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‘OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUCAO FRANCESA, A mitra de princtpos "0 fato de que Olympe 8 cyclopédie, o rel era a fi sua priso. Quando 0 Terror dominava, ela anunciava que “tinha nascido com caréter re- publicano e com ele morreria”, mas em suas discusses gerais sobre governo ela parece ter jo a monarquia.}” Olympe de Gouges freqiientemente se referia ao rei como “o pai de seu pov", mas considerava-o mais do que um 40 da propria lel do que aparece no vel pela ordem e pela administragio racional ibilidade nas re- para as quai tam- 05 limites. A ex- tenséo desses limites, por sua vez, dependia do jstrado, um perito encarregado de manter ites em nome da razéo. No entender de de Gouges, os rels eram mais préprios para a tarefa de magistrado, pois era-lhes natu- dos problemas de uma repiiblica era nao haver uma figura marcante que pudesse ficar acima lutando pelo papel que o shava, Outro problema la jd se encontrava nas 1uco dispostos a partilhar © poder com suas irmas. Um rei, pensava ela, 71 das mulheres." O apoio que deu & monarquia, pportanto, serviu como critica e como um corre- 29 JOAN W. SCOTT tivo para as priticas da repiibliea, que exclufa as mulheres Segundo Olympe de Gouges, 0 monopé- poder poltico pelo masculine nao era uma conseqéncia da monarquia. Seus eserites, por- forma dos estatutos do casamento eramn i ‘de Olympe de como um sinal viam assim. O apoi Gouges & monarqui de deslealdade & Revolucéo, da mesma forma era também a sua campanha para que os direi- tos do homem fossem estendidos as mulheres. Se ela acreditava que seu apoio & monarquia era um apoio a le, outros concebiam suas cam- panhas, uma para tornar as mulheres cidadas ativas e outra para reformar 0 casamento, como ‘uma ameaga de supresséo das linhas da dife- renca sexual que fundamentavam a autoridade da lei. (Se as duas propostas foram tratadas como aspectos do mesmo crime, isso sugere uma conexao entre elas, para além do que a Olympe de Gouges podia imaginar) am plena liberdade de inventar esque- 108 ¢ de sonhar um novo futuro pata tanto que néo tivessem a forca de sonhos e esquemas em prética. [Nesse context, tolerava-se a atividade de Oiym- 30 DLYMPE DE GOUGES NA REVOLUCAO FRANCESA pe de Gouges, suas propostas podiam prezadas por serem absurdas e improve go representavam grande ameaca. A cons dagéo da lei jacobina, a partir do final de 1792, porém, sobre impor um estreitamento das liga- ‘g6es entre ei, ordem, virtude masculina e dife- renga sexual, tentou, ainda, que o estado sub- ‘metesse ou pelo menos conirolasse a expresso piiblica da imaginagéo. Visto que a politica nificago tinica e transparente , & representagéo visual, e, 8 linguagem e ao pensamento, as Idéins de Olympe de Gouges comecaram a se tomar perigosas. Seus plicavam uma atrevid para com a realide ‘para com as correspon- éncias estabelecidas entre idéias ¢ coisas. Em ‘seus esaritos e agGes ela parecia te obscurecerquest6es ber ce lagio de sgnos uj teferentes Embora a questo dos di viesse 8 tona mulas w 1793, Nesse ano, durant nova constituigéo (que nunca chegou a ser implementada) © deputado de Ille-et-Vilaine, voto da mulher” = Depois da execugio de Maria Antonieta, em 16 de ‘ataques contra © papel *Citado por LEVY eta, 1979, p. 215. LEVY ct ali, 1979, p 2s, JOAN W. SCOTT gal a existéncia de clubes e sociedades popula- tes de mulheres, invocando pri rousseaunianos para justificar tal medi Itcos e perguntava-se André Amat Comisséo de Seguranca Geral. “Em geral po- demas responder que no, porque: la se veriam obrigadasasaeificar os af- zeres mais importantes para os quais« natureza (2 chama, As fungies privadas para as quais as ‘mulheres por forga de sua prépria natureea sdo destinadas tm relagdo com a ordiem geral da sociedade; essa ordem geral resulta das dferen- {gas que exisiem enireohhomeme a mulher. Cada sexo é chamado para otipo de atvidade poraa Um descobramento ainda mais explicto dsses assim chamados fatos nalurais teve oti- gem emP.G. Chaumette, de Paris, ele rejetou cor do de apoio a uma pet festavar contra um decreto da convencio: ‘Des- de quando é permitido renune sexo? Desde quando 6 decente v« abandonar as piedosas tarefas casei icos, nas galerias, nos tribunais e nas bamtas clo Senado. Por acaso o cuidado das tarefas domésticas foi confiado ao homem pela natureza? Ou entio por ela fomos provides de fa que amamentéssemos nossos fi- 92 OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUCAO FRANCESA "Cin por JORDANO. VA, 19%, p35 A semelhanga de muitos dos colegas de politica, Chaumettte apelava para os princfpios da natureza para justiicar sua viséo da organi- zagéo social. Em seu modo de entender, a na~ ‘a fonte ndo s6 da liberdade, mas tam: sexual. Natureza e compo eran ‘compo que se discerniam as ver- quais deve repousar a ordem politce-social. Os jacobinos ofereciam uma vi- séo de conjunto, ao passo ern que Condorcet Guntamente com Olympe de Gouges) na separacéo entre biologia ¢ identidade pol ca, Constantin Volney, que representava o cviro Estado de Anjou nas assembléias dos ‘adios Gerais, de 1788 e 1789, argumentava em s2u catecismo de 1798 que a virtude e 0 vicio ‘so sempre, em titima andlise, relacionados com a destruigao ou a preservagao do compo” Para Volney, 0 que afetava a satide afetava 0 estado: “ter responsabildaces cvicas é ter um comportamento que busque a saiide”.* A do- enca do individuo implicava deterioragéo socl- al a mae que nao amameniasse o fino come- teria um ato de rebeldia contra o que a nafure- zz designava para o seu um ato profundamente ant corpo acarretava néo apenas énus 20 duo, mas também conseqiiéncias socia tivas, visto que, para Voiney, 0 corpo politica ndo era uma metéfora do corpo fisico, mas a uma descrigao lit icagéo de valor conotativo, nico; a diferenga sexual era tida como lum principio basico da ordem natural, © por. tanto da ardem politica, A dlferenca genital é 93 1984; BORIE, 1980, p. 159-69; e LE DOEUFE, 1981-1982, = GUTWIRTH, 1992. V. ‘embéey KNIBIEHLER FOUQUET, 1980. Para uma perpectva compe: JOAN W. SCOTT havia articulado o ponto de vista adotado pelos Jacobinos: “A esséncia do sexo néo se limita a um Gnico 6rg80, mas se estende, gracas a nuances mais ou menos perceptiveis, a todas ‘as partes do corpo”.® Nesse esquema, as mu- * Theres ficavam mais completamente definidas pelo sexo do que os homens. O anatomista Dr, Jacques-Louis Moreau endossava o comenté- io de Rousseau, segundo 0 qual a localizagso faz com que a mulher lembre constantemente seu sexo [...] macho é macho apenas em cer- sso em que a fémea 6 £6 toda a fungSo social da mulher poderia ser literalmente lida a partir de seus érgios sexuais, e, de modo especial, dos seus seios (Srgéos externos!). O seio era a sinédoque da mulher e aparecia com grande fre- iléncia nos discursos e na iconografia Jacobina (como Madelyn Gutwirth ta0 monstrou).* O seio tinha 5 signlca peito, no aspecto fisico Oselo servia como fetiche no sentido freudiano, desviando a aten trazia muito problema para 0 daqu focé-la em algo aparentemente benigno, & pre- ccupacéo obsessiva com o seio, ¢ claro, cha mava a atengéo para todo © corpo feminino, mas também servia para desvié-la da fungéo de dar® luz, Afinal de contas, onascimento podia ser entendida nao apenas con afo integrante — porque indi contrato social. Expressivament fura monarquista da época epresentava um re- voluciondvio dando & lus uma conctituigso (que 94 ‘OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUGAO FRANCESA, Aa en disco twrproazio de Gul de outros que co ram es epresentogoes do 210 como falas, = GUIVIRTH, 1992, p. 368. Comparativameni, ¢ insinuivo comparar & fesin de 1798 com a pe rada organizada por Olympe de Gouges em Junho de ano antec Na ‘casio centenas de miu- theres cobertas de flores de Olynpe de Gouses) das velhas repubilcas e ‘mostra nos inimigos do Franga até que ponto as ‘mulheres estavam unis * adora [creator]. O homer como ; conquistador da natureza. As difer emergia do meio de suas pemas). Era, na ver- dade, uma rfica da usurpagéo consciente que costevolucionérios faziam do papel socal da mu- pao, porém, efetivava-se nSo por- ssem esconder 0 corpo da mulher, muito pelo contréio, 0 como social da mulher era ocuitado por meio da proliferacéo de ima- gens que exporavam seu corpo biokbgico. Quan to mais as mulheres eram excluidas da politica, tanto mais seus corpos eram representadios com bcecada freqténcia, e tipicamente como maes no ato de amamentar.® Em agosto de 1793, na festa da Unidade e Indivisibldade organizada por Jacques-Louis David com 0 fito de home- ragear a Repdblica, esse ipo de iconografa teve ‘ destaque. Os deputados se apresentavam para presiarjurament guida selavam seu do (égua) que esgt grande estétua que gura materna. Subjacente a diferenca enire ho- ‘mem e mulher, evidenciava-se o contraste entre otiente e ocidente: a estétua era a de uma deu- sa egipcia da ferilidade." ‘Amulher como seio —nuttiz, mas néo cr- homem e mulher eram considarad: vise fundamentais: existiam na natureza, por- tanto nao podiam ser comigidas pela lei. A com- plementaridade funcional entre homem e mu- lher era vista como assimétrica: a associagai lerasse a associagao da feminifidade com " desvio, sensualidade, veleidade, submissio a artfcios da vaidade ed com tuo © que a limitasse a fungées modestas reaiza- das no ambito doméstico. De fato, pode-se ar- gumentar que um tl contvaste entre homens e mulheres — raxdo e paixdo — era uma forma 95 1792, mesmo astm, coo- fers peste oto de com- parecimento um eariter police. Muito dferenie, orem, f Theres nem sequerforsm convidadas, ROBESPIERRE, 1964, p. 79-80. SOAN W. SCOTT de transferir os impulsos desordenados do sexo para as mulheres, impulsos esses que Rousseau J tinha reconhecido como algo que no pode set erradicado da imaginagéo masculina. Seus - seguidores jacobinos, porém, nada se permiti- imo que fosse, de irénico ou de am- ia oposigao politica 0s inimigos da Reptiblica, da mesma forma atrbufam as mulheres tracos de carater que con- sideravam adversos & virtude — essa mesma virtude, segundo Robespiene, eine funda- ‘O Teror era arepeettio de tudo o que era contrério a virtude; era o triunfo da virtude con- tra 0 esto, O Terror era praticado por aqueles cuja virtude os habilitava a distinguir 0 certo do errado, a natureza verdadeira e suas falsas re- presentagées, A verdade era transparente para 0s virtuosos; seu significado era literal e sem a ‘menor dubiedade. Nao havia espago para a ima- ‘ginagéo ativa de Voltaire, aquela recombinagao ativa geradora de ias, mas que podia também confundir fice e realidade. As idéias € que deviam fazer a leitura direta da natureze. Esiava proserita ago, e com ela 0 pe- tigo de se estabelecer a representacao enonea da verdade. ‘esse contexto, Olympe de Gouges come- ou a negar que suas idéias tivessem qualquer lum entusiasmo intempestivo pela monarquia, fato que ela usou como exemplo para demonstrar sua capacidade de discrimi- nar entre as atividades boas e més da imagina- frear suas tendéncias desordenadas, Em 1798, ao prever um futuro sombrio para a Revolugao, Olympe de Gouges jé negava total- 96 ‘OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUGAO FRANCESA uéncia da imaginacio, pois sementos tinham sido um reflexo da realidade, da “moral depravada” dos lideres da Franga, e néo um produto de sua “imagina- *GOUGES, sd p15. G80 exal Demonstrando um sarcasmo contundente, escreveu para Robespierre uma ‘carta na qual afirma que os discursos dele so- bre a moralidade fizeram com que ela abrisse 10s ese desse conta da necessidade de “ve nela prdpria aqueles movi go em que uma alma ajuiz dove confiar e que 0s sediciosos sabem exploras”.* E prossequia alacando a falta de virtude que Robespierre demonstrava, bem ‘como seus in excessos de “pat ele pratieava em - mo tempo, Olympe de Gouges se reconhecia “mais. *™GOUGES, 1792, p. 1 **GOUGES, 1792, p15. , condenada & ‘morte, sob a acusagéo de ter enchido os muros do pais com seu panfleto “Les trois urnes, ou Le salut de la patie”, propaganda em defesa do federalismo (posiggo associada aos girondinos teorias sobre a representatividade poli- ‘Apelou da sentenca com base em seu smo, argumentando que seus escritos fi los6ficos tinhain preparado o caminho para a Revolugio e, também, alegando estar, de in- io, doer JOAN W. SCOTT. tio afimmou que a ré nfo tivera oportunidade de e_ficar grvida, pois que uma part é mar-the a gravidez. Dados esses motor sugeria que Olympe de Gouges tina “apenas imaginado” um eventual contato com cia & imaginacéo, naquele vel ironia da parte de ‘era como se @ perturbacéo spe de Gouges tivesse ido to Jonge que, mesmo a propria tentativa de usar ‘como argumento o aspecto mais fundamental de sua natureza — a condicéo de mulher ( e de procriadora) — foi considerada como mera excrescencia de sua 30. O signo “mu- Iher” no podia ter aquele monstro que era Olympe de Foi como traidora do centralismo jacobino (igualado a preservacéo da integridade da Re- pilblica) que Olympe de Gouges foi, por fim, -cutada ern novernbro. Em julho, quando ela ha sido presa, havia a ameaca de fragmen- nacional, ndo s6 sob a forma de guerra le transqresséo de genero e degenera- do individuo. A resposta dos jacobi- 72_nos foi puxar as rédeas, j4 que controle politico controle pessoal eram uma coisa $6, avalian- poor inspiracéo da natureza. Ela queria se homem politico. Ela assumiu projetos de pesso- as pérfidas que queriam dividir a Franga, Pare- sla doonea contaglosa_ ce Que a lei puniu essa conspiradora por te es- {Be Okmpe de Gouges._quecido as virtudes proprias de seu sexa?.1 Foi um epitafio particularmente apropria- 9e

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