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Introdução

O objetivo deste trabalho é lançar um olhar diferente sobre uma fonte primária a
partir da discussão entre fotografia e História. A fonte escolhida foi uma fotografia,
ganhadora do prêmio Pulitzer em 1993, tirada por Kevin Carter, fotógrafo sul-africano,
durante sua passagem pelo Sudão. Buscou-se relacionar um breve histórico sobre a biografia
de Kevin Carter e o regime político vigente à época da foto com a discussão sobre real e
verossímil dentro do contexto Fotografia-História. A questão orientadora do trabalho foca
responder às seguintes perguntas em relação a fonte escolhida: a fotografia traz em si a
realidade do instante? Caso não, por que o real não se mostra como essência?
História e Fotografia

Um meio pelo qual se possa destacar historicamente um momento. Será essa uma
boa definição para a fotografia dentro da sua relação com a história? Dentro da discussão
sobre a colaboração da fotografia para o trabalho historiográfico, geralmente chega-se a
questão sobre até que ponto deve um historiador confiar em sua fonte.

As tentações do realismo, mais exatamente a de tomar uma imagem pela realidade,


são particularmente sedutoras no que se refere a fotografias e retratos. (BURKE,
PETER 2004)

Necessária como registro. Ela é uma construção iconográfica. Problema: como a


pessoas recebem a imagem como fidedigno. A fotografia não representa o real. Por quê? Se
envolve pessoas, a fotografia é um meio de avaliar a situação, no sentido de dar valores. O
real é a própria espontaneidade, o que cria a si mesmo. Diferindo-se da fotografia, que surge
de algo já existente e modifica a existência disso. O fotógrafo faz um recorte buscando dizer
algo, quem garante que isso será compreendido. O impacto que a fotografia produzirá
depende do contexto histórico a que ela pertença. O fotógrafo seleciona um certo fragmento
da realidade pois tem consciência que aquilo provoca.

A função ideológica das imagens nos leva a pensar que estas não podem ser vistas
como a realidade “nua e crua”, como reflexo neutro do real, mas antes como uma
produção de sentido normativo por parte dos autores. (SILVA, EDLENE 2010)

Entre tantos meios de comunicação, muito possivelmente a fotografia foi o que


mais provocou debates históricos. De fotos românticas a cenas de guerra, foram criadas
infinitos retratos da vida através de cliques. Aparentemente objetivo, este meio de
comunicação é muito complexo. A objetividade se apresenta no recorte do mundo em um
dado momento e a escolha do ângulo, cena, contexto, entre tantos outros dispositivos da
fotografia, aflora toda a sua complexidade.
Como meio significativo de poder ao longo da história, utilizada para divulgar
ideologias, fundamentar pensamentos e sustentar idéias, a fotografia incita muitas perguntas a
respeito do que apresenta, simultaneamente retratando e questionando a realidade e nesse
embate muitas vezes a própria foto revela suas respostas. A sabedoria popular diz que uma
imagem é capaz de expressar mais de mil palavras, e nesse universo da fotografia, as palavras
que a imagem dita são passíveis de escolha. Uma imagem, além de equivaler a palavras,
também as constitui. Apesar da aparente impessoalidade que a máquina fotográfica
transparece, há um complexo humano e social que a constitui.

A idéia de objetividade, apresentada pelos primeiros fotógrafos, era sustentada pelo


argumento de que os próprios objetos deixam vestígios na chapa fotográfica quando
ela é exposta à luz, de tal forma que a imagem resultante não é o trabalho de mãos
humanas , mas sim do lápis da natureza (BURKE, PETER 2004)

A individualidade de cada foto ilustra a perspectiva do indivíduo que a construiu,


pois a fotografia é uma montagem, uma realidade constituída de escolhas do profissional que
recorta um dado instante. O que é uma fotografia? Um documento composto por planos,
perspectiva, luz, forma, textura, linhas, formas, desenhos, foco e movimento. Fisicamente, é
uma definição plausível, mas a fotografia transcende esse conceito. O retrato é um resultado
de um conjunto de escolhas feitas por um indivíduo. Não há maneira de realizar uma
separação objetiva entre fotógrafo e fotografia. Existe uma relação de pertencimento entre um
e outro.

O caráter único do encontro entre fotógrafo e fotografado, como registro mecânico


da realidade, faz com que a fotografia, muitas vezes, seja vista como uma cópia
perfeita do real, esquecendo-se de que como todo documento histórico é uma
construção de uma certa realidade ou temporalidade. O tipo de ângulo, de filme, a
cor, a intensidade, a luz, interferem na criação da imagem fotográfica. (SILVA,
EDLENE)

Essa arquitetura da imagem não pode ser considerada a própria história. Ela
pertence a um contexto socialmente construído. A foto e o fotógrafo não são elementos
destacados de seu tempo. Um dos papéis do historiador é sempre buscar criticar as fontes e
evitar o hábito de ver um retrato como representação exata de um momento específico. O
retrato deve ser visto além do seu objetivo inicial: recorte da realidade. A fotografia, analisada
sob todas as suas características, pode ser muito útil para se entender com que olhar a história,
como conjunto de atores em um contexto, observa um acontecimento. Essa análise traz uma
realidade construída pela fotografia, conhecer fatos por imagens, não apenas textos, buscando
a verdade de um momento observando-o é um exercício extremamente tentador, todavia não
se deve cair na armadilha de acreditar somente naquilo que a fotografia mostra.

Vivemos em uma sociedade visual com intensas transformações


tecnológicas na qual uma avalanche de imagens tem atravessado o espaço social e
onde o espetáculo exerce uma influência considerável nas relações sociais. Por todos
lugares que andamos, encontramos imagens que formam sentidos e criam
significados.(SILVA, EDLENE)
Kevin Carter, Apartheid e o Clube do Bangue-Bangue

Carter nasceu em 13 de setembro de 1960 em um subúrbio de Joanesburgo. Neste


mesmo ano, o CNA (Congresso Nacional Africano) foi fechado na África do Sul. Em 1962,
Nelson Mandela, o principal líder do partido foi preso. Carter presenciou um período que vai
desde o auge do apartheid, com toda suas atrocidades, até ao seu fim político. Filho de pais
Católicos Romanos, Carter mostrou-se um rapaz que discordava da opinião de sua família e
do governo. Após terminar o colegial, Carter entrou na faculdade de farmácia, fez apenas um
ano e então saiu, pois havia sido convocado para a Força de Defesa Sul Africana, onde teve o
seu primeiro contato direto com o regime Ao tentar defender um garçom negro, Carter foi
espancado por soldados pró-apartheid que o chamaram de kaffir-boetie, na língua local seria
algo como “aquele que ama negros”. Aos 20 anos, Carter largou o exército, assumiu a
identidade falsa de David e começou a trabalhar como DJ (Disk Jockey), mas logo foi
demitido pois tentou se suicidar.

Retornou ao exército e antes de completar seu exercício, sobreviveu à explosão


de uma bomba em Pretória. Já desligado do exército, Carter encontrou emprego em uma loja
de câmeras. Então aproveitou o horário fora da loja cobrindo jogos esportivos para o jornal de
Joanesburgo, o Joanesburgo Express. Em 1984, um grupo de fotógrafos brancos, apoiado por
jornais locais e agências internacionais começou a fazer expedições às áreas de maior conflito
de Joanesburgo. Quatro desses profissionais ganharam destaque e formaram o Clube do
Bangue-Bangue, foram eles: os sul-africanos Kevin Carter, Greg Marinovich e Ken
Oosterbroek e João Silva, este último português. As fotos desse grupo correram o mundo e
chamaram a atenção para a grave situação política que assolava a África do Sul.
A foto

Em sua passagem pelo Sudão, em 1994, Kevin Carter fotografou uma situação. A
foto traz uma criança negra e magra, deitada no chão de terra e mato seco e um abutre ao
fundo aparentemente observando a criança. Essa é uma descrição simples e impessoal da foto.
Na época em que foi divulgada pelo jornal The New York Times, a fotografia causou grande
comoção, devido ao estado de aparente desnutrição da criança, do olhar do abutre
aparentemente a espera da morte daquele ser humano. O jornal recebeu várias
correspondências perguntando sobre o que havia acontecido com a criança e qual tinha sido a
posição do fotógrafo em relação àquela situação.

No livro, O Clube do Bangue-Bangue – Instantâneos de uma guerra oculta, os


relatos de Carter sobre o momento da foto se mostram controversos. Em uma versão ele diz se
mostrar tocado pela situação e questionar seu dever de ir ajudar a criança. Em outra versão
disse que aguardou vinte minutos, esperando o abutre abrir as asas, não conseguindo isso tirou
a foto e sentou-se embaixo de uma árvore.

Quatorze meses após esse retrato, Kevin Carter recebeu o prêmio Pulitzer por
melhor foto jornalística. (tantos) meses após receber o prêmio, o fotógrafo suicidou-se.
Deixou uma carta na qual mostra-se extremamente perturbado com as imagens dos anos em
que passou fotografando cenas de guerra e fome na África.

O que se tem desse contexto é que não há como saber de fato o que se passou com
a criança, o abutre e o fotógrafo, pois não é revelado ao espectador da foto. A foto não
permite fazer uma correspondência direta entre memória e fotografia. O que de fato aconteceu
pertence a uma dimensão distinta daquilo que se mostra no retrato. Os relatos do fotógrafo
sobre o que aconteceu antes e depois da foto são discursos pertencentes a um indivíduo, que
escolhe aquilo que revelará sobre sua memória. O que foi revelado ao público sobre os
acontecimentos antes e depois da foto não pode ser considerado real. São especulações sobre
uma situação, como uma espécie de realidade inventada.

...al materializar algo tan inmaterial como la imagen de la cámara, la


fotografia realiza uma operación similar a la de la memória cuando fija algo
tan frágil como um percepto. Ambas, fotografia y memoria, tienen como
objeto principal el almanecar algun tipo de esencia inmaterial, instatánea y
volátil.
Conclusão

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