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6 © Classificagao e Nomenclatura A classificacdo cientifica dos animais é 0 campo da taxonomia om zoologia sistematica. A taxonomia bascia- se principalmente na mozfologia e anatomia (siatemsti «a tradicional), coletando ¢ estudando corpos inteiros em liquide, esqueletos e espécimens empalhados. Asaves sio 0 grupo melhor pesquisado dos animals. Calcula-se que mais de 99% das espécies recentes sejam conhecidas. Em borboletas, p. ex., provavelmente nem a metade das espécies existentes foi descrita, As aves {osseis identificadas sao escassas, mas da maior impor tncia. Seria pouco objetiva se concluissemos que no femos nada mais a fazer em termos de classificagio de aves, conforme esti sendo as vezes propalado. Nos tiltimos anos foram desenvolvidas noves téeni cas para a classificagio de aves, sobretude métodos bicquimicos: a quimio-taxonomia ou sistemstica gené- tica. Enquanto a sistemtica tradicional trabalhava com todo o organismo, a sistematica genética trabalha ape- nas com as moléculas: anélises comparativas de dcidos nucléicos e proteinas (biologia molecular). Foram Charles G. Sibley e Jon B. Ahlcuist (1972) que iniciaram essas pesquisas, comecando com anélises eletroforéti cas da clara do ovo. Depois aperfeigoaram esas t6eni cas desenvolvendo a DNA hibridago (DNA = AND, cido desoxirribonucléico), uoando 0 material genético contido no sangue. Com a tiltima técnica, “ealibrada” ‘com dados geoldgicos, chegouse a conclusdes bastante convincentes sobre o parentesco das categorias superio- res (a3 familias), evoluidas durante milhdes de anos. Puderam assim ser corrigidas as arvores filogenéticas das aves, esquemas construidos pelos anatomistas e paleontélogos. As conclusbes dos tiltimes, baseando-se em fésseis, nio permitem um controle bioquimico, Os dendrogramas de C, Sibley cobriram durante oXIX Con gresse Internacional de Ornitologia em Ottawa, Cana~ 64, em 1986 uma parede inteira da sala de posters, O sistema das moléculas ¢ incrivelmente complica- do, tornando'se altamente significativa uma teal seme- Jnanca de tais amostras, que representam as aves a com- parar, As DNA-técnicas revolucionaram a sistematica dasaves, masgeralmente confirmam as opinidesreinan- tes sobre o parentesco. Foi provado, p.ex,, 0 parentesco {ntime dos tinamideos com acma. Em certos casos, como . ex, ne cigena, os resultados surpreendem e estamos, ‘spetando conficmagdes, Nao faltam criticas que exigem mais requintes nas técnicas atuais de DNA hibridacio (Houde 1987) Para aplicar a eletroforese em nivel genérico ¢ espe- fico, recomenda-se preparar “skin-skeletons": corpas inteiros com os ossos, a musculatura, as visceras, asas ¢ cauda, conservados em gelo seco. A melhor fonte de material é 0 sangue (Johnsen ef al. 184). As proteinas da queratina de penas secas podem ser também analisa das bioquimicamente. Esse método fol usado na lassi- ficagao do cotingideo Tijuca condita, especie nova brasi- Jeira muito particular (Knox 1980). Com essa técnica se pode até analisar uma espécie entinta, se ainda houver material conservado em Museus Existem varios outros métodos modernos para pesquisar 9 parentesco de aves. Examinam-se relacis tayondmicas bioquimicas com base em anélises de cas- casde ovos (aminodcidos, Krampitzetal. 1975, Packfgen 1979) ¢ compara-se a substancia da excresao da glandue 1h urepigiena (Poltz & Jacob 1974, Jacob 1980) Bestudada aultre-estratura da casca do ova (Becking 1975). Continue-se a trabalhar com os cromassomos, © campo da citotaxonomia (Lucca & Rocha 1992). Oestu- do dos cromossortos das aves é dificultado pela exis- féncia de numerosos microcromassomos (até 60 pares) ¥. também anilise do caristipa (identificagio do sox0, ¥ sob Paittacidae), Feduccia (1974) voltou ao aproveitamento da ceateologia, comparando o “stapes” (coltanella), sino do ouvido intermo, que permite tirar conclusces flogenéiicas uma vez quenao fica sujeito diretamente a pressdes mais fortes da selegao. Em conclusdes filogenéticas ndo se deve utilizar apenas um elemento como fundamento. ‘A madetna “taxonomia numérica”, aplicada no Bi sil em insetos, trabalhando-se com computador, nfo é ainda utilizada em aves. Temos a DNA-hibridacio © ‘outras téenicas bio-quimicas que podem ser corsidera- as um tipo de taxonomia numérica. Uma controvérsia campea, atualmente, acerca de gual das trés metodologias de classificacao bioldgice seia a melhor: classificagao fenética,cladistica ou evolutiva. Os méritos e as aparentes deficiéncias das erés aborda- ‘gens sio discutfveis. Jf queclassifiearé um procedimento de muiltiplas etapas, sugere-se que o3 melhores compo- nnentes dos tris métedes sejam usadas em cada eiapa. Através de uma tel abordagem sintética pode-se cons- truie classificagdes que sac igualmente adequadas tanto como base de generalizagoes, quanto como indice para sistemas de armazenamento e resgate de informacio. Referimo-nos na identificacio 0 maximo possivel a0 efeito daave viva, que pode ser bem diferente do-causa- do pelos espécimens de museu. Em arapacus, Dendrocolaptidae, p. ex,,a identificasio de gabincte $4 + OnssToLoctA BRASILEIRA apsia-se geralmente no desenho do lado inferior que, emnatureza, mal se ve, poisa ave esta sempre “colada” 8 arvore. Em grupos como aves marinhas ¢ aves de ra- pina damos os caracieres que distinguem aave em voo. Com alguma experiéncia reconhecemos muitas vezes uma ave viva pelas suas proporcées e sua atituce, mes- mo pela silhueta, ¢ além disso, pelos seus movimentos. As dificuldades que, no Ambito deste livro, envalvom a caracterizagio da morfologia, podem ser superadas fre giientemente por chamar a atengio a biologia incluindo «2 ctologia des respectives representantes, sobretude a youalizacio que, em muitos casos, resolve o problema. Lembramos da classificagao do furnarideo Sckizoeca (€Oreophylax) moreire, identificado pelos sistematas de gabinete como um Synaliaxis; pelo estudo da vocaliza- $40 eda construgao do ninho foi possivel incluf-la num género andino, imigrado para o Brasil no Pleistoceno Gick 1985b). A transferéncia de Packvramphus e Tityra dos cotingideos aos tiranideos se compreende imedia- tamente pelo seu modo de nidificaca Para idontificar cientificamente tuma ave, so neces- sérias em muitos casos, as medidas exatas, em milime- tros, de asas, cauda, bico, tarso e dedos, além de uma apreciagio minuciosa da plumagem, detalles que ficam reservados a trabalhos de caréter mais profissional, ba- seados em espécimens coletados. Sendo assim, nao pu- demos abordar devidamente, p. ex., os problemas intrincados das chamadas “espécies cripticas” ou “es- pécies gémeas” (sibling species, gemino-species, Mayr 1942): espécies morfologicamente muito semelhantes (como certos papa-moscas, Tyrannidae). para cuja dis- tingio so necessarios os mais exatos dados sobre o ta anho e © colerido. Citamos samente 0 nome, acres- centando sua distribuigio As vezea, a voz resolve o caso. Da mesma forma tralamos algunas espécies, tanto resi- denies como visitantes, de ocorréncia local, registradas .€x.,s6 nas fronteiras do Brasil, sobretudo na perifenia setentrional, até hé pouco de alcance dificil Em espécies ou subespécies muito parecidas (v: p. ex. Vireo), pode-se estudar 0 comprimento relative e 0 adelgacamento das primérias mais externas que formam a ponta da asa (pesquisa possivel apenas quando as rémiges no estejam em fase da muda nem muito gas- tas), para obter a formula de aca ou o indice de asa (Lanyon 1978, Mlikovsky 1978). O adelgagamento ccs- tuma ser mais desenvolvido em individuo adultos e pode ser privativo de macho (v. também Miisica instru- ‘mental, remiges sonoras). Asas acentuadamente apon- tadas caracterizam populacdes migrantes (v. p. ex. Tyrannus saoana e Cinclades). Caleula-se também 0 indi- 2 asa-cauda para diferenciar formas parecidas (caudax 100: asa, ou percentagem) (Os dados que damos sobre o colorido da plumagem abrangem apenas o indispensével para a identificagao, que ainda reduzimos quando consta uma figura. Abs vemos-nos de descrigdes mais detalhadas, que pratica- ‘mente qualquer um que manuseie com prudéncia espécimens empalhados ou copie livros pode fazer. Abordamas plumagens juvenis. Mencionamos, opor- tunamente, certas variacées do colorido, sobretudo mu- tacdes, como, p. ex., polimorfismo em aves-de-rapina, papagaios e corujas, heteroginia em formicarideos ¢ hermafroditismo,o sltimo registrado nos emberizidecs. Nao faltam no Brasil descendentes de cruzamentas de espécies © géneros na natureza (v, p. ex, Emberizidae). Fendmenos morfolégicos semelhantes podem ser interpretados: (1) como analogias ou convergéncias, re fletindo adaptagoes especiais, ligadas ao complexo da alimentagdo ou as condigdes ambientais, ou 2) como homologias que provam um parentesco filogenetico. Fazemos muitas vezes alusao a esta alternativa. Pode- se dizer: a evolugdo convergente provoca semelhancas falsas, enquanto a selecao natural ofusca 0 verdadeiro pareniesco. Evoluiram analogias surpreendentes entre a fauna neotrpicae a fauna africana, em perfeita adap- tacfo a0 meio ambiente. 0 caso mais interessante é 0 dos beije-flores, Trochilidae, que parecem ser imitados pelos Nectariniidae, Passeriformes do Velho Mundo (Africa ¢ Madagascar, Indo-Austrilia). Outros casos evi- dentes sio os bicos-de-agulha, Galbulidae (Piciformes), dda regiao neotropical, e os abelharucos, Meropidae (Coracitformes), do Velho Mundo. Comentamos a seme- Ihanca de tiranideos terricolas nossos do género ‘Muscisaxicola, com 0 chasco-do-monte, Ocnanthe sp., Muscicapidaedo Velho Mundo. O“perigo” de uma con- vergéncia adaptativa foi freqlentemente subestimado, problema ¢ distinguir claramente entre adaptacio parentesco verdadeiro. Enquanto em ordens como ‘Tinamiformes e Procellariiformes a monofilia (descen- déncia de uma 25 raiz) parece cert, polifilia é provavel fem outres grupes, como Coraciiformes e Passeriformes, Concittia Bock (1976), que antes de 1940, a classifica- ‘40 das aves se baseou quase toda na morfologia com- Parada, enquanto ap6s 1950 as pesquisas nao- ‘morfol6gicas comecaram a predominar. Os fatores mor- fol6gicos continuam a set, porém, os caracteres mais, titeis na taxonomia, O principio dos sistematas para organizar a Classe AVES & colocar os grupos de idade geolégica maiore de ‘evolugdo mais lenta (pingiiins ¢ ratitas) na base do sis- tema, 0s grupos mais novos, de evolucao mais répida (Passeriformes), no fim. Uma sequéneia lineas, porém, nunca pode satistazer Dames aqui uma sintese altamente simplificada, ca- racterizando as unidades sistemsticas (taxon): classe, or dem, familia, 8nero, espécie, alo, semi, super e subes- pécie. 6-1. Chasse © conjunto de todas as aves éa classe. A dlasse AVES € dividida em duas subclasses: (1) Archaeornithes, qué sio as aves ancestrais,representadas por Archeopterys, thocomidae). (2) Neornithes, as aves (v-sob cigana, O} CLASSIFICAGAO ENOMENCLATURA + 93 verdadeiras, entre elas h4 representantes fésseis, do Cretéceo, como Hesperornis ¢ Ichthyornis, ambas aves marinhas. Asavas recentes sio grupadas em Ratitas (v. Rheidae) e Carinatas (todas as outras aves recentes), 6.2. ORDIM Para expressar parentesco mais préximo dentro de ‘uma classe de animais, como sHo as aves, esta é dividi- da emordens (p. ex. Passeriformes). Ostatusdas ordens, entidade muito coletiva, édiscutido. Até dois sistematas contemporineos do maior renome, divergiram conside- ravelmente: Stresemann (1927-1934), no Velho Mundo, dividia as aves vivas (excluindo as aves fésseis) em 48 ‘ordens, Wetmore (1960), representante do Novo Mundo, apenas em 27 ordens. Reconhecemos 24 ordens no Erasil. ‘Acima da categoria da ordem, Wetmore adota duas superordens de aves verdadsiras recentes: os Impennes, (pingiins) e os Neognathae (as aves restantes). (Os Passeriformes ou Pasveres sdo confrontados mi tas vezes a0 resto da classe: os nao-Passeriformes. A or- dem € subdividida as vezes em subordens (¥. p. ex. Charadriiformes e Passeriformes). A préxima entidade inferior é a fami 6.3. FaMiLta ‘A familia (taxon caracterizado pela silaba terminal- idae, p. ex, Anatidae) constitui a entidade mais alta re- conhecida pelas leis internacionais da nomenclatura (¥. sob “Espécie”, 25.). Os membros da familia tém que ser monofiléticos. Indicamos na introducéo de cada fami- lia, a presumivel origem da mesma e suas supostas rela- «ies de parentesco. Além da morfologia e da etologia,

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