular, nem à
compropriedade.
Não corresponde à propriedade singular porque há uma série de
limitações à propriedade horizontal que são especificas da
situação, não atinge qualquer propriedade de imóveis, é o que
se passa com as limitações do art. 1422º nº 2 do CC e também
não é rigorosamente compropriedade porque, entre outras
razões, não há o direito de impor a divisão das partes comuns,
nem há direito de preferencia da alienação dos direitos
propriedade sobre cada fracção, art.1423º do CC.

76
De todo o modo, no essencial a propriedade horizontal supõe
que determinadas partes de um edifício ou de um conjunto
imobiliário serão objecto de propriedade exclusiva – fracções
autónomas (para o professor é preferível partes privativas).

E existem aquelas situações do edifício ou conjunto imobiliário


que estão submetidas ao regime da compropriedade, porque
estão ao serviço das fracções autónomas ou partes privadas.
O principal é a propriedade das fracções, mas na generalidade
dos casos a utilização da fracção não seria viável se não
existissem as partes comuns.
Segundo o art. 1414º do CC, as duas fracções são inseparáveis,
uma não existe sem a outra.

A propriedade horizontal classicamente implica o parcelamento


jurídico de um edifício através da divisão jurídica desse edifício
em andares, art. 1414º do CC. Só aqui é que é rigoroso dizer
que as parcelas que se obtêm são fracções autónomas.
Acontece que, nos casos em que existem uma série de edifícios
entre si distintos, mas cuja utilização implica o aproveitamento
de zonas que são comuns a todos não cabe na hipótese do art.
1414º do CC e , por isso, tinha que se instituir um regime
separado de compropriedade sobre essas zonas que estavam ao
serviço da totalidade do edifício.

Exemplo:

Garagens comuns e edifícios distintos

Garagens

Por isso, acrescentou-se o art. 1438º A do CC por força do qual


se estende a propriedade horizontal a um outro modelo de
propriedade horizontal que é o modelo dos conjuntos
imobiliários.
Existe um conjunto imobiliário quando exista uma série de
edifícios fisicamente autónomos entre eles, mas interligados por
algo que seja comum a todos, isto pode ir desde aldeamentos
turísticos até situações em que se fizeram edifícios continuos,
mas com telhado comum.

A propriedade horizontal hoje em dia abrange dois tipos: o tipo


do art. 1414º (dividido em fracções) e o tipo do art. 1438º do CC

77
(conjuntos imobiliários em que cada edifício é equiparado a uma
fracção).
Cada edifício do conjunto imobiliário por sua vez pode estar
dividido em fracções, em rigor existem para cada edifício
fracções autónomas e partes comuns a essas fracções e depois
existem os edifícios equiparados a fracção e as zonas que são
comuns a esse edifício.
A dificuldade prática do ponto de vista jurídico é que a
propriedade horizontal implica a existência de dois órgãos:
Assembleia de condóminos e Administração.
Há quem entenda que nos conjuntos imobiliárias existem órgãos
de administração próprios de cada edifício e existem órgãos
administrativos das partes comuns a todos os edifícios – opinião
do professor.
Há quem entenda que só pode haver um órgão de
administração relativo à totalidade – opinião dominante.

Modos de constituição e requisitos de constituição

Existem requisitos materiais que devem ser respeitados,


embora em rigor, sejam atestados pela autoridade
administrativa (Câmara Municipal).
Constam do art. 1415º do CC: é exigível que cada fracção seja
efectivamente autónoma, seja perfeitamente separável das
restantes fracções e seja susceptível de uma utilização também
inteiramente autonomamente não dependente de outra
fracção / fracções.
É, por isso, que se entende por exemplo: que os lugares da
garagem identificados só por traços não podem constituir por si
fracções autónomas. A garagem é parte comum sujeita ao
regime da compropriedade, os traços servem apenas para
disciplinar a utilização nos termos do art.1416º do CC.
É possível que o proprietário da fracção passa ceder a utilização
do lugar de estacionamento, mas a cedência nunca pode ser em
propriedade dado que é irreparável da propriedade da fracção.
Embora já vá aparecendo, em algumas conservatórias, o hábito
de se abrir uma descrição própria para cada lugar de
estacionamento, nesse caso o lugar de estacionamento fica
equiparado a imóvel e, por isso, é susceptível de inscrição
autónoma e portanto é possível que os outros de cedência de
utilização do lugar de estacionamento sejam inscritos, sendo
oponíveis a terceiros.

A propriedade horizontal pode ser constituída por negócios


jurídicos, usucapião ou sentença.

78
Negócios jurídicos: normalmente trata-se de negócios
jurídicos unilateral dado que se destina apenas a colocar o
edifício ou conjunto de edifícios em regime de propriedade
horizontal, não há ainda alienação ou oneração das fracções.
Só é concebível, em geral, que o negocio de constituição seja
contrato nos casos em que o edifício esteja em compropriedade
e que os comproprietários dividam o objecto da
compropriedade pondo termo à compropriedade por divisão
extrajudicial.
A divisão extrajudicial configura um contrato.

Usucapião: a usucapião para constituir a propriedade


horizontal supõe que existam pelo menos dois possuidores,
precisamente porque a propriedade horizontal supõe pelo
menos dois proprietários de fracções diferentes, esses dois
possuidores actuam isoladamente em relação a determinada
parte do edifício como se essa parte lhes pertencesse
exclusivamente.
Tem de haver um comportamento que corresponderia a
propriedade horizontal, ainda que não o seja.

Sentença: o art. 1417º do CC identifica dois casos: sentença


proferida em acção divisão de coisa comum ou sentença em
processo de inventário e acrescenta-se mais um caso em que
seja proferida sentença de execução específica de um contrato-
promessa quando o contrato-promessa tenha por objecto
edifício que ainda não está constituído em propriedade
horizontal. A sentença constitui primeiro a propriedade
horizontal para depois se executar o contrato-promessa, pois
assim já há objecto.

Exemplo:

E F
C D
A B

Enquanto não for constituída a propriedade horizontal a fracção


A ainda não é coisa.
Se A não cumpre a promessa então não tem interesse em
constituir a propriedade horizontal, assim B pede ao tribunal
que constitua a propriedade horizontal.

Em todos os casos o acto de constituição deve conter


determinadas indicações sem as quais não há propriedade

79
horizontal e por tanto não há fracções. Destinam-se a proceder
à determinação do objecto, a individualizar cada fracção.
Deve proceder-se à individualização o mais pormenorizada
possível da composição de cada fracção (art.1418º nº 1 do CC).
É necessário pormenorizar o melhor possível a descrição de
cada fracção.
Exemplo:
Andar x, área y2, arrecadação, lugar de estacionamento.
Existe o hábito de identificara fracção por uma letra.

É com base nesta individualização que depois no registo predial


se abrem descrisões próprias para cada fracção. Passa a existir
a descrição do edifício na totalidade e uma descrição para cada
fracção do edifício – descrição subordinadas.

É necessário ainda que o acto de constituição atribua a cada


fracção o valor que essa fracção representa em relação à
totalidade do edifício, o valor é expresso em percentagem ou
não em permilagem.

Tal como na compropriedade os direitos e obrigações dos


condóminos são, de um modo geral, definidos através da
participação que têm no edifício.

Art. 1418º nº 2 do CC, o acto de constituição pode conter a


indicação da finalidade a que cada fracção se destina (ex:
habitação, comercio...). Essas indicações têm de constar do
projecto de construção aprovado pela Câmara Municipal.
Se porventura existir discrepância o acto de constituição é nulo
na parte em que atribuir finalidade distinta da que estava no
projecto, art.1418º nº 3.
No entanto para efeitos de registo predial o que conta é o que
está especificado no acto de constituição porque este é que é
apresentado para a realização do registo. O que se passa para o
registo é o conteúdo do acto de constituição, o que pode
determinar que o que prevaleça sobre terceiros é o que está
registado ainda que em discrepância com o projecto aprovado.
O acto de constituição pode conter o regulamento do
condomínio.
O regulamento do condomínio é obrigatório em todos os
edifícios ou conjuntos de edifícios que tenha 5 ou mais
condomínos, art. 1429º A do CC.
O regulamento do condomínio tem em vista disciplinar a
utilização das partes comuns, pode constatar do acto de
constituição, embora o mais vulgar seja tratar-se de um
documento autónomo.

80
O regulamento do condomínio é um acto que também se pode
tornar oponível perante terceiros, apesar de na maior parte das
vezes ser uma deliberação da assembleia, desde que no registo
predial se faça referencia á existência do regulamento.
O titulo constitutivo não tem identificar as partes comuns,
porque a regra é de tudo o que não foi identificado por fracção
autónoma por exclusão de partes, é parte comum, art. 1421º
nº2 e) do CC.

As partes comum admitem duas espécies:


• Partes necessariamente comuns, art. 1421º nº 1 do CC.
• Partes previamente comuns, art. 1421 nº 2 do CC.

As partes necessariamente comuns não podem deixar de


ser comuns em caso algum, ainda que alguma dessa parte
necessariamente comum esteja afectada ao uso exclusivo de
certo condómino. Exemplo: terraços de cobertura, art. 1421º nº
1 b) do CC.

As partes presumivelmente comuns são aquelas que só são


comuns na falta de indicação em contrário.
É discutível como é que pode afastar a presunção, isto é, é
evidente que pode ser afastada pela indicação em contrário do
acto de constituição da propriedade horizontal ou do acto de
modificação da propriedade horizontal. A questão é se se admite
outro meio de prova ou não. Para o Professor pelo menos
quando a própria configuração do edifício evidenciar que
determinada parte pertence a certa fracção, isso já é suficiente
para afastar a presunção.
Exemplo: Certa parte só tem acesso por uma certa fracção.

A enumeração do nº 1 e 2 do art. 1421º do CC é exemplificativa,


porque o que determina a natureza comuns ou privativa é a
configuração do edifício.
A distinção entre partes necessariamente comuns e partes
presumivelmente comuns tem implicações, pois embora os
condóminos não tenham o direito potestativo de impor a divisão
das partes comuns é possível pelo menos que se proceda à
divisão por unanimidade das partes presumivelmente comuns
através da modificação do titulo nos termos do art. 1419º do CC,
dado que as partes presumivelmente comuns não são essenciais
para a utilização das fracções.

As partes comuns pertencem em compropriedade aos


condóminos, sendo que a repartição das despesas relativas às
partes comuns é em principio feita de acordo com o valor que

81
cada fracção representa em relação à totalidade do edifício
(valor expresso em percentagem ou premilagem), art. 1424º nº
1 do CC.
Admite-se, no entanto, que o critério de repartição das despesas
seja outro qualquer, dependendo para ser aprovado de maiorias
diferentes consoante se trate propriamente de partes comuns
ou se trate de serviços de interesse comum.

Em relação às partes comuns propriamente ditas qualquer outro


critério de repartição de despesas (exemplo: per capita)
depende de ser aprovado por maioria representativa da
percentagem ou da permilagem. Como sucede de resto em
qualquer deliberação da Assembleia. Desde que nessa maioria
estejam incluídos os votos referentes a todas aquelas fracções
que resultam mais oneradas com o critério aprovado na
Assembleia (por exemplo: se o critério estabelecido na
Assembleia for da repartição igualitária os que aprovam devem
englobar necessariamente aqueles que com este critério
acabam por pagar mais do que pagariam pelo critério legal).

Em relação aos serviços de interesse comum (exemplo:


segurança privada, recolha de lixo...) o art. 1424º nº 2 do CC
admite também que o critério possa ser outro qualquer, mas
desde que esse outro critério seja expresso no regulamento do
condomínio e desde que esse critério tenha sido aprovado por
pelo menos por 2/3 das quotas e desde que não haja oposição
(pelo menos desde que o outro 1/3 se abstenha), não pode
haver votos contra.

Ambos os casos (partes comuns e serviços de interesse comum)


são objectivamente do interesse de todos.
Podem existir, no entanto, partes que sendo comuns estejam
objectivamente apenas ao serviço de certa(s) fracções.
Exemplo: Terraços de cobertura afectados pela própria
configuração do edifício a certa fracção.
Embora sejam partes comuns estão ao serviço apenas de
certa(s) fracções, nesses casos as despesas de conservação
correm apenas por conta dos condóminos que objectivamente
são servidos por essa parte comum.
É o que resulta do art. 1424º nº 3 e 4 do CC que é meramente
exemplificativo.

Podem existir despesas que excedam a conservação, essas


despesas são designadas por inovações, art. 1425º do CC.
Não tem que ser rigorosamente uma inovação, basta que
ultrapasse a conservação. Neste caso as despesas correm por

82
todos os condóminos desde que represente 2/3 do conjunto
total, art. 1425º nº1 do CC, mesmo que hajam votos contra.

Art. 1426º nº1 do CC, a despesa desde que provada reparte-se


por todos, desde que não haja recusa fundada (art. 1426º nº 2 e
3 do CC) e a repartição faz-se nos termos normais (art. 1424º nº
1 do CC).

As partes comuns do edifício são administradas por órgãos


próprios, ou seja existe uma organização que não existe na
compropriedade onde todos têm poder para administrar.

Assim porque a situação pode ser mais complexa foi necessário


criar a Assembleia de condóminos (que reúne todos os
condóminos) e o órgão administrativo (encarregue de executar
as deliberações da Assembleia e fazer a gestão corrente das
despesas do condomínio).

Na assembleia de condóminos cada condómino (art.1430º nº 2


do CC) temos votos correspondentes à sua percentagem ou
permilagem. Não é cada condómino um voto.
As deliberações da assembleia, regra geral, art. 1432º nº 3 do
CC são tomadas por maioria dos votos representativos da
percentagem ou permilagem, ou seja, o que conta não é a
maioria de pessoas, o que conta é a maioria de votos que
cabem na percentagem ou permilagem.
Exemplo: Se alguma fracção tiver valor de 51% a deliberação
pode ser tomada só por essa pessoa.
No caso das inovações tem de ser por maioria dos condomínios,
art. 1425º nº1 do CC.

A administração tanto pode ser entregue a algum condómino,


como a terceiros, o que importa é que o administrador seja
eleito pela Assembleia (art. 1435º nº 1 do CC) e em ultimo caso,
se não for possível obter a eleição pode recorrer-se a tribunal
para se fazer essa nomeação, art. 1435º nº 2 do CC.
É possível que exista um administrador provisório enquanto não
se consegue obter a designação do administrador propriamente
dito. O administrador provisório é directamente designado por
critérios legais (art. 1435º A nº1 do CC), por exemplo:
condómino cuja fracção represente a maior permilagem.

DIREITOS REAIS MENORES

83
USUFRUTO – art. 1439º e ss do CC – é do ponto de vista do uso e
fruição muito parecido com a propriedade, dado que como diz o
art. 1439º do CC o usufruto permite o uso e fruição plena.

Tem-se entendido que pleno tem o mesmo sentido que na


propriedade, ou seja, genérico. Querendo dizer que o usufruto
tal como a propriedade atribui todos os poderes de uso e fruição
que sejam concebíveis, possíveis. Precisamente, por isso,
admite-se que quando se constitui o usufruto o proprietário, que
fica a ser designado por proprietário de raíz pode reservar para
si alguma utilidade específica seja relativa ao uso, seja relativa à
fruição, não concedendo essa utilidade ao usufrutuário.

Ex: proprietário da fracção autónoma concede o usufruto da


fracção, mas reserva o direito de continuar a usar o lugar de
estacionamento da parte comum.
Cabe no modelo de usufruto porque só foi retirado uma utilidade
específica.
Por outro lado, como o usufrutuário tem o uso e a fruição, mas
não tem, nem pode ter o poder de disposição material, ou seja,
não pode praticar actos materiais que impliquem a
transformação material da coisa, porque o usufrutuário ao usar
e fruir não pode alterar nem a forma, nem a substância da coisa
usufruída.

Pela forma tem-se entendido a estrutura da coisa. Ex: o


usufrutuário não pode modificar a estrutura interna da fracção,
não pode destruir paredes.

A substância é o valor de troca da coisa, o usufrutuário não pode


prejudicar o valor / capital representativo daquela coisa.

Há usufrutos especiais em que este limite da forma e da


substancia não pode funcionar. É o caso do quase usufruto –
usufruto de coisas consumíveis – art. 1451º do CC. Neste caso o
uso e fruição implicam necessariamente a destruição da coisa
se o consumo for material ou alienação da coisa se o consumo
for jurídico.
Ex: o usufrutuário não pode restituir a coisa porque esta foi
destruída.
Para tentar manter esta situação dentro do usufruto o art. 1451º
nº2 do CC estabelece que o usufrutuário de coisas consumíveis
não é proprietário dessas coisas.

84
No usufruto de coisas consumíveis o usufrutuário no termo do
usufruto está obrigado a restituir por uma de duas vias: ou
restitui outras coisas do mesmo género, ou se as coisas dadas
em usufruto foram avaliadas no início do usufruto, o
usufrutuário tem que entregar o respectivo valor em dinheiro.

No entanto por causa do art. 1451º nº2 do CC se no termo do


usufruto o usufrutuário não consumiu a totalidade, aquela parte
que não foi consumida dado que não lhe pertence tem de ser
necessariamente restituída. O usufrutuário tem de compensar o
proprietário pela parte que consumiu.

O usufrutuário não tem o poder de transformação material, mas


pode ter o poder de transformação económica, isto é, admite-se
que o usufrutuário possa alterar a finalidade económica que a
coisa tinha na posse do proprietário, dado que embora o art.
1446º (parte final) estabeleça que o usufrutuário deve respeitar
o destino económico da coisa usufruída, tem-se entendido que
este limite é supletivo, pode ser afastado se no acto de
constituição do usufruto o proprietário consentiu essa alteração
do destino económico, desde que não implique alteração da
forma e substância porque este limite é imperativo.

CARACTERÍSTICAS DO USUFRUTO

Respeito pela forma e substância – a alteração da forma ou


da substância só tem uma consequência ao nível do próprio
usufruto se daí resultar um prejuízo substancial para o
proprietário, art. 1482º do CC, ou seja, se se verificar o mau uso
do usufrutuário.

Nesse caso pode o proprietário exigir que a coisa lhe seja


entregue, ou seja, entregue a terceiro, o que significa que o
proprietário perde pelo menos o poder de usar, mas o
usufrutuário continua com o direito de receber o rendimento
líquido que a coisa ofereça.

Em rigor o usufruto extingue-se, porque o usufrutuário não usa,


nem frui directamente, passa a existir um outro usufruto, mas
que não é direito real.

De todo o modo, isso é se o proprietário exigir a entrega a si ou


a terceiro, mas pode exigir apenas a caução.

85
A função típica do usufruto é a de beneficiar alguém
gratuitamente, portanto justifica-se que em caso de mau uso,
permaneça a fruição.

Direito necessariamente temporário – é um direito que tem


sempre um termo resolutivo, seja porque no acto de
constituição foi fixado prazo de duração, seja porque não tendo
sido fixado prazo o usufruto se extingue com a morte do
usufrutuário. Ou se, eventualmente o usufruto é constituído a
favor de pessoa colectiva, não poderá ter uma duração máxima
para além dos 30 anos (art. 1443º do CC). Justifica-se esta
solução, porque na prática o proprietário enquanto existir
usufruto fica com um direito sem conteúdo. Se se admitisse um
usufruto perpétuo haveria uma propriedade vazia.

Esta limitação temporal funciona mesmo quando se verifique o


usufruto simultâneo e sucessivo.

O usufruto simultâneo é um caso de contitulariedade ao qual se


aplica o regime da compropriedade.

O usufruto sucessivo é uma figura particular, verifica-se quando


existe a constituição simultânea de diversos usufrutos, mas o
exercício desses direitos não é simultâneo, há uma ordem de
graduação do exercício.

Como a lei não estabeleceu limites seria possível obter um


usufruto que na prática duraria perpétuamente.

O art. 1441º do CC impõe que qualquer que seja o número de


usufrutuários designados só contam aqueles que estejam vivos
no momento em que o primeiro designado começa a exercer,
por conseguinte, o usufruto é um direito que se pode constituir
mortis causa, salvo em algumas hipóteses em que tenha
ocorrido o chamado trespasse do usufruto (art. 1444º do CC).

O usufrutuário em princípio pode transmitir ou onerar o seu


direito, salvo se no acto de constituição se estabeleceu o
contrário, sem ser este o caso o usufruto é um direito disponível.
Se ocorrer transmissão do usufruto, tem-se entendido que a
duração continua a reger-se pela vida do primeiro usufrutuário
ou pelo prazo de duração imposto ao primeiro usufrutuário.
Se acontecer que faleça primeiro o adquirente do usufruto, não
há razão para extinguir o usufruto, dado que o proprietário só

86
podia esperar legitimamente a extinção do usufruto com a
morte do primeiro usufrutuário ou com a verificação do prazo.

Exemplo:

Proprietário 1º Adquirente
Usufrutuário
A  B  C  Herdeiros
(usufruto)

Vida/Prazo Se o C morre antes de
B

Nestas hipóteses admite-se que o usufruto se transmita para os


herdeiros do adquirente e que fiquem subordinados à vida ou ao
prazo estabelecido ao primeiro usufrutuário (embora seja
contrário à letra da lei).

Por isso, é que a lei designa a transmissão como o trespasse,


pois não é uma transmissão em que o primeiro usufrutuário
fique inteiramente desligado, art. 1444º nº2 do CC.

O prazo só pode ser oponível a terceiros se tiver sido registado,


o C tem que saber que está sujeito a prazo.

A função típica do usufruto é o favorecimento pessoal.

A extinção do usufruto pelo decurso do prazo obviamente


implica a restituição da coisa, mais ou menos como a coisa se
encontrava inicialmente, salvo as deteriorações decorrentes da
sua utilização.
No usufruto simultâneo funciona uma regra entre os
contitulares, que aqui funciona em muitos casos, que é o que
sucede com o direito de acrescer, art. 1443º do CC, quando
existam dois os mais usufrutuários em simultâneo, a morte, a
renuncia ou a verificação do prazo em relação a algum deles
extingue o usufruto, mas extingue em benefício de outro ou
outros usufrutuários, não em benefícios do proprietário.
Conforme vão desaparecendo os usufrutuários, os que restam
vão beneficiando do desaparecimento deles e vão aumentando
o uso e fruição.
De qualquer modo, admite-se que no acto de constituição do
usufruto se estabeleça que a extinção do usufruto se dá em
benefício do proprietário (não há nestes casos transmissão).

DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO USUFRUTUÁRIO

87
No essencial o usufrutuário tem os poderes de uso e fruição, no
âmbito desses poderes pode transmitir o seu direito ou pode
onerá-lo, art. 1444º do CC.

A transmissão está sujeita pelo menos a uma especialidade e é


até por essa especialidade que a lei designa a transmissão por
trespasse, porque pelo art. 1444º nº2 do CC o usufrutuário
originário mesmo depois da transmissão continua a responder
perante o proprietário pelos danos que a coisa eventualmente
sofra por causa do transmissário. É um caso de responsabilidade
objectiva do primeiro usufrutuário, tipicamente o usufrutuo é um
direito que se destina a favorecer o usufrutuário original.

Esta especialidade reflecte-se no registo predial, porque a


transmissão do usufruto em vez de ser objecto de uma
inscrição, é antes objecto de um averbamento nos termos do
art. 101º nº1 h) do CRPredial.

No que toca à oneração do usufruto admite-se em princípio


qualquer oneração que seja concebível, por exemplo, hipoteca,
arrendamento, servidões.

No que respeita às servidões acaba por existir um regime


especial que decorre do art. 1460º do CC porque o usufrutuário
quase é equiparado a proprietário.

A servidão predial é um direito que implica dois prédios: o


prédio que fornece a utilidade – prédio serviente – e o que
beneficia da utilidade – prédio dominante, art. 1593º do CC.

Se o usufrutuário estiver na situação de prédio dominante (a


servidão beneficia o usufrutuário) o usufrutuário tem os mesmos
poderes que o proprietário, porque a servidão é activa. Nessa
situação o usufrutuário pode constituir servidões que
ultrapassam a duração do usufruto, dado que são um benefício
para o prédio. Essas servidões, por regra, não se extinguem
após a extinção do usufruto, continuam a favor do proprietário,
art. 1575º do CC.

Ao contrário, se o usufrutuário for prédio serviente a


constituição da servidão representa um encargo para o prédio, o
usufrutuário não tem legitimidade para constituir servidões
passivas que ultrapassem a duração do usufruto, mesmo que
não tenha prazo as onerações do usufruto extinguem-se quando
se extingue o usufruto.

88
O usufrutuário tem a obrigação de conservar a coisa e portanto
deve realizar as benfeitorias ou obras de conservação que se
destinem a preservar a coisa, nos termos do art. 1472º do CC, o
usufrutuário está obrigado a realizar as benfeitorias necessárias.

O usufrutuário pode estar obrigado logo no momento da


constituição do usufruto a prestar caução a favor do proprietário
como garantia de que as reparações serão efectuadas.

À que verificar se o usufruto foi constituído:

 Per translactionem – o proprietário mantém a propriedade


e constitui o usufruto a favor de outra pessoa. Não há
propriamente translação.
 Per deductionem – o proprietário transmite a propriedade
reservando para si o usufruto.

Só na modalidade per translactionem é que o usufrutuário está


obrigado a prestar caução – art. 1469º do CC.

Embora o usufrutuário tenha legitimidade por si próprio para


intentar acções para a defesa do usufruto, incluindo a acção de
reinvindicação apesar disso nos termos do art. 1475º do CC, o
usufrutuário está obrigado a dar conhecimento ao proprietário
de qualquer acto ilícito de terceiro que possa constituir uma
violação do direito do proprietário.

Tanto o proprietário como o usufrutuário têm legitimidade para


intentar acções contra terceiros.

DIREITO DE USO E HABITAÇÃO – art. 1484º e ss do CC –


usufruto com conteúdo menor – o direito de uso e habitação
é um direito em que faz parte do modelo legal a necessidade
que o titular desse direito tenha para usar e fruir, isto é, este
direito só pode existir se se destinar a satisfazer uma
determinada necessidade do titular e da sua família (art. 1486º
e 1487º do CC). No usufruto normalmente este pressuposto
também se verifica, mas não faz parte do modelo legal.

Por isso, se diz que o direito de uso e habitação é um direito


pessoalíssimo, é direito real, mas em que o benefício resultante
é estritamente pessoal.

89
De um modo geral o direito de uso e habitação tem um
conteúdo mais restrito do que o direito de usufruto, porque
enquanto o usufruto atribui o uso e fruição pleno, o direito de
uso e habitação atribui o uso e fruição na medida das
necessidades pessoais.
É possível que o âmbito das necessidades pessoais exija o uso e
fruição pleno.

A designação de uso e habitação decorre apenas da diferença


de objecto. O direito de uso designa-se por uso e habitação
quando incida sobre uma habitação. À contrário quando o direito
de uso incida sobre outro objecto qualquer designa-se por
direito de uso.

Desta diferença específica decorrem diferenças de regime entre


o direito de uso e habitação e o de usufruto. O direito de uso e
habitação como é um direito de usufruto está submetido ao
regime do direito de usufruto – art. 1490º do CC.

As diferenças são:

O direito de uso e habitação não se pode constituir por


usucapião, art. 1293º b) do CC. Na prática é muito difícil
distinguir a posse referida ao usufruto, da posse referida ao uso
e habitação, dado que a diferença específica do uso e habitação
é uma diferença que externamente não se manifesta e, por isso,
aquele que tivesse posse de uso e habitação iria sempre afirmar
que tinha posse de usufruto.

O uso e habitação só se pode constituir por negócio jurídico, de


um modo geral. A lei admite no art. 2103ºA, a propósito da
sucessão, que o cônjuge sobrevivo possa exigir a constituição
por sentença do direito de habitação sobre a casa de morada da
família e a constituição do direito de uso sobre o recheio dessa
casa de morada.

O direito de uso e habitação não pode ser transmitido, nem


onerado, art. 1488º do CC, regra contrária ao usufruto. Se o
direito é constituído para satisfazer uma necessidade a
transmissão ou oneração do direito revelaria a desnecessidade.

Pode ter relevância a distinção entre uso e habitação, porque


como não é admitida a oneração no que toca ao direito de
habitação a fruição está praticamente impedida, a fruição civil

90
está impedida e a fruição natural também porque é a casa de
morada de família.
No caso do direito de uso a fruição civil está impedida, mas a
fruição natural é concebível.

Quanto aos modos de extinção há também uma diferença


específica para o usufruto, é que se o uso e habitação pressupõe
a necessidade do titular, o desaparecimento dessa necessidade
tem que implicar a extinção do direito. No entanto a
desnecessidade não opera automaticamente, o proprietário tem
de invocar e exigir a extinção por falta de necessidade. Analogia
com as hipóteses do art. 1569º nº2 e 3 do CC.

As hipóteses de sub-rogação real, arts. 1478º nº2 a 1482º do CC


(desaparecimento do objecto dá origem a outro objecto)
também não são extensíveis ao uso e habitação devido ao
pressuposto da necessidade, a necessidade justifica-se para o
bem original, o outro objecto já não vai satisfazer a necessidade.

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA – DL 275/93 de 5 de


Agosto – direito real menor

O direito real de habitação periódica é na essência um direito de


usufruto dado que atribui ao seu titular – usuário – nos termos
do art. 21º a), b) e d), os direitos de uso e fruição.

Tem no entanto a seguinte especialidade – incide


necessariamente sobre uma habitação (é um direito sobre
imóveis), além disso essa habitação é concedida (o direito pode
ser exercido) durante apenas um determinado período de tempo
em cada ano civil.

No fundo é uma das modalidades jurídicas possíveis do time


sharing. Na generalidade dos países europeus (Portugal,
Espanha) optou-se pela multi-propriedade (espécie de
compropriedade com uma convenção de uso que estabelece um
uso periódico) ou adoptou-se o modelo da sociedade comercial
(França, os titulares dos direitos de habitação são accionistas a
remuneração é feita através do uso de uma parte do imóvel).

Entre nós o direito de habitação periódica concebeu-se como um


direito menor – direito sobre coisa alheio e portanto tem que
haver um proprietário do imóvel sobre o qual existe a habitação
periódica, neste caso, a existência do proprietário é no fundo
uma artificialidade, porque o que conduziu a esta concepção foi

91
que por definição o direito de habitação periódica e, portanto foi
necessário arranjar alguém que ficasse obrigado à manutenção
de todas as habitações – unidade de alojamento – dado que os
usuários não estão localizados de forma a poderem na prática
exercer a administração.

O proprietário é proprietário mas praticamente sem conteúdo,


muito especialmente se os direitos de habitação periódica forem
direitos perpétuos, nesses casos o proprietário não tem quase
nenhum poder a título de proprietário.

Quanto à constituição do direito de habitação periódica –


O direito de habitação periódica tem que ser constituído em
termos análogos à constituição da propriedade horizontal, tem
que haver um acto de constituição que especifique
discriminadamente quais são os locais de habitação e quais são
as parcelas do empreendimento que estão ao serviço da
generalidade das habitações.
Esse acto de constituição deve ser celebrado por escritura
pública, art. 6º nº1 só que essa escritura pública só pode ser
celebrado se o imóvel ou conjunto imobiliário objecto do direito
de habitação periódica tiver sido classificado como, de um modo
geral, empreendimento turístico nos termos do art. 1º e desde
que em concreto exista uma autorização da Direcção Geral do
Turismo que permita a constituição sobre esse empreendimento
turístico do Direito de habitação periódica.

Além disso, para manter o proprietário ligado ao


empreendimento, para que o proprietário tenha interesse na sua
exploração, o art. 4º nº1 b) impede que sejam constituídos
direitos de habitação periódica sobre mais do que 70% das
unidades de alojamento. Os restantes 30% no mínimo devem
ficar sujeitos a uma exploração hoteleira normal.

O proprietário do empreendimento tem que ser


necessariamente, art. 4º nº1 f) uma pessoa colectiva e, mesmo
assim, só a sociedade comercial, cooperativa e EIRL. Os direitos
de habitação periódica podem ser titulados, ao contrário, por
qualquer pessoal (singular ou colectiva) e são direitos que
podem ter duração perpétua ou temporária, art. 3º.
De todo o modo se forem temporários não se admite que
tenham duração inferior a 15 anos, art. 3º nº1.

Quanto ao período de exercício – O art. 3º nº 2 estabelece


que em cada ano civil o direito de habitação periódica pode ter
uma duração mínima de 7 dias seguidos e máximo de 30 dias

92
seguidos, mas tem que ser fixado na escritura de constituição
do direito. É o proprietário que define a duração.
O proprietário do empreendimento não pode onerar as unidades
de alojamento com outros direitos que não sejam os de
habitação periódica, art. 2º nº1. (Para o Professor não faz
sentido em relação aos direitos de gozo).

Quanto aos Direitos e Obrigações – O proprietário


essencialmente tem a obrigação de conservar todas as unidades
de alojamento embora se admita que o proprietário ceda a
exploração do empreendimento a outra entidade e portanto o
cessionário é que tem a obrigação de exploração – art. 25º a
27º.

Como compensação por esta obrigação o proprietário ou


cession+ario da administração tem o direito de ser remunerado
com uma prestação a que cada titular do direito de habitação
periódica fica obrigado.

Essa prestação tem por finalidade em parte compensar o


proprietário pelas despesas de conservação e noutra parte por
finalidade remunerar a actuação do proprietário. É nesta parte
que o proprietário retira o lucro da sua actuação.
A remuneração da actividade de gestão da administração não
pode ser superior a 20% do valor total da prestação a que fica
obrigado cada titular do direito de habitação, art. 22º nº4.

O usuário, titular da habitação periódica pode usar e fruir. Pode


não apenas exercer o direito por si próprio como pode ceder o
seu direito ou ceder em parte a terceiros e obter com isso uma
remuneração, o titular pode livremente transmitir ou onerar o
seu direito.
É aqui que há grandes especialidades formais. Devido à
finalidade deste direito tentou-se facilitar ao máximo a
transmissão ou oneração do direito de habitação periódica, por
isso, prescindir-se da escritura pública. Ao contrário adoptou-se
uma orientação que no fundo é proveniente do modelo francês.
Cada direito de habitação periódica está incorporado num
documento emitido pela conservatória do registo predial –
certificado predial – art. 10º, esse certificado predial só é
emitido quando seja registada a constituição do direito de
habitação periódica, obtido o certificado esse certificado tem de
ser entregue ao titular da habitação periódica, se o titular quiser
transmitir ou onerar tem apenas que declarar isso no próprio
certificado predial, desde que a assinatura do titular da
habitação periódica e a do adquirente sejam reconhecidas

93
presencialmente (art. 12º nº1 e se a transmissão for onerosa
deve indicar-se também o valor dessa transmissão.

Em seguida faz-se o endosso do certificado a favor do


adquirente. Em caso de hipoteca do direito de habitação
periódica não é preciso endosso. Com isto pode o adquirente
obter o registo a seu favor relativo ao direito que adquiriu.

Há quem afirme (Professores: Oliveira Ascensão e Penha


Gonçalves) que o registo de constituição do direito de habitação
periódica é constitutivo. O direito de habitação periódica estaria
na mesma situação que a hipoteca.

Professor González – o ónus de registar é mais intenso dado que


não se registando a constituição do direito de habitação
periódica fica impedida a transmissão ou oneração, porque não
se consegue obter o certificado predial. É o mesmo tipo de ónus
que já resulta em geral do art. 9º nº1 do CRPredial.

Quanto à extinção – Se eventualmente o titular do direito de


habitação periódica quiser renunciar ao seu direito procede-se
da mesma maneira, declara isso no certificado e assina.

DIREITO DE SUPERFÍCIE – art. 1524º e ss do CC – direito real


menor

O direito de superfície é essencialmente o direito de manter


uma construção ou plantação em solo alheio, supõe-se uma
separação judicial entre a propriedade do solo e a propriedade
daquilo que está implantado nesse solo.
O Professor González crê que o objecto do direito de superfície é
sempre o solo alheio. O direito de superfície concede uma única
utilidade que é a de manter a construção ou plantação, o que
implica nesta perspectiva que a construção ou plantação sejam
objecto de outro direito, o qual dada a amplitude dos poderes do
superficiário só pode ser a propriedade, por conseguinte o
superficiário simultaneamente é titular de dois direitos
incindíveis: direito de superfície sobre o solo e direito de
propriedade sobre a construção ou plantação mantidas ao
abrigo do direito de superfície.

Por um lado quando se diz que o direito de superfície tem por


objecto a própria construção ou plantação implica que o objecto
do direito de superfície seja mutável, isto é, antes de feita a

94
construção ou plantação o superficiário tem um direito sem
objecto ou o objecto é o solo.

Feita a construção ou plantação o objecto passa a ser essa


construção ou plantação, se a construção ou plantação forem
destruídas, em princípio, o superficiário tem o direito de
reconstruir, art. 1536º nº2 do CC.

O direito passa a incidir novamente sobre o solo, uma vez que o


direito real implica uma relação entre o titular do direito e o
objecto desse direito, a destruição da coisa implica
necessariamente a extinção do direito.

O direito de superfície não se extingue, regra geral, salvo se o


contrário resultar da vontade das partes, pelo desaparecimento
da construção ou plantação, mas já se extingue, sem
possibilidade de convenção em contrário, pelo desaparecimento
ou inutilização do solo, art. 1536º nº1 e) do CC. Assim, o direito
de superfície incide sobre o solo.

O direito que o superficiário tem sobre a construção ou


plantação é direito de propriedade imobiliária sujeito às regras
normais da propriedade embora com as limitações decorrentes
dessa construção ou plantação estar incorporada no solo de
outra pessoa.

Quanto ao objecto do direito de superfície – O direito de


superfície não tem que incidir necessariamente sobre um solo,
dado que se admite também que o direito de superfície possa
ter por objecto o sub-solo (art. 1525º do CC), e admite-se
também nos termos do art. 1526º do CC que o direito de
superfície incida sobre edifício alheio, o que configura o direito
sobre-elevação, o superficiário fica com o direito de elevar /
construir sobre edifício alheio, em principio, após concluída a
sobre-elevação passa a aplicar-se o regime da propriedade
horizontal, dado que a própria sobre-elevação tem que obedecer
aos requisitos materiais do art. 1415º do CC.

Quanto à constituição do direito de superfície – Funcionam


as regras gerais, modos normais de constituição, embora
existam duas especialidades:
 É possível que o superficiário construa ou plante e depois
se torne proprietário do que construiu ou plantou e é
possível também (art. 1528º do CC) que a construção ou
plantação já existam e sejam propriedade do dono do solo

95
– fundeiro – e este entenda alienar só a propriedade da
construção ou plantação, o superficiário adquire
imediatamente os dois direitos.
 A usucapião supõe a posse sobre uma coisa, por isso,
para o direito de superfície se constituir por usucapião
pressupõe-se que o pretenso superficiário actue como
superficiário, ou seja, faça a construção ou plantação,
enquanto isso não suceder não há posse e portanto não
começam a contar os prazos da usucapião.

Há quem entenda (Professor Penha Gonçalves) que o direito de


superfície não pode ser adquirido por usucapião, porque o
superficiário ao construir ou plantar está a incorporar o que vai
construindo ou plantando no solo alheio e portanto o seu direito
não tinha objecto, o que está a incorporar pertence ao
proprietário do solo.

Na maior parte dos direitos europeus a acessão imobiliária é


sempre a favor do proprietário, para nós depende da boa ou má
fé, por isso, não se pode afirmar que o que se incorpora
pertence já ao proprietário do solo.

A usucapião é possível desde que o pretenso superficiário


comece a construir ou plantar.

Quanto ao direitos do superficiário – sobre a construção ou


plantação o superficiário tem os poderes normais do proprietário
e, além disso, dependendo da forma como o direito tiver sido
estabelecido o superficiário beneficia ainda de todos os direitos
que sejam exigíveis no caso concreto para poder usar a
construção ou plantação (art. 1529º do CC).
Em rigor a lei chamou servidões, mas não são servidões porque
derivam automaticamente da lei, são restrições ao proprietário
do solo que beneficiam o superficiário.

Antes de começar a construção ou plantação o proprietário do


solo tem o direito de continuar a usar e fruir, desde que isso não
impeça a construção ou plantação (art. 1532º do CC). É
igualmente o proprietário do solo que pode utilizar a parte do
solo ou sub-solo que não esteja afectada ao superficiário [art.
1533º do CC (ainda não abrange o sub-solo)].

Quanto às obrigações do superficiário – O superficiário


pode estar obrigado a pagar o cânone superficiário que constitui

96
no fundo a principal vantagem que o fundeiro pode retirar da
constituição do direito de superfície.

O cânone superficiário depende de ter sido convencionado e só


assume a configuração exacta de cânone superficiário se tiver
natureza periódica e vencimento anual (art. 1530º do CC).

Não sendo obrigação real, nem ónus real, a cláusula que


estabelece o cânone superficiário é registável na constituição do
direito de superfície e, por isso, acaba por ser oponível a
terceiros, se o superficiário transmitir os seus direitos quem
adquirir fica logo obrigado, pelo menos, a partir daí.

O superficiário está obrigado a dar preferência ao fundeiro (art.


1535º do CC), no caso de querer transmitir o seu direito por
venda ou dação em cumprimento, embora esta preferência
esteja no último lugar as preferências reais.

O direito de superfície é um direito que tanto pode ter natureza


perpétua como temporária, embora o mais vulgar seja a
temporária. Neste caso, verificado o prazo, o proprietário do solo
torna-se automaticamente, por acessão, proprietário da
construção ou plantação que antes pertencia ao superficiário
(art. 1538º nº1 do CC).

Em princípio nesta situação o superficiário tem o direito de ser


compensado pelo enriquecimento sem causa que o fundeiro
obtém com a aquisição da construção ou plantação, art. 1538º
nº2 do CC, mas admite-se que se estipule o contrário. Esta
estipulação em contrário é a situação mais frequente na prática,
neste caso em que no acto de constituição o superficiário
renúncia a qualquer indemnização, a propriedade do
superficiário sobre a construção ou plantação além de ser
temporária é também especialmente limitada, porque o fundeiro
tem uma expectativa jurídica, o que implica que o superficiário
deva conservar a construção ou plantação em favor do
proprietário do solo, porque caso contrário responde pelas
deteriorações que pelo menos sejam imputáveis (a falta de
conservação negligente – art. 1538º nº3 do CC).

O superficiário apesar de ser proprietário tem obrigações de


conservação da coisa perante o fundeiro que limita a sua
propriedade. Se a superfície for perpétua estas obrigações não
existem, embora se a superfície se extinguir por outra razão
qualquer que não seja a destruição da construção ou plantação

97
o proprietário do solo também se torna automaticamente
proprietário da construção ou plantação no estado em que a
coisa se encontrar.

SERVIDÕES PREDIAIS – art. 1543º e ss do CC – São direitos reais


com uma característica muito específica que é o facto de serem
direitos subjectivamente reais, porque o respectivo titular é
determinado pela titularidade de outro direito real. É uma
situação muito parecida com a obrigação real, mas ao contrário.

As servidões prediais, nos termos do art. 1543º do CC, supõem


necessariamente dois prédios: prédio que concede a utilidade –
prédio serviente – e o prédio que beneficia dessa utilidade –
prédio dominante. O titular da servidão será a pessoa que for
titular do direito de propriedade sobre o prédio dominante, dado
que a servidão predial é inseparável (art. 1545º do CC), tanto do
prédio serviente como do prédio dominante.

Além dos dois prédios supõem-se que esses prédios pertencem


a donos diferentes. É possível que exista uma situação
substancial e praticamente igual a uma servidão quando os
prédios pertencem à mesma pessoa, mas como nesse caso falta
um pressuposto para que exista servidão, existe então uma
serventia.

Por outro lado, para existir servidão é necessário que a utilidade


proporcionada pelo prédio serviente deva ser obtida através do
prédio dominante, o que quer dizer que a utilidade tem sempre
que estar relacionada com a finalidade económica do prédio
dominante e não directamente com a pessoa que seja
proprietária do prédio dominante, assim é verdade, por
exemplo, que uma servidão de passagem proporciona uma
utilidade ao prédio dominante que passa a ter um acesso que
não tinha, mas também é verdade que o direito de passar num
prédio vizinho pode ser constituído a título de servidão se esse
direito de passar constituir uma vantagem objectiva para o
prédio dominante.

Ex: o direito de caçar num determinado terreno alheio poderá


ser uma servidão predial se estiver relacionado com o fim
económico do prédio dominante (“se este for uma estalagem de
caçadores”).

Ao contrário, se a vantagem proporcionada pela servidão for um


benefício directo do proprietário dominante já falta um

98
pressuposto para a servidão predial, há sim uma servidão
pessoal.

A servidão pessoal entre nós não é, nem pode ser direito real
devido à regra da taxatividade. No máximo terá a natureza de
um direito pessoal de gozo.

A servidão predial proporciona apenas uma determinada


utilidade é um direito de gozo que atribui ao seu titular um único
benefício, no caso da servidão de passagem é passar. (Servidão
de águas, servidão de aqueduto, servidão de vistas). Daí ser
designado por servidões prediais. São direitos de gozo com
conteúdo muito restrito, esse conteúdo restrito tanto pode ser
de uso ou de fruição, embora o mais frequente é que sejam
servidões com poderes de utilização, uso sobre prédio alheio.

AS SERVIDÕES PREDIAIS CLASSIFICAM-SE EM:

 Servidões Legais e Servidões Voluntárias

As servidões legais são as servidões coercivas e as servidões


voluntárias são as servidões não coercivas. A servidão
voluntária tanto pode ser constituída por contrato, como por
outro modo qualquer admissível.

As servidões legais podem ser constituídas unilateralmente


através de sentença ou acto administrativo, art. 1547º nº2 do
CC. Não têm que ser constituídas assim, as servidões legais
tanto podem ser constituídas nos termos do art 1547º nº1 do CC
(negócio jurídico ou usucapião ou destinação do pai de família)
ou nos termos do nº2. Note-se que não deixam de ser legais
qualquer que tenha sido o modo de constituição.

Se uma servidão for constituída por contrato, tanto pode ser


servidão legal ou voluntária, depende de saber se não existisse
o contrato poderia ser constituída por sentença ou acto
administrativo, se poderia é servidão legal, se não poderia é
servidão voluntária.

Esta classificação tem implicações a 3 níveis (um é


eventual):

Tem consequências ao nível do conteúdo da servidão, da


utilidade proporcionada pela servidão.

99
Nas servidões legais concede-se um poder ao proprietário do
prédio dominante que lhe permite impor uma oneração ao
proprietário do prédio serviente, contra o qual o serviente não
pode fazer nada, é um caso de expropriação por utilidade
particular.
O conteúdo das servidões legais é um conteúdo típico, a lei só
concede o tal poder potestativo constitutivo para situações
tipificadas.

Ex: na servidão de passagem a lei só concede o poder


potestativo para a servidão de passagem a favor do prédio
encravado ou a favor do prédio que pretenda obter passagem
para aproveitamento de águas públicas para gastos domésticos.
Só nestes dois casos a servidão é legal.

Além das servidões de passagem, só existem as servidões de


águas (arts. 1557º a 1563º do CC), servidões de aqueduto (arts.
1557º, 1558º e 1561º do CC) ou servidões de escoamento de
águas soberantes (art. 1563º do CC), por conseguinte, o
disposto no art. 1544º do CC relativo à atipicidade do conteúdo
das servidões aplica-se apenas às servidões voluntárias, só
nestas existe o poder de estabelecer a servidão, em princípio
para qualquer utilidade.

As servidões legais têm um modo específico de extinção que em


geral não funciona para as voluntárias, as legais qualquer que
tenha sido o modo da sua constituição extinguem-se por causa
da desnecessidade, por causa do desaparecimento dos
pressuposto que permitiam a constituição coerciva, art. 1569º
do CC, essa desnecessidade não extingue automaticamente,
tem de ser invocada pelo proprietário do prédio serviente.

As servidões voluntárias em regra não se extinguem por


desnecessidade, salvo as servidões voluntárias constituídas por
usucapião, art. 1569º nº2. Uma servidão voluntária constituída
por contrato, por testamento ou por destinação do pai de família
não se extingue por desnecessidade, embora possa extinguir-se
pelo não uso.

Eventual: a servidão legal se for efectivamente constituída por


sentença ou acto administrativo, se for efectivamente imposta,
origina responsabilidade civil por factos ilícitos contra o
proprietário do prédio dominante que, por isso, terá que
indemnizar o proprietário do prédio serviente pelo prejuízo da
diminuição do valor que o prédio serviente irá sofrer por causa
da constituição da servidão.

100
Já decorria esta consequência da qualificação como
expropriação, mas a lei para cada espécie de servidão legal
especificou (servidão de passagem – 1554º do CC e servidão de
águas – arts. 1557º nº1, 1558º nº1, 1561 nº2 e 1562º do CC).

As servidões legais são aquelas que podem ser constituídas


unilateralmente, mas tem que se verificar um acto de
constituição, por isso, não são legais no sentido de resultarem
directamente da lei.

Se eventualmente existirem direito a favor de terceiros que


resultam directamente da lei estamos perante restrições legais,
ainda que substancialmente esteja preenchido o modelo da
servidão.

Ex: art. 1349º nº1 do CC em que pode estar verificada uma


situação semelhante à servidão, mas resulta directamente da
lei, não necessita de um acto constitutivo e, por isso, é restrição.

Na servidão legal, ainda que se trate de um caso de extrema


necessidade, como o caso da servidão de passagem, enquanto a
servidão não estiver constituída não há ainda o direito de
passar, no caso do art. 1550º do CC e, por isso, se o proprietário
do prédio encravado começar a passar sem antes constituir a
servidão está a praticar um acto ilícito que pode originar
responsabilidades.

 Servidões Aparentes e Servidões não aparentes


(art. 1548º nº2 do CC):

As servidões aparentes são aquelas que se manifestam


externamente por sinais visíveis e permanentes, não é pelo
exercício, é por marcar num prédio ou no outro, normalmente
serviente, que identificam, pelo menos, a possibilidade da
servidão existir.

Exemplos:
- Numa servidão de passagem a marca é a estrada ou
caminho que revela a passagem.
- Na servidão de luz as marcas são as janelas ou portas
abertas a menos de 1,5mt do prédio vizinho.

Mesmo que o titular da servidão actue publicamente só isso não


chega para caracterizar a servidão como aparente,

101
independentemente disso tem que existir os sinais visíveis e
permanentes

Consequências:
- arts. 1548º e 1293º a) do CC, as servidões não aparentes não
podem ser constituídas por usucapião.
As servidões não aparentes são aquelas que não se
manifestam externamente por sinais visíveis, regra geral
também não podem ser constituídas através de destinação do
pai de família (art. 1559º do CC).

A destinação do pai de família pressupõe a existência de uma


serventia, ou seja, um prédio proporciona uma utilidade a outro
prédio só que ambos os prédios pertencem à mesma pessoa,
falta um pressuposto para a constituição de uma servidão, por
isso, há uma serventia, mas se porventura algum dos prédios
passar a pertencer a proprietário diferente está verificado o
pressuposto que falta, nessa altura constituí-se a servidão de
harmonia com a serventia que existia, desde que no acto de
transferência da propriedade de um dos prédios não se
estabeleça o contrário, e desde que essa serventia se revelasse
por sinais visíveis e permanentes. Regra geral, pressupõem-se
que a serventia é aparente e, por isso, a servidão que resulta da
serventia é aparente, dado que tem o mesmo conteúdo.

A excepção está constituída por aqueles casos em que a


separação das propriedades não envolve terceiros.

Ex: partilha entre herdeiros ou entre comproprietários, como os


herdeiros são considerados continuadores do autor da sucessão
não são havidos como terceiros, por isso, dispensa-se os sinais
visíveis e permanentes, porque os herdeiros conhecem a
situação.

As servidões não aparentes, regra geral, não podem ser


defendidas através das acções possessórias (art. 1280º do CC),
ao passo que as servidões aparentes tanto podem ser
defendidas através das acção possessórias ou acções petitórias
(defesa do direito).

Nas servidões não aparentes, externamente não se consegue


distinguir se a pessoa que beneficia de certa utilidade actua
como possuidor ou actua como detentor.

102
As acções possessórias servem apenas para defesa da posse,
não da detenção. Nas aparentes há revelação externa da
existência da posse.

Efeitos do Registo:

Nas servidões aparentes o registo da sua constituição tem efeito


enunciativo (art. 5º nº2 b) do CRPredial), nestas servidões os
sinais visíveis e permanentes já dão publicidade, o registo serve
para reiterar a publicidade.

Nas servidões não aparentes o efeito do registo da sua


constituição é o efeito normal (efeito consolidativo) – art. 5º nº1
do CRPredial.

 Servidões Positivas e Servidões Negativas


Servidões Desvinculativas

As servidões positivas são aquelas que permitem ao titular da


servidão a pratica de actos que significam uma intromissão com
a propriedade do prédio serviente e, por isso, o proprietário do
prédio serviente fica numa situação de sujeição, tem que tolerar
essa intromissão como é o caso da servidão de passagem.

As servidões negativas são aquelas que implicam intromissão


na propriedade do prédio serviente, ficando o titular desse
prédio apenas na situação de não poder praticar actos que
impeçam o exercício da servidão. O proprietário do prédio
serviente fica numa situação de abstenção, vale perante
qualquer pessoa, mas o proprietário do prédio serviente sente
mais do que outra pessoa qualquer.

Com este critério retira-se uma consequência:

As servidões negativas são não aparentes, se as negativas são


não aparentes estão submetidas ao regime das não aparentes.

Servidões desvinculativas – tem-se entendido que ao lado


das servidões positivas e servidões negativas surgem as
servidões desvinculativas, estas caracterizam-se pela sua
função, são aquelas servidões que qualquer que seja a utilidade
que proporcionam implicam que por causa da servidão o

103
proprietário do prédio dominante fique isento / desvinculado do
respeito por uma limitação de vizinhança.

Constituída a servidão, o titular da servidão deixa de estar


limitado desde que a limitação seja legal, mas imposta no
interesse de vizinhos, art. 1346º do CC.

POSSE – ART. 1251º E SS DO CC

A posse tem de característico o facto de consistir num domínio


de facto, numa situação que acima de tudo tem natureza
factual, mas que apesar disso tem relevância jurídica dado que
tem efeitos jurídico, art. 1268º e ss do CC.
A razão pela qual uma pura situação de facto tem relevância
jurídica em si mesmo é muito discutível. Uma das razões
possíveis reside no facto de, por regra, a pessoa que tem o
domínio de facto, tem esse domínio justificado num
determinado direito real. Por exemplo, alguém tem em seu
poder um automóvel porque é proprietário.

No entanto, as razões que justificam o domínio de facto são


razões que se tornam indiferentes para que esse domínio de
facto tenha efeitos. Talvez a razão pela qual existe o instituto
jurídico da posse seja o de na normalidade o domínio de facto
estar fundamentado num direito real. Mas para fazer valer a
posse essa razão não tem de ser invocada, nem provada, por
isso, tanto tem posse o proprietário, como o usufrutuário, como
aquele que comprou ilicitamente, seja porque não foi observada
a forma legal, ou por falta de legitimidade como o ladrão ou o
usurpador.

Distinção entre Posse Formal e Posse Causal

Posse Causal – verifica-se quando o tal domínio de facto está


fundamentado na titularidade de um direito real, por exemplo, o
proprietário e o usufrutuário têm posse causal.

Posse Formal – existe apenas a aparência de titularidade,


aquele que tem o domínio de facto actua como se tivesse na
titularidade do um direito real, mas sem ter esse direito. Só na
forma é que parece o exercício de um direito. Exemplo:
Comprador de bens alheios, comprador sem escritura pública,
ladrão, usurpador, promitente comprador ...

104
Esta distinção não tem qualquer implicação jurídica, porque o
regime da posse é aplicável indistintamente ao possuidor formal
e ao possuidor causal, o que importa é que ambos os casos
exista posse.

É verdade que o regime da posse está fundamentalmente


pensado para a posse formal, não só porque há determinados
aspectos do regime que são inconcebíveis para a posse causal e
na posse causal o possuidor tem o regime próprio do direito que
justifica a posse.

A posse causal depende da opção do possuidor invocar um


regime ou outro e por vezes há vantagens em invocar o regime
da posse. Ao nível das acções, por regra é mais fácil obter
provimento numa acção possessória, pois como está em
discussão a titularidade do direito, em geral, a prova não é
complicada, consiste apenas na demonstração de que há posse,
geralmente por testemunhas. O direito real não se prova por
testemunhas.

Como o regime está fundamentalmente pensado para a posse


formal surge o problema de determinar quem é que se
considera possuidor. Do ponto de vista do domínio de facto
sobre uma coisa juridicamente só há duas qualificações
possíveis – posse ou detenção. A relevância da qualificação está
na detenção ser por si própria juridicamente irrelevante. O
detentor não beneficia dos efeitos da posse, logo a questão da
distinção entre posse e detenção é saber se o domínio de facto
tem ou não efeitos jurídicos.

CONCEPÇÃO OBJECTIVA DA POSSE:

Desde que exista domínio de facto, em princípio, há posse a


menos que a própria lei tenha qualificado o caso concreto como
um caso de detenção. O raciocínio é o da regra excepção, na
prática tende se verificar se o caso concreto se resume a
alguma excepção, se não estamos perante Posse.

A lei é compatível com esta concepção, pois no art. 1252º do CC


em caso de dúvida se não for possível demonstrar se aquele que
tem o domínio de facto é possuidor ou detentor, presume-se que
é possuidor.

Os casos de detenção aparecem previstos no art. 1253º do CC,


o que seria configurável como os casos excepcionais em que a

105
lei estabeleceu que o domínio de facto é qualificável não como
posse, mas como detenção.

O art. 1253º do CC tendo a aparência de norma excepcional, na


prática não funciona como norma excepcional, pois tem
natureza muito genérica. Assim no art. 1253º do CC in fine
acaba-se por resumi-lo, nestes termos, são detentores todos
aqueles que possuem em nome de outra pessoa. Como não tem
caracter determinado não é excepção, é uma contra-regra.

CONCEPÇÃO SUBJECTIVA DA POSSE:

Além do domínio de facto exige-se para haver posse que aquele


que tem o domínio de facto exerça esse domínio de facto com
uma determinada intenção, com a intenção de actuação como
se tivesse o direito.

O que tem o domínio de facto só será possuidor se actuar com a


intenção de se comportar como, por exemplo, proprietário ou
usufrutuário.

É necessário o corpus – domínio de facto sobre a coisa – e o


animus possidendi – intenção de actuar como se tivesse o
direito.

Este animus, dado que é um elemento puramente subjectivo


não pode ser provado autonomamente, o animus só pode ser
presumido a partir de determinados elementos objectivos o que
conduz a uma distinção dentro da concepção subjectiva que
distingue:

CONCEPÇÃO SUBJECTIVA DO ANIMUS AVALIADO EM CONCRETO:


(jurisprudência) a intenção deduz-se a partir dos actos
concretamente praticados, isto é, se aqueles que tem o
domínio de facto praticou actos como se fosse o
proprietário, presume-se o animus e haverá posse. Ex: o
promitente comprador obtém a entrega da coisa, se não
tiver mais nenhuma actuação não se pode presumir o
animus; se fez melhoramentos ou contratou serviços de
gás ou luz, se pagou as prestações de condomínio, tem
uma actuação correspondente à actuação normal do
proprietário, assim presume-se o animus, tendo posse
formal.

106
CONCEPÇÃO SUBJECTIVA DO ANIMUS AVALIADO EM ABSTRACTO: o
que importa é o fundamento que está na origem do
domínio de facto, o que importa é como é que se obteve o
domínio. Se o domínio de facto foi obtido com base num
acto jurídico apto a transmitir um direito de gozo,
presume-se o animus e, portanto, haverá posse
independentemente da validade formal do acto jurídico. Ao
contrário, se o domínio de facto é obtido com outro
fundamento qualquer não se presume o animus e,
portanto, haverá detenção. Ex: o promitente comprador
tem sempre detenção, porque o seu domínio de facto está
fundamentado num acto que não é apto a transmitir um
direito de gozo.

Ambas são compatíveis com a lei, uma vez que a alínea a) do


art. 1253º do CC, à contrario, declara que há detenção quando
aquele que tem o domínio de facto actua sem intenção de agir
como beneficiário, assim à contrário, aquele que actua com
intenção de agir como beneficiário tem a posse.

Na jurisprudência adopta-se quase sempre a concepção


subjectiva do animus avaliado em concreto (com base nos actos
concretamente praticados).

De qualquer modo, mesmo que se adopte a concepção objectiva


é preciso salientar que desde que haja domínio de facto há
posse, excepto se a lei estabelecer que naquele caso há
detenção, o que quer dizer que é indiferente a razão / causa do
domínio de facto, isto é, na concepção objectiva tanto faz que o
domínio de facto seja referido à propriedade, usufruto,
comodato, depósito ou arrendamento e, por isso, o âmbito da
posse é muitíssimo mais largo. Os casos de posse são muito
mais numerosos do que na concepção subjectiva.
Mesmo que se entenda que é preferível a concepção objectiva é
preciso ter em atenção que o art. 1251º do CC só considera
haver posse quando o domínio de facto se refira ao exercício do
direito de propriedade ou de outros direitos reais, por isso, se o
domínio de facto se referir a outro direito qualquer que não seja
real pelo menos não há posse para efeitos do art. 1268º do CC.
A posse que não se refira a um direito real não tem pelo menos
todos os efeitos da posse previstos no art. 1268º do CC, esses
efeitos estão reservados para o domínio de facto de um direito
real.

MODOS DE AQUISIÇÃO DA POSSE: (ART. 1263º E SS DO CC)

107
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA:
- Apossamento (art. 1263º a) do CC),
- Inversão do título da posse (arts. 1263º d) e 1265º do
CC).

AQUISIÇÃO DERIVADA:
- Tradição da coisa,
- Constituto provisório (arts. 1263º c) e 1264º do CC),
- Sucessão na posse (art. 1255º do CC),
- Traditio brevi manu (não está formalmente previsto).

MODOS AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA POSSE:

Apossamento (art. 1263º a) do CC) – supõe que alguém coloca


uma coisa sobre o seu domínio de facto contra a vontade, ou
pelo menos sem a participação da vontade de quem até então
tinha o domínio de facto, desde que se pratiquem actos
materiais que permitam afirmar que a coisa passa a estar
colocada sobre o domínio factual de certa pessoa.

O art. 1263º a) do CC refere que essa prática deve ser reiterada.


Tem-se entendido que não se pode entender à letra a
reiteração, o que importa é que existam actos com intensidade
suficiente para revelarem a apropriação. A reiteração não é
necessária nas coisas móveis, pois o acto de subtracção da
coisa já revela o domínio de facto.
A prática de actos materiais tem de ser feita com publicidade, a
publicidade a que se refere o art. 1263º a) do CC tem o mesmo
alcance que resulta do art. 1262º do CC, ou seja, há publicidade
quando os actos praticados sejam susceptíveis de ser
conhecidos pelos interessados (pessoas) que podem ser
afectados, pelo que, a falta de publicidade não impede a
aquisição da posse, o que impede é que a posse adquirida sem
publicidade seja eficaz perante os tais interessados, o que
significa que aquele que adquire sem publicidade não pode
invocar a usucapião mesmo que já tenham decorridos os prazos
do art. 1297º do CC e contra os interessados também não corre,
enquanto a posse for oculta, nem o prazo de perda da posse do
art. 1267º nº1 d) do CC, nem corre o prazo de caducidade para
as acções possessórias (art. 1282º do CC). De qualquer maneira,
mesmo sem publicidade adquire-se a posse desde que haja a
prática de actos materiais com intensidade.
A publicidade é um requisito de eficácia e não um requisito
constitutivo.

108
Inversão do título da posse – a inversão do título supõe um
detentor, é um modo de aquisição originária da posse a favor de
quem antes de adquirir a posse era já detentor e, por isso, a
inversão permite que o domínio de facto do detentor seja re-
qualificado. De acordo com o art. 1265º do CC a inversão
admite:

- Inversão por oposição do detentor contra o


possuidor: verifica-se quando o detentor passa a ter um
comportamento factual que é incompatível com o
reconhecimento da posse a outra pessoa, desde que esse
comportamento incompatível seja conhecido pela pessoa
cuja posse é afectada.
A detenção é sempre uma posse em nome de outra
pessoa, ou seja, a existência de um detentor supõe
sempre um possuidor. O possuidor mantém a sua posse
mesmo existindo um detentor, porque o possuidor possui
através do detentor, art. 1251º do CC. Por isso, o detentor
ainda que tenha o domínio de facto tem esse domínio de
facto não em nome próprio, mas em nome de outra
pessoa.
A inversão implica que o detentor passe a ter uma
actuação / domínio de facto em nome próprio. É necessário
para que isto aconteça que o detentor assuma uma
actuação incompatível com a posse de outra pessoa.

Ex: o arrendatário deixa de pagar a renda, não é só porque


deixou de pagar a renda que o arrendatário tem uma
actuação incompatível com a do senhorio. Só haverá
inversão se deixar de pagar a renda porque passou a
actuar como se o local arrendado lhe pertencesse. Tem de
assumir perante o senhorio que não admite a posse do
senhorio. Implica um conflito, o simples facto do detentor
passar a actuar como titular do direito, esse facto não lhe
dá o direito.
Verificada a oposição o detentor passa a possuidor formal,
mas pelo menos imediatamente não modifica a situação
jurídica do que já era possuidor, isto é, se o senhorio é
proprietário (tem posse causal), não deixa de ser
proprietário só porque o arrendatário começou a actuar
como proprietário. Do ponto de vista possessório o
senhorio não perde a posse, dado que segundo o art.
1267º nº1 d) do CC a posse só se perderá se
eventualmente tiver decorrido um ano desde a data de
oposição sem que o possuidor reaja. O possuidor pode

109
reagir através das acções possessórias sujeitas ao prazo
de caducidade de um ano (art. 1282º do CC). Só do ponto
de vista factual é que há uma modificação – o detentor
passa a possuidor mudando com isso a sua situação
jurídica.

- Inversão por causa de acto de terceiro: supõe-se


também que o detentor passa a actuar de uma forma que
implicar o não reconhecimento da posse de outrém. Ex: o
arrendatário passa a actuar como se fosse proprietário,
mas a justificação para esta mudança de comportamento
está no facto de o detentor ter obtido a seu favor a
verificação de um acto translativo celebrado com o
terceiro, mas que justifica a mudança de comportamento.

Exemplo: Contrato-promessa de compra e venda

A (senhorio) ------------------------------- B (arrendatário)


  venda do local arrendado
C

O B está a comprar a quem não é proprietário e, portanto a


compra e venda C – B é inválida. Do ponto de vista da
titularidade do direito não aconteceu nada, B não adquiriu a
propriedade mas o B arrendatário / detentor passa a ter uma
justificação para actuar diferentemente, a verdade é que tem
um contrato de compra e venda a seu favor e na normalidade
quem compra passa a actuar como proprietário. O facto de ter
comprado invalidamente justifica a mudança de
comportamento. De imediato a situação jurídica de A possuidor
mantém-se, acontece que está sujeito ao prazo dos arts. 1267º
nº1 d) e 1282º do CC.

Quando alguém adquire a posse originariamente de imediato


não há nenhuma consequência jurídica relativa à pessoa que
sofre a perda do domínio de facto. A única alteração jurídica é
do ponto de vista do adquirente que passa a ter a posse.
Do ponto de vista factual a pessoa perde parcialmente o seu
domínio de facto e se não reagir antecipadamente pode sofrer
consequências jurídicas: perde a posse e o direito de recorrer às
acções possessórias, pelo menos no ano subsequente à
aquisição originária, juridicamente há duas posses:
- a posse daquele que já a tinha –esbulhado,
- e a posse daquele que adquiriu originariamente –
esbulhador.

110
Só uma das posses é que contém o domínio de facto – a do
esbulhador – a posse do esbulhado mantém-se porque nos
termos do art. 1257º do CC a posse mantém-se enquanto durar
o exercício do domínio de facto ou enquanto durar a
possibilidade e exercer esse domínio de facto. Como o
esbulhado mantém no prazo de um ano o direito de se defender
através das acções possessórias, durante esse ano tem a
possibilidade de recuperar o domínio de facto e portanto
continuar a exercer.

Além disso, o esbulhado se tem posse causal mesmo que deixe


caducar o prazo para intentar a acção possessória mantém
ainda a possibilidade de se defender através das acções
próprias para a defesa do direito real subjacente à posse.
Ex: A perde a posse, mas recupera-a se intentar a acção de
reinvidicação.

MODOS AQUISIÇÃO DERIVADA DA POSSE:

Tradição e entrega da coisa (art. 1263º b) do CC) – verifica-


se quando o anterior possuidor faz a entrega da coisa a outra
pessoa com a finalidade de ceder a sua posse, isto é, para que
haja aquisição da posse nos termos do art. 1263º b) do CC é
necessário que se verifique a perda da posse correspondente
nos termos do art. 1267º c) do CC.

Não é sempre que se faz a entrega que se transmite a posse,


porque a entrega pode ser feita a título de detenção, nesse caso
não há cedência da posse, há entrega mas sem cedência da
posse.

Normalmente avalia-se a entrega da coisa para efeitos de


cedência de posse através do acto jurídico que fundamenta essa
entrega, isto é, se a entrega é feita com base num acto jurídico
que sirva para transmitir ou constituir um direito real, a entrega
implica cedência da posse. Ao contrário, se se trata de um acto
não translativo a entrega constitui uma detenção em favor da
pessoa que recebe a coisa.

Só há aquisição da posse através da entrega desde que essa


entrega seja feita pelo anterior possuidor, se é efectuada por um
detentor não há aquisição da posse.

A (senhorio)

111
B (arrendatário)  C
(vende e entrega)

A entrega está feita, mas é feita por um não possuidor, C não


adquire posse pela entrega. Pode adquirir por força da alínea a).

Constituto Possessório (arts. 1263º c) e 1264º do CC) – O


constituto possessório, em geral, é o modo de aquisição da
posse sem entrega, ou seja, aquele que adquire posse não
adquire o domínio de facto por si próprio, adquire-se antes
através de outra pessoa, art. 1252º nº1 do CC, adquire esse
domínio de facto por intermédio de outrém.

Existem duas modalidades:

- o art. 1264º nº1 do CC: o constituto possessório verifica-se


quando o possuidor celebra com outra pessoa um acto
translativo que me princípio obrigaria à entrega, mas
simultaneamente verifica-se outro facto qualquer que justifica a
manutenção da coisa em poder do alienante embora a título de
detenção. No fundo a coisa não é entregue, porque aquele que
devia entregar tem um título que justifica a manutenção da
coisa em seu poder a título de detenção.

Exemplo:

A  B
Posse Venda

Empresta / arrenda / tolera

Ou há dois actos em simultâneo ou pelo menos existe a


tolerância do adquirente manter a coisa em seu poder.

B adquire a posse, mas exerce-a através do A, dado que a


entrega nunca é efectuada. À letra o constituto possessório
funcionaria apenas no caso de transmissão de posse causal,
porque se diz no artigo que quem faz a transmissão é o titular
do direito real que é aquele que tem a posse causal. No entanto
não há razão para que não funcione também para a aquisição
de posse formal.

- o art. 1264º nº2 do CC: verifica-se quando a coisa que deveria


ser entregue por causa do acto translativo está na detenção de

112
um terceiro, nesse caso, o adquirente torna-se possuidor apesar
de a coisa estar e permanecer na detenção desse terceiro.

Exemplo:

A  C
Posse Venda
 B
Arrendatário

C adquire a posse sem a entrega efectiva, porque a coisa está e


irá permanecer na detenção de B.

A posse é adquirida sem entrega porque se adquire por


intermédio de outra pessoa.

Tradictio brevi manu – é um caso em que também se adquire


a posse sem a entrega da coisa, mas neste caso, ao contrário do
constituto possessório, porque a coisa já tinha sido
antecipadamente entregue, embora a título de detenção. No
fundo a tradictio brevi manu é um modo de aquisição derivada
da posse a favor do detentor, o que pressupõe que a coisa tenha
sido entregue a título de detenção.

Ex: A arrendou a B, se A vender ao B, B torna-se possuidor


apenas porque obtém um outro título, acto translativo que
permite mudar a causa que justificava o domínio de facto. B
tinha uma causa que justificava a detenção – contrato de
arrendamento – passa a ter uma causa que justifica a posse –
contrato de compra e venda.

Tal como na inversão do título da posse a mudança da


qualificação jurídica é obtida sem intervenção do possuidor,
enquanto que na tradictio brevi manu é obtida com o
consentimento do possuidor. Não se faz a entrega porque a
entraga já estava feita.

Sucessão na posse (art. 1255º do CC) – neste caso a


aquisição da posse verifca-se por sucessão mortis causa. Surge
o problema de saber se a sucessão mortis causa é uma
transmissão propriamente dita ou não?
Para o Professor é uma transmissão com regime especial, assim
sendo, a sucessão na posse é um modo de aquisição derivada
com uma especialidade que resulta do art. 1255º do CC – os
sucessores são juridicamente considerados continuadores do

113
autor da sucessão, o que significa que a posse dos sucessores é
exactamente a mesma que tinha o autor da sucessão e daí
decorre que as características que essa posse tinha na
titularidade do autor da sucessão mantem-se exactamente as
mesmas com os sucessores.

Ex: se a posse do autor da sucesão era posse de má fé nos


termos do art. 1260º do CC, a posse dos sucessores é
necessariamente também de má fé, ainda que os sucessores
estejam de boa fé.

A posse dos sucessores não começa no momento em que os


sucessores efectivamente adquirem, ao contrário, começa no
instante em que começou para o autor da sucessão.

Na aquisição derivada também é possível ao possuidor actual


juntar o tempo de posse de anteriores possuidores.

Os sucessores a que se refere o art. 1255º do CC são apenas os


herdeiros não os legatários, porque juridicamente os legatários
são apenas credores da herança e, portanto, adquirem a posse
nos termos normais do art. 1263º do CC. Só os herdeiros é que
são continuadores. Os legatários são os que sucedem em bens
determinados; os herdeiros sucedem numa massa de bens
indeterminada à partida.

ESPÉCIES DE POSSE: (CARACTERÍSTICAS DA POSSE)

São aspectos qualificativos da posse que têm relevância para


fixar efeitos jurídicos da posse.

De acordo com a lei existem 4 espécies de posse:

- posse titulada e posse não titulada, art. 1259º do


CC,
- posse de boa fé e posse de má fé, art. 1260º do CC,
- posse violenta e posse pacífica, art. 1261º do CC,
- posse pública e posse oculta, art. 1262º do CC.

114
Posse titulada e posse não titulada, art. 1259º do CC – a
distinção entre posse titulada e posse não titulada está
relacionada com a causa de aquisição da posse.

Se a posse foi adquirida com base num determinado título a


posse é titulada, caso contrário, é não titulada.

Para este efeito considera-se título ou modo legítimo de adquirir,


o acto jurídico translativo ou constitutivo de direitos reais que
impliquem a posse de uma coisa, desde que, por um lado, esse
título seja juridicamente existente e desde que tenha observado
a forma exigida para esse acto.
Supõe-se que esse acto não é válido, porque se for válido então
adquiriu-se efectivamente o direito objecto desse acto jurídico e
portanto a posse é causal, a posse causal não é susceptível
destas classificações.
O título tem que ser um acto que segundo o seu tipo legal seja
susceptível de transmitir ou constituir direitos reais, mas que no
caso concreto não tenha transmitido. E para a posse ser titulada
supõe-se que não transmitiu, porque se verifica um vício
substancial – ex: falta de legitimidade do alienante.

Uma vez que se pressupõe que o título é inválido isso significa


que a posse não se adquiriu por causa desse título, acontece é
que a aquisição da posse ocorreu porque se verificou um acto
translativo.

Ex:

Art. 892º do CC
A  B
Venda

A não tinha legitimidade, a venda é nula. Temos um contrato


inválido, mas se o A entregou ao B ao abrigo do art. 1263º b) do
CC, B adquiriu posse por causa motivada por um acto
translativo que no caso não transmitiu porque há uma
invalidade, mas que fundamenta a entrega da coisa.

B tem posse titulada ou não titulada? – Posse adquirida pela


entrega, o que é preciso saber é se se caracteriza por titulada
ou não titulada.
Se o vício for de ilegitimidade do vendedor a posse é titulada.
Se além ilegitimidade houver um vício de forma a posse é não
titulada.

115
Para a posse ser titulada é necessário que exista um acto
jurídico translativo que esteja a fundamentar a aquisição da
posse. É necessário que tenha ocorrido um acto qualquer de
aquisição da posse, nos termos do art. 1263º do CC, em
princípio um acto de aquisição derivada, e que esse acto de
aquisição da posse esteja fundamentado no tal acto translativo.

Ex:

Art. 892º do CC
A  B
Venda

Se A não entrega a coisa a B não tem posse, por isso, não faz
sentido determinar se é titulada ou não titulada. Só faz sentido
se ocorrer aquisição da posse.

Para ser titulada pressupõe-se que essa acto translativo é


inválido, se for inválido verifica-se aquisição de posse causal
(adquire-se o próprio direito real e, por isso, não faz sentido
qualificar como titulada ou não titulada). Supõe-se que a
invalidade é substancial, portanto, à contrário, se a invalidade
for de natureza formal a posse é não titulado.

A posse titulada só por si não tem relevância nenhuma, só tem


relevância se o título for registado, seria escusado admitir uma
posse titulada com invalidade formal porque o título numa
hipótese destas nunca teria acesso ao registo, pois a invalidade
formal é uma invalidade patente.
O argumento para sustentar a invalidade formal determina que
a aquisição da posse é não titulada é um argumento à contrário.

À contrário, a posse é não titulada quando:

 nem sequer existe um acto translativo (ex: posse do


promitente-comprador, falta o acto translativo),
 o acto translativo for formalmente inválido,
 o acto translativo tiver um vício substancial que conduza à
inexistência jurídica (ex: coacção física), se o acto é
juridicamente inexistente não pode ter qualquer
relevância jurídica.

É discutível a situação do simulador adquirente quando a


simulação seja absoluta, se a simulação for absoluta e se se

116
provar a simulação a posse é não titulada, porque nem sequer é
posse, o simulador tem na melhor das hipóteses a detenção,
pois possui no interesse do outro.

Posse de boa fé e posse de má fé, art. 1260º do CC – o


critério para aferição da boa ou má fé é de raiz subjectiva, tem
de se averigurar se no momento da aquisição o possuidor sabia
ou não sabia que estava a lesar um direito de terceiro, se sabia
– má fé, se não sabia – boa fé.

O critério para aferir é o critério da pessoa de normal diligência,


sendo certo que, para facilitar a aplicação estabeleceu-se duas
presunções:

 A posse titulada é de boa fé e a posse não titulada é de


má fé, art. 1260º nº2 do CC.
 A posse violenta é sempre de má fé, art. 1261º do CC,
sendo uma presunção inilidível.

A distinção entre posse de boa fé e má fé tem relevância


a três niveis:

 No caso da posse de boa fé, art. 1270º do CC, o possuidor


tem direito aos rendimentos (frutos) da coisa enquanto
estiver de boa fé, mesmo que não chegue ao usucapião,
pelo menos adquiriu definitivamente os rendimentos da
coisa.
Ao contrário, o possuidor de má fé não só não tem direito
aos rendimentos, como é sancionado, dado que tem a
obrigação de indemnizar o proprietário da coisa pelos
rendimentos que um proprietário diligente teria obtido, ou
seja, se se provar que o possuidor não actuou como
actuaria um proprietário diligente, responde pela falta de
diligência, art. 1271º do CC

 No caso das benfeitorias voluptuárias (art. 1275º do CC), o


possuidor de boa fé tem o direito de retirar as benfeitorias,
ao passo que o possuidor de má fé nunca tem o direito de
retirar as benfeitorias.

 A posse de má fé tem relevância ao nível da duração dos


prazos para efeito de usucapião, os prazos serão inferiores
no caos de boa fé.

117
Posse violenta e posse pacífica, art. 1261º do CC – a posse
é violenta quando tenha sido adquirida com coacção física ou
coacção moral, à contrário a posse é pacífica noutra situação
qualquer.

A relevância da distinção está relacionada com tudo o que


sejam prazos possessórios. Todos os prazos possessórios só
começam a contar quando a posse seja pacífica, enquanto for
violenta esses prazos não começam a contar.

São os prazos:

 Do usucapião – art. 1297º do CC,


 Da perda da posse – art. 1267º nº1 d) e 2 do CC,
 Prazo de caducidade da acção possessória, art. 1282º do
CC.

Na jurisprudência é vulgar entender-se que o termo coacção


física aplicado à posse tem um sentido muito mais amplo do que
tem normalmente para efeitos do art. 246º do CC, porque tem-
se entendido que a posse é violenta quando se usa força física.
Para o Professor não tem relevância nenhuma, pois não é pelo
facto de ter usado só força física que o prazo de perda da posse
não começa a contar. A razão de ser da não contagem do prazo
é que se houve coacção parte-se do princípio que a pessoa não
pode agir enquanto houver coacção. Deve entender-se coacção
física no sentido normal do termo.

Posse pública e posse oculta, art. 1262º do CC – a posse é


publica quando é exercida de maneira a poder ser conhecida
pelos interessados. Ao contrário das outras classificações em
que o que importa é o momento da aquisição, neste caso o que
conta é o modo de exercício.
Para ser pública a posse não tem de ser mesmo conhecida,
basta a possibilidade de ser conhecida.

Relevância da distinção: enquanto a posse for oculta os


prazos possessórios não começam a contar. Os interessados
prejudicados mesmo que queiram reagir não sabem como nem
contra quem. (art. 1297º, 1267º nº1 d) e 2 e 1282º do CC).

Posse imediata e posse mediata – a posse imediata é


aquela que é exercida pessoalmente, é exercida pelo próprio
possuidor. A posse mediata é aquela que é exercida através de
outra pessoa, art. 1252º do CC, por intermédio de outrém, este

118
outrém é detentos, embora se o detentor também tiver um
direito real seja simultaneamente possuidor.

Sempre que há uma sobreposição real ou aparente de direitos


reais sobre a mesma coisa que impliquem o domínio de facto,
normalmente de gozo, aquele que tiver o domínio de facto é
simultaneamente possuidor no âmbito do seu direito e detentor
no âmbito do direito alheio.

Exemplos:

A - Proprietário B - Usufrutuário

O domínio de facto é exercido pelo B, B é possuidor no âmbito


do seu direito de usufruto e é detentor no âmbito da
propriedade.

Comproprietários A/B/C

Cada comproprietário é possuidor no âmbito do seu direito e é


detentor no âmbito do direito dos demais.

Nestas hipóteses, especialmente na compropriedade a aquisição


da posse relativamente ao direito do outro só pode ocorrer
originariamente pela inversão do título e derivadamente pela
tradictio brevi manu, daí a razão de ser do art. 1406º nº2 do CC.

É possível que a posse mediata tenha mais do que um grau:

Exemplo:

A-  B - usufrutuário  C - arrendatário
proprietário

Neste caso C tem o domínio de facto, B tem a posse mediata de


1º grau e A tem a posse mediata de 2º grau. Para o A a posse é
exercida pelo B, a existência do C não lhe afecta em nada.

EFEITOS DA POSSE: (ART. 1268º E SS DO CC)


Presunção de titularidade – art. 1268º do CC – como se parte do
princípio de que quem tem a posse normalmente é titular de um
direito que justifica essa posse, a lei estabelece a presunção de
que quem tem a posse terá em princípio o direito
correspondente a essa posse, o que significa que provando-se a

119
posse fica presumivelmente provado o direito correspondente a
essa posse

Ex: quem actuar como proprietário, presume-se que é


proprietário.

Na prática os únicos direitos de gozo que se distinguem


claramente do ponto de vista da aparência são a propriedade e
a servidão.

Na dúvida sobre o direito a que a posse se refere tem de se


presumir a propriedade, ex: se alguém actua usando e fruindo,
do ponto de vista externo não se distingue o exercício a título de
usufruto, do exercício a título de propriedade. Só não haverá
dúvida quando exista um título, art. 1259º do CC, a fundamentar
a posse, porque o título delimita pelo menos formalmente o
âmbito da posse.

Exemplo: se se constitui um usufruto por contrato de doação


inválido o título serve para delimitar a posse daquele que
supostamente adquiriu o usufruto.

Tem-se entendido que esta presunção de titularidade resultante


da posse só funciona em pleno quando aquele que invoca a
presunção actua processualmente como réu, ou seja, se o
possuidor é quem intenta a acção, há pelo menos certos casos,
em que se entende que a prova do direito invocado pelo autor
não pode ser feita apenas pela presunção derivada da posse,
pois ela fundamenta-se numa base, a posse, que na prática é
pouco fiável.

É o que se entende na acção de reinvidicação, quem intenta a


acção não pode basear exclusivamente a prova que é
proprietário na presunção do art. 1268º do CC.

Mas, à contrário, a acção de reinvindicação já pode proceder se


a prova do direito de propriedade for feita através da presunção
do registo do art. 7º do CRPredial, pois a fiabilidade do registo é
superior.

No caso de conflitos de presunções em que uma pessoa tenha a


posse e beneficie da presunção do art. 1268º do CC, e outra
pessoa tenha o registo sobre a mesma coisa funcionando a
presunção do art. 7º do CRPredial – prevalece a presunção mais
antiga, aquele que se fundamentar no facto anterior.

120
Se porventura tiverem a mesma data considera-se que
prevalece a presunção derivada da posse. A posse vale mais
ainda do que o registo, o argumento retira-se da letra do art.
1268º do CC.

A posse tem efeitos relativos aos rendimentos (frutos),


benfeitorias e acções possessórias (art. 1276º e ss do CC).

ACÇÕES POSSESSÓRIAS:
As acções possessórias destinam-se à defesa da posse,
independentemente de essa posse ser formal ou causal.

De acordo com o Código Civil são de 4 espécies:

 Acção de prevenção, art. 1276º do CC,


 Acção de manutenção, art. 1278º e ss do CC,
 Acção de restituição, art. 1278º e ss do CC,
 Embargos de terceiro, art. 1285º do CC.

Acção de prevenção, art. 1276º do CC – a acção de


prevenção embora seja uma acção tem a natureza de um
procedimento cautelar, dado que deve ser intentada quando
seja previsível a possibilidade do possuidor ser perturbado ou
esbulhado da posse. Como é formalmente uma acção, é uma
acção de condenação com processo comum, na qual tem
legitimidade activa o possuidor ameaçado e legitimidade
passiva a pessoa causadora da ameaça.
Em princípio não há prazo para intentar a acção, pode ser
intentada enquanto persistir a ameaça.

Acção de manutenção, art. 1278º e ss do CC – é uma acção


paralela à acção negatória que pressupõe a perturbação no
exercício da posse impedindo o exercício normal da posse, mas
sem que haja privação do domínio de facto.
Trata-se também de uma acção de condenação com processo
comum, por força do art. 1281º nº1 do CC tem legitimidade
activa o possuidor perturbado ou os respectivos herdeiros na
suposição de que o possuidor faleceu no decurso do prazo para
intentar a acção sem a ter intentado (art. 1265º do CC). Tem
legitimidade passiva o autor da perturbação. De acordo com o
art. 1282º do CC a acção está sujeita a um prazo de caducidade
de um ano, sendo que esse ano começa a contar a partir da
data da perturbação, distinguindo-se na jurisprudência

121
consoante a perturbação consista em actos isolados entre si, ou
em actos continuados, em ambos os casos o prazo começa a
contar desde o primeiro acto de perturbação, embora se forem
actos isolados para cada qual funciona o seu prazo. O prazo só
começa a contar se os actos de perturbação forem públicos e
pacíficos.

Acção de restituição, art. 1278º e ss do CC – pressupõe o


esbulho, a privação total ou parcial do domínio de facto.
Na prática por vezes é difícil distinguir perturbação da privação
parcial do domínio de facto. O Código Civil trata as duas
conjuntamente. A acção de restituição é também uma acção de
condenação com processo comum.
Tem legitimidade activa (art. 1281º nº2 do CC) o possuidor
esbulhado ou os respectivos herdeiros por causa do art. 1255º
do CC. Tem legitimidade passiva o esbulhador e os herdeiros do
esbulhador porque se entende que só há esbulho quando aquele
que priva outrém do domínio de facto pretende com essa
privação constituir posse a seu favor, daí que por causa do art.
1255º do CC os herdeiros tenham legitimidade passiva, tem
ainda legitimidade passiva um terceiro, desde que esse terceiro
seja possuidor e desde que tenha conhecimento do esbulho, isto
é, tenha posse de má fé.
À contrário, se o terceiro for apenas detentor não tem
legitimidade passiva, nesse caso a acção tem que ser intentada
contra a pessoa em cujo interesse / nome o detentor possui. Se
o terceiro é possuidor, mas está de boa fé, a acção já não pode
ser intentada, porque a posse do esbulhado extinguiu-se, o que
significa que o art. 1281º nº2 do CC contém uma causa de perda
da posse que alarga a lista dos casos de perda da posse que
resultam do art. 1267º do CC.
Tal como na acção de manutenção, acção de restituição está
sujeita ao prazo de caducidade de um ano a contar da data do
esbulho, desde que este tenha ocorrido publicamente e
pacificamente, caso contário só começa a contar quando se
tornar pública e pacífica.

Embargo de terceiro, art. 1285º e ss do CC – hoje em dia é


uma espécie de incidente na instância (incidente de intervenção
de terceiro) e não uma acção. É um incidente que tem em vista
permitir a intervenção na acção de alguém que não tem
legitimidade para ser parte.

Materialmente trata-se de uma acção, dado que o terceiro que


embarga pretende defender um interesse próprio, esse

122
interesse, neste caso, é o de defender a posse contra qualquer
diligência judicial que tenha ofendido a posse.

O que o embargo tem de específico é que a ofensa à posse


resulta de um acto judicial, normalmente a penhora e o arresto,
quando essa diligência judicial atinja bens cuja posse não
pertença ao executado ou arrestado, nem a terceiro que deva
responder pela dívida.

Ex: penhorou-se a propriedade plena quando na altura existia


um direito de usufruto. O usufrutuário pode embargar para
retirar do retirar do âmbito da penhora o usufruto.
De qualquer modo, o embargo de terceiro não serve apenas
para defesa da posse, é para defesa de qualquer direito real ou
não real que seja incompatível com o âmbito da tal diligência
judicial. Serve para defesa de qualquer direito pessoal ou real e
para alguns casos de detenção quando esta esteja
fundamentada pelo menos num direito pessoal.

• Embargo preventivo – intentado antes da tal diligência


judicial ser efectivada
• Embargo repressivo – quando se actua já depois de
efectivada a tal diligência judicial. No fundo à esbulho
legitimado numa ordem judicial.

Normalmente o esbulho deve ser intentado nos 30 dias


subsequentes ao conhecimento da diligência, nunca depois de a
acção em que o esbulho é incidente estar extinta.

Tem legitimidade activa o terceiro que seja titular do tal direito


incompatível com o âmbito da diligência judicial. Tem
legitimidade passiva a pessoa que deu causa a essa diligência
judicial, ex: no caso de penhora, tem legitimidade passiva a
pessoa que designou aquele bem à penhora, normalmente o
credor exequente.

USUCAPIÃO – ART. 1287º E SS DO CC

A usucapião é um modo de aquisição de determinados direitos


reais de gozo que pressupõe basicamente que a posse se
mantenha durante um certo prazo, no termo do prazo o
possuidor pode adquirir o direito correspondente à sua posse
através da invocação da posse.

123
Para que este efeito ocorra exigem-se determinados
requisitos relativos à posse e ao prazo.

No que respeita à Posse:

Só pode invocar a usucapião aquele cuja posse for pública e


pacífica, art. 1297º do CC para os imóveis e art. 1300 nº1 do CC
para os móveis. Por isso, se a posse começou oculta ou violenta
enquanto permanecer assim os prazos da usucapião não
começam a contar.
Exige-se também que a posse deva ser uma posse efectiva, ou
seja, uma posse efectivamente / realmente exercida durante o
prazo necessário para a usucapião, pois de um modo geral para
haver posse não é necessário o exercício efectivo, art. 1257º
nº1 do CC, mas para efeitos da usucapião tem que se exigir a tal
posse efectiva por uma razão de coerência, é que normalmente
o não exercício de um direito conduz à extinção desse direito
através do não uso, por isso, não faz sentido admitir que se
possa invocar a usucapião e, portanto adquirir um direito apesar
de não haver exercício. Não faz sentido que num caso de não
exercício não só não haja extinção, como até haja aquisição.
A justificação geral da usucapião é colocar o direito em
harmonia com os factos, alguém actua como proprietário,
aquele que possui tem o direito de ser titular desse direito.
Pressupõe-se também que essa posse seja uma posse formal, é
através da usucapião que a posse se tornará causal.

No que respeita à duração do prazo:

O prazo varia consoante se verifiquem ou não determinadas


circunstâncias, embora a distinção básica seja feita entre coisa
móveis e coisas imóveis. Os prazos são superiores no caso de
posse sobre imóveis em relação à posse sobre móveis, art.
1293º e ss do CC (imóveis) e art. 1298º e ss do CC (móveis).
O prazo também varia em função da qualidade da posse, se for
de boa fé os prazos são inferiores e superiores no caso de má fé.
O caracter titulado ou não titulado da posse é outro factor de
variação, tratando-se de imóveis ou móveis registáveis o facto
da posse ser titulada não é suficiente para diminuir o prazo que
só diminui se para além da posse ser titulada o título estiver
registado.

Tratando-se de coisas móveis não registáveis o facto da posse


ser titulada já diminui o prazo. Nos casos dos imóveis e móveis
registáveis é possível que se verifique ainda um outro factor de

124
variação do prazo em função do registo da mera posse, art.
1295º do CC.

A mera posse é a posse não titulada ou posse titulada mas


sem registo do título. Nessas situações permite-se que o
possuidor possa registar não o título que é causa da posse, mas
a própria posse, desde que a posse tenha pelo menos 5 anos de
duração, seja pública e pacífica.

Se isso for reconhecido no processo de justificação


administrativa que deve ser intentado para o efeito na
conservatório do registo predial o conservador deve lavrar o
registo da mera posse.

Os prazos da usucapião serão iguais aos prazos da usucapião


nos casos de posse titulada com registo do título, ou seja,
somando o prazo do nº2 com o do nº1 o resultado são prazos
iguais aos do art. 1294º do CC.

Para completar o prazo não é exigível que seja o possuidor que


invoca a usucapião a cumprir ele próprio a totalidade do prazo
no exercício da posse, dado que é possível nos termos do art.
1256º do CC (a acessão da posse), que o possuidor actual junte
(faça a soma) do seu tempo de posse com o tempo de posse de
possuidores anteriores. O único requisito para tal é o de que
exista um nexo de derivação entre todas as posses que se
pretendem juntar.

Só se podem juntar aquelas posses entre as quais há uma


aquisição de forma derivada.

Exemplo:

A  B  C
Posse (senhorio) Detentor (arrendatário) Venda e entrega Tradição
Oposição por inversão do título, art. 1295º do CC.

Supondo que A não se opôs, C pode juntar o seu tempo de
posse ao tempo de posse do B, não pode juntar o tempo de A,
pois B adquiriu originariamente.

Nos termos do art. 1256º nº2 do CC a junção de tempos de


posse dá-se sempre para o pior resultado / benefício possível, o
que significa, por exemplo, que se uma posse é de boa fé e a
outra de má fé, será toda a posse de má fé.

125
Verificado o prazo o possuidor tem o direito de invocar a
usucapião, o que significa que a usucapião não produz efeito
aquisitivo automaticamente, concede-se apenas o direito de o
adquirir.
A aquisição da usucapião é potestativa, logo tem de ser
invocada – resulta do facto do regime da usucapião ser por
remissão do art. 1292º do CC o mesmo regime da prescrição
(art. 300º e ss do CC).

De acordo com o art. 303º do CC a prescrição, ou seja, a


usucapião tem de ser invocada. Admite-se qualquer forma de
invocação judicial ou extra-judicial, mas tratando-se de imóveis
a invocação da usucapião deve observar pelo menos uma de
duas formas.

Se é o próprio possuidor que quer directamente invocar a


usucapião para si ou recorre ao processo de justificação
administrativa instaurada na conservatória competente (art.
117º do CRPredial).

Em ambos os casos o possuidor deve essencialmente provar


que tem posse à X anos, isso tem de ser demonstrado na
declaração de testemunhas.

Se o notário ou conservador ficarem convencidos deve lavrar-se


a escritura ou o registo consoante o processo.

A invocação faz-se extra-judicialmente.

É possível que a invocação da usucapião seja feita judicialmente


embora hoje em dia, se a invocação se faz por acção (o próprio
possuidor intenta a acção) o professor crê que só o pode fazer
quando o pedido de reconhecimento da usucapião seja
acessório de outro pedido, porque o processo de justificação
administrativa teve em vista retirar poderes aos tribunais para a
invocação da usucapião.

Ao contrário se o possuidor nem sequer invoca a usucapião e


sucede que outra pessoa (o proprietário afectado) intenta a
acção contra o possuidor, nessa altura o possuidor (réu) pode
invocar a usucapião a título de reconvenção, não a título de
excepção peremptória.

Invocada a usucapião o possuidor torna-se titular do direito


correspondente à posse que exercia, sendo certo que no caso

126
dos imóveis há dois direitos que não podem ser adquiridos por
usucapião – servidões não aparentes e direitos de uso e
habitação, art. 1293º do CC.

Entende-se que a aquisição da posse é uma aquisição originária,


dado que se entende que invocada a usucapião os direitos que
existiam sobre a coisa a favor de terceiros se extinguem, dado
que nos termos do art. 1288º do CC a aquisição por usucapião
tem eficácia retroactiva à data de acessão, à data do início da
primeira posse que se juntou.

Pode acontecer que a usucapião não sirva propriamente para


adquirir direitos, mas só para extinguir direitos alheios.

Na hipótese normal a usucapião implica a aquisição, implicam a


extinção de outro direito, mas pode acontecer que implique só a
extinção.

A usucapio libertatis, art. 1574º do CC, pressupõe que o


titular de um direito que esteja onerado actue factualmente de
maneira que seja incompatível com o exercício do direito que
onera, se o titular deste direito que onera não reagir e passarem
os prazos da usucapião, o titular do direito onerado pode invocar
a usucapião para extinguir o direito que é onerado.

Exemplo:

A B
Servidão

B colocou obstáculos factuais, se o titular do direito impedido de


actuar não reagir, se a inércia se prolongar pelos prazos da
usucapião, B pode invocar a usucapião para extinguir a servidão
do A.

A usucapio libertatis não é uma forma de aquisição.

A usucapio libertatis, de um modo geral, segue o regime da


usucapião.

CASOS PRÁTICOS DE DIREITO REAIS FACULTADOS PELO


PROFESSOR GONZÁLEZ

127
1.
António é proprietário de um terreno no qual construiu, em
1980, uma vivenda de dois andares. Na altura, deixou em
relação ao terreno vizinho, pertencente a Bernardo, uma
distância de cinco metros.
Entretanto, agora pretende construir uma garagem
anexa justamente no espaço que medeia entre a sua vivenda e
a estrema com o terreno de Bernardo.

a) Para poder construir a garagem, António necessita


colocar andaimes no terreno de Bernardo. Dependerá,
para o efeito, de consentimento deste último ou não?

b) Para poder utilizar mais facilmente a garagem,


convinha-lhe obter acesso para a mesma através do
terreno de Bernardo. Como deverá proceder para o
efeito?

c) Desde a altura em que construiu a vivenda, António


mantém instalado, no rés-do-chão, um lagar de azeite.
Acontece que os líquidos residuais provenientes da sua
exploração são despejados directamente sobre o solo
formando um leito que entra pelo terreno de Bernardo.
Passados todos estes anos, ainda poderá este opor-se à
actuação de António ou não?

d) Bernardo adquiriu o terreno que possui através de uma


doação que Carlos lhe fez em 1979. Nessa doação
inseriu-se uma cláusula de acordo com a qual Bernardo
ficava proibido de vender o terreno em causa. Todavia,
este, como estava extremamente incomodado com a
vizinhança de António, acabou por vender o referido
terreno a Daniel. Esta venda será válida?

2.
João, José e Joaquim são comproprietários de uma quinta
desde 1982. Convencionaram, na altura, que cada um utilizaria
exclusivamente certa parcela da quinta. Assim: João utilizava a
parte destinada à produção vinícola; José utilizava a parte

128
destinada à produção de cereais; Joaquim, por último, utilizava a
parte onde se encontrava edificada uma casa de habitação.
A situação prolongou-se até agora. Mas, já este ano,
Joaquim, que ao longo dos anos realizou inúmeras obras de
beneficiação na dita casa, vendeu-a a Luís por 20.000 contos.

a) Entretanto, João e José intentaram acção de


preferência. Todavia, o tribunal negou provimento à
mesma com fundamento no facto de a venda entre
Joaquim e Luís ser nula. Com ou sem razão?

b) Haveria alguma hipótese de a acção de preferência


obter provimento?

3.
A é proprietário de um terreno com 5.000 m2. Construiu
aí um edifício, que utiliza como stand de automóveis, localizado
no lado sul junto a um terreno pertencente a B.
No lado norte, A construiu um edifício com três andares
que constituiu em regime de propriedade horizontal, vendendo
as cinco fracções daí resultantes a diferentes pessoas.
Como perdeu o acesso directo à via pública por causa
desta edificação, deixou, ao construi-la, um túnel sob a mesma
para chegar à rua.

a) De que direito subjectivamente real poderia A ser


titular?

b) Como se terá constituído no caso concreto?

c) Suponha que o referido túnel já está a ser utilizado há


vinte e cinco anos. Os condóminos do edifício sob o qual
o mesmo está aberto entendem, no entanto, que a
tonelagem dos camiões que actualmente aí passam, e
que há vinte e cinco anos não existiam sequer, está a
causar danos estruturais em tal edifício. Decidiram, por
isso, vedar aquele túnel. Poderiam fazê-lo?

4.
Distinga:

a) Efeito constitutivo de efeito atributivo do registo


predial.

129
b) Propriedade horizontal sobre um edifício de
propriedade horizontal sobre um conjunto imobiliário.

5.
Depois de atentar no conteúdo das disposições legais que
a seguir se transcrevem, (provenientes da Lei das Augi’s – Áreas
Urbanas de Génese Ilegal), compare-as com o regime normal da
compropriedade e aponte as especialidades que encontrar.

Artigo 36.°
Modalidades de divisão
1 - Os prédios em compropriedade que integrem a
AUGI podem ser divididos, em conformidade com o alvará
do loteamento ou a planta de implantação do plano de
pormenor, por acordo de uso, sem prejuízo do recurso à
divisão por escritura pública ou por decisão judicial.

Artigo 38.°
Divisão
1 - A divisão por acordo de uso opera-se mediante
deliberação da assembleia de comproprietários convocada
para o efeito, nos termos da presente lei.
Artigo 12.°
Funcionamento da assembleia
1 - A assembleia delibera em primeira ou em
segunda convocatória nos termos previstos no Código Civil
para a assembleia de condóminos dos prédios em
propriedade horizontal …

6.
Zebedeu Zapato pretende vender a Xavier Xarope, por
30.000 contos, uma moradia com terreno contíguo no qual estão
plantados 500 pés de vinha. Este último, como recorreu a
crédito bancário para realizar a compra, celebrou escritura de
constituição de hipoteca sobre a referida moradia a favor do
mutuante, o Banco Antoniano.
A hipoteca foi registada provisoriamente.
Entretanto, foi realizada a escritura de compra e venda
entre o Zapato e o Xarope, e, nessa altura, foi o registo da
hipoteca convertido em definitivo.
Acontece que, entre a data do registo provisório da
hipoteca e a data da sua conversão em definitivo, foi realizado o
registo, sobre o mesmo prédio, de um contrato promessa de
compra e venda entre o Zapato e o Valter Wanderley.

Se o Wanderley recorrer à execução específica:

130
a) Qual a situação do Xarope e do Banco Antoniano?

b) Desde a data em que foi celebrada a compra e venda


entre o Zapato e o Xarope, a quem pertencem as uvas e o vinho
entretanto produzido?

7.
Dinis Dionísio vendeu a Estrela Escobar, em 1970, por
escritura pública, um terreno agrícola com 5.000 metros
quadrados.
A compra não foi registada.
Estrela Escobar faleceu e sucedeu-lhe o filho Fernando
Fernandino, o qual continuou a utilizar o dito terreno para fins
agrícolas.
Entretanto, os sucessores do Dionísio, como não tiveram
conhecimento da venda efectuada a Escobar (ou, pelo menos,
assim o dizem), registaram, quando aquele faleceu, sobre o
referido terreno, a sucessão mortis causa a seu favor.
Desde 1995 que o Fernandino tem o terreno ao
abandono. Acontece, porém, que agora chegou ao seu
conhecimento que um dos filhos do Dionísio construiu um
edifício de três andares no terreno em causa.

Quid Juris?

8.
A, proprietário, constituiu usufruto a favor de B, sobre
um apartamento, por escritura pública datada de 1/1/1998 não
registada.
A faleceu em 1999 e sucedeu-lhe o seu filho C. Este, por
escritura datada de 1/1/2000, constituiu usufruto a favor de D,
sobre o mesmo apartamento, o que foi registado em 1/2/2000.

Qual a situação de B e de D?

9.
Em 1982, A, sociedade comercial, doou um Palácio a B,
associação cultural e recreativa, proibindo, através de cláusula
inserida na escritura de doação, a utilização do prédio em causa
para fins diferentes dos estatutários.
B instalou numa parte do Palácio, em 1983, um
infantário/creche.

131
A doação só foi registada em 1/6/1999.

a) A cláusula em questão será válida e eficaz?


Considere, designadamente, se:
- se B poderia utilizar aquela parte do Palácio
para a finalidade
pretendida;
- se B poderia vender o prédio a outrem.

b) Supondo que a doação era nula por incapacidade de


gozo de A, B já poderia invocar a usucapião?

10.
A, B, C, D, e E, são comproprietários de um terreno com
cinco hectares. A construiu aí, em 1975, uma vivenda de dois
pisos. Na altura, todos os demais comproprietários consentiram
verbalmente na realização da referida edificação.

A pretende agora assegurar a sua situação para evitar


futuros dissabores. Que possibilidades tem ao seu alcance?

11.
Considere os seguintes factos:
- A é proprietário de uma loja de antiguidades onde
também se fazem restauros de mobiliário antigo.
- B deixou aí um louceiro do século XVIII para
restauração.
- Concluída esta, o louceiro foi colocado em exposição.
- C, um cliente da loja, ofereceu a A 2.000 contos pelo
mesmo.
- Como havia já um ano e meio que B não aparecia na
loja nem dava notícias, A julgou que aquele se havia
desinteressado do louceiro, e, por isso, aceitou a proposta de C.
- O louceiro em causa foi entregue a C.

Caracterize a situação de C, considerando se:

a) B tem possibilidade de reivindicar o louceiro;

b) em caso afirmativo, se C tem direito à restituição do


preço e de quem;

c) em caso negativo, se isso se pode dever ao facto de C


ter adquirido a propriedade do louceiro.

132
12.
Considere os seguintes factos:
- A e B são proprietários de prédios contíguos.
- No prédio do primeiro existe uma casa de habitação
que dista quarenta centímetros em relação ao prédio do
segundo.
- Ambos os prédios têm comunicação directa com a
estrada.
- C vendeu a A um outro prédio, contíguo ao deste e ao
de B.
- Este prédio não tem comunicação directa com a
estrada, antes utilizando para o efeito o prédio de B.

a) O direito de passar a favor de C foi constituído por


acordo celebrado entre este e D, o anterior proprietário do
prédio hoje pertencente a B.

a.1) Qualifique e classifique este direito de passar.

a.2) O referido acordo é registável? Em caso afirmativo,


qual o efeito do respectivo registo?

b) A passagem a favor do prédio vendido a A manter-se-


à depois deste o ter adquirido?

c) Se o telhado da casa pertencente a A despejar as


águas pluviais directamente para o prédio de B:

c.1) Este último poderá opor-se? Através de que acção e


com que fundamento?

c.2) Haverá maneira de o A obstar ao pedido de B? Com


que fundamento?

13.
Caracterize, justificando:

a) As semelhanças e as diferenças entre as presunções


estabelecidas, respectivamente, pelo art. 7º do Código do
Registo Predial e pelo art. 1268º/nº1/1ª parte do Código Civil.

133
b) A obrigação imposta pelo art. 1375º/ nº1 do Código
Civil.

c) A razão de ser do disposto no art. 1406º/nº2 do


Código Civil.

14.
A é proprietário de um terreno agrícola com 5000 m2.
Celebrou com B contrato-promessa de compra e venda relativos
a 4000m2, que já foram demarcados.
Feita a entrega desta parcela, B construiu aí um
armazém para uma pequena indústria de aglomerados de
madeira. A construção foi realizada sem que A tivesse criado
qualquer oposição.

a) Se a compra e venda nunca chegasse a realizar-se, A


poderia pedir a demolição do armazém?

b) Haveria algum meio de B se poder tornar proprietário


de todo o terreno, mesmo sem a intervenção de A?

15.
A, B, C e D são comproprietários de um terreno agrícola.
Decidiram, em 1995, aí construir, cada qual, a sua vivenda. Para
o efeito demarcaram o terreno em quatro partes e edificaram.
Quando, em 2002, a Câmara Municipal respectiva, para
legalizar a situação, elaborou um plano (de pormenor) para a
zona, verificou-se que através deste foram criados cinco lotes –
quatro correspondentes às vivendas e o quinto obtido a partir da
junção de áreas sobrantes de cada um daqueles quatro.

a) Qual a situação de A, B, C e D após a aprovação deste


plano pela Câmara?

b) Em que situação está o quinto lote?

c) Se A, B e C decidissem vender este quinto lote a


terceiro, D teria direito de preferência?

16.
A é proprietário do navio mercante Sierra que se afundou
no rio Tejo em 1980.
Segundo o art. 168º/nº1 do DL nº 265/72 de 31/07
(Regulamento Geral das Capitanias), a remoção de embarcação

134
afundada ou encalhada que cause prejuízo à navegação deve
ser efectuada pelo respectivo proprietário.
Como não o fez, o Estado encarregou-se da operação,
tendo dispendido para o efeito 20.000 contos. O Estado vem
agora reclamar essa quantia a A.

a) A provou que quando a remoção foi feita já tinha


entretanto vendido o navio a B. Qual dos dois seria o
responsável?

b) Em qualquer caso, admitir-se-ia que A ou B se


exonerassem unilateralmente?

17.
António Marmeleiro é proprietário de um terreno
agrícola cujo único estremante é Manolo Caldeiro, proprietário
de outro terreno agrícola confinante.
Em Dezembro de 1998, o Marmeleiro encontrou um
comprador para o seu terreno disposto a dar-lhe 150.000 euros
pelo mesmo, o que, no caso, era um bom preço. Assim sendo, a
escritura de compra e venda foi celebrada um mês depois, mas,
na mesma, por questões fiscais, declararam-se apenas 50.000
euros.
Acontece que, nos termos do art. 1380º do Código Civil,
o Caldeiro tinha preferência naquela venda.

a) Poderá exercer essa preferência contra a pessoa que


comprou ao Marmeleiro? Como e por quê?

b) Se a exercer, a quem deverá o Caldeiro pagar o preço?

c) O meio processual de que o Caldeiro dispõe para o


efeito será susceptível de inscrição no registo?

18.
No edifício y, constituído em propriedade horizontal,
existem dez condóminos.
A fracção D está arrendada.
Entretanto, por deliberação tomada em assembleia de
condóminos por oito votos contra dois, decidiu-se a instalação
de uma antena parabólica no edifício. O arrendatário da fracção
D foi um dos que votou favoravelmente, embora o respectivo
senhorio nem sequer tenha comparecido na dita assembleia.

135
a) Qual a situação jurídica em que os condóminos se
encontram face à antena parabólica em questão?

b) Os dois que votaram contra devem contribuir para as


despesas decorrentes da instalação da antena parabólica ou
não?

c) Acontece que, dos oito que votaram favoravelmente,


quatro decidiram que dos vinte canais que o sintonizador tinha
capacidade para programar, cinco deles seriam substituídos por
outros tantos anualmente. Os restantes opõem-se a esta
solução. Legitimamente ou não?

19.
Carlos, proprietário do automóvel y, vendeu-o a Daniel,
reservando para si a propriedade do mesmo até que este
efectuasse o pagamento integral do preço. O automóvel foi
entregue imediatamente após a celebração do contrato.

a) Antes de efectuado o pagamento integral do preço,


Carlos vendeu o mesmo automóvel a Francisco. Este, após
comprar, exigiu de imediato a Daniel a entrega do dito
automóvel. Deverá Daniel efectuar essa entrega ou não?

b) Depois de efectuado o pagamento integral do preço,


entre Daniel e Francisco, qual dos dois seria o proprietário do
automóvel?

c) Caso a venda a Francisco não tivesse sido feita, mas


supondo que, este, contra a vontade de Carlos e de Daniel, se
tinha apoderado do automóvel em causa:
- que acção poderia ser intentada contra Francisco?
- quem teria legitimidade activa para a mesma?

20.
António, empreiteiro e proprietário do apartamento x,
constituiu sobre o mesmo, por doação, direito de habitação a
favor de Bernardo. A respectiva escritura foi lavrada em
1997/01/01, mas Bernardo somente registou a aquisição
passados quatro meses.
Entretanto, Carlos obteve sentença que condenava
António a pagar-lhe 8.000 contos a título de indemnização pelo
não cumprimento de um contrato de empreitada entre ambos
anteriormente celebrado. Para se assegurar, em 1997/03/01,

136
Carlos registou (nos termos do art. 710º) hipoteca sobre o
referido apartamento x.

Carlos obteve hipoteca sobre a propriedade de raiz ou


sobre a propriedade plena do apartamento em causa?
Resolva a questão considerando:
a) a posição daqueles que entendem que o problema é
apenas de prioridade;
b) a posição daqueles que entendem que o princípio da
boa-fé é o vector básico de resolução deste problema.

21.
A e B, proprietários de dois prédios vizinhos, pretendem
estabelecer entre os mesmos uma zona de uso comum,
constituída com terreno cedido por ambos, em partes iguais, e
destinada, entre outras coisas, a servir de estacionamento, de
jardim e a receber, futuramente, a instalação de uma piscina.
Juridicamente, querem:
- a vinculação real indefinida daquela zona de uso
comum à propriedade de ambos os prédios, de modo a que
transmissão de um deles implique automaticamente a
transmissão da zona de uso comum;
- a impossibilidade de qualquer um dos proprietários pôr
termo à comunhão potestativamente;
- a repartição per capita das respectivas despesas de
manutenção.

Atendendo às finalidades práticas e jurídicas


prosseguidas por A e B, qual das seguintes configurações seria
para si a mais adequada:

a) constituição de compropriedade sobre a zona de uso


comum;

b) constituição recíproca de direito de superfície sobre a


faixa de
terreno que cada qual afectava à zona de uso comum;
c) constituição recíproca de servidão predial sobre a
faixa de
terreno que cada qual afectava à zona de uso comum;

d) constituição de propriedade horizontal sobre a


totalidade dos

137
dois prédios, configurando-se a zona de uso comum
como uma
parte comum.

e) constituição recíproca de direito de usufruto sobre a


faixa de
terreno que cada qual afectava à zona de uso comum.

(Justifique a opção que lhe


parecer mais
acertada e justifique a
recusa das restantes)

22.
Em 1995, A, proprietário do terreno x, prometeu vendê-
lo a B. Ainda antes do vencimento do prazo convencionado
dentro do qual a escritura de compra e venda deveria ser
outorgada, A vendeu o terreno em causa a C.

O Acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/98 veio


estabelecer que "a execução específica do contrato-promessa
sem eficácia real, nos termos do art. 830º do Código Civil, não é
admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o
promitente-vendedor haver transmitido o seu direito real sobre
a coisa objecto do contrato prometido antes de registada a
acção de execução específica, ainda que o terceiro adquirente
não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da
acção; o registo da acção não confere eficácia real à promessa".

Levando isto em consideração, resolva o caso:

a) supondo que o contrato-promessa tem eficácia real e


que o seu
registo foi obtido antes de C ter registado a respectiva
aquisição;

b) supondo que o contrato-promessa foi objecto de


registo
provisório de aquisição, nos termos do nº 3 do art. 47º
do Código
do Registo Predial, antes de C ter registado a respectiva
aquisição;

138
c) supondo que B registou a acção de execução
específica, nos
termos do art. 3º do Código do Registo Predial, antes de
C proceder
ao registo da respectiva aquisição.

23.
A, B e C, são comproprietários de uma herdade com 30
hectares situada no Alentejo. A aquisição da herdade teve em
vista a obtenção de uma mais-valia com a sua venda posterior,
pelo que convencionaram, no título de aquisição da mesma,
uma cláusula de indivisão por dez anos, contando com a
valorização dos terrenos situados naquela área, dado que
passariam a beneficiar de uma nova auto-estrada, já em fase de
construção. Entretanto, convencionaram que cada qual
utilizaria, conforme entendesse, dez hectares individualizados
para cada um mediante cercas.
Porém, A mudou de ideias e, passados quatro anos,
pretende obter a divisão para poder construir na sua parcela
uma casa de habitação, a fim de nela passar férias com a
família.

a) Qual o valor e a eficácia das cláusulas referidas?

b) Poderá A obter a divisão da coisa comum? Em caso


afirmativo, como deverá proceder e com que fundamento?

c) Admitindo que A consegue obter a divisão, poderá ele


exigir que lhe seja atribuída a parcela de dez hectares que antes
usava?

d) Admitindo que A não consegue obter a divisão,


poderão B e C impedir que A aliene a sua parte?

24.
Contra A, foi movida, em 1997/02/02, acção executiva
para pagamento de 5.000 contos que o mesmo devia a B,
credor exequente. Na dita execução foi penhorado um
apartamento que A havia vendido a C em 1996/12/12.
B registou a penhora em 1997/05/05.
C somente registou a compra em 1997/06/06.
O apartamento foi judicialmente vendido a D, em
1997/07/07, não tendo sido ainda efectuado o competente
registo.

139
Quem é o proprietário do referido apartamento?

25.
António, proprietário do apartamento x, vendeu-o a
Bernardo, mantendo-se, porém, como usufrutuário do mesmo
até ao ano 2010.

a) Ao nível das obrigações do usufrutuário, que diferença


encontra entre a situação de António e aquela em que ele
estaria se o usufruto tivesse sido constituído per translationem?

b) Qual a situação possessória de António e de


Bernardo?

c) Como é que ambos adquiriram as respectivas posses?

26.
Gabriel, proprietário de um prédio onde existe um
edifício de três andares, concedeu a Henrique o direito deste
construir uma garagem subterrânea no espaço subjacente
àquele edifício. Uma vez que as fundações desse edifício
atingiam grande profundidade, na construção da garagem
Henrique aproveitou-as para suporte das respectivas paredes.

a) Se o telhado do edifício necessitasse reparação,


Henrique deveria participar na respectiva despesa?

b) Se tivesse sido estipulada, no acto de constituição do


direito de Henrique, a obrigação deste pagar 5.000 contos por
ano a Gabriel como contrapartida da vantagem que este lhe
concedera, caso Henrique transmitisse o seu direito a Isidro,
este ficaria obrigado, a partir daí, em vez de Henrique?

c) Entretanto, por causa de um tremor de terra, o edifício


desmoronou-se parcialmente. Serão Henrique ou Isidro
obrigados a participar nos correspondentes encargos de
reconstrução?

27.
A "Sociedade Pesqueira, Ld.ª", proprietária de uma frota
de barcos de pesca, adquiriu um novo navio para essa frota.

140
Todavia, o porão congelador, como não podia ser
produzido pelos estaleiros navais que construíram o navio, foi
adquirido em sistema de venda com reserva de propriedade à
FICAPOR. Esta fez a entrega imediata àquela, e, logo após, o
referido porão foi, como é próprio, instalado no navio em causa.
Acontece que, por força de certas dificuldades
financeiras, a partir de certa altura a "Sociedade Pesqueira,
Ld.ª" deixou de pagar as prestações devidas à FICAPOR. Esta
pretende, por isso, com fundamento nesse incumprimento,
obter a restituição do porão congelador. Contudo, tal implica
agora provocar importantes danos, tanto no navio, como no
porão.

Um recente acórdão do S.T.J. (1996/08/02, proc. nº


87995, 2ª secção) pronunciou-se no seguinte sentido:

II) O regime jurídico da acessão só é aplicável se não


existir uma relação jurídica que vincule a pessoa autora da
incorporação à coisa melhorada, melhoramento em que se
traduz a incorporação; de contrário, o melhoramento é havido
como benfeitoria.

a) Parece-lhe que esta visão se adequa à hipótese em


apreço?

b) Distinga os direitos da "Sociedade Pesqueira, Ld.ª" e


da FICAPOR consoante o caso fosse subsumível ao regime da
acessão ou ao regime das benfeitorias.

c) Se o caso fosse de acessão, em que momento o


respectivo beneficiário ficaria proprietário do todo?

141
28.
Tenha em consideração o seguinte extracto de inscrição
predial:

1.1. Consegue explicar o significado das expressões


codificadas utilizadas no início de cada uma das inscrições
anteriores?

1.2. Em relação ao assento de apresentação no registo


predial:
- identifique o seu objecto;
- enuncie brevemente as suas características;
- demonstre a sua relevância prática.

1.3. Em relação à cota de referência explique:


- qual a sua importância prática;
- o que justifica concretamente a cota F-1 para a
segunda
inscrição.

1.4. Na descrição subordinada relativa à fracção H que


cotas de referência dela deverão constar?

142
1.5. Consegue explicar as razões pelas quais a inscrição
de constituição de hipoteca deve conter a indicação do
montante máximo assegurado?

1.6. Imagine que a fracção A se destinava a garagem e


que o respectivo proprietário concedia à fracção B, destinada a
escritório de advogados, o direito de estes aí estacionarem os
seus automóveis durante o dia. A correspondente inscrição
predial deveria ser feita em relação à descrição do edifício, em
relação à descrição da fracção A ou em relação à descrição da
fracção B? Justifique.

29.
Daniel, proprietário de uma casa de habitação, arrendou-
a a Esmeralda. As rendas eram pagas a Francisco, procurador
de Daniel, em virtude deste último residir no estrangeiro.
Passados dois anos sobre a data da celebração do
arrendamento, Francisco informou Esmeralda de que havia
adquirido a referida casa a Daniel e que estava agora disposto a
vendê-la por 20.000 contos.

a) Como é que Francisco adquiriu a posse sobre a dita


casa?

b) Como é que Esmeralda adquiriria a posse caso


decidisse comprar tal casa a Francisco?

c) Poderia Esmeralda, em vez de comprar a Francisco,


obter a declaração de nulidade da compra e venda celebrada
entre Daniel e Francisco?

d) Se efectivamente Francisco apenas tivesse celebrado


com Daniel um contrato promessa de compra e venda relativo à
casa em questão, mas, ainda assim, a tivesse imediatamente
vendido a Esmeralda, qual seria a situação possessória desta
última?

30.
António vendeu a Bernardo, seu amigo íntimo, uma
quinta composta por casa e vinhedo, cuja área total rondava os
quatro hectares.
A razão da venda residia no facto de António, diplomata
de profissão, ter sido colocado na Tailândia e não poder, por
isso, dedicar-se à gestão da referida quinta.

143
Como o motivo da ausência era necessariamente
temporário, ficou acordado que, mal António regressasse,
Bernardo revenderia a António a quinta em questão.
Contudo, tendo a ausência de António sido prolongada
por cerca de dez anos, Bernardo, acreditando que o
anteriormente pactuado com aquele já tinha perdido qualquer
sentido prático:

(1ª sub-hipótese)
a) Vendeu tal quinta a Carlos.
Poderá António actuar contra Carlos exigindo-lhe a
restituição da quinta?

(2ª sub-hipótese)
b) Recusa-se à devolução (com fundamento no facto de
ter feito vultuosos investimentos tendo em vista o aumento da
produção de vinho).
Terá António meios ao seu dispor para obter a
restituição da quinta mesmo contra a vontade de Bernardo? Em
que medida é que a eficácia desses meios estará dependente do
registo?

31.
António doou a Bernardo, seu filho, por escritura, uma
casa recebida por herança de seus pais cujo valor de mercado
ascendia a 250.000 contos. Na medida em que ao primeiro
interessava manter o imóvel em causa "dentro da família", foi
inserida no correspondente contrato uma cláusula por força da
qual Bernardo ficava proibido de transmitir o referido imóvel a
qualquer terceiro com o qual não existisse relação de
parentesco alguma.
Entretanto, apesar dessa cláusula, Bernardo veio
efectivamente a vender tal casa a Carlos.

Esta venda será válida ou não?

144
32.
Atente no seguinte extracto de uma escritura pública de
mútuo com hipoteca e, seguidamente, responda às questões
formuladas:

a) Explique a razão pela qual os registos provisórios a


que esta escritura se reporta foram efectivamente lavrados a
título provisório.

145
b) Enuncie as eventuais vantagens práticas do registo
provisório.

c) O que se exige para a realização daqueles registos


provisórios?

d)
1) Durante quanto tempo poderiam tais registos
permanecer provisórios?
2) Não sendo convertidos em definitivos nem sendo
renovados, como é que os mesmos deveriam ser eliminados?

e) Requerida a conversão em definitivo do registo da


compra e venda do imóvel a que a escritura diz respeito, em
que ficha deveria o mesmo ser lavrado e sob que letra?

f) A escritura em causa também dá forma a uma


renúncia.
1) Diga se, formalmente, esse acto é válido.
2) Explique as razões que levaram a credora a assim
proceder.

33.
António comprou um terreno para aí edificar uma
instalação fabril. Meses após a dita compra descobriu-se, ao
proceder às necessárias escavações, que no referido terreno
existiam importantes vestígios de construções da época
visigoda.
António pretende das duas, uma:
- ou ser indemnizado, tanto pelos gastos que já teve,
como pelos benefícios que deixará de obter pela absoluta
impossibilidade de edificar;
- ou que o Estado promova a expropriação por utilidade
pública e lhe pague, por isso, a correspondente compensação.

a) Poderá exigir qualquer das hipóteses em alternativa


ou tem de sujeitar-se a uma delas?

b) Qual a dificuldade prática que a primeira hipótese da


alternativa pode apresentar?

c) Qual a razão pela qual o art. 62º da ConstituiçãoRP


impõe ao Estado a obrigação de pagamento de compensação ao
expropriado?

146
34.
Considere o seguinte acórdão do S.T.J. (de 10/12/1996,
processo nº 392/96, 1ª secção):

III) A circunstância de a cave de um prédio em regime de


propriedade horizontal ser coisa comum, indivisível em
substância, não é impeditiva da sua divisão material ou de
facto, para efeito do seu uso, designadamente através da
atribuição a cada condómino de lugar próprio e demarcado para
recolha do seu veículo ou de outros objectos

e responda às seguintes questões:

a) A que título e qual a base legal que justifica a solução


admitida pelo acórdão em questão?

b) Não seria possível fazer a divisão da dita cave em


termos de cada condómino se tornar proprietário e não simples
usuário do lugar em causa? De que requisitos dependeria tal
divisão?

c) A proibição constante do art. 1423º obstaria à


realização da divisão nos termos da alínea anterior?

d) A divisão material a que o acórdão se reporta


vincularia alguém que só viesse a adquirir a propriedade de
certa fracção após a mesma ter sido realizada?

35.
Para tentar fugir à execução movida pelos seus
credores, António e Bento simularam uma venda ao segundo da
vivenda x pertencente ao primeiro. Para darem uma aparência
realista à dita venda, fizeram escritura pública da mesma e o
correspondente registo. Entretanto, Bento vendeu a vivenda em
causa a Carlos, o qual registou a compra.

147
Em acórdão recente (12/12/1996, processo nº 86129, 2ª
secção), o S.T.J. veio a defender uma posição clássica segundo a
qual:

II) Para efeitos de registo, em princípio, só são terceiros


entre si aqueles que tenham adquirido de um autor comum
direitos incompatíveis sobre o prédio.

a) Esta posição permite enquadrar a hipótese em apreço


ou não?

b) Em qualquer caso, Carlos adquire a propriedade da


vivenda x? Se sim, de forma originária ou derivada?

36.
António celebrou com Belmiro contrato promessa de
compra e venda de um apartamento sito no 1º andar dt.º do
edifício nº32 da Rua dos Bacalhoeiros, já constituído em regime
de propriedade horizontal.
Belmiro, que tem alguns conhecimentos de prática
jurídica, exigiu, para preservar a sua situação, que se atribuísse,
nos termos do art. 413º do C.Civil, eficácia real à dita promessa,
ao que António acedeu. Fez-se, na sequência, o competente
registo (art. 2º/nº1/f) do C.R.Predial).
Ficou igualmente acordado que o preço seria pago em
três prestações trimestrais e que a escritura pública da venda
somente seria celebrada quando esse preço estivesse
integralmente pago.
Por último, ficou também estabelecido que António
deveria entregar o apartamento a Belmiro no momento em que
a 2ª prestação fosse paga, o que efectivamente se verificou.
Entretanto, depois disto, os credores de António
moveram-lhe acção de execução para pagamento de quantia
certa, vindo a ser penhorado nessa acção o referido
apartamento, que já estava em poder de Belmiro. Este
defendeu-se intentando embargos de terceiro.

A propósito de um problema paralelo ao que fica


apresentado, o S.T.J. proferiu o acórdão (de 1996/07/02, proc.
nº195/96, 1ª secção) cujo sumário seguidamente se
transcreve:

I) Direito real é o poder de exigir de todos os outros


indivíduos uma atitude de respeito pelo exercício de
determinados poderes sobre uma coisa.

148
II) A eficácia real atribuída ao contrato-promessa de
compra e venda de imóvel conferiu aos promissários um direito
real de garantia.
III) Como a eficácia real da promessa consta de registo
anterior ao da efectivação da penhora, naturalmente que esta
ofendeu a posse contida naquele direito real conferido aos
promissários.

Tendo presente o conteúdo essencial desta decisão,


pronuncie-se acerca:
a) Da tese nele defendida sobre o conceito de direito
real.

b) Da justeza da qualificação atribuída ao direito do


promitente-comprador que beneficia, nos termos do art. 413º do
C.Civil, da eficácia real da promessa.

c) Da adequação do meio processual utilizado por


Belmiro para se defender.

37.
Carlos é proprietário do prédio urbano x, onde se
encontra construída uma determinada vivenda estilo
pombalino.
Daniel há muito que vem manifestando interesse na sua
compra. Dada a insistência, Carlos aceitou dar preferência a
Daniel se algum dia viesse a vender tal prédio.
Para assegurar a eventual aquisição, Daniel, a conselho
do seu advogado, acordou com Carlos a atribuição de eficácia
real ao pacto de preferência nos termos do art. 421º do C.Civil.
Carlos veio, de facto, a vender o referido prédio a
Eduardo, tendo antes comunicado as condições gerais dessa
venda a Daniel. Acontece, porém, que, tendo Eduardo certa
urgência na efectivação da compra, esta se deu antes de ter
decorrido o prazo que Daniel dispunha para responder.
Entretanto, Eduardo, que se dedica à compra de imóveis
para revenda, vendeu novamente o prédio x a Francisco, o qual
realizou a compra através do recurso a um empréstimo bancário
garantido por uma hipoteca sobre o prédio em causa.

Diga:
a) Se Daniel ainda pode fazer valer a sua preferência.
Porquê?

149
b) Em caso afirmativo, esclareça em que situação ficam,
respectivamente, Eduardo, Francisco e o Banco titular do crédito
hipotecário. Justifique.

c) Supondo que o prédio x estava arrendado a Germano


desde data anterior à da celebração do pacto de preferência e
que Daniel conseguia fazer prevalecer a sua preferência sobre
as alienações posteriores, a quem pertenceriam as rendas
entretanto pagas pelo primeiro?

38.
Maria, por um lado, e Hélder e Isabel, por outro,
celebraram um contrato-promessa de compra e venda do
apartamento y, situado num edifício constituído em propriedade
horizontal. Promitente-vendedora e promitentes-compradores
acordaram que o preço iria ser pago em dez prestações mensais
e que a escritura pública de compra e venda seria celebrada daí
a um ano.
Maria colocou imediatamente o referido apartamento ao
dispor dos promitentes-compradores.
Entretanto, o proprietário de um prédio vizinho que aí
explora uma padaria, provoca tantos ruídos durante a noite que
Hélder e Isabel intentaram contra aquele acção de manutenção
da sua posse nos termos do art. 1278º do C.Civil. O réu
defendeu-se invocando a ilegitimidade dos autores já que, no
seu entender, não são possuidores.

O S.T.J. decidiu recentemente (acórdão de 1996/11/19,


proc. nº362/96, 1ª secção) que:

III) Do pagamento da totalidade do preço, da feitura das


obras de acabamento necessárias, da entrega das chaves e da
simultânea ocupação, para uso normal, ..., e da requisição da
licença da luz e da água, pode, com suficiente segurança,
inferir-se que os ... (promitentes-compradores) ... actuaram
como se já fossem donos do apartamento, com animus
possidendi, praticando tais actos possessórios em nome próprio
e não em nome da promitente-vendedora.

Considerando esta decisão judicial, pronuncie-se acerca:


a) Da justeza da qualificação possessória que aí se
atribui ao promitente-comprador.

b) Da legitimidade de Hélder e Isabel para a acção em


causa.

150
39.
A obteve a condenação de B no pagamento de 100.000
€ a título de indemnização derivada do não cumprimento de um
contrato promessa de compra e venda entre ambos
anteriormente celebrado.
Com base na sentença correspondente, A registou uma
hipoteca sobre o prédio x com inscrição de aquisição de
propriedade a favor de B. O registo de A ficou provisório por
natureza por ter sido lavrado antes de a referida sentença ter
transitado em julgado. Foi convertido em definitivo três meses
depois.
Entretanto, descobriu-se que B já havia vendido a
propriedade sobre o prédio x a C, embora esta transmissão não
tivesse sido ainda registada.

a) Suponha que a venda B-C é posterior ao registo da


hipoteca. Esta prevalecerá?

b) Suponha, inversamente, que a venda B-C é anterior ao


referido registo provisório de hipoteca. Esta
prevalecerá?
40.
No edifício x, constituído em propriedade horizontal, um
dos condóminos, A, utiliza exclusivamente, desde 1988, uma
parte da garagem que dá acesso ao seu lugar de
estacionamento, a qual, dada a respectiva configuração, não
tem utilidade para mais nenhum dos condóminos, dado que
mais nenhum depende do seu uso para aceder ao respectivo
estacionamento. A utilização efectuada por A consiste no
estacionamento, nesse local, de um automóvel de colecção que
raramente sai para ser conduzido.
A referida garagem é composta por diversas boxes
individuais, cada qual materialmente delimitada por paredes
divisórias e portão de acesso.

a) Poderá A tornar-se proprietário exclusivo da referida


parte da garagem?

b) Para proteger o dito automóvel de colecção, A fez


diversas obras de impermeabilização do local para
prevenir qualquer infiltração. Em qualquer caso, poderá
obrigar os restantes condóminos a participar na
despesa realizada?

41.

151
A, B e C são comproprietários de um prédio rústico com
uma área de 5000 m2. A construiu aí, sem oposição de B e de
C, uma vivenda com dois andares e 300 m2 de área.
A pretende agora que, como a dita vivenda vale mais do
que o terreno, este também lhe pertence exclusivamente.

Quid Juris?

42.
A, proprietário do terreno x, construíu aí um edifício com
quatro andares, que dividiu em oito fracções autónomas através
da respectiva constituição em propriedade horizontal. Pela
escritura pública correspondente, A reservou a possibilidade de
construir mais dois andares sobre aqueles quatro.
As oito fracções foram entretanto vendidas.
Do registo predial de constituição da propriedade
horizontal não constava qualquer referência àquela
possibilidade conferida a A pelo título correspectivo.
A pretende agora acrescentar os referidos dois andares.

Poderá?

43.
A, B e C são comproprietários de uma casa de habitação
adquirida por sucessão a seus pais em 1981. Somente A é que a
utiliza, pois os restantes têm habitação própria. Por isso, nem
sequer se opuseram quando A realizou diversas obras de
beneficiação, procedendo inclusivamente à redivisão interna da
referida casa.

a) Poderá A tornar-se agora, por causa da utilização que


vem efectuando, proprietário exclusivo da dita casa?

b) Em qualquer caso, poderá A obrigar B e C a participar


nas despesas relativas às obras que realizou?

44.
A, proprietário do prédio rústico x, autorizou B,
proprietário de uma vivenda vizinha, a abrir uma varanda, que
deitando directamente para o terreno de A, irá ficar a uma
distância de 90 cm. da linha divisória entre os dois prédios.
A reservou, no entanto, o direito de a todo o tempo erguer
um muro encostado à linha divisória.

152
a) Poderá estar constituído algum direito real a favor de
B?

b) Aquela reserva estabelecida a favor de A poderá


igualmente configurar um direito real?

45.
A vendeu a B um terreno para este aí construir uma
fábrica. Tal venda continha uma cláusula segundo a qual se B
desse ao terreno uma utilização diferente daquela para a qual
essa venda foi realizada ou se, por qualquer título, alienasse dito
terreno a terceiro, o negócio ficaria sem efeito, devendo o
terreno em causa ser devolvido a A.

Esta cláusula seria admissível? Quais as eventuais


consequências da sua eventual
admissibilidade/inadmissibilidade se B, entretanto, por hipótese,
vendesse o referido terreno a C?

46.
A e B são comproprietários de uma fracção autónoma de
um edifício constituído em propriedade horizontal. O primeiro
intentou acção de divisão de coisa comum contra o segundo,
tendo o tribunal decretado que a fracção fosse dividida em duas
partes: esquerdo e direito, para A e B, respectivamente.
O Conservador do registo predial recusou abrir duas
descrições – uma, para o lado esquerdo; outra, para o lado
direito – por entender que não lhe haviam sido apresentados os
documentos necessários para o efeito.
Depois disto e ainda assim, A vendeu o lado esquerdo a C.
Este inscreveu a aquisição, mas, evidentemente, em relação à
descrição predial correspondente à totalidade do andar, dado
que, registalmente, na opinião do Conservador, existia apenas
um andar constituído em fracção.

a) C será proprietário de quê?

b) Na perspectiva do Conservador, que documento teria


faltado?

47.

153
A, proprietário do terreno agrícola x, não descrito na
Conservatória do registo predial competente, prometeu vendê-lo
a B, por 150.000 Euros, (já pagos), através de documento
escrito assinado por ambos, datado de 1/1/1987.
Entretanto, em 1/1/1998, B por escritura pública, vendeu o
mesmo terreno a C. Este construiu aí uma pequena instalação
fabril. Sucede A e B acabaram por se desentender, e a escritura
de compra e venda entre ambos nunca chegou a ser outorgada.
A pretende, por isso, obter a restituição do terreno.
C pretende ficar com o terreno, dado que já desde
1/1/1999 que começou a laborar. Caso tal não seja possível,
pretende, pelo menos, ser ressarcido pelos prejuízos daí
decorrentes.
B pretende a devolução integral dos 150.000 Euros e
isentar-se de qualquer responsabilidade.
Como é que se poderá resolver esta situação?

154

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