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As propriedades dos materiais de engenharia são em última análise determinadas pelas suas
respectivas microestruturas, isto é, pelos defeitos e constituintes microestruturais que eles contêm.
Tabela 1 - Algumas dimensões médias (aproximadas) importantes em análise microestrutural
Tamanho (Å) Descrição
1-5 Distâncias interatômicas
1-5 Defeitos puntiformes (lacunas)
2 - 10 Espessura de contornos de grão, interfaces e falhas de empilhamento
>30 Espaçamento entre falhas de empilhamento
>30 Espaçamento entre discordâncias
>1000 Diâmetro de subgrão e de grão
>10 Diâmetro de fases (zonas) coerentes
>5 Zona onde ocorre segregação de soluto em defeitos cristalinos
103-108 Segregação em peças brutas de fundição
No estudo dos materiais três tipos de microscopia são utilizados em grande extensão:
microscopia óptica (MO), microscopia eletrônica de varredura (MEV) e microscopia eletrônica de
transmissão (MET). Em menor extensão, mas em uma faixa exclusiva de alto aumento e excelente
resolução, encontra aplicação a microscopia de campo iônico (MCI). Deve-se destacar que essas
técnicas são complementares e cada uma delas tem seu campo específico de aplicação. Todavia, se
tivéssemos que destacar a principal potencialidade de cada uma, poderíamos afirmar que:
• a microscopia óptica permite a análise de grandes áreas em curto espaço de tempo, além de ser
de utilização simples, rápida e pouco dispendiosa;
• a microscopia eletrônica de varredura, por apresentar excelente profundidade de foco, permite a
análise com grandes aumentos de superfícies irregulares, como superfícies de fratura;
• a microscopia eletrônica de transmissão permite a análise de defeitos e fases internas dos
materiais, como discordâncias, defeitos de empilhamento e pequenas partículas de segunda fase;
• a microscopia de campo iônico, por apresentar excelente resolução, permite estudos difíceis de
serem realizados com as outras técnicas, tais como observação de defeitos puntiformes,
aglomerados de átomos de soluto ("cluster") e análise da "estrutura" de contornos e de
interfaces.
Os corpos de prova podem ser de dois tipos: lâminas finas do próprio material ou réplicas de sua
superfície. A preparação de lâminas finas de metais e ligas segue normalmente a seguinte seqüência
de preparação: corte de lâminas de 0,8 a 1,0 mm de espessura, afinamento por polimento mecânico
até 0,10-0,20 mm de espessura e polimento eletrolítico final. As laminas finas de materiais
poliméricos e de outros materiais orgânicos são obtidas por microtomia, onde uma navalha corta
películas finas e com espessura controlada. Em geral, o material orgânico é resfriado em nitrogênio
líquido (ultramicrotomia) para minimizar a deformação durante o corte. O afinamento final das
lâminas de materiais cerâmicos é geralmente feito por desbaste iônico.
Três tipos de réplica são normalmente utilizados para obtenção de amostras de MET: de
plástico, de carbono e de óxido. Na técnica de réplica de plástico, uma solução diluída de plástico
em um solvente volátil, por exemplo formvar em clorofórmio, é gotejada na superfície da amostra.
O solvente se evapora e deixa um filme, que pode ser retirado e que representa o "negativo" da
superfície. Na réplica de carbono, este material é evaporado na superfície da amostra. Esta técnica
pode ser utilizada também para arrancar partículas de precipitados da amostra, a chamada réplica de
extração. Na réplica de óxido, usada principalmente para ligas de alumínio, o filme de óxido é
obtido por anodização de uma superfície previamente polida eletroliticamente. Nos três tipos de
réplica, o contraste tem origem nas variações de espessura. No caso de partículas extraídas, um
contraste adicional aparece, pois as partículas, se forem cristalinas, difratam elétrons.
5. A formação de imagens em MET
Em microscopia eletrônica de transmissão a imagem observada é a projeção de uma
determinada espessura do material, havendo uma diferença com relação ao observado numa
superfície. A figura 4 apresenta a projeção de uma lâmina fina conforme observada no microscópio
de transmissão. Como pode observado, ocorre uma projeção das linhas, áreas e volumes de
interesse, podendo ocorrer superposição.
Figura 4:
Projeção de várias espécies microestruturais
contidas em uma lâmina fina.
O contraste nas imagens formadas em MET tem diversas origens, tais como diferença de
espessura, diferença de densidade ou de coeficiente de absorção de elétrons (contraste de massa),
difração e campos elásticos de tensão. Dois casos serão discutidos brevemente em seguida: sólidos
amorfos (contraste de massa) e sólidos cristalinos (difração). A formação de imagem e contraste
será abordada de maneira apenas introdutória e simplificada.
a) Sólidos amorfos
Durante a passagem de elétrons através de uma lâmina fina de sólido amorfo ocorre
espalhamento dos elétrons em praticamente todas as direções (vide figura 5). Este espalhamento é
causado pela interação do elétron incidente com o núcleo dos átomos da amostra. Ele é tanto mais
intenso quanto mais denso for o material, mais espessa a amostra e maior o número atômico do
material da amostra.
Por Prof. Dr. Angelo Fernando Padilha
PMI-2201 MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO 6
(a) (b)
Figura 5: Interação do feixe de elétrons incidentes com amostra sólida: a) amostra amorfa, lado
esquerdo, mostrando a ocorrência de espalhamento; b) amostra cristalina, lado direito, mostrando a
ocorrência de difração.
Figura 6:
Origem do contraste em sólidos amorfos
com variação de densidade. A região B é
mais densa que a região A.
Figura 7:
Formação de imagem de material
cristalino em microscópico
eletrônico de transmissão
(esquemático).
Figura 8:
Tipos característicos de
figuras de difração:
a) região monocristalina;
b) região policristalina;
c) região amorfa.
A figura 9 apresenta uma figura de difração de elétrons do ferro alfa (estrutura cristalina CCC)
já indexada, isto é, as manchas ou pontos ("spots") já foram analisadas e identificadas.
Figura 9:
Difração de elétrons do ferro alfa, com
as manchas ou pontos ("spots") já
indexadas. (Segundo E. Hornbogen,
Ruhr-Universität Bochum, Alemanha)
A análise das figuras de difração, por exemplo do tipo a) da figura 8, permite a determinação da
estrutura cristalina e dos respectivos parâmetros de reticulado, assim como a orientação da
microregião analisada. Se a área selecionada para análise contiver duas fases, por exemplo um
precipitado disperso em uma matriz, a figura de difração formada será a superposição dos
diagramas de difração das duas fases. Neste caso pode-se determinar adicionalmente as relações de
orientação (epitáxie) entre os planos cristalinos das duas fases e concluir se o precipitado é coerente
ou incoerente com a matriz.
7. Algumas aplicações típicas de MET
A primeira aplicação da microscopia eletrônica de transmissão no estudo dos materiais foi a
observação de defeitos cristalinos não observáveis por microscopia óptica ou por microscopia
eletrônica de varredura, tais como discordâncias e defeitos de empilhamento.
Passados mais de 50 anos desde a primeira observação de discordâncias por MET, este tipo de
estudo continua atual e muito utilizado. A figura 10 apresenta as distribuições de discordâncias em
cobre puro policristalino deformado até 10% de alongamento em ensaio de tração realizado em duas
temperaturas: a) a temperatura ambiente (25ºC) e b) 500ºC. No cobre deformado na temperatura
ambiente as discordâncias formam emaranhados arranjados em uma substrutura celular, com muitas
discordâncias nas paredes de célula e com densidade de discordâncias mais baixa no interior das
células. No cobre deformado a quente (500ºC) o arranjo de discordâncias levou à formação de
subcontornos que subdividiram os grãos (cristais) em subgrãos. Enquanto a diferença de orientação
entre grãos vizinhos é da ordem de dezenas de graus, a diferença de orientação entre subgrãos é em
geral menor que 5º. A comparação entre as duas micrografias da figura 10, permite afirmar que a
densidade de discordâncias da amostra deformada a quente é mais baixa. Determinando-se a
espessura local da amostra e utlizando-se relações de estereologia quantitativa é possível determinar
a densidade de discordâncias (em cm/cm3 ou m/ m3).
Figura 10: Cobre policristalino deformado até 10% de alongamento em ensaio de tração, em
duas temperaturas diferentes: a) 25ºC e b) 500ºC. (Gentileza de H.-J. Kestenbach,
Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar)
Figura 11:
Discordâncias parciais delimitando
defeitos de empilhamento.
Figura 12: Micrografia obtida por MET em uma fase Figura 13: Micrografia obtida por MET de
CFC de baixa EDE após 3% de alongamento em uma dispersão de partículas de carbonetos
ensaio de tração realizado na temperatura ambiente. secundários (Ti,Mo)C em um aço inoxidável
(Gentileza de W. Reick do Departamento de austenítico. Aumento 35000X (A.F. Padilha,
Engenharia Mecânica da EPUSP) Departamento de Engenharia Metalúrgica e
de Materiais da EPUSP).
8. Referências bibliográficas
A.D. ROMIG, Jr. : Analytical transmission electron microscopy. In: Metals Handbook.
Vol.10; Materials Characterization, pag. 429-489, 9th Edition, ASM, Ohio, 1986.
Este volume do Metals Handbook (nona edição; a de capa vermelha!) aborda de maneira detalhada
e clara as principais técnicas de análise microestrutural e é um excelente texto para estudo e
consulta. A microscopia eletrônica de transmissão é tratada em nível mais profundo que o exigido
em um curso introdutório, todavia, sugerimos que você consulte esta obra. Existe um exemplar na
biblioteca do PMT.
P.E.J. FLEWITT & R. K. WILD: Microstructural characterisation of metals and alloys. The
Institute of Metals, London, 1986.
Este livro apresenta as principais técnicas utilizadas na caracterização microestrutural dos
metais e ligas. No capítulo 3 (“Visual Metallography”), nas páginas 17 a 63, são tratadas as
microscopias (óptica, eletrônica de varredura e eletrônica de transmissão). A microscopia eletrônica
de transmissão é tratada de maneira resumida no item 3.5, a partir da página 37, em nível de
profundidade similar ao exigido neste curso. É uma boa opção para estudo (em inglês). Existe um
exemplar na biblioteca do PMT.
L. C. SAWYER & D. T. GRUBB: Polymer microscopy. Chapman and Hall, London, 1994.
Livro especializado na microscopia de materiais poliméricos, onde a microscopia eletrônica
de transmissão também é tratada. As técnicas de preparação de amostras de materiais orgânicos são
descritas em detalhe. Apresenta muitas micrografias (imagens obtidas com os diferentes
microscópios). É uma boa opção para consulta, para os interessados em materiais poliméricos.
Existe um exemplar na biblioteca do PMT.
L. REIMER: Transmission Electron Microscopy. 4th Edition, Springer Verlag, Berlin, 1997.
É um dos textos clássicos sobre microscopia de transmissão, em nível de pós-graduação.
Sugerimos que você dê uma olhada neste livro e avalie o nível de profundidade que esta técnica
(MET) é conhecida e tratada pelos cientistas e pesquisadores. Existe um exemplar na biblioteca do
PMT.
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9. Exercícios
1) Escolha entre os 3 tipos de microscopia mais utilizados (MO – microscopia óptica; MEV –
microscopia eletrônica de varredura; MET – microscopia eletrônica de transmissão) qual delas é
a mais adequada para:
Objetivo Técnica
a) Determinar o tamanho médio de grão de uma barra de aço baixo carbono laminado
e recozido.
b) Determinar as relações de orientação cristalográficas entre um precipitado
coerente, com tamanho por volta de 400 Å, e a matriz que o envolve.
c) Determinar o tamanho médio de esferulito de um termoplástico parcialmente
cristalino, como por exemplo o PTFE (Teflon).
d) Determinar o tamanho médio dos cristais que constituem um esferulito.
e) Analisar a superfície de fratura de um material cerâmico.
f) Determinar a energia de defeito de empilhamento de um aço inoxidável
austenítico.
g) Determinar a densidade de discordâncias de um metal encruado.
h) Analisar a superfície de fratura de um material polimérico.
i) Determinar o tamanho médio de sub-grãos de um corpo de prova de aço inoxidável
submetido ao ensaio de fluência.
j) Analisar a superfície de fratura de um material metálico.
k) Analisar a superfície de uma peça que sofreu desgaste abrasivo
l) Analisar a superfície de uma peça que sofreu corrosão
5) Uma liga de alumínio, após o tratamento térmico de solubilização (depois do qual quase todo o
soluto da liga encontra-se em solução sólida), permaneceu armazenada em Manaus por 6 meses
na temperatura ambiente. Ensaios mecânicos realizados antes e depois da armazenagem
mostraram que a liga endureceu (aumentou sua resistência mecânica) durante o período que
ficou armazenada. O problema foi levado a um engenheiro metalurgista, que explicou: "durante
a armazenagem ocorreu endurecimento causado por precipitação de pequenos precipitados (da
ordem de 100 Å) coerentes (fenômeno conhecido como envelhecimento natural)". Explique
como você identificaria estes precipitados.
7) Uma das principais grandezas físicas de um material cristalino é sua energia de defeito de
empilhamento. Como se determina a energia de defeito de empilhamento de um material?
(Sugestão: Consulte o Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP número
BT/PMT/9901(ISSN 1413-2176), cujo título é “Uma compilação crítica de valores de energia
de defeito de empilhamento para diversos metais”)