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Revista de Economia Politica, vol. 8, n? 3, julho/setembro/1988 Os fundamentos econémicos do programa de integracéo Argentina-Brasil* JOSE TAVARES DE ARAUJO JR.** Os dezessete protocols assinados pelos presidentes Al- fonsin e Sarney em julho e dezembro de 1986 definem um programa de trabalho que visa estabelecer a médio prazo um mercado comum entre as economias argentina e brasi- leira. O programa com ade um conjunto variado de pro- vidéncias que abrange de 0 aprofundamento das prefe- réncias comerciais entre os dois paises, a remogao de bar- reiras nao tariffrias, a criagdo de instrumentos financeiros para sustentar os niveis de intercdmbio, o estimulo a for- macio de empresas binacionais, projetos de cooperacio em reas de tecnologia de fronteira, projetos setoriais integra: dos, como os bens de capital, trigo e abastecimento ali- mentar, etc. O nivel de especificagiio das medidas previstas em cada protocolo também varia bastante. Assim, por exemplo, um dos protocolos assinados em julho determinava que, no Ambito da ALADI, durante o segundo semestre de 1986, deveria ser concluida a renegociag’o do acordo de alcance parcial n° 1, bem como detalhava os critérios segundo os quais a renegociacdo deveria ser conduzida. Esses ditames foram cumpridos, e, a partir de 1° de janeiro de 1987, uma B parcela relevante do comércio bilateral passou a ser regulada * Agradego a Joo Bosco Mesquita Machado ¢ Renato Fonseca pela compilagio dos dados aqui apresentados. ** Do Instituto de Planejamento Econémico ¢ Social — IPEA, Rio de Janeiro. 4 por este instrumento que assegura, além de redugées tariférias significativas, a nio aplicago de outras barreiras comerciais aos bens incluidos no acordo. Certos protocolos, como os de trigo e bens de capital, fixam volumes mini- mos ou valores de referéncia a serem alcangados dentro de um horizonte tempo- ral de cinco anos, e indicam os procedimentos a serem utilizados na busca dos objetivos escolhidos. Outros, como o de empresas binacionais, apenas formulam orientacdes genéricas, que serio posteriormente detalhadas por especialistas na matéria e inclufdas oportunamente na agenda de negociagdes. A heterogeneidade dos protocolos reflete o pragmatismo que marca o pro- grama de integragdo, ¢ que resulta do consenso existente entre os dois governos quanto A magnitude das dificuldades a serem enfrentadas. Como observou o embaixador Francisco Thompson Flores, chefe da delegacao brasileira que parti- cipou, durante o ano de 1986, do processo de negociacéo e formulago dos protocolos, “se as perspectivas sao literalmente brilhantes, os obstdculos séo formidaveis” (1986, p. 12). Além de tarefas de natureza meramente executiva, cuja realizagio nao implica conciliar interesses divergentes mas que demanda tempo e recursos, como no caso dos investimentos em infra-estrutura de transportes e armazenagem, pelo menos dois problemas importantes terdo que ser encaminhados no futuro proximo: o de ajustar os patamares de produtividade das duas estruturas indus- triais e o de harmonizar as politicas econdmicas nacionais. © félego disponivel pelo programa para oferecer respostas adequadas a estas € outras questes esta diretamente relacionado 4 dimensao dos beneficios a serem gerados pela integracdo. As proximas secdes deste artigo procuram avaliar tais beneficios a partir de trés planos interdependentes: 0 das conseqiiéncias da integragdo sobre os demais paises da América Latina, 0 da ampliagdo do inter- cambio bilateral através dos mecanismos de criagéo e desvio de comércio, e o do aproveitamento das vantagens comparativas detidas pelas duas economias. © SUPORTE AO COMERCIO NA AMERICA LATINA As Tabelas 1 ¢ 2 fornecem alguns dados gerais sobre 0 comércio da Argen- tina e do Brasil com os demais paises da ALADI no periodo 1970-1985. Dois tracos bisicos das transagdes ali descritas merecem destaque. O primeiro diz respeito ao papel que os dois paises exercem na regio: como vendedores ou compradores, Argentina e Brasil estio sempre presentes em mais de 70% das transag6es realizadas no interior da ALADI. Este fato dispensa a apresentacio de outras evidéncias para demonstrar que as politicas comerciais implementadas nos dois paises produzem conseqiiéncias decisivas para o destino econémico da regio. © segundo aspecto a ser ressaltado € 0 do envolvimento relativo dos dois paises com a regido, No caso do Brasil, as trocas com a ALADI oscilaram, durante 0 perfodo considerado, entre 8,4% e 15,4% de seu comércio exterior; enquanto que, para a Argentina, essas transagdes corresponderam sempre a par- celas bem maiores, situadas no intervalo entre 18,94% e 25,73% do comércio 42 global do pais. Assim, embora os montantes do comércio exterior brasileiro tenham sido, nos dltimos quinze anos, da ordem de duas a trés vezes superiores aos da Argentina, a importancia efetiva das duas economias para os demais paises da ALADI nfo diferiu em tais proporgdes. Na verdade, entre 1970 € 1985, € possivel distinguir trés subperiodos: no primeiro, de 1970 a 1974, as transagdes da Argentina com a ALADI foram, em valores absolutos, superiores as do Brasil; no segundo subperfodo, entre 1975 e 1979, as transagdes argentinas corresponderam a cerca de 80% das realizadas pelo Brasil; e no terceiro sub- periodo, a partir de 1980, situaram-se entre 50% e 70% das transagées bra- sileiras. Uma das caracteristicas centrais do programa de integracio decorre dos dados apresentados nos dois pardgrafos anteriores: a de que o programa no constitui um movimento em diego ao bilateralismo, mas um esforgo de forta- lecer globalmente a economia latino-americana. TABELA 1 COMERCIO DA ARGENTINA E DO BRASIL COM PAISES DA ALADI (1970-1985) (Unidade: US$ mithées) Comércio da ALADI Total do comércio Participago de ‘Ano com Argentina e intra-ALADI (1) em (2) Brasil a @ (%) 1970 979 1.264 TAT 1971 1.045 1,368 76,38 1972 1.221 1.611 75,77 1973 1.778 2197 80,90 1974 2.823 3.498 80,71 1975, 2.910 4.010 72,56 1976 3.361 4631 257 1977 4.451 5.749 72.24 1978 4342 5.778 75,45 1979 6.387 8.420 75,86 1980 8.247 10.927 7547 1981 9.153 11.913 76,83 1982 7.672 9.817 78,15 1983 5.477 7.190 76,18 1984 6.455 8.165 79,01 1985 5.342 7.068 75,58 Secretaria Geral da ALADI. 43 TABELA 2 PARTIGIPAGAO DO INTERCAMBIO COM A ALADI NO COMERCIO EXTERIOR DA ARGENTINA E DO BRASIL (1970-1985) (Unidade: US$ milhées) Intercambio com a Comércio Participagio ALADI exterior relativa ‘Ano Argentina Brasil Argentina == Brasil Argentina’ —_—Brasil a (2) @) @ (1/3) (%) (2/4) (%) 1970 738 567 3.467 5.246 21,28 108 1971 737 615 3.608 6.151 20,42 10,0 1972 820 146 3.846 8.223 24,31 94 1973 1.208 1.082 5.496 12.391 21,90 a7 1974 1.761 1.720 7.566 20.592 23,27 84 4975 1.673 1.832 6.908 20.880 24,22 a8 1976 1.788 2.327 6.949 22.521 25,73 10,3 1977 2.264 2797 9.814 24.143 23,06 11,3 1978 2.333 2.934 10.234 26.342 22,80 WA 1973 3.509 4.483 14.510 33.205 24,18 13,5 1980 3.969 6.135 18.562 43.087 24,38 14.2 1981 3.518 7A10 18.573 45.766 18,94 185 1982 3.036 5.854 12.961 39.609 23,42 148 1983 2.595 4.194 12,350 37.326 21,01 11,2 1984 2.849 4.970 12.700 40.942 22,43 12,1 1985 2-622 3.765 12.300 38.808 21,32 97 Fonte: Secretaria Geral da ALADI. Isoladamente, tanto Argentina como Brasil teriam condi¢gdes de formular politicas externas voltadas ao exercicio de uma lideranga dos rumes da economia regional, conforme demonstram as estatisticas da Tabela 2. Na pritica, tais politicas nao iriam além de explicitar e racionalizar um papel que ambas as econo- mias jé desempenham de forma nao planejada, o de atuarem como fontes de sustentagio dos niveis de comércio intra-regional e dos ritmos de crescimento dos demais paises da 4rea. HA, contudo, um constrangimento sério & implemen- tagdo de politicas dessa natureza, o de alimentar expectativas quanto a sua transformacdo em projetos de hegemonia regional. Este dilema o programa de integracdo permite resolver, posto que, de um lado, os impactos econémicos sobre a regio nao resultariam de um projeto nacional, ¢, de outro, 0 principio de eqiiidade nas relagdes bilaterais Argentina-Brasil, que o programa visa preser- var, marcaré o estilo dos vinculos a serem mantidos com o resto da regiao. 44 Entretanto, para que o programa se torne um instrumento multilateral rele- vante na promogdo do desenvolvimento latino-americano, é preciso que, preli- minarmente, seus objetivos bilaterais sejam factiveis. Este é o tema das duas proximas segdes. DESVIO DE COMERCIO E COMPLEMENTARIDADE INTERSETORIAL Com o objetivo de identificar possibilidades de negociagdo entre os paises membros da ALADI, a Secretaria Geral da Associagao realizou um minucioso levantamento das pautas de comércio da regio no perfodo 1980-1984. No caso da Argentina e do Brasil foram considerados, com base nas estatisticas a 10 digitos da NADI e a 8 digitos da NBM, todas as importagSes provenientes de fora da regido cujos itens fossem superiores a um milhao de délares, em termos de média anual durante o periodo. Tais importagdes foram cruzadas com as respectivas exportagdes do outro pais destinadas a paises de fora da regiao, cujos itens fossem superiores a cin- qiienta mil délares, também computados em termos de média anual durante o periodo. Esse cruzamento permite estimar as oportunidades de promover o cres- cimento do comércio bilateral através do desvio de compras realizadas junto a terceiros fornecedores. A Tabela 3 indica os valores de intercémbio que seriam alcangados no periodo 1980-1984 caso todas as oportunidades de desvio de comércio tivessem sido aproveitadas (hipdtese A). E evidente que a hipétese A, que corresponde a valores de 4 a 8 vezes superiores ao intercimbio efetivo, dificilmente seria realizével de forma plena. Em primeiro lugar porque, nao obstante o grau de detalhe com que foi feito o cruzamento das informagées, trata-se ainda de um nivel de agregagdo que pode abranger produtos que nao so substitutos entre si. Além disso, a troca de forne- cedores pode se tornar invidvel devido a diferengas de prego, condigdes de finan- ciamento, prazos de entrega, qualidade, natureza dos vinculos entre comprador e vendedor, etc. Por fim, dada a disparidade dos valores minimos utilizados na selegdo dos itens importados e exportados, em muitos casos a demanda potencial de um pais é varias vezes superior & oferta potencial do outro. Apesar dessas limitagdes, os resultados obtidos com base na hipétese A permitem contestar uma crenca muito difundida entre técnicos brasileiros: a de que o principal obstéculo ao crescimento do comércio do Brasil com a América Latina reside na falta do que comprar na regiao. A hipétese B sugere uma estimativa mais realista do intercémbio potencial. Neste caso sao computados apenas os itens que um dos paises exportou ao outro em valores médios superiores a um milhdo de délares por ano entre 1980 e 1984 sendo que, além disso, o pais importador também adquiriu 0 mesmo item em quan- tidades médias superiores a um milhdo de délares de paises de fora da América Latina. Esta hipotese inclui, portanto, somente aqueles produtos para os quais j4 existam canais de comércio bilateral estabelecidos, e cujas condigdes de aten- der & demanda do pais importador sejam plausiveis. Outro aspecto que confere 45 ATRAVES DE DESVIO DE COMERCIO TABELA 3 ARGENTINA E BRASIL: POSSIBILIDADES DE ELEVAGAO DE INTERCAMBIO (Unidade: US$ milhdes) Intercmbio potencial Intercambio ‘Ano efetivo Hipétese A Hipotese B wo @ en @) an 1980 1.848 12.341 67 4.926 27 1981 1.467 11.178 76 4325 29 1982 1.217 194 64 2.970 24 1983 1.013 6.232 62 2.602 26 1984 1.364 5.887 43 2.838 24 Fonte: Secretaria Geral da ALADI. TABELA 4 BRASIL E ARGENTINA: SALDOS COMERCIAIS EFETIVOS E POTENCIAIS* (Unidade: US$ milhdes) ‘Saldo potencial Ai Saldo n° efetivo Hipétese A Hipétese B 1980 335 2.246 —181 1981 294 —2.055 — 52 1982 116 3.299 —665 1983 297 2.416 —430 1984 (342 1.639 —180 Fonte: Secretaria Geral da ALADI. * Valores positivos indicam superdvit brasileiro. 46 realismo & hipétese B é o de gerar um intercmbio potencial bem mais equili- brado do que no caso da hipétese A, conforme mostra a Tabela 4. Cabe notar, entretanto, que o intercambio potencial resultante da hipdtese B contém uma caracteristica que o programa de integracdo visa impedir que seja transformada no traco dominante do padrao de comércio entre Brasil e Argentina: a troca de manufaturas por produtos agricolas. Conforme descreve a Tabela 5, caso o intercimbio potencial tivesse sido realizado exclusivamente através dos mecanismos previstos nesta hipétese, a maioria das exportagdes adicionais da Argentina seria de produtos agroindustriais, enquanto que as exportagdes adicio- nais do Brasil estariam concentradas em produtos provenientes do complexo me- tal-mecAnico.' E Obvio que interessa a ambos os paises a exploragiio de suas complemen- taridades intersetoriais. Todavia, o padrao de comércio que o programa de inte- gracdo pretende estabelecer nao resultaré apenas da substituigao de terceiros for- necedores, mas, sobretudo, da criagéo de novas correntes comerciais, sustentadas pela exploraco de vantagens comparativas intra-setoriais, conforme veremos adiante. Antes disso, no entanto, convém examinar certas peculiaridades do caso Brasil-Argentina quanto a elevagio do intercdmbio com base em desvio de comércio. Na literatura sobre unides aduaneiras o tema “desvio de comércio” costu- ma ser tratado sob o estigma de “dimensdo perversa” dos projetos de integragao, posto que representa a troca de um fornecedor mais eficiente por outro menos TABELA 5 POSSIBILIDADES DE ELEVAGAO DE INTERCAMBIO ATRAVES DE DESVIO DE COMERCIO: DISTRIBUIGAO SETORIAL (hipétese B) Exportagées potenciais da Argentina —_Exportacées potencials do Brasil Agroindistria 706 79,3 72.0 - = Metalmecanica 138 133 113 80,6 76,3 Outros 156 74 167 194 23,7 Total 100,0 100,0 100.0 100,0 10,0 Fonte: Secretaria Geral da ALADI. 1 Foram considerados como produtos do complexo agroindustrial aqueles relativos aos capftulos de 1 a 24 da nomenclatura de Bruxelas (Animais vivos, produtos dos reinos animal vegetal, gorduras e dleos, fumo, produtos das inddstrias de alimentos ¢ bebidas). O complexo metal-mecénico abrange os capitulos de 73 a 93 {metais, méquinas, material de transporte, instrumentacao cientifica, armas ¢ munigées). Para uma discussio do conceito de complexo industrial e dos métodos de agregagéo de setores, vide Haguenauer e outros (1984) € Araujo Jr. (1985). 47 eficiente e, por conseguinte, corresponde a uma redugdo do nivel de bem-estar do pais importador. £ sabido, entretanto, que esta proposicio s6 é verdadeira se, apés a integragio, nao se alterarem os termos de troca das economias envolvidas, nao houver aproveitamento de economias de escala e de aprendizado, e permanece- rem constantes as demais condigdes de producao. E preciso lembrar também que, nos termos da teoria, o comércio desviado resulta téo-somente de redugGes discriminatérias de tarifas relativas a bens homo- géneos produzidos em condigdes nacionais de concorréncia perfeita. Vale dizer, n&o so consideradas as conseqiiéncias advindas da remogao de barreiras nao tariférias, parte indispensdvel de qualquer acordo de integragio, bem como outras dimensdes relevantes das trocas internacionais, como 0 comércio intrafir- mas e a diferenciagio de produtos. © escopo deste artigo néo comporta o debate sobre a relevancia da teoria sobre unides aduaneiras? Merece destaque, porém, o fato de que, mesmo sob a 6tica restrita desta teoria, 0 desvio de comércio no caso Brasil-Argentina poderia ser avaliado positivamente. De fato, segundo os critérios de selecdo da hipétese B, 0 desvio de comércio promoveria exportacées adicionais de produtos agropecudrios da Argentina ao Brasil que estariam concentrados quase exclusivamente em uma tnica merca- doria: trigo.? Conforme mostram as Tabelas 6 e 7, nos tltimos quinze anus os pregos do trigo argentino tém sido sistematicamente inferiores @ média de pregos pagos pelo Brasil a terceiros fornecedores. No entanto, o Brasil costuma destinar a maior parte de suas compras justamente as fontes mais caras. Além disso, cabe notar ainda que, com exceg&o de anos atipicos como 1971 e 1978, os produtores argentinos teriam tido condigdes de atender quase plenamente as necessidades brasileiras! Esse quadro paradoxal decorre de uma ampla gama de fatores que abrange questées como fretes, condigdes de transporte e armazenagem, prazos de paga- mento concedidos por terceiros fornecedores, coincidéncia de safras, etc. No Ambito do programa de integrago, essas questées estéo consideradas no protocolo n2 2, que visa estabelecer “um projeto integrado de produco, armazenagem, transporte e abastecimento de trigo”, bem como nos protocolos n.* 14 € 15, que tratam dos problemas relativos a transporte maritimo e terrestre entre os dois paises. Na verdade, a superacao desses obstéculos permitira que, do lado brasileiro, seja enfrentado um problema ainda mais extravagante que os das fontes de suprimento de importagéo: 0 subs{dio a produgdo interna. Apesar de o pais repartir fronteiras com a economia mais eficiente do mundo na producio de 2 A curiosidade dos eventuais interessados no tema sera provavelmente saciada com a leitura de Lipsey (1960). Os incansaveis poderdo prosseguir com a ajuda de Pomfret (1986) ¢ da bibliografia ali referida. 3A rigor, este seria um caso de desvio de comércio nfo contemplado pela teoria convencio- nal, posto que no Brasil o trigo é isento do imposto de importacdo e comprado pelo governo. © comércio desviado resultaria, portanto, da manipulago de uma barreira néo tariféria (compras governamentais). 48 TABELA 6 COMERCIO DE TRIGO: ARGENTINA, BRASIL E RESTO DO MUNDO (1970-1985) (Unidade: USS milhdes) Exportagées da Argentina ‘Ano Importagdes do Brasil Para o Brasil Paracrestodomundo 40 Festo domundo’ 1970 53 73 St 1971 13 36 a 1972 65 8 a 1973 92 182 243 1974 10 295 458 1975 7 204 ae 1976 98 333 og 1977 83 459 a 1978 9 466 ed 1378 206 400 340 eed 172 644 78 1981 9 755 es 1982 39 637 723 1983 — 1.474 27 1984 104 ‘362 a 1985 105 1.028 486 L Fontes: Brasil, Ministério da Fazenda (CIEF); Fundo Monetério Internacional (IFS). * Exclusive Argentina TABELA 7 PREGO MEDIO FOB DAS IMPORTACOES BRASILEIRAS DE TRIGO (1970-1985) (Unidade: US$/ton) Ano Provenientes da Provenientes de Argentina outros paises 1970 51,70 54,49 1971 61,30 62,61 1972 66,77 69,09 1973 92,80 124,61 1974 167,71 195,95 1975 155,36 156,09 1976 135,61 150,03 1977 93,56 103,03 1978 123,02 124,89 1979 138,94 156,53 1980 17407 190,53 1981 173,50 191,00 1982 180,88 180,36 1983 - 173,74 1984 130,25 159,99 1985 128,87 150,67 Fonte: Brasil, Ministério da Fazenda (CIEF). 49 trigo, 0 governo brasileiro vem mantendo hé varios anos um programa de subst- dios que consome cerca de dois bilhdes de délares ao ano dos cofres pablicos e que procura assegurar ao produtor local niveis de pregos que, em 1986, por exemplo, chegaram a alcangar 2,5 vezes a média de pregos do produto importado. CRIAGAO DE COMERCIO E COMPLEMENTARIDADE INTRA-SETORIAL A despeito da precariedade dos métodos, € sempre possivel quantificar, ainda que aproximadamente, os montantes de intercdmbio potencial que seriam oriundos do desvio de comércio, conforme vimos na segao anterior. Porém, 0 mesmo nao ocorre com o intercémbio resultante da criagao de comércio, que constitui justamente a dimensdo mais relevante do programa de integragio. O principal motivo desta impossibilidade reside no fato de que as oportunidades de criagdo de comércio estio diretamente vinculadas aos desdobramentos futuros dos parques industriais de ambos os paises. Assim, qualquer tentativa de men- suragdo desta parcela do intercmbio potencial teria que ser baseada em um grande mimero de suposicdes arbitrérias quanto aos ritmos provaveis de cres- cimento de ambas as economias em nivel setorial, as tendéncias ¢ formas futuras de incorporagao do progresso técnico (expressas em termos de taxas esperadas de crescimento de produtividade para cada ramo industrial), as caracteristicas dos planos de investimento, etc. Os obstdculos & quantificagéo néo impedem, entretanto, a discusséo infor- mada a respeito do papel a ser exercido pela criagao de comércio no ambito do programa de integracio.! O ponto de partida dessa discussio est4 associado a um desafio comum as perspectivas de crescimento de ambas as economias: 0 de estarem capacitadas a acompanhar os deslocamentos da fronteira tecnoldgica mundial, e, concomitantemente, assegurar condigdes de competitividade interna- cional a seus respectivos parques industriais. Para o estudo das articulagdes possiveis entre duas estruturas industriais marcadas pela presenga de firmas com tamanhos e pautas de produgao os mais variados, bem como por ritmos heterogéneos de progresso técnico, sao parti- cularmente titeis os instrumentos analiticos oferecidos pela teoria de mercados contestdveis. Por isso, os préximos pardgrafos apresentam um resumo dessa teoria, cujos fundamentos foram estabelecidos por Baumol, Panzar e Willig 4 Para a teoria convencional, criagio de comércio refere-se as transagSes originadas da substituigo de produgdo local pela correspondente oferta do pais associado. Na linguagem cunhada pela experiéncia de industrializagao latinoamericana, este movimento seria denomi- nado de “dessubstituigdo de importagSes”. Na acepedo empregada no presen’ texto, criagao de comércio significa a elevagdo do grau de abertura exetrna das economias envolvidas no proceso ¢. integrago decorrente da redefinicéo dos principios ordenadores da estrutura industrial dessas econ. aias. Em outras palavras, 0 aspecto relevante a ser enfatizado nio 6 a desativagao das linhas de produgio menos eficientes que as congéneres do pais associado, mas sim o process através do qual a médio prazo so superados os desniveis de produtividade existentes entre as economias envolvidas, e que consiste na introdugio de novas variveis nas estratégias de expansio das firmas estabelecidas nessas economias. 50 (1982). Em seguida, as possibilidades de criagéo de comércio so analisadas com base nos conceitos da teoria. O conceito de mercado contestdvel é 0 nticleo de uma teoria segundo a qual a estrutura industrial € determinada endégena ¢ simultaneamente com os vetores de produgio e pregos da indtstria. Esta teoria elege como tema funda mental o estudo das conexées entre trés ordens de fatores: as caracteristicas das técnicas de produgao disponiveis, a dimensio do mercado ¢ a concorréncia po- tencial. A partir da natureza das tecnologias em vigor, é possivel identificar a configuragdo da estrutura industrial que é eficiente para a produc do vetor de bens consistente com a dimenséo do mercado em andlise. Uma vez definida a configuracao eficiente, vale dizer, 0 ntimero e a distribuigéo de tamanhos de firmas, bem como suas respectivas pautas de produgdo e parcelas de mercado, © padrio de competigao da indtistria nao dependerd apenas das firmas ali esta- belecidas, posto que as estratégias a serem implementadas resultirio de cuida- dosas avaliagdes quanto ao eventual poderio dos concorrentes potenciais. Um mercado é perfeitamente contest4vel quando os concorrent:s potenciais estio aptos a impugnar efetivamente as prdticas das firmas jé estabelecidas no ramo. Para tanto, é necessdrio que os concorrentes potenciais tenham acesso as tecnologias em vigor na indtstria, e que, se posteriormente resolverem encerrar suas atividades, consigam recuperar os gastos com o proceso de entrada, Em outras palavras, um mercado & perfeitamente contestavel quando existe liberdade absoluta de entrada e sada. A importancia do conceito nao reside em sua rele- vancia empirica, mas em sua capacidade de prover instrumentos analiticos tteis a0 estudo das peculiaridades do capitalismo contemporaneo. Conforme observou Baumol, no mundo real os mercados perfeitamente contestdveis sao tao raros quanto os de concorréncia perfeita. De fato, “um mercado perfeitamente compe- titivo é necessariamente perfeitamente contestével, mas nao vice-versa” (1982, p. 4). Entretanto, a nogdo de contestabilidade nao depende das hipoteses usuais quanto a atomicidade do mercado, homogeneidade do produto e independéncia entre os processos decisérios das firmas; e tampouco conduz & concluséc de que a eficiéncia na alocago de recursos seja uma fungdo crescente do niéimero de firmas existentes no mercado, ou que indistrias competitivas sejam preferiveis aos oligopélios ou monopélios. Ao contrério, a teoria de mercados contestaveis ndo apenas sugere que os oligopélios ¢ monopélios sejam as configuragées mais freqiientes no capitalismo contemporaneo, como também que, na maioria dos casos, estas estruturas sejam desejveis do ponto de vista dos critérios de bem- estar. Para que uma estrutura industrial seja eficiente ¢ preciso que sua configu- ragdo seja factivel ¢ sustentével. A nogao de factibilidade é trivial: significa que existem técnicas de produgio com as quais é possivel atender 4 demanda aos precos vigentes e de forma que nenhuma firma da indistria tenha prejuizo. A nogdo de sustentabilidade é mais restritiva; impde que os pregos vigentes sejam tais que, se forem mantidos, nenhum competidor potencial poderé entrar no mercado e auferir lucros. De maneira mais precisa, estes conceitos podem 5 Este resumo foi apresentado anteriormente em Araujo Jr. (1985) pp. 8-10. 51 ser definidos assim: considere-se uma inddstria cuja configuragéo seja descrita pelo vetor (n, y',..., y*, p), onde n € o néimero de firmas, y' o vetor de pro- ducio da firma i, p o vetor de precos, Q (p) a demanda pelos produtos da indtistria, e ¢ (y') a fung&o de custos da firma i. Essa configuracao é factivel se n x ¥=Q(p); a ist py —c(y) S0;5=h....05 yzo E seré sustentavel se, além de atender as condigdes requeridas em (1), os precos vigentes forem tais que: p'y’ — ¢ (y) < 0 para qualquer p* < pey’ < Q(p*) E evidente que um mercado perfeitamente contestdvel estard em equilibrio se a sua configuragao for sustentavel. Outras propriedades importantes das con- figuragdes contestaveis sio as de que: 1) quaisquer outras distribuicdes de tama- nhos de firmas, pautas de producao, parcelas de mercado e técnicas produtivas so incapazes de atender & demanda a custos menores; 2) nenhuma firma pode operar com um vetor de precos que contenha subsidios cruzados; 3) caso surja uma inovacéio redutora dos custos de produgéo de algum produto da industria, os fabricantes daquele bem sfo forgados a adoté-la. Se a fusdo entre duas ou mais firmas, ou o desmembramento de uma delas, provocasse a redugio do custo total da indtistria, um concorrente potencial cujo tamanho fosse consistente com esse rearranjo poderia entrar no mercado e auferir lucros, Da mesma forma, se alguma firma estiver subsidiando uma linha de produgio deficitéria com os lucros advindos de outros bens mais rentdveis, um concorrente pode entrar no mercado fabricando apenas os produtos rentdveis e oferecendo-os a precos me- nores. Por fim, os parametros de sustentabilidade sao redefinidos com o pro- gresso técnico. A natureza das técnicas produtivas influi na determinagao do tamanho das firmas e na composigao de suas pautas de producto através da geracdo de dois tipos de mecanismos redutores de custos: economias de escala e de escopo. Economias de escala ocorrem, como é sabido, quando uma elevagao proporcional no uso dos insumos produtivos provoca um aumento mais do que proporcional no produto final. Economias de escopo — um dos conceitos inovadores oriundos da teoria de mercados contestéveis — ocorrem quando é mais barato combinar duas ou mais linhas de produgéo em uma tinica firma do que produzi-las separadamente. ‘Ao nivel da indtistria, a quantificagéo das economias de escala e de escopo inerentes as tecnologias disponiveis permite postular que o ramo em anélise é um monopélio natural quando sua configuracao sustentével comporta apenas uma Ginica firma; ou que se trata de uma inddstria naturalmente oligopolista (ou naturalmente competitiva) nos casos em que o numero de firmas for pequeno 52 (ou grande). Cabe notar que este exercicio nos informa apenas qual a estrutura mais eficiente para um dado nivel de desenvolvimento das forgas produtivas de dimensiio do mercado, mas nao a estrutura que deverd emergir do padrao de concorréncia em vigor. Além disso, a estrutura dtima sé pode ser identificada enddgena e simultaneamente com os vetores de produgio e de pregos, dado que uma configuracio sustentavel resulta de um vetor de produgo que depende dos vetores de precos cobrados pelas firmas, cujo comportamento é fungao da estru- tura da inddstria. Os conceitos apresentados nos pardgrafos precedentes pdem em relevo o principal beneficio que o programa de integracdo pode oferecer as firmas argen- tinas e brasileiras: a ampliagdo de seus respectivos mercados locais. Por outro lado, € possivel perceber também que os principais objetivos do programa s6 serio alcangados na medida em que as firmas de ambos os paises explore este beneficio. Para as firmas, isso significa redefinir suas pautas de produgao de acordo com as novas dimensées do mercado, e estabelecer novas estratégias de cresci- mento que compreendam: a revisdo das prioridades de investimento; a eventual abertura de filiais no pais vizinho, ou a busca de sécios para formar empresas binacionais; a selecio, com base nas economias de escala e/ou de escopo a serem exploradas, das linhas de produgio a serem mantidas simultaneamente em ambos os paises, bem como daquelas a serem operadas de forma comple- mentar, etc. Esse estilo de atuaco das empresas implicaré a criagdo de solugdes novas para o trinémio “tecnologia — vetor de produgdo — dimensao do mercado”. Dessa maneira, cresceré o ntimero de ramos industriais cujas configuragdes serdo factiveis, bem como daqueles ramos cujas configuracdes sé seriam factiveis em bases nacionais com o suporte de subsidios e que, apés a integragdo, tornam-se sustentaveis, Do ponto de vista das articulagdes entre as duas estruturas industriais, os mecanismos acima descritos correspondem a criagio de comércio intra-setorial. De fato, stio trés dimensdes de um mesmo fenémeno, o processo de investimento, que para a firma significa a busca de maior lucratividade, para a indtstria, a transformagio de suas condigées de competitividade internacional, € para os paises, 0 aproveitamento de suas vantagens comparativas. CONCLUSAO As diferencas de tamanho entre as duas economias podem conferir sensatez aparente a0 comentério de que o programa de integragio € indispensdvel & Argentina, mas tem uma importancia apenas relativa para o Brasil. O presente artigo mostrou que essa avaliagdo € errada. Na verdade, a integragdo é crucial para o bom desempenho futuro de ambas as economias devido a pelo menos trés motivos relevantes. Em primeiro lugar, porque Ihes permite ampliar e exercer plenamente suas atribuigdes como fontes dinamizadoras do crescimento latino- ameticano, sem que isso thes crie dificuldades de natureza politica dentro da 53 regio. Em segundo, porque conduz & realizado das potencialidades de inter- cAmbio bilateral, cujos beneficios foram apontados nas segdes anteriores. E, por fim, porque Ihes assegura melhores condicdes para lidar com o desafio da modernidade. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Araujo Jr, J. T. Tecnologia, Concorréncia e mudanga estrutural: A experiéncia brasileira recente, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, série PNPE n° 11, 1985. Baumol, W. J. “Contestable markets: an uprising in the theory of industry structure”. ‘American Economic Review, vol. 72, n° 1, margo 1982. Baumol, W. J., Panzar, J. C., e Willig, R. D. 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Finally, it points out that the removal of trade barries will lead to an improvement of the pattern of industrial organization within both economies. 54

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