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11ª aula

Sumário:
Fluxo de um vector. Lei de Gauss

Fluxo de um vector

A lei de Gauss − que abordaremos nesta aula − é muito útil na análise de


problemas de electrostática, sobretudo quando existem simetrias. Esta lei relaciona o
fluxo do campo eléctrico através de uma superfície fechada com as cargas encerradas
no seu interior. Mas antes de enunciar esta importante lei vamos fazer uma revisão do
conceito de fluxo de um vector, ou melhor, de fluxo de um campo vectorial. O conceito
foi já introduzido quando estudámos fluidos na disciplina de Física Geral I / Elementos
de Física, a propósito do escoamento de um líquido (aula nº 24). O fluxo da velocidade
através de uma secção de um tubo foi designado por caudal volumétrico.
O conceito de fluxo do campo eléctrico é essencial para a formulação da lei de
Gauss. Porém, antes de considerarmos campos eléctricos, analisemos a seguinte
situação. Imaginemos um chão plano e impermeável onde existe um furo de onde brota
água (“fonte” F na Fig. 1.1). Para simplificar os raciocínios consideremos que a água sai
a uma taxa constante.

L1 L3
F

L2

Figura 11.1

A linha fechada1 L1, representada na Fig. 1.1, é atravessada por uma certa quantidade de
água num certo intervalo de tempo. Também a linha fechada L2 é atravessada pela
mesma quantidade de água no mesmo intervalo de tempo pois tanto L1 como L2
encerram a mesma fonte F. Contudo, através da linha fechada L3 o fluxo é nulo: a
quantidade de água que atravessa a linha, entrando, é igual à quantidade de água que
atravessa a linha, saindo. Dizemos que dentro de L3 não há fontes nem sumidouros.
A situação descrita passa-se a duas dimensões. Ora, de uma maneira geral, ou
seja, em três dimensões, falamos de fluxo de um vector através de uma superfície (e não
através de uma linha como em duas dimensões).
O fluxo mede o número de linhas de campo que atravessam uma superfície num
determinado sentido. Na situação que se mostra da Fig. 11.2 o campo E − campo
eléctrico, por exemplo − é perpendicular à superfície plana de área A. O versor n̂
aponta “para cá” e o fluxo do campo E através da superfície de área A é

Φ = EA . (11.1)

1
Linha e não superfície, pois o problema é a duas dimensões.

1

Figura 11.2

Notemos que este é o fluxo através da superfície no sentido de n̂ . O fluxo no sentido


oposto, ou seja o fluxo de E que atravessa a superfície “para lá” é o simétrico de (11.1):
−EA.
Se o campo E fosse tangente à superfície nenhuma linha de campo atravessaria
a superfície e o fluxo seria nulo: Φ = 0 .
A situação intermédia, em que o campo (sempre considerado uniforme) é
“inclinado” relativamente à superfície (sempre considerada plana), está representada na
Fig. 11.3.

E

θ n̂
E θ
E

Figura 11.3

Neste caso o fluxo é determinado pela componente das linhas do campo na direcção
perpendicular à superfície, pelo que

Φ = E A cos θ (11.2)

2
ou ainda

Φ = E ⋅ n̂ A . (11.3)

Suponhamos agora que nem o campo é uniforme (varia de ponto para ponto)
nem a superfície é plana. Abordamos esta nova situação baseando-nos no que acabámos
de ver. Para tanto, dividimos a superfície de área total A em superfícies infinitesimais de
área dA e, tomamos a componente do campo E segundo a normal a cada uma dessas
superfícies elementares. Continuando a designar por n̂ o versor perpendicular à
superfície elementar, o fluxo elementar escreve-se

dΦ = E ⋅ n̂ dA . (11.4)

Na Fig. 11.4 mostram-se duas das superfícies elementares em que a superfície de área A
foi subdividida.

E1 E2
n̂ 2

n̂ 1 dA2
dA1

Figura 11.4

O fluxo total é a soma de todos os fluxos elementares através das superfícies


elementares em que a superfície de área A foi subdividida. Temos então

Φ= E ⋅ n̂ dA . (11.5)
A

Este integral é “de superfície”. Por vezes representa-se o vector infinitesimal n̂ dA


simplesmente por dA , i.e. n̂ dA = dA , sendo claro o significado de dA : é um “elemento
de superfície orientado”, ou seja, é o produto do vector unitário perpendicular à
superfície elementar pela área desta. O integral

Φ = E ⋅ dA (11.6)
A

é uma medida do número de linhas do campo E que atravessam a superfície de área A.

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Lei de Gauss

Consideremos uma carga Q > 0 e o fluxo do campo eléctrico, criado por esta
carga, através de uma superfície fechada que não inclui a carga no seu interior, tal como
se mostra na Fig. 11.5 (o esquema do lado esquerdo mostra a situação em 3D; o lado
direito é uma representação em duas dimensões).

Q
S2

S1

Q S1
S2

Figura 11.5

Uma linha de campo que entre na superfície fechada terá necessariamente de sair, não
desaparece lá dentro! Isto acontece porque não há cargas negativas (nem positivas) no
interior da superfície fechada. Quando uma linha de campo entra, o fluxo é negativo
pois consideramos sempre, para qualquer elemento infinitesimal de superfície, o versor
n̂ a apontar para fora. Ao contrário, quando a linha de campo sai, o fluxo é positivo.
Como há tantas linhas de campo a entrar como a sair o fluxo líquido é nulo. Podemos
afirmar que o fluxo do campo eléctrico através de qualquer superfície fechada que não
contenha cargas eléctricas é nulo.
No entanto, se houver uma carga Q dentro da superfície fechada, vai haver
fluxo, sendo este independente da forma dessa superfície. Por ser mais simples, vamos
calcular o fluxo do campo eléctrico através de uma superfície esférica de raio R centrada
na origem, que dignamos por S, sendo certo que este fluxo igual ao que fluxo através de
uma qualquer superfície desde que contenha a carga Q no seu interior.
O campo eléctrico produzido pela carga Q a uma distância R é dado por

Q
E=K rˆ . (11.7)
r2

O versor normal à superfície esférica S é precisamente r̂ , pelo que dA = dA rˆ . Logo,

Q
E ⋅ dA = K dA (11.8)
r2

e o fluxo (11.6) vem

Q
Φ= E ⋅ dA = K dA (11.9)
S R2 S

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(sobre a esfera a distância R é constante − é o raio da esfera − e pode passar para fora do
integral). O símbolo significa que o integral é sobre uma superfície fechada. Ora, o
integral no lado direito de (11.9) é simplesmente a área da superfície esférica, ou seja2
dA = 4πR 2 pelo que o fluxo do campo eléctrico vem
S

Q
Φ= E ⋅ dA = K 2
4πR 2 = 4πKQ . (11.10)
S R

O facto de não haver dependência em R tem a ver com o facto de o fluxo que
calculámos ser independente do tamanho e da forma da superfície que envolve a carga.
Recordamos da 7ª aula que a constante K se relaciona com a permitividade do
vazio através de

1
K= (11.11)
4πε 0

o que permite escrever

Q
Φ= (11.12)
ε0

ou, mais explicitamente,

Q
E ⋅ dA = , (11.13)
S ε0

sendo Q a carga total (soma algébrica das cargas) contida em S. Esta expressão − lei de
Gauss − pode ser vista como uma lei fundamental da electrostática. Trata-se de um
resultado obtido a partir da lei de Coulomb mas a que podemos agora dar a dignidade de
lei.
Nesta perspectiva podemos perguntar qual é o campo eléctrico criado por uma
carga pontual? A pergunta pode não parecer pertinente já que foi o conhecimento deste
campo que nos permitiu chegar à lei de Gauss (11.13). Contudo, o exercício proposto
permite ilustrar as vantagens da expressão anterior, a qual se pode aplicar a situações
completamente gerais. Na próxima aula veremos alguns exemplos.
Suponhamos então que não é a lei de Coulomb que conhecemos mas sim a lei de
Gauss (11.13). Vamos admitir uma forma genérica para o campo criado por uma carga
pontual. Por razões de simetria o campo deve ser da forma E (r ) = E (r ) rˆ . Esta é uma
hipótese “razoável” e vem a propósito dizer que a formulação de uma hipótese para a
orientação do campo eléctrico é crucial para se aplicar na prática a lei de Gauss.
Considere-se então uma carga Q e uma esfera de raio r centrada nessa carga (superfície

b
2
Lembremos que o integral da função f = 1 se reduz ao domínio de integração, e.g. dx = b − a.
a

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de Gauss S1 na Fig. 11.6). Só haverá vantagem na aplicação da lei de Gauss se puder ser
escolhida uma superfície através da qual o fluxo do campo eléctrico (para o qual se tem
de pressupor uma determinada dependência espacial, incluindo a sua orientação) seja
fácil de obter. É este o caso presente, sendo o fluxo do campo eléctrico que sai através
de uma superfície esférica centrada na carga dado por

E ⋅ dA = E (r ) 4π r 2 . (11.14)
S

S1

S2

Figura 11.6

Por outro lado, o fluxo (11.14) é igual a Q / ε 0 , como nos diz a lei de Gauss, o que
permite escrever

Q
E (r ) 4 π r 2 = (11.15)
ε0

e concluir, finalmente, que o campo eléctrico criado por uma carga Q à distância r é

1 Q
E= r̂ . (11.16)
4πε 0 r 2

Usando a lei de Gauss pudemos chegar a este resultado bem nosso conhecido. Este
exercício fez-se para mostrar a sua utilidade e modo de aplicação. Insistimos que a lei
expressa por (11.13) é geral, embora só tenha utilidade prática se a distribuições de
carga tiverem algum tipo de simetria que nos permita levar à escolha de uma superfície
de Gauss através da qual seja fácil calcular o fluxo do campo eléctrico.
Diga-se ainda que a lei de Gauss se aplica a qualquer campo vectorial com
origem em fontes: o fluxo desse campo através de uma superfície fechada é
proporcional às fontes do campo que essa superfície encerra. Um exemplo semelhante
ao campo eléctrico envolve o campo gravítico: o fluxo do campo gravítico através de
uma superfície fechada é proporcional à massa total contida nessa superfície.

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