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Seeman imta RNa nenne rn Revista Portuguesa de GESTAO Gestio dos Recursos Humanos , — que significado? Claudio Teixeira* 1. A Associagdo Portuguesa de Gestores e Técnicos de Recursos Humanos escolheu como tema central do seu XXVI Encontro Nacional: «Da Gestio de Pessoal & Gestio das Pessoas». Embora os sub- (emas indicados para as vérias sessdes do Encontro ‘nde nos permitam concluir o que se quer dizer exac- lamente com aquela expressio, ela tem pelo menos ‘omérito de suscitar a questo do significado da ges- Go dos recursos humanos, ¢ de uma forma mais directa do que seria fazé-lo discutindo a razio de ser de designagdes diferentes tais como «gestio de pes- Soal» ¢ «gestio dos recursos humanos». Todavia, lust discusso destas designagdes — e que se fez recentemente no Reino Unido ~ leva também necessariamente a considerar qual 0 sentido da «fungéo pessoal» quer quando se pretende opor uma «modema» «gestiio dos recursos humanos» a uma «antigay «gestao de pessoal» quer quando essas designagées so consideradas equivalentes. A indferenca quanto ao uso de uma ou outra, tanto poserd querer dizer que, em termos préticos ou de Restio, isso 6 irrelevante, como também poderd sig nificar que nao hé evolugdo nenhuma no exercicio da «funcao pessoal», apesar das mudancas de nome. A «antiga gestio de pessoal» ~ se poz ~ontigay ertendermos um tratamento. doininante- mente juridico-administrativo das questées de pes- si ~ manter-se-ia e nem se vislumbraria qualquer ‘azdo para mudar, No sabemos em que medida isso € verifica em Portugal. Em meados dos anos 70, a * Potesor Ausilis do ISCTE Associagao Profissional (que se chamava «Asso- ciagdo Portuguesa de Directores e Chefes de Pes- soal») mudou de nome ~ para um mais «técnico» ou «neutron «Gestores ¢ Técnicos de Recursos Hama- os» — mas a sua revista mantém o titulo «Pessoal» @ semelhanga da congénere francesa). Al rood deconteidoe so mesmo eps aa renga-perante a etiqueta?... Mas, hoje em dia, em Portugal nao deixa de ser signifi- cativo (apesar de desconhecida.aimportinciaestatistica do fenémeno) que em algumas empresas a func pes- soal tenha recentemente descido de estatuto e passado a limitar-se ao tratamento juridico-administrativo do processamento de salérios, ficheiro de pessoal ¢ cum- Primento tanto quanto possivel minimo de diplomas legais ou convengées colectivas. O «pessoal» ou os s«ecursos humanos» passam A categoria de niimeros ‘tatveis informaticamente, a gesto dos recursos huma- nos € reduzida & expresso mais simples numérica € computorizada. Isto, ao mesmo tempo que o discurso oficial fala de «criar vantagens competitivas através das pessoas») Voltemos & expresso «Da gestiio de pessoal A ges- tao das pessoas». E dbvio que, com ela, se pretence dizer que fazer gestio de pessoal ndo € 0 mesmo que fazer «gestdo das pessoas. Mais: aparentemente, € desejavel que se evolua da «gestio de pessoab» & «ges- Uo das pessoas». Nesta diferenciaco ou alternativa, ‘que é que evocam ou que conotagdes tém quer uma quer a outra? ——r—_ Revista Portuguesa de GESTAO Quanto a «gestdo de pessoal: — Por um lado, ela parece evocar a gestio de algo «coleetivon ~ «o pessoal» ~, a gestio de categorias pro- fissionais ou mesmo, mais tecnicamente, de perfis de qualificagZo, uma gestio que é traduzivel em nuimeros ~ gestdo do volume de emprego, por exemplo ~ em ssuma, uma gestio nao personalizada, que no tem por refereacial dominante 0 individuo, a «pessoa»; ~ por outro lado, «gestio de pessoal» evocard uma ges- Go que é exercida por «especialistas» que tatam Juridica ou tecnicamente de questées, tais como receu- tamento e selecgo, categorias qualificagses pro- fissionais, planos de formagao, etc. Quanto a «gestéo das pessoas»: Esta expressdo desde logo suscitaa ideia de gestéo per- sonalizada, centrada no individuo, nomeadamente dando importincia & sua careira na empresa ou mais amplamente na sua vida profissional, chama a atengo para a nogo de «gestio dos colaboradores», ¢ conse- queatemente implica que a gestio dos recuisos huma- nos nao seja exercida s6 por especialistas responsdveis da fungo pessoal, mas seja algo com que tém a ver os ‘que desempenham fungdes de gestZo, enquadramento e supervisio. 2. Apés este curto apontamento sobre as conotagces ssuscitadas pelas expresses «gestdo de pessoal» e «ges- tio das pessoas», ¢ na sequéncia da referencia feta no inicio deste artigo & maior, menor ou mesmo nula rele- vancia da diferenga de designagdes entre. «gestio de pessoal» ¢ «gestio dos recursos humanos» (é esta Ultima que usarei daqui em diante), proponho estrutu- rar uma reflexéo sobre o significado da gestio dos recursos humanos que possa situar a sua variedade de orientagées ¢ priticas tendo em conta duas dimensdes fundamentais, ado exereicio, ou seja, quem desempe- nha fungdo ou exerce a actvidade de gestio dos recur- sos humanos; a do seu referencial, ou por outras pala- vras, 0 objecto dessa actividade. Trata-se de uma tentativa de tipologia que tem, evidentemente. como limitagao o facto de ndo decorer de uma analise em rica prévia que discriminasse claramente as dimensdes 08 polos nela utilizados. Assim, quanto ao exercicio da fungao pessoal, poderia- mos considerar dois polos: fungao «especializada» Tuncdo «partilhada», comespondendo a primeira 30 ‘exercicio exclusivo ou dominante de especialistas de ‘cursos humanos e a segunda, & participacio forte ou mesmo dominante dos gestores, quadros, técnicos ¢ supervisores, _Gestio dos Recursos Humanos Funcdo «Especilizadan A Teatamento ucidico-adessistative Potencial Hawano Milo-de-cbra Fungo «Pacithadae Figura ‘Quanto & outra dimensio, a do referencia, temos num polo os recursos humanos como «mnao-d seu tratamento juridico-administrativo eno: i 3 tio € 0 desenvolvimento do potencial humano:. ase" * A figura 1 € um primeiro esquema desta tentativa de tipologia, 2.1. Gestdo dos recursos humanos como funcio . « femuneragio, com destaque para a evolucdo da importincia das formas de remuneracéo variével: ~formagio edesenvolvimento, dando-se umaatencdo especial aos problemas da avaliacdo das necessidades; ~relagGes sociais, nomeadamente graus de comunica- do entre Direopo e Trabalhadores e evolueéo da influ- éncia sindical; ~flexibilidade e organizago do trabalho, nomeada- mente em termos de Variedade de regimes de tempo de trabalho, ‘Nido se repréduzem aqui os resultados da I! fase deste estudo europeu, porque esto acessiveis em textos publicados que os apresentam ¢ comentam. Mas é interessante constatar que esses resultados mostram que © enquadramento operacional assume especiais res- onsabilidades nos dominios da seleceao ¢ da forma- so, além naturalmente daquele que atrés se designou Por exelagtes sociaiss. A gestio dos recursos humanos como fungo «parti- Ihada» ndo significa apenas a panicipagao das «hie- Farquias» em actividades até agora consideradas pré- Brias dos responsaveis e especialistas da funcao Pessoal. A gestio dos recursos humanos é também. ¢ principalmente, «gestao dos colatoradoresy/feita por aqueles que com eles tém uma relacio de enquadca- ‘mento ou supervisio/E af ganham relevo dominante 05 problemas do exercicio da lideranca, das formas e priticas de comunicacao, da motivagao, da mobiliza- ‘edo da iniciativa e da cooperagio. A consideracio desta vertente da funcdo «partlhada» leva. por vezes, alguns a defender que até nem se justifica a existéncia de responsdveis ¢ especialistas da fungo pessoal na empresa. Mas no deixo de chamar a atengao para a necessidade de um enquadramento ou orientagdo que assegure coerénciae até equidade nas diversas manci- fas como 08 varios quadros e supervisores gerem os seus colaboradores, além de que ¢ indispensdvel uma visdo global e de futuro concretizada numa estratégia de recursos humanos. E quando a dimensio ¢ a dife- renciagdo, da empresa jé torna arriscado reservar exclusivamente ao topo a concretizacio dessa vis iguéma deverd assegurar Nem por isso todavia. daqui se concluiré quea formu- lagdo ¢ a implementagdo da estratégia de recursos hhumanos nio deva efectuar-se de forma «pattilhadan, Com efeito/-«..uma abordagem estratégica das Pessoas ndo € apenas da responsabilidade de uma fungo ou cepartaménta especializadas/ Os gestores em toda a Organizago sfo responsaveis por tomarefectivaa Ges. Uo dos Recursos Humanos/ A relacdo entre emprega. dos e gestor de linha é crucial no fazer a ponte entie 0 ‘estratégico e 0 operacional. Os gestores de linha imple- ‘mentam os objectives estratégicos da Organizacdo atra. 6s do seu estilo de lideranca e da forma como gerem ‘05 seus colaboradores.» 2.3. Esta ponte entre o estratégico e 0 operacional leva- Ros &outra dimensio a considerar—a do referencial ou. ‘eferenciais da gestio dos recursos humans, Podesiios situar nessa dimensio os seguintes polos em oposigSo: ~ «mio-de-obra» ¢ «potencial humano»; ~ «pessoal» ¢ «pessoas»; ~tratamento jurdico-administrativo e gestio estratégica. ‘Muito sumariamente, para evitar repetiodes, digamnog. ‘que & consideracao dos recursos humanos comossiae: ples «anio-de-obra> que é utilizada indiferentemente™ das suas caracteristcas individuais ou de forma «des- ersonalizada», corresponde mais tipicamente tim tra tamento juridico-administrativo em que a gestio dos recursos humanos serd sobremdo gestio de fluxo de * bessoal. Em termos de flexibilidade na Bestio dos recursos humanos, trata-se da «flexibilidade de utiliza saon™, Quando, porém, se toma por referencial no tanto «0 Pessoal» mas mais «as pessoas» € 0 «potencial ‘humano», entdo ganha mais relevo néo s6 a considera- ‘so da gestdo dos recursos humanos como «gestiio dos colaboradores» como aindaa gestio individualizada ou ersonalizada de actividades da fungao pessoal tais Como gestio de careiras, a remuneracao, a formagao. AA gestdo estratégica dos recursos humanos aponta tam- bém para este polo, ¢ se aprofundarmos o seu sentido Yeremos que ela abrange até a quotidiana “gestio dos volaboradores», na medida em que uma gestio estraté- xia implementa-se pela tradugio da «mission a todos ds niveis incluindo 0 da execugdo. E esse. por exemplo, © sentido profundo do funcionamento de uma empresa =m termos de relagdes «omecedor-cliente» praticadaa ‘ods 0s niveis & = Revista Portuguesa de GESTAO ee Assim (figura 2), incluitia mais alguns conceitos no esquema atras apresentado na tigura 1. { esto dos Reco: Hamanos Funelo «Expands A esl Pes Miodeobea Poercia nara Tata — etn Adisseaivo Soca Fangio «Panitida» ~ "Figura 2 3, Mas em termos de referencial da gestdo dos recur- sos humanos, quer & oposi¢o «mdo-de-obra-potencial fhumano» quer mesmo A oposigao entre «pessoal» & «pessoas», falta uma dimensdo a que chamaria de «ges- tHo da situago de trabalho», &faltade melhor expres- fo. A «gestio das pessoas» enquanto gestio dos cola- boradores terit sido quase exclusivamente entendida e Praticada em fermos comportamentais de relaciona- mento humano (lideranca, comunicaco, motivacéo mobilizagdo....). Ecomo se numa distingao de dominios Pessoas-trabalho, o dominio «trabalho» fosse visto tratado como questio apenas técnica. Ora, 0 trabalho como referencial necessério da gestdo dos recursos humanos tem que ser visto também como questio ‘humana. No primeiro caso — apenas questio técnica — estamos na érbita do polo «mao-de-obran, a0 passo que "o segundo se aponta para. desenvolvimento do poten- cial humano. Efectivamente, a gestio dos recursos ‘humanos nao se pode separar ou alhear dos problemas, do contetido do trabalho. Esta posicio 6, porém, rara” mesmo entre os defensores de uma gestio dos recursos humanos avangada. E sintomatico, por exemplo, que 0 inquérito europeu atrés referido, ao indicar a flexibili- ade e organizacao do trabalho, apenas inclua a nogo de condi¢des de trabalho tais como tempo de trabalho € nio faca referéncia alguma 20 contetido du trabalho. Dizer que a gestio dos recursos humanos néo se esgoua ‘a «gesto das pessoas» porque é «gestio da situacio de trabalho» poder parecer pouco pertinente quando cada ‘cz mais se justifica uma «abordagem da gestio ds rcur- Sos humanos baseada nas competéncias»"®, Aparente. ‘mene, esta abordagem reforga a énfase no individuo: «Em vez dea fungao (‘job’) ser o bloco fundamental de construpdo do sistema de gestio dos recursos hummanos, ‘wumma-abordagem baseada na competéncia ou qualif, cago (‘skill’) 0 bloco central de base deve ser o indivi duo... Os subsistemas de gesto humana tais como sis. tema de formagio, sistema de selecedo, sistema de ‘emuneragao, sistema de apreciagaoe sistema de desea. volvimento de carreiras tém que se ajustar a0 desen- volvimento dos individuos de modo que:a Organizacao acabe por determinar o perfil de competéncias comecto para cada eipregadon"”, Uma das consequéacias desta. perspectiva serd, por exemplo, fazer com que a forma- Ho possa sereertificada, o que, para além de um maior ‘igor na avaliacio, permitird que a formago adquirida se tome mais claramente um trinfo de que o trabalha- dor pode beneficiar, aumentando a sua capacidade de se situar no mercado de trabalho ou, por outras palavras, a sua empregabilidade. A apropriaco, pelo individuo, da sua formacio nao se esgota num processo de cestifi- cago, esté ligada mais profundamente a0 contexto € processo pedaggico-organizacional, como se pode ver no texto de Lemos de Azevedo publicado neste nndmero"™, Esta perspectiva sobre a gestio dasrecursos fuumanos que toma por referéncia de tGacias reforca a conviceao de.que a gestio de-qualifi- cago é central na gesto dos recursos humanos. E $6 aparentemente que esta centralidade das compe- ‘ncias acentua 0 aspecto agestio de pessoas» em des- favor da «gestio da sintago de trabalho». Com eftito, as competéncias desenvolvern-se ou atrofiam-se no ‘apenas por causa da existéncia ou auséncia da forma- «0, mas sobretudo porque aqueles que as possuem so levados a aplicé-las ou sao inibidos de o fazer, na pré- pria situagdo de trabalho. a qual inclui (ou nao) tarefas Variadas a exccutar,informagdes a obter ou a comuni- car, problemas a resolver. E neste dominio do conteido do trabalho e do , Ree Frans de Gestion, Mat “Ave-Mai 1991, F BovrstosetJ-£. Coste, «Radioscopedes pratiques de gesaid. ‘asources huncines de 6.000 entreprises europézrness, Perak, 2322, Mars-Aveil 1991 (5) Fran Bout, op. cit (6) L Hiawore ours, op. cit (7) Buimologicamene,vej-se a proximidade com a expresséo mo- -de-obra eindiferenciadan '8) Cuivoo Tenema, oA feibilidade na ges das recursos hua ‘om Revita de Gesti, IX, Dex/60- Margo, SCTE (©) Deve referise a propésita que ente os blocos de conteide do MBA de Harvard em Gestio dos Recucas Humanos se inclu um sobre «Sistemas de Trabalho, 0 qual por sua vez se desdotra em ‘desento do trabalho» e emudanca organizacionaln. Ver também Davee Guest op. ct (10) Eowato Lawn and Getto Lenroto, oA shill based approach 19 fuman resource managemen», European Management louraal, a4, Dec. 1992, 11) Bowano Lawtsn, op ci (2) Lows ce Azmvino, «Devotver a Farmapio aos Formandas (13) Jean Twos. «Qualification professionnelle ~ évaluation et évo- ‘ution. Eyles. Paris, 1991, ep. 213-217. 14) Rovext Kaeacex and Toees Tusonett «lflathy Work- sires. ‘rodacivity and the reconstruction of working lif, Basic Books — Harper Coltns Publishers, N. York. 1990.38 19) R. Kanasex and T. Tors op. cit p. 92. 16) PG. Hexast. «Socio-Technical Desienm 15. London 1974, Epilogve, pp. 212-217, DPD

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