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Edgard Carone* R, Adm. Emp,, Rio de Janeiro, Coronelismo: DefinigGo Histérica e Bibliografia “0 vocdbulo coronelismo, intro- duzido desde muito em nossa lingua com acepgao particular. de que resultou ser registrado como brasileirismo nos léxicos aparecidos do lado de c4 do Alantico, deve incontestavel- mente a’ remota origem do seu sentido translato aos auténticos ou falsos coronéis da extinta Guarda Nacional. Com efeito, além dos que realmente ecupavam nela tal pésto, 0 tratamento de coronel comegou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer chefe politico, a todo e qualquer Potentado;” ... “a Guarda, Na- ional nasceu 2 18 de agisto de 1831, tendo tido o Padre Diogo Anténio Feljé por pai espiritual... durante quase um século, em cada um dos niossos municipios existia um regimento da Guarda Nacional, © pésto de coronel era geral- mento concedido ao chefe po- Iitico da comuna... Eram, de ordinério, os mais opulentos fazendeiros ou os comerciantes e industriais mais abastados, 0s que exerciam, em cada municipio, 0 comando — em — chefe da Guarda Nacional”? 1108) 88-92, A explicacao de Basilio de Magalhaes pretende sémente de- finir © conceito de coronelismo, sem estudar a sua problemética e origens. No entanto, a razao primeira do coronelismo & 0 fator geo- grafico, que vai estar intrinse- camente ligado a formacao das grandes propriedades. A’ forma- ao complexa e individualista da nossa expansao territorial se faz através de nucleos isolados. Portuguéses nobres, comercian- tes ricos e militares a servico da Coroa, etc., recebem sesma- rias, formando os primeiros nu- cleos independentes e iniciando, or raz0es varias, um processo que prossegue no Império e Re- pdblica. Enquanto os latifindios se estendem, praticamente ndo existe a agao do Estado; auséncia do poder piiblico facilita a presenca do poder + Profersor do Departamento de Ciancas Sel” aia ae Gatullo Vorgas. “s sllagnnss, Bali dn, Laat Vitor regime represent Sra ‘Simnerca fol fon © pedido do" auier do lure jul /set, 1971 privado, que se arroga no direito de todos os atributos gas! ‘A formagao dispersa torna © problema do mandonismo um processo nacional. Desde a Colénia os grandes proprietérios de terra vem dominando de fato, e tor- nando-se os homens bons (ricos), que compéem as cama- ras municipais. Os bai coronéis representam simples continuidade do sistema anterior, havendo, no entanto, maior amplitude de represen- tagao legal. € que a partir da Independéncia e, principalmen- te, do federalismo da Primeira Repiblica, acentuam-se os predominios locais, uma vez que so 0s representantes das oligarquias latifundiarias que A partir do Império, 0 mando- niismo local é denominado intamente de coronelismo (maior parte do Brasil), caudi Ihismo (Rio Grande do Sul), chefismo (vale do Sao Francis- co), etc. A regionalizacao de nomes mostra a expansao € tunidade do problema, que se traduz também em fatores extrinsecos comuns. Como diz um publicista uruguaio, “caudi- tho quer dizer forca prépria, autoridade prépria e, portanto, autonomia.”? As caracteristicas exteriores nascem de uma situagao objeti va inicial — a posse dos meios de producao, que € a terra. E ‘0 seu dominio liga-se & existén- cia do cla familiar: 0 chefe, © patriarca, o coronel, & aquéle que domina a estrutura fa € que Ihe consegue transmitir “tranquilidade, seguranca, vigi- Hancia, ¢ ritmo dos dias serenos ‘numa’ populacéo que parecia constituir a familia comum, com parentes turbulentos, brigdes, arrebatados, mas, 20 final, acomodados, submissos, ajustados & doce seqiiéncia da vida triste feliz."* A dependéncia familiar ajun- ta-se a dependéncia dos agrega- dos: escravos, ex-escravos, trabalhadores de eito assalaria- dos, todos necessitam do trabalho, alimentagao e protecao do senhor. E a forma de autoridade é tao larga que se estende também para os do- minios préximos do pequeno comércio e dos profissionais liberais que circulam na zona, pois, a presso pessoal ou politica permite o dominio sObre todos. Naturalmente, a ago sobre os agregados mais forte do que com 0s outros. Com os primeiros, existe troca de favores: “para &le (0 coronel), favor & dar um dia de servico quando ‘© pobre est passando fome; & nao deixar que va préso quando se embriaga e tenta subverter 2 ordem publica; é dar a roupa e 0 calcado para votar; 6 dar © remédio € 0 médico quando 0 pobre esté doente; & afiangé-lo fra loja do comerciante para comprar a roupa; & dar-the terra e fornecer dinheiro para plantar e limpar 0 rogado. Em froca désses favores exige, na- turalmente, outros favores. que leve e traga os recados. Exige que vé a feira comprar e trazer as mercadorias. Exige respeito e acatamento as suas ordens. Exige que agoite ou mate o adversério quando Ihe ofende. Exige que ote agua e lenha em casa. Exige, finalmente, 0 voto. O voto que & o instrumento poderoso com que o chefe man- tém 0 seu prestigio, o seu dominio, a sua posigao de lider. ‘Sem isso estaria terminado 0 seu ciclo, a sua gestdo, 0 seu feudo.”* Sendo 0 poder do coronel local, & grande 0 seu contrdle sobre empregos piblicos; e, também, na nomeacao ou demisséo das autoridades; como no aumento ou baixa de impostos, segundo a sua conveniéncia ou inconveniéncia, quando ‘quer servir amigos ou prejudicar outros. Os casos se repetem de uma maneira moné- tona e, um exemplo, a0 acaso, 6 0 acérdo de paz entre os coronéis do interior da Bahia e o representante do go- vérno federal, em 1920: um. Horécio de Matos ou Anfiléfi Castelo Branco sublinham o di- reito que possuem sobre a sua zona de influéncia, incluin- do num dos itens do acérdo que, “seja quem for o gover- nador da Bahia, teré que entre- far, sob 0 patrocinio do comando da regiao militar désse estado, a diregao polltico-admi- nistrativa dos municipios de Remanso, Casa Nova e Xique Xique aos revolucionérios, seus atuais ccupantes e drigen- es... Dominio significa privilégio € poder tinico. Num regime onde as oportunidades de vida sao limitadas e a liberdade de trabalho restrita, torna-se {fécil, a0 coronel, obter um controle rigido sobre tédas as opgdes locais. Daf, todos quererem ser situacionistas, isto 6, partidérios do poder local e beneficiérios da situagao. No entanto, a oposigao existe, ‘quando nao pode ser situacao ‘ou subsistem motivos de desa- vengas pessoais e familiares. Situagdo e oposi¢ao sao po- sig6es que se refletem em. nuancas diferentes em cada um dos estados: as divergéncias vao do assassinato ao ostracismo pessoal, ou politico. 0 coronel Joao Duque, chefe ‘de Carinhanha (vale do S80 Fran- cisco, Bahia), dizia sorrindo, quando alguém the perguntava se mandava matar os adversé- rigs: “meu filho, em politica nndo ha assassinatos: ha re mogao de obstéculos”.* Por sua vez, um Hordcio de Matos revida, atacando os seus de- safetos, com um exército coro- nelistico; e Toté Paes cerca 4 alge Alara, Zum in, Moraes, Cao ie tba ‘pila, M; Rogrigues de. Pataras @ sly Cargnt Enc Aimar Rape, * Lins, Wilson, © mésio S80 Francisco, bn Revista de Administracdo de Emprésas ¢ ataca Cuiabé; e um Fernando Prestes I-vanta suas tropas para atacar os revolucionérios tenentistas que ocupam a cidade d- S40 Paulo; e Pinheiro Machado combate os fe- deralista, com tropas levantadas por le. Sendo, & Horécio de Matos que consegue o be- nneplécito do govérno federal para que f6rse retirado de Campestre “o coronel Fabricio € seus amigos, com a prolbigao de ali voltarem”.* No entanto, poder local também ¢ tradugao de be- neplacito e favores conseguidos junto & politica dominante do estado. € verdade que o federalismo republicano dé ao estado, e éste, por sua vez, a0 municipio, uma série de regalias politicas e financeiras. A interdependéncia entre ambos 6 fundamental. Mas, os favores, que recebe do estado, os empregos publicos estaduais que distribui, as verbas extras que consegue e a neutralizacéo ou. beneplacito das autoridades policiais so os beneficios de uma politica comum entre © coronel € a autoridade maior. O elo de ligago entre ambos é 0 voto. A subordinagao quase total ‘a0 coronel significa, pragmati mente, apoio a todas as suas vontades. E 0 voto é uma das expressdes déste acata- mento. Numa visita eleitoral a0 interior do Rio Grande do Norte, Ferreira Chaves, candidato ao govérno estadual, ouviu do coronel José Bezerra, o seguinte: “vim aqui a chamado do meu irmao Silvino Bezerra, que € meu irmao mais velho, e que o considero como meu chefe politico... Amanha, © senhor passaré em Currais Novos, municfpio de que sou representante; ali néo havera foguete, banquete, fala- 40 e € provavel que nao the apareca ninguém com intuito de manifestacao; vai o senhor se hospedar na casa de meu sobrinho Sérvulo Pires, porque o senhor anda aqui atrés de voto e nao de manifestagdes politicas; tenhio no meu sulset, municipio 0 que outro, no esta- do, provavelmente nao tenha: £800 eleitores que tenho em Currais Novos sao seus de porteira batida e mais nos municipios vizinhos que ouvirem minha orientagéo politica.” 0 dominio famitiar ¢ publico 6, assim, a caracteristica do fenémeno do coronelismo. E éle persiste e se transforma a medida que o poder do estado aumenta e entra em conflito ‘com algumas destas prerrogati- vas particularistas. A limitagao progressiva da autonomia municipal, a nomeagao de delegados de carreira, 0 aumento populacional das cidades e, depois de 1930, as formas centralizadas de go- vérno, etc, fazem com que as formas classicas de dominio se diluam cada vez mai metamorfoseando-se em’ novas atitudes. O que se d4 é mudan- ‘9a, ndo extingo de um fe- némeno. Como sintese do momento ‘m&ximo do coronelismo, reproduzimos as palavras de M. Rodrigues de Melo, que retrata com grande preciso e romantismo 0 tipo cléssico deste coronel que desapareceu e marcou grande parte da vida social e politica brasileira: “recordo-me de como ouvi, pela primeira vez, na minha me~ ninice, falar’ désse grande seri- doense (Seridé, Rio Grande do Norte). O seu nome soava como uma nota de clarim, vi- brando nas quebradas das serras e dos vales, como defen- sor da honra alheia, dos limites da propriedade privada, da méca ofendida, do pobre ‘que apelava para a sua protecéo, inimigo da prepoténcia, defen- sor dos hébitos costumes do seu povo, transformados por uma sedimentagao de varios ‘séculos em norma de vida ou cédigo de lei. No seu municipio predominou por muito tempo 0 regime do Estado sou eu. O municipio era éle. A lei era ale. O juiz, 0 delegado, o padre, era éle. Tudo isso, € légico, dentro do decbro, da prudéncia, da polidez, da cordura que 0 seu nome de homem superior, inteligente, experimentado, abrangia, sem dizer que estava mandan- do, A sua sombra, reflexo supe- rabundante de sua personali- dade de escol, ampliava-se por por téda a vasta regio do Seridé. Basta dizer que durante a sua vida, nunca o municipio de Currais Novos foi policiado por forca do govérno. Os seus homens-de-confianga eram os guardides de seguranca da cidade, do ‘municipio, da redon- deza. Vem dai, em grande parte, © seu prestigio, a sua forca moral, perante 0 povo bom, hhonesto, e simples do sertéo. Antes de sua morte, Currais Novos era uma espécie de paraiso. As familias viviam tunidas confraternizadas na dor, no sofrimento, na alegria, em t8mo do seu chefe.”* © que vem a seguir é uma pe- quena bibliografia critica sobre 0 coronelismo. *° Poucos livros foram escritos, até agora, sobre o problema especifico do coronelismo, #* a maior parte déles abordando o tema de maneira esporédica. Um dos nicos que trata diretamente do assunto, o de Victor Nunes Leal, 6, infelizmente, mais um es- tudo juridico do que histérico-so- ciolégico. € na literatura menor, muitas vézes elogiosa, que vamos encontrar dados mais ricos e vividos. O melhor exemplo ¢ 0 trabalho de Américo Chagas sobre Horacio de Matos: apesar de seus sendes uma fonte inestimavel de dados. O exemplo se repete na maior parte desta literatura menor, que se encontra editada por todo o Brasil, mas que é grandemente Inacessivel. Ta Garann Eden idem, 0 8, vor ties ‘teal octane cap. 80 Melo, M. Rodgues 4 Melo, M. Rodrigues de. tbidem. p. $23, Se ARIST te so otomete pre, ig, oem sa, lt Bee erect Slater “igadoe 00:'momenta’estudado. ot

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