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Reabilitação do ombro

ARTIGO DE REVISÃO E ATUALIZAÇÃO

Reabilitação do ombro

Júlia Maria D’Andrea Greve1 Descritores – Ombro. Reabilitação.

Key words – Shoulder. Rehabilitation.

TRAUMATISMO Estes agentes permitem a realização de cinesioterapia sub-


aquática, muito úteis em recuperação pós-traumatismo.
Alguns princípios básicos devem ser seguidos na reabilita-
ção dos traumatismos do ombro, quais sejam: reconhecimento Cinesioterapia
adequado das alterações fisiopatológicas do traumatismo; pre- A articulação do ombro, por sua grande amplitude articular,
venção das alterações secundárias à imobilização; respeito à conseqüente, entre outros fatores, também da frouxidão cap-
biomecânica articular na instituição da cinesioterapia. sular relativa, sofre muito precocemente as conseqüências
Agentes físicos das imobilizações. Na articulação do ombro, duas semanas
Calor de imobilização, por exemplo, já são um período prolonga-
O uso de agentes físicos que promovam o aquecimento é do, que causa perda considerável na amplitude articular. As
fator coadjuvante na reabilitação dos traumatismos do ombro, principais limitações são: rotação externa e flexo pela retra-
principalmente quando aplicados previamente aos exercícios. ção da cápsula anterior e ligamentos glenumerais.
Ultra-som: o ultra-som é um agente físico classificado como O início precoce da mobilização passiva articular pós-
calor profundo, mas na verdade seu efeito é térmico e mecâ- trauma é um dos principais fatores de sucesso nos programas
nico, através das vibrações transmitidas aos tecidos. Tem bom de reabilitação, pois evita as grandes retrações capsulares,
efeito nas síndromes pós-imobilização, por sua ação especí- que muitas vezes não são passíveis de serem vencidas com
fica sobre o tecido colágeno fibrótico e não fibrótico, au- cinesioterapia convencional. O tempo de início do programa
mentando sua distensibilidade em aproximadamente 20% de exercícios depende do tipo de trauma e do tratamento rea-
logo após a aplicação, facilitando os exercícios de estira- lizado, podendo variar de 24 horas (artroplastias) a três
mento. Este efeito fisiológico é específico do ultra-som. Re- semanas. Qualquer tratamento cirúrgico deve permitir a mobi-
comenda-se aplicações de 10-12 minutos por toda superfície lização precoce. A imobilização total por períodos mais
articular do ombro, em doses de 1,0 a 1,5 watts/centímetro prolongados compromete o resultado funcional final.
quadrado. Não está contra-indicado na presença de sínteses Os principais objetivos da cinesioterapia são: prevenir a
metálicas, pois uma onda mecânica sonora não aquece sele- retração capsular, auxiliar na cicatrização das partes moles
tivamente estruturas metálicas. através da organização das fibras colágenas, reeducação dos
Ondas curtas e microondas: são agentes de aquecimento movimentos ativos, fortalecimento muscular e recuperação
profundo, conseguido através da aplicação de ondas eletro- funcional.
magnéticas. Sua indicação é restrita a traumatismo, pois o Fase 1 – Prevenção da retração capsular
principal efeito fisiológico conseguido com estes agentes é Exercícios pendulares – Podem ser realizados desde a fase
analgésico. Perdem em eficácia para o ultra-som. Estão con- inicial, respeitando o limite doloroso do paciente. A realização
tra-indicados na presença de sínteses metálicas. dos exercícios pendulares, segurando um peso de 0,5-1kg,
Calor superficial e hidroterapia: promovem relaxamento pode ser útil para se conseguir maior alongamento das estru-
muscular e sedação com mais eficácia que os agentes de aque- turas capsulares.
cimento profundo (ondas curtas e microondas). Os recursos
Exercícios passivos – Devem ser iniciados pela flexão,
utilizados são: turbilhão e tanque de Hubbard.
seguida pela abdução no plano escapular, abdução no plano
do ombro, extensão. Não se recomenda a execução dos mo-
vimentos de rotação, pois podem ocorrer rupturas indesejáveis
1. Médica Fisiatra do Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Instituto dos tendões do manguito rotador. Os exercícios autopassivos
de Ortopedia e Traumatologia, HC-FMUSP. para estiramento anterior, realizados com ajuda de um bastão,
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também devem ser iniciados precocemente. Os exercícios cutada por períodos progressivamente maiores, até que se
passivos devem ser realizados com o paciente deitado e em atinja o nível necessário. Esta orientação é particularmente
pé, de maneira lenta e cuidadosa, respeitando-se o limite dolo- necessária para as atividades domésticas.
roso do paciente.
A associação de períodos de exercícios e repouso (uso de Roteiro de tratamento de reabilitação
tipóia) pode ser necessária nesta fase inicial. Esta fase dura
três semanas. 1. Início pós-operatório imediato – 24-48 horas após
Fase 2 – Cicatrização e reeducação da movimentação 2. Exercícios pendulares de amplitude articular – 1ª semana
Exercícios isométricos – A contração isométrica de resistên- 3. Alongamentos ativos/autopassivos – 1ª semana
4. Reeducação muscular – 2ª semana
cia do deltóide anterior, médio e posterior pode ser iniciada 5. Início fortalecimento – 3ª semana
precocemente, em média na segunda semana pós-trauma ou 6. Recuperação funcional – 4ª semana
cirurgia. A realização dos exercícios, na posição deitada, em
supino, é recomendada.
Exercícios isotônicos sem resistência – Devem ser iniciados INSTABILIDADES
precocemente, em média, na terceira semana. Os principais Instabilidades anteriores
músculos trabalhados são: deltóide anterior e médio, em po- As instabilidades anteriores do ombro são as mais comuns
sição de decúbito dorsal, mantendo o cotovelo fletido, na da clínica diária. Incidem preferencialmente em pacientes
realização de flexão e abdução, com auxílio do terapeuta, se jovens, com atividade esportiva variável e são, na maioria
necessário. Outros grupos musculares que devem ser traba- dos casos, de indicação cirúrgica, pois há perda dos meca-
lhados são: peitoral maior através da adução do ombro e o nismos estabilizadores do ombro e o tratamento conservador
trapézio através da elevação do ombro. Pode-se iniciar os não produz bons resultados.
movimentos de rotação interna (subescapular) e externa (in- Os músculos que devem ser treinados são: rotadores inter-
fra-espinhal e redondo menor), ainda na posição deitada, em nos (subescapular) e adutores do ombro (grande dorsal e pei-
supino. toral maior) e supra-espinhal (abdução), além de se evitar a
Esta fase deve ser mantida por aproximadamente três se- rotação externa e abdução.
manas, buscando-se o ganho progressivo de amplitude arti- Dentre as cirurgias indicadas para correção deste problema,
cular e restabelecimento do ritmo escapulumeral. duas se destacam: artrorise anterior (Bristow-Latarjet) e cap-
Fase 3 – Fortalecimento muscular suloplastia anterior.
Esta fase só deve se iniciar quando se conseguir flexão de Os procedimentos de reabilitação no pós-operatório devem
90 graus e restabelecimento do ritmo escapulumeral. seguir uma rotina: manter e melhorar a amplitude de movi-
Exercícios isotônicos concêntricos – Nesta fase, todos os mentos da articulação, fortalecer os músculos rotadores inter-
movimentos estão permitidos e devem ser executados na nos e adutores, ao mesmo tempo que se aguarda a cicatrização
amplitude total conseguida. Os grupos musculares a serem do local operado.
trabalhados são: deltóide (três porções), supra-espinhal, ro-
tadores internos (subescapular), rotadores externos (infra-
espinhal e redondo menor), peitoral maior, grande dorsal, Roteiro de reabilitação – cirurgia de Bristow-Latarjet
trapézio e serrátil anterior. 1ª semana
Exercícios isotônicos concêntricos com extensores elásticos 1. Analgesia
– Podem ser introduzidos, para se promover treinamento mais 2. Exercícios de amplitude articular/ativos
específico da atividade muscular. 3. Proibir: abdução/rotação externa
Os exercícios devem ser feitos com o paciente em pé. Re- 4. Não realizar alongamentos passivos
comenda-se que as rotações sejam executadas sem elevação 2ª semana
1. Exercícios de amplitude articular/ativos
do ombro (flexão e abdução), mantendo-se o cotovelo na linha
2. Exercícios ativos – exceção – rotação externa
da cintura, realizando-se assim a rotação interna e externa (realizar exercícios – meia amplitude)
do ombro. A amplitude do movimento de rotação, principal- 3ª semana
mente a interna, é menor, mas a eficiência mecânica do mo- 1. Manter exercícios anteriores
vimento, em termos de fadiga e impacto do manguito rotador, 2. Iniciar fortalecimento – cargas progressivas
é menor. Duração: três semanas
Fase 4 – Recuperação funcional 6ª semana
Para a volta do paciente às suas atividades diárias normais, 1. Iniciar rotação externa
2. Manter exercícios de fortalecimento
pode ser necessário treinamento específico, para que se me-
lhore sua resistência muscular (endurance). O treinamento 8ª semana
1. Iniciar atividade esportiva com oito semanas
deve ser feito através da própria atividade, que deve ser exe-
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Roteiro para reabilitação das capsuloplastias das condições articulares; conhecer a origem da dor; conhe-
cimento das sinergias musculares e evitar os traumatismos
1ª semana de repetição.
1. Exercícios de amplitude articular (ativos) Agentes físicos
2. Exercícios isométricos Crioterapia
3. Proibir rotação externa/alongamentos
Duração: três semanas O uso do frio corretamente como agente terapêutico anal-
gésico e “antiinflamatório” na fase aguda do processo dolo-
3ª semana
1. Manter exercícios anteriores roso da síndrome do impacto pode ser de grande valia. A
2. Fortalecimento progressivo – exceto rotação externa crioterapia é mais analgésica que o calor e muito eficiente
(exercícios realizados – meia amplitude) no tratamento da dor noturna presente na síndrome do im-
Duração: três semanas pacto e lesão do manguito rotador.
6ª semana Bolsa de gelo – Recomenda-se o uso de bolsas ou com-
1. Manter programa de fortalecimento progressivo pressas de gelo, que melhor se adaptam à forma do ombro. O
Exercícios concêntricos, excêntricos, isométricos
Duração: seis semanas tempo de utilização varia de 8 a 20 minutos, dependendo da
tolerância do paciente.
12ª semana
1. Iniciar rotação externa “Sprays” congelantes – Gás liquefeito fluorimetano, que
2. Programa de fortalecimento progressivo deve ser utilizado nas áreas de pontos-gatilho do músculo,
Carga máxima: 10% peso corporal nas síndromes miofasciais secundárias, na fase aguda do pro-
Duração: quatro semanas cesso. A técnica de aplicação manda que o tubo se mantenha
16ª semana a 15 centímetros de distância do ponto doloroso e perpendi-
1. Início da atividade esportiva cular à região tratada.
Calor
Instabilidades posteriores Ultra-som – O agente de escolha para o aquecimento do
Os músculos que devem ser treinados nas instabilidades ombro, por suas características biofísicas e de aplicação. O
posteriores são: rotadores externos (infra-espinhal e redondo tempo de aplicação é de 10 minutos e a dose, de 1,0 a 1,5
menor) e abdutores (supra-espinhal e deltóide). A rotação watts/cm2. Contra-indicado na fase aguda do processo.
interna e adução do ombro devem ser evitadas. Ondas curtas e microondas – Podem ser utilizados no
Instabilidades inferiores ombro, embora menos específicos para a patologia tendinosa.
Os músculos que devem ser treinados são: deltóide e todos São úteis nas síndromes miofasciais secundárias. O tempo
os componentes do manguito rotador, particularmente o supra- de aplicação varia de 10 minutos (microondas) a 20 minutos
espinhal, e os estiramentos estão proscritos. (ondas curtas). Contra-indicados na fase aguda do processo.
Instabilidades multidirecionais Terapia contra-irritativa
São de difícil tratamento, principalmente as luxações vo- TENS – O uso de estimulação elétrica transcutânea anal-
luntárias. O tratamento indicado busca realizar o fortaleci- gésica de baixa freqüência pode ser eficiente nos processos
mento dos músculos do manguito rotador, associados com dolorosos do ombro como método coadjuvante. Deve ser as-
movimentos espaciais que busquem o treinamento proprio- sociada com ultra-som ou gelo, principalmente em proces-
ceptivo da articulação e exercícios com retroalimentação sos dolorosos crônicos. Recomenda-se aplicações de 30 mi-
positiva (biofeed-back), que também busca treinar a proprio- nutos, uma a três vezes/dia.
cepção. Eletroacupuntura – Método analgésico contra-irritativo
similar à TENS, podendo também ser utilizada associada com
OMBRO DOLOROSO – SÍNDROME DO IMPACTO outros recursos.
Cinesioterapia
A síndrome do impacto é a principal causa de dor no ombro Fase 1 – Exercícios de amplitude articular
e seu tratamento inicial deve ser sempre clínico, através de Exercícios pendulares – Devem ser executados com o peso
exercícios que buscam restabelecer a mecânica normal da de 1kg e em todas as direções, 20 a 30 repetições.
articulação. Mesmo na presença de rupturas tendinosas gran- Estiramento em flexão – Pode ser realizado com a ajuda
des, o tratamento de reabilitação deve ser feito como primeira do membro oposto ou com o bastão, em posição de decúbito
alternativa. Em pacientes com idade acima de 65 anos, em dorsal e em pé.
que a indicação cirúrgica é restrita, o tratamento de reabili- Estiramento em rotação interna – Pedir ao paciente para
tação deve ser mais prolongado. colocar o polegar sobre a apófise espinhosa do corpo verte-
Os princípios fundamentais que regem o tratamento de bral mais alta que conseguir do lado afetado. Para realizar o
reabilitação do ombro na síndrome do impacto são: conhecer alongamento, interpor entre o braço comprometido e o con-
a mecânica articular e suas alterações; diagnóstico preciso tralateral uma toalha. O braço contralateral se posiciona em
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rotação externa e abdução e realiza o movimento de alonga- Roteiro para tratamento clínico da síndrome do impacto
mento tracionando o membro afetado.
Estiramento em adução – Realizar o movimento máximo Fase aguda
de adução com o membro comprometido na linha do ombro, 1. Repouso articular
estirando com o membro oposto. 2. Antiinflamatórios não hormonais
3. Crioterapia
Fase 2 – Fortalecimento muscular 4. Terapia contra-irritativa
São utilizados exercícios isométricos e isotônicos de con-
Fase de reabilitação
tração concêntrica com halteres e excêntrica com extensores 1. Analgesia – ultra-som/eletroterapia
elásticos. 2. Exercícios amplitude articular
Os exercícios isocinéticos podem ser utilizados, embora 3. Exercícios fortalecimento muscular
sua aplicabilidade prática seja comprometida no ombro pelas 4. Reeducação funcional
dificuldades de montar o aparelho, manter o paciente na po-
sição desejada e conseguir realizar adequadamente os exer-
cícios. A avaliação isocinética buscando quantificar o nível Roteiro para tratamento reabilitação:
descompressão subacromial
de atividade física que pode ser executado pelo paciente é
mais utilizada. O treinamento isocinético é mais útil em pa- 1ª semana
cientes jovens e atletas. 1. Analgesia – Ultra-som/ondas curtas/eletroterapia
Deltóide – Deve ser treinado nas posições deitada e em 2. Recuperação amplitude articular
pé. Iniciar em decúbito dorsal mantendo a flexão de cotovelo 3. Exercícios de reeducação muscular
e aumentar gradativamente a carga e a amplitude de movi- 2ª semana
mento. Exercícios de fortalecimento muscular
Isométricos/isotônicos
Peitoral maior e trapézio, grande dorsal e serrátil anterior Carga máxima: 5% peso
– Devem ser trabalhados desde o início do programa, para Duração: 6/8 semanas
melhorar a movimentação da articulação do ombro e ritmo
escapulumeral.
Supra-espinhal – Deve ser treinado nos movimentos de Roteiro para tratamento reabilitação
abdução no plano da escápula e abdução a 90 graus. O trei- reparação manguito rotador
namento isotônico excêntrico é essencial nos músculos do
manguito rotador. 1ª semana
1. Analgesia: ultra-som
Infra-espinhal e redondo menor – Treinamento em rotação 2. Recuperação amplitude articular
externa no plano da cintura. Não treinar em abdução, para 3. Reeducação muscular – movimentação ativa
evitar o impacto. O treinamento excêntrico é essencial. 4. Exercícios isométricos
Subescapular – Treinamento em rotação interna no plano 5. Evitar abdução ativa – lesões extensas
da cintura. Também não deve ser treinado em abdução, para Duração: três semanas
evitar o impacto. O treinamento excêntrico é essencial. 4ª semana
1. Manter conduta anterior
Fase 3 – Recuperação funcional
2. Iniciar fortalecimento – exercícios concêntricos
Para a volta do paciente às suas atividades diárias normais, 3. Reeducação muscular
pode ser necessário um treinamento específico, para que se Duração: três semanas
melhore sua resistência muscular (endurance). O treinamento 7ª semana
deve ser feito através da própria atividade, que deve ser exe- 1. Manter conduta anterior
cutada por períodos progressivamente maiores, até que se 2. Iniciar fortalecimento abdutores
atinja o nível necessário. Esta orientação é particularmente 3. Exercícios de fortalecimento excêntricos
Duração: cinco semanas
necessária para as atividades domésticas.

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