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Este texto pretende lançar alguma luz na sondagem perquerida por muitos sobre a
controvertida relação entre a pragmática do Direito e a Ética.
Para começarmos a responder a esta questão vale registrar, neste ponto, que entendemos
a Ética - também a sua co-irmã Estética -, como categorias de caráter superior do
pensamento humano e de civilização, portanto construções intelectivas de cunho
filosófico que instituem a relação com a noção do Belo: relação política – Ética; relação
objetual – Estética.
Dessa lógica, entendemos razoavelmente que não havia Ética, conhecida como esse
valor arquetípico considerado acima, antes da Filosofia Ocidental. Cremos que não
podemos pensar em Ética, como aqui a colocamos, antes, principalmente, de Platão e
Aristóteles. Não havia Ética, e sim uma espécie de moral primária, no ritualismo e na
mitologia dos povos primitivos; nos ritos de passagem, iniciação e de poder; nas
teogonias, e no animismo que fundamentava a relação deles com as forças da natureza e
com seus pretensos deuses ou com o próprio Deus. Seus mitos é que diziam o quê, e
como deveriam fazer e agir. Tinham esses povos, sim, arquétipos e estereótipos
constituídos, nada obstante, tão-só para instrumentalizar e personalizar essa sua
onipresente mitologia. Os mitos governavam assim o imaginário e o inconsciente
coletivo das sociedades primitivas, e um deles, o mito do poder de origem divina ou
sagrada deu vazão ideológica e embrionária à criação dos Estados teocráticos e
autocráticos, e a seus incipientes códigos, primeiramente morais, para depois
encontrarmos traços objetivos de jurisdição estatal como modernamente a conhecemos.
Pois bem: com o advento da Filosofia introduziu-se a ruptura com essa prática, e uma
tentativa de leitura racional do mundo. No que se refere à Ética, o idealismo socrático
ensinava, por exemplo, não valer a pena praticar o mal, inclusive porque o mal não
existiria por si mesmo, a não ser como um contraponto ou ausência. Ausência do auto-
conhecimento que levaria o homem inexoravelmente ao caminho dos modelos
superiores, a caminho do Bem.
Um texto lido coloca essa maiêutica socrática como uma espécie de exercício interior de
alteridade, o que nos levaria a sermos dois em um. Somos um que pratica e outro que
analisa - e julga. O texto também coloca a possibilidade do mal como sendo a prática do
ignorante, e não necessariamente do malfeitor, o que cria um impasse considerável à
análise que ora fazemos sobre a possibilidade cognoscível da própria Ética - e de forma
ontológica -, sem a qual - sem esse fino discernimento -, não teríamos como considerá-
la imanentemente normativa. Pergunta-se, portanto e em suma: o sujeito pensante teria
efetivamente, e sempre, consciência de sua eventual "maldade", por exemplo, ou
mesmo consciência de que estaria sendo a-ético nesse proceder? Se não, seria moral e
humanamente justo puni-lo por sua transgressão, desvendada e descoberta assim como
absolutamente involuntária?
O Direito legitimou "o homem é o lobo do homem" através de códigos que favoreciam,
seja direta ou através de sua exegese ideológica, elites militares, castas familiares e
elites fundiárias e econômicas que marcaram principalmente a Idade Antiga e Média-
Alta da nossa História.
No nosso Estado Brasileiro, que cresceu de cima para baixo e mantém essa verticalidade
de autoridade e de poder, há uma considerável distância entre esses dois valores. Na
nossa sociedade de consumo, da alienação do trabalho e da vida, dessa pós-modernidade
coisificada, pasteurizada e massificada, Ética é o que o mercado dita, como tal, na
realização técnica do processo de produção e manutenção de sua infra e superestrutura
de alienação sistêmica, e que nós, muitas vezes inadvertidamente, reproduzimos na
forma dos piores estereótipos, paradigmas e clichês.
O Direito, em suma, nunca conseguiu se desvincular do poder, a não ser como filosofia
pura. Pelo contrário, o Direito em si legitima, como conjunto de técnicas jurídicas de
administração de normas positivas, o status quo sócio-político-econômico e cultural
vigente em dada sociedade. E como o poder (ou poderes) tem apenas uma roupagem
(oficialmente vestida pelo aparelho ideológico do Estado) de Democracia, veja, apenas
a aparência, porque essencialmente - como disseram Freire, Frei Betto, Milton Santos,
Boff e Bobbio -, a Globalização é uma nova e aperfeiçoada colonização, não tem ele um
compromisso medular com aquela Ética filosófica e humana superior, mas tão-somente,
como já foi falado, com a ética pós-moderna dos mercados globais.