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ASOCIEDADE SALARIAL do salério indireto, “o que conta é cada vex menos 0 que cada tum possui , cada vez mais, os direitos que sio conquistados ata grupo a que pertence. O ter tem menos importancia {que o'status coletivo definido por um conjunto de regras”™”. A generalizagio do seguro submete assim a quase-total dade dos membros da sociedade a0 regime da propriedade de transferéncia. E 0 iiltimo episédio da contra-danca entre 0 patriménio eo trabalho. Uma parte do salério (do valor da forga de trabalho) escapa, de agora em diante, is lutuages da economia e representa uma espécie de propriedade para a sequridade, nascida do trabalho e disponivel para sitaagdes de fora do trabalho, a doenea, o acidente, a velhice. O Estado é colocado, em vista disso, no coragio do dispositivo salarial. Assim, se imp6s como a terceira instancia que desem- penha 0 papel de mediador entre os interesses dos emprega~ dores ¢ os dos empregados: “as relagées diretas entre ‘empregadores e assalariados foram substituidas progressiva- mente por relagées triangulares entre empregadores, assala~ riados e instituig6es sociais™"®. 2, Essa concepgio de Estado que subentende a protecio social é complementar ao papel de ator econdmrico, assumido pelo poder piiblico © que se desenvolve igualmente, apés a Segunda Guerra Mundial, Mas enquanto a Seguridade Social leva a cabo um processo de generalizacio da propriedade so- cial, engajado desde o fim do século XIX, a intervengio do 11.1 Dupeyoun, Dro del scare sociale, Pais, Dallon, 1980, Lembrmoe geo Fad desemperna ewe papel singe sto do stma, que dy como ee sabe, de nado parti bo prova ‘ro fucionamento do Estade soil ao eceseannte soca 30 a pesadaburcraiaexatal: Meso o ado frances embargo item ranets de Sera Sia sega icomparsel Revel omit Sven inasdescenalzadan que ositema Ingles por explo, D..Ashfond, British Dogation and French Pragati, tances, George Alen al Un- wn, 198). sesdabramento de Talveo no soja in 485 AS METAMREOSES NA QUESTAO SOCIAL Estado como regulador da economia surge como uma inova- sao! ‘No quadro da reconstrugSo primeiro, no da modernizacio ‘em seguid, o Estado assume a responsabilidade pela promo- io da sociedade. Impée uma politica voluntarista para defini (05 grandes equilfbrios ¢ escolher os dominios privilegiados de investimento ¢, simultaneamente, para manter 0 consumo através de politicas de reconstrugio da economia, No inicio dos anos 1950, 0 investimento do Estado nas indiistrias de base é superior ao do setor privado'®, Esta economia dirigida confere um papel piloto is empresas nacionalizadas e a0 setor ‘Bampliada com intervengbes no crédito, nos precos, © Bando gonava de poder de sgulamentaoimprenionan- tes; entre outros setores, o investimento, o crédito, os presos, 18 Nao que > Exado “liberal” se toa probide de desenvolver pola «ue eontrarem abertamente o jogo espontineo da economia, como 0 pro liberado, praticado por Guiot ou pot Thiers o ext si fo 3 agrcultura em detrimento da indisria ou, anda, a Guetra Mundial,amobllizasiodoessencialda produgio 8 servigo da defess nacional (eB Rosanvallon, LEtat en France de 1789 @ nosh op it) Aas drat perio de uta deshe sata das dietriesf a5 das guertas, as primeira concepgées de plane es aparecem, na esfra do sei dos pela instauragio de um Estado auto cial programa de nacionalizagoes, mas 30 ser realizado. A inca iniiativa de its 0 que pramavetdo go verno da Frerte Popular de Léon Blum, ele pepe host is nacionalzagbes, seat dum Minti do opp uma ets nin sme et "Etat en >. ca, € A. Bergoutious, "Le snisme adi vez/1973; Jacques Amoyal, "Les origins socialisesesyndiclistes do lanificarieaen France" Le mouvement social n° 87, abel de 19745 sobre o cresciento quantitativo das investimentos da Extad, cf. R. Dslor- ASOCIEDADE SALARIAL 6s salérios cafam mais ou menos sob seu controle. Podia, por exemplo, intervir nos salris,fixando, de um lado, um mimo sgeral, ¢ de outro, a escala de remuneragio na funcio pilica. (Os novos servigos de estatstcas ou de previsio revelavam-se cextremamente itis, simbolizando a atitude de um posto, agora, a prever o fururo para melhor organiz Implantamse, assim, os instramentos de uma socializacéo das condigées da produgio. Com a aplicacio dos principios kkeynesianos, a economia néo é mais concebida como ums ¢s- fera separada, E malesvel 3 custa de intervengées ~ sobre os pregos, salitios, investimentos, subsidios a alguns setores ete. © Estado dirige a economia. Constr6i uma correspondéncia entre objetivos econdmicos, objetivos politicas e objetivos so- ciais. Circularidade de uma regulagio que pesa sobre 0 eco- ‘ndmico para promover o social que faz do social o meio de tirar de apuros a economia quando esta se abate. Como diz Clauss Offe, a autoridade do Estado ests “'mergulhada” na economia pela gestao da demanda global, a0 passo que as coer- bes do mercado estio “introduzidas” no Estado". As pre- tensas leis da economia nfo sio mais vvidas como um destin. Por suas politicas de novo langamento, o papel que desempe- nha para garantiros satios, as escolhasindustriais que efetua, © Estado intervém no s6 como produtor de bens, mas tam” c-ia dizer, como produtor de consumidores, isto ‘Mas € principalmente o desenvolvimento da propriedade social que deve chamar a atengio quanto ao prop6sito presen= te, Trata-se primeiro das nacionalizagées, a respeito das quais Henri de Man jé observava que procediam a uma transferéncia de autoridade sobre a propriedade (cf. capftulo VD}; mas tam- bém do desenvolvimento dos servigos piblicos e dos equipa- id. 417. CEJ Donzelot, Linvention du social, op ity p. 170 sq. “SC. Offe, Contradiction ofthe Welfare State, Londres, Hutchinson, 1986, p.182-183,etambémA. Linosses,Crse des syoemes asrantiele aun tate Unis, en Grande-Bretagne et en France, op. ct. 487 [AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL. mentos coletivos, a respeito dos quais se péde dizer, a partir do IV Plano de 1962 (0 primeiro a se chamar “Plano de De- senvolvimento Econdmico e Social”), que representavam a ‘maneira como se encarnava o social’ ~ quer se tratasse de cstabelecimentos especiais em favor de eategorias desfavore- cidas da populagio ou de servigos piblicos para uso coletivo. Pitre Massé leva em conta a influéncia, na época, de criticas (formuladas, entre outros, por Jacques Delors) do modelo “american” de desenvolvimento econémico, centrado sobre ‘consumo individual, Portadores “de uma idéia menos parcial do homem”, os equipamentos coletivos colocam a disposigio de todos uma propricdade indivisa™. Para citar um verso de Victor Hugo, “cada um tem dela sua parte, mas todos a tém por inteiro”", Os servigos piblicos aumentam assim propriedade socal Representam um tipo de bens que nao so apropriiveis indi- vidualmente, nem comercializAveis, mas servem ao bem co- ‘mum, Fora da légica do patriménio e do reino da mercadoria, privada, pertencem ao mesmo registro da propriedade de transferéncia que a Seguridade Social amplia a0 mesmo tempo. Paralelismo entre a consolidacao de uma propriedade-prote- 620 ¢ 0 desenvolvimento de uma propriedade de uso piiblico. Pode-se hesitar em nomear essa forma de governabilidade. Richard Kuisel, sensfvel a0 recuo dessas posiges quanto 3s ‘opgbes socializantes evidenciadas na época da Libertagio, fala, de “neo-liberalismo”"™, Mas trata-se, entio, de uma forma de liberalismo em quase-ruptura com as politicas liberais peece- “6 F Fourquet, N. Murard, Valeur des services colletif soci, oct p. 04 Pierre Mass, citado it F. Fourquet, Les comptes dela puissance, Pats, 1980, tao nF. Pourquet,N. Murad, Vales des services collects soca, op, '56..imagem, no poema de Hug, € do farol que lang hz para todos ‘os avegantes, que serve 3 todo munde, mas do qual ninguém se propria, ™*R. Kulsl, Le capitalism et Etat en Fance, op. ct. Além das poses ‘Mens France, Andeé Philipp, por excmplo, defends ums opsi0 spago aos sindicatos na definigio e controle dat ASOCIEDADE SKLARIAL lismo social” sub inc osesforgos para is fortes", Pode-se bem caracterizada por Clau cional e heterogéneo de insttuigbes p ‘gem da economia, dé-se énfase aos processos de soci que transformam os parimetros em intezagéo na prom do crescimento. Também aqui o Estado esté no cerne da di mica do desenvolvimento da sociedade salarial 3. O papel regulador do Estado atua registro, o das relagdes entre os “parceiros sociais” 640 & contemporanea da emergéncia das primeiras de intervencio do Estado social", mas suas r ‘muito limitadas durante um bom tempo e, ainda no anos 70, tem bastante dificuldade para se impor. Tea de negociar sobre uma base contratual, com a iniciativa ow a atbitragem do Estado, os interesses divergentes dos emprega~ dores ¢ dos assalariados. Se a historia das relagées de trabalho 2 “economia combinada” apoiou-e, de fato, nas trandes concentragbes industri nos setoresmalsdinamieosdo eaptalismo nas grandes empresas naciomalads. stiaux, Le powwoir dt social, op. cit. Tabén en- contea nesta obra um ce ara prolong ou paca tea socialist, as realzagdes do apgeguerrs. KFS © AAS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL & freqlientemente, a hist6ria das resisténcias ao reconheci- mento da negociagio como um modo de gestéo dos confli- tos! destacam-se aqui duas medidas cujo impacto foi consideravel para a consol fegos ¢ sobre a progressio do crescimento. Em telagio 3 hist6ria da condigio de assalariado, essas medidas G0 essenciis, porque definem e do um estatuto legals condicGes rinimas de acesso & condigdo salarial. Um assalariado nao € somente um trabalhador qualquer que recebe uma cera remu- neragio por um trabalho. Com o $MIG, o trabalhador “entra em condigao salarial”, como se poderia dizer, isto 6, e insere ‘no continuum de posigdes compariveis e constitui, como se viu, a estrutura de base dessa condigéo. O trabalhador entra ‘numa I6gica de integracao diferencial que, na sua versio SMI € indexada até mesmo sobre a progressio global da produti dade, E menos um minimum vital do que uma garanta de par ticipagio no desenvolvimento econémico social. Temse af 0 primeiro grau do pertencimento a um status de assalatiado, gra- §28 a0 qual o salério no é mais s6 um modo de retribuigéo ‘econdmica, © pagameneto mensal do saléro representa um outro pon- to forte da consolidasio da condigio salaral para os que estao na base da escala dos empregos. Pauta, como jé se disse, 0 estatuto da maioria dos operarios sobre o dos empregados, € facto derevindicagées iemecompronisios mais do que em mutangas glob. 490 ASOCIEDADE SALARAL desempenhado pelo Estado no desenvo E proposta pelo governo, ede atégias patronais para agens no seio dos operirios”’. No entanto, 0s acordos de pagamento mensal, negociados setor por setor a partir de maio de 1970, impéem-se de modo répido. Inde- pendentemente de eventuaissegundas intengies eleitorais- 0 éandidato Pompidou inh introduido o pagamento mensl em seu programa para a Presidéncia ~, tem-se af um incon- eee ‘compromisso social entre grupos antagénicos'™, ‘Acssas disposigSes que dizem respeito & estrutura profis- sional e a0 direito do trabalho, £ preciso associar os esforgos tentados para repartr os frutos da expansio. A diretrz. do 196: a progressio das grandes massas de renda, sl vengdes sociais ¢ outras rendas individuais para favorecer um amplo acesso de todos ao fruto da expansio, a0 mesmo tempo que para reduzir as desigualdades”"”., Situa’se nesse quadro a tentativa de desenvolver uma ica de rendas", langada ‘sscordos Sobrea mensalizago, uma} ‘acordo contestual torn ounelle permanente consitue une ‘Cédigo do Trabalho) AS METAMORFOSES NA QUESTAO SOCIAL apés a grande greve dos minciros, em 1963. Pierre Massé pro- punha, em janeiro de 196: io da preparacio de cada Ges para as grandes massas de renda, especialmente a dos salir dlarenda agricola e dos lucros, assim como as condigdes dee Iibrio enere a as despesas pablicas de outro lado [..1A partir de orientagoes anuais, 0 governo poderia recomendar uma taxa de progressio para cada categoria de renda’™, A politica de rendas nunca ser concretizada, pelo menos rio sob essa forma. A evolugio dos saldrios de 1950 a 1975, mostra que as disparidades permaneceram mais ou menos ‘constantes, ¢ até com uma tendéncia a se aprofundarem (di tincia de 3,3 entre quadtos superiores ¢ operstios em 1950; ‘em 1975"), Pode-se entio falar de uma repartigio dos frutos do ctescimento? Sim, desde que nio se entenda isso ialdades. Globalmente, a evolucio dos ios acompanhou a da produtividade, e todas as categorias iaram-se disso, sem, entrctanto, alterar oleque das hie- Contudo, ainda que se tenha tornado possivel gragas dos do erescimento, essa progressio no foi um ituras de regulagio jj indmica econémica comega ase imeiro momento, os ef tos da crise. O acordo interprofissional assinado no dia 14 de Citado nF Seller, La confrontation sociale en France, op. city p- 217 Para uma apresentagio das ambigbes da politic de enda, cf. G. es des reverse leur aspect i A. Lebeaupin, “Les slaires de 1950.3 1973", Economie gosto de 1979, Ocorreuns aumento dos do SMIC (35% {A SOCIEDADE SALARIAL outubro de 1974 garante a indenizagio do desemprego total pelo valor de 90% do salério bruto no primeiro ano, a0 passo que 0 desemprego parcial € indenizado pela empresa com 0 aporte dos fundos piblicos™”. Os dispositivos paritérios de garantia, engajando a responsabilidade do Estado, permitiam pensar ainda que existia um quase-direito ao emprego, no mo- ‘mento mesmo em que a sistuacio comecava a se degradar. Entio, realmente exist uma poderosa sinergia entre 0 ho e da prote- le salarial parecia seguir uma trajetOria ascendente que, num mesmo movimento, assegurava o entique- ‘imento coletivo e promovia uma melhor repartigio das opor- tunidades e das garantias. Entretanto, para néo tornar esta exposigio muito pesada.e conservaro fio condutor da argumen- tagio, me ative as proteyoes diretamente mesma montagem “desenvolvimento econdmico-te tatais” aruow nos dominios da educagio, da satide pablica, do lanejamento dos recursos, do urbanismo, das as performances da imir o déficit de integracdo que sdade industrial através do crescimento acesso A propriedade ou & moradia decente, da ‘maior participagio na cultura e no lazer, dos avangos na realiza- «0 de uma maior igualdade de oportunidades, a consolidagio do direito do trabalho, a extensio das protecdes soci pressio dos bolsdes de pobreza etc. A questio soci dissolver-se na crenga no progresso indefinido. Essa trajet6ria€ que fot interrompida. Quem, hoje, afiemaria| ue vamos para uma sociedade mais acolhedora, mais aber, trabalhando para reduzir as desigualdades ¢ para mawimizar a8 protesées? A prépria idéia de progresso perdeu sua coesio. parecia 493

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