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Júlio Dinis

Uma Família Inglesa

I. Argumento de obra

Uma Família Inglesa é uma obra do escritor português Júlio Dinis, que versa sobre a vida
de uma família inglesa que habita a cidade do Porto na segunda metade do século XIX, altura
em que a maior parte da sua classe mais alta era constituída por ingleses que desempenharam,
nesta cidade, um papel fundamental não só no campo cultural como a nível social e
económico. Trata-se de um romance citadino em que ficamos a conhecer uma família, de
origem inglesa, composta pelo pai Richard Whitestone, um rico e honrado comerciante, o
filho Carlos Whitestone e a irmã deste Jenny. Carlos e Cecília, a filha de Manuel Quintino, o
modesto e obediente guarda-livros da família Whitestone, conhecem-se num baile de
Carnaval, sem saberem quais são as respectivas origens. Carlos, rapaz um tanto estouvado,
talvez porque a austeridade de costumes e rigidez de princípios do pai lhe não permitem esses
desafogos que tanto alegram e cativam a juventude, apaixona-se por ela. Esta paixão nasce
dum divertimento, por assim dizer, duma brincadeira de rapaz estroina; mas o drama só
começa a ser sentido quando o moço inglês se põe a contas com a sua consciência. Algumas
leviandades por ele praticadas motivam terríveis suspeitas, e Cecília, que anda em tudo isto
com uma dignidade que a eleva, ocultando sempre o seu amor, chega a ser mal compreendida
pelas cabeças estouvadas dos amigos de Carlos que a julgam uma rapariga desonrada. Jenny,
acreditando tratar-se, apenas, de mais uma das aventuras do irmão, tenta proteger Cecília de
quem se tornara amiga. Salva a reputação da sua amiga de infância e vence todos os
obstáculos que aparecem nesta história de amor. Só quando se apercebe de que o irmão está
verdadeiramente apaixonado é que começa a proteger os dois ajudando-os a alcançar a
felicidade. O desenlace da história é o casamento feliz do irmão com a filha do guarda-livros.

II. Estrutura da narrativa

A obra divide-se em trinta e nove capítulos. A história principal é o amor de Carlos por
Cecília. Paralelamente a esta e acompanhando-a de princípio quase até o fim, uma outra
história se desenrola, secundária, a que chamaremos a história do relógio e que tem uma
importância determinante na primeira. A sequência dos eventos apresenta-se como
concatenação porque a acção é linear. É o mundo de harmonia que Júlio Dinis nos transmite
n’Uma Família Inglesa e que há-de perdurar ao longo da sua obra. De facto, tem-se a senção
de que a acção brota duma harmonia de mundo que episodicamente se vê transtornada, mas
cujo desenlace vem inevitavelmente remediar tudo com a projecção para um nível de
harmonia ainda maior.

III. A situação narrativa:

O tipo do narrador é extradiegético, voz do narrador externa. O narrador tem uma função de
representador e de produtor o universo diegético e tem uma função de organizaçãpo e
controlo do texto narrativo d’Uma Família Inglesa.

IV. Personagens:

As personagens da história estão bem desenvolvidas e o ambiente que o autor escreve – sendo
que nós não conhecemos o Porto do século XIX.

1. Os protagonistas do romance são: Carlos, Cecília e Jenny.

Carlos: Filho de um abastado comerciante inglês sediado no Porto, Carlos é um jovem de


índole boémia, marcado por alguma leviandade que nele vai de par com uma grande nobreza
de alma e enorme generosidade. Ele é representado como uma pessoa sensível, estouvada,
irreflectida e irresponsável.

Cecília: Ela é também órfã de mãe como são o Carlos e a Jenny e desempenha a papel da
outra mulher-mãe no romance.Sobre sela recaíam os cuidados da casa de Manuel Quintino,
sobre ela recaiu a responsabilidade da tratar o pai na doença, à sua administração sábia e
prudente se devia a prosperidade da casa. No seu comportamento, apenas o senão daquele
estouvamento que a levou a participar no baile de máscaras – sem o qual, aliás não teria
havido romance.

Jenny: A irmã do Carlos é representada como uma mulher-anjo em que se vinca


principalmente o papel maternal e protector que não exige a maternidade real. A Jenny cabe,
relativamente a toda a família, o papel que às mães se reserva em todas as casas, e a mesma
cumplicidade fraterna que a liga a Carlos se traduz no desempenho, talvez por essa via mais
facilitado, do papel da mãe. O seu perfil moral é revelado pela descrição dos olhos dela e pela
comparação com um "anjo bom", com uma fada “meiga” e “benigna”. Estas características
vão-se confirmando ao longo de toda a narrativa: não encontramos em qualquer das suas
intervenções uma atitude menos ajustada, uma palavra menos feliz ou uma acção má. A
imagem da Jenny não se esgota com a descrição moral mas também é represntada a sua
beleza física. Ela tem cabelos “dourados”, feições delicados e alvos, uma aparência “subtil” e
“ vaporosa”.

2. As personagens secundárias: Mr. Richard Whitestone, Manuel Quintino.

Mr. Richard Whitestone: Ele é rico e honrado comerciante, animoso leitor do Times, franco,
sincero, aparentado às vezes uma certa rudeza, mas nunca masquinhez. Tem seus preconceitos
de inglês e comerciante é um tipo magistral que nã dá coisa alguma à realidade.

Manuel Quintino: Na figura do Manuel Quintino personificou Júlio Dinis o tipo do pai
extremoso, mas também o empregado-modelo: trabalhador, competente e dedicado.

3. Personagens-tipos: Sr.a Antónia, Sr.a Josefinha da Água Benta, José Fortunato, Mr.
Morlays, Mr. Brains

V. A descrição:

Júlio Dinis é quem pela primeira vez, descrevendo interiores ou cenas de ar livre, cria
ambientes integrados com as personagens. A importância que no conjunto dessa obra assume
a descrição de ambientes ressalta do menos cuidado e mais superficial exame que dela faça.
Nada menos de seis capítulos são dedicados à descrição de ambientes, sem nenhuma ou com
muito pouca interferência no decorrer da acção. Nesses capítulos se vê sucessivamente
desfilar o ambiente boémio da juventude burguesa no Porto, o ambiente britânico dum home
inglês instalado em Portugal, a convivência entre elementos da colónia inglesa do Porto, a
vida doméstica de uma família da pequena burguesia portuense, o ambiente, enfim, dos meios
comerciais do Porto em meados do século passado.
VI. O espaço da narrativa:

Uma Família Inglesa é um romance exemplar da sua técnica narrativa. A acção evolui nos
diversos espaços físicos e sociais portuenses, essencialmente caracterizados pelo meio
comercial do Porto, geradores de ambientes e caracterizadores das personagens: o elegante
bairro da colónia britânica, residência da família Whitestone; a Rua dos Ingleses, ao tempo o
centro da vida comercial e financeira do Porto, onde se situa o escritório de Richard
Whitestone, inglês dono de uma grande firma de exportação, e onde trabalha Manuel
Quintino, o modesto e obediente guarda-livros, cujos ambientes caseiros o romance nos dá a
conhecer; o espaço da boémia, onde se movem Carlos Whitestone, jovem herdeiro da família,
e os seus amigos, que inclui o célebre Café Guichard e o Águia de Ouro, palco da festa de
Carnaval onde Carlos se cruza com a mulher misteriosa que virá a ser Cecília; a Foz,
escolhida por Jenny e Cecília para local de confidências e desabafos, etc.

VII. O tempo na narrativa:

O livro é ainda uma importante referência histórica. Reflexos de uma época em que o Porto
era invadido por ingleses, que representavam a quase maioria da sua classe mais alta, por
voltas da segunda metade do século dezanove. A importância dos filhos da Rainha Vitória no
sector cultural, social e económico (caves do vinho do Porto) da cidade portuguesa no século
passado. N’Uma Família Inglesa o monólogo interior surge, como era de esperar,
disciplinado, submetido a uma clara intenção, conduzido com firmeza para ilustrar o
predomínio duma “ideia fixa”, logo a vigência de leis que governam o mecanismo letente das
associações mentais. A inteligibilidade é-nos dada a uma luz meridiana. Os monólogos
interiores da obra denunciam o excepcional interesse de Júlio Dinis pela observação
psicológica, interesse que por igual se manifesta no sonho de Cecília (fins do capítulo XIII) e
na análise dos movimentos automáticos da mão de Carlos, ao desenhar e escrever
distraidamente (capítulo XVII).
VIII. Linguagem e estilo:

É um romance citadino, objectivo, de análise psicológica e individual, ao estilo do romance


realista inglês. Abunda a pintura de interiores, mas a acção é lenta, precipitando-se nos
últimos capítulos. Júlio Dinis apresenta-nos uma prosa fluente, escorreita, de leitura fácil. O
seu virtuosismo descritivo está bem patente em muitas das páginas (na descrição de Jenny por
exemplo). De realçar também os méritos que já aqui evidencia na construção do diálogo.
Uma Família Inglesa é um romance que foi novo no seu tempo, onde se anunciam já todas as
qualidades e os limites que marcaram a obra de Júlio Dinis.

IX. Temas e mensagem:

O assunto principal é o mesmo de todos os romances de Júlio Dinis – o amor puro e sincero, o
estudo do coração que ele faz com uma delicateza única, inimitável. Os pólos temáticos em
que assenta a sua narrativa são a família e o trabalho.

X. Classificação tipológica da narrativa:

Uma Família Inglesa é um romance de acção, mas também caracteriza-se por traços de
romance de espaço. A história de amor ocupa o primeiro plano na narrativa, mas são presentes
muitas descrições do meio histórico e dos ambientes sociais nos quais decorre a intriga
principal. A história narrada tem início, meio e fim bem estruturados o que faz dela uma
narrativa fechada.

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