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COLEC«√O NOVIS
BIBLIOTECA VIS√O - 13
2000 BIBLIOTEX, S. L.
ABRIL/CONTROLJORNAL
Õndice
ArtifÌcios
PrÛlogo
As sete peÁas deste livro n„o requerem elucidaÁ„o de
maior. A sÈtima (O jardim dos caminhos que se bifurcam) È
policial; os seus leitores assistir„o ‡ execuÁ„o e a todos os
preliminares de um crime, cujo propÛsito n„o ignoram mas que
n„o compreender„o, julgo eu, atÈ ao ˙ltimo par·grafo. As
outras s„o fant·sticas, uma - A lotaria na BabilÛnia - n„o È
de modo nenhum inocente de simbolismo. N„o sou o primeiro
autor da narrativa A biblioteca de Babel; os curiosos da sua
histÛria e prÈ-histÛria podem consultar certa p·gina do n˙mero
59 de SUR, que regista os nomes heterogÈneos de Leucipo e de
Lassitz, de Leis Carroll e de AristÛteles. Em As ruÌnas
circulares tudo È irreal; em Pierre Menard, autor do Quixote
È-o o destino que o protagonista se impıe a si prÛprio. A
lista dos escritos que lhe atribuo n„o È muito divertida mas
n„o È arbitr·ria; È um diagrama da sua histÛria mental...
Desvario laborioso e empobrecedor È o de compor vastos
livros; o de espraiar por quinhentas p·ginas uma ideia cuja
perfeita exposiÁ„o oral cabe em poucos minutos. Melhor
procedimento È simular que esses livros j· existem e oferecer
um resumo, um coment·rio. Assim procedeu Carlyle em Sartor
Resartus; e igualmente Butler em The Fair Haven; obras que tÍm
a imperfeiÁ„o de serem tambÈm livros, e n„o menos tautolÛgicos
que os outros. Mais razo·vel, mais inepto, mais mandri„o, eu
preferi a escrita de notas sobre livros imagin·rios. S„o elas
TlÛn, Uqbar, Orbis Tertius e a An·lise da obra de Herbert
Quain.
J. L. B.
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A disseminaÁ„o de objectos de Tlın por diversos paÌses
complementaria esse plano(1)... O facto È que a Imprensa
internacional divulgou infinitamente o achado. Manuais,
antologias, resumos, versıes literais, reimpressıes
autorizadas e reimpressıes piratas da Obra M·xima dos Homens
abarrotaram e continuam a abarrotar a Terra. Quase
imediatamente, a realidade cedeu em mais de um ponto. A
verdade È que tambÈm ansiava por ceder. H· dez anos bastava
qualquer simetria com aparÍncia de ordem - o materialismo
dialÈctico, o anti-semitismo, o nazismo - para embevecer os
homens. Como ser· possÌvel n„o nos submetermos a Tlın, ‡
minuciosa e vasta evidÍncia de um planeta ordenado? … in˙til
responder que a realidade tambÈm est· ordenada. Talvez o
esteja, mas de acordo com leis divinas - traduzo: com leis
inumanas - que nunca acabamos por compreender. Tlın ser· um
labirinto, mas È um labirinto urdido por homens, um labirinto
destinado a que o decifrem os homens.
O contacto e o h·bito de TlÙn desintegraram este mundo.
Encantada pelo seu rigor, a Humanidade esquece e torna a
esquecer que È um rigor de xadrezistas, e n„o de anjos. J·
penetrou nas escolas o (conjectural) idioma primitivo de Tlın;
o ensino da sua histÛria harmoniosa (e plena de episÛdios
comoventes) j· obliterou a que presidiu ‡ minha inf‚ncia; j·
nas memÛrias um passado fictÌcio ocupa o lugar de outro, de
que nada sabemos com certeza - nem sequer que È falso. Foram
reformadas a numism·tica, a farmacologia e a arqueologia.
Considero que a biologia e as matem·ticas aguardam tambÈm a
sua reencarnaÁ„o... Uma dispersa dinastia de solit·rios mudou
a face do mundo. A sua tarefa prossegue. Se as nossas
previsıes n„o errarem, daqui a cem anos alguÈm descobrir· os
cem tomos da Segunda EnciclopÈdia de Tlın.
Ent„o desaparecer„o do planeta o inglÍs e o francÍs e o
simples espanhol. O mundo ser· Tlın. Eu n„o ligo, eu continuo
a rever nos quietos dias do hotel de AdroguÈ uma indecisa
traduÁ„o quevediana (que n„o penso dar ao prelo) do Urn Burial
de Browne.
A Silvina Ocampo
A obra visÌvel que deixou este romancista È de f·cil e
breve enumeraÁ„o. S„o portanto imperdo·veis as omissıes e
acrÈscimos perpetrados por Madame Henri Bachelier num cat·logo
falacioso que certo di·rio cuja tendÍncia protestante n„o È
segredo teve a desconsideraÁ„o de infligir aos seus
deplor·veis leitores - embora estes sejam poucos e
calvinistas, quando n„o maÁons e circuncidados. Os amigos
autÍnticos de Menard viram com alarme esse cat·logo e tambÈm
com certa tristeza. Dir-se-ia que ainda ontem nos reunimos
diante do m·rmore final e no meio dos ciprestes infaustos e j·
o Erro tenta deslustrar a sua MemÛria... Decididamente, È
inevit·vel uma breve rectificaÁ„o.
Consta-me que È facÌlimo recusar a minha pobre autoridade.
Espero, no entanto, que n„o me proÌbam de mencionar dois
elevados testemunhos. A baronesa de Bacourt (em cujos
vendredis inesquecÌveis tive a honra de conhecer o chorado
poeta) julgou por bem aprovar as linhas que se seguem. A
condessa de Bagnoregio, um dos espÌritos mais finos do
principado de MÛnaco (e agora de Pittsburgh, Pennsylvania,
apÛs o seu recente casamento com o filantropo internacional
Simon Kautzsch, t„o caluniado, ai!, pelas vÌtimas das suas
desinteressadas manobras) sacrificou ‡ veracidade e ‡ morte
(tais s„o as suas palavras) a senhoril reserva que a distingue
e numa carta aberta publicada na revista Luxe concede-me
igualmente o seu benepl·cito. Estas nobres acÁıes, creio eu,
n„o s„o insuficientes.
Disse que a obra visÌvel de Menard È facilmente enumer·vel.
Examinado com o maior cuidado o seu arquivo particular,
verifiquei que consta das peÁas seguintes:
a) Um soneto simbolista que apareceu duas vezes (com
variantes) na revista La conque (n˙meros de MarÁo e Outubro de
1899).
b) Uma monografia sobre a possibilidade de construir um
vocabul·rio poÈtico de conceitos que n„o sejam sinÛnimos ou
perÌfrases de que se forma a linguagem comum, :mas objectos
ideais criados por uma convenÁ„o e essencialmente destinados
‡s necessidades poÈticas" (Nimes, 1901).
c) Uma monografia sobre certas conexıes ou afinidades do
pensamento de Descartes, de Leibniz e de John Wilkins (Nimes,
1903).
d) Uma monografia sobre a Characteristica universalis de
Leibniz (Nimes, 1904).
e) Um artigo tÈcnico sobre a possibilidade de enriquecer o
xadrez eliminando um dos peıes de torre. Menard propıe,
recomenda, discute e acaba por rejeitar esta inovaÁ„o.
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Nimes, 1939
As ruÌnas circulares
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O inumer·vel cabelo foi talvez a tarefa mais difÌcil. Sonhou
um homem inteiro, um mancebo, mas este n„o se levantava nem
falava nem podia abrir os olhos. Noite apÛs noite, o homem
sonhava-o adormecido.
Nas cosmogonias gnÛsticas, os demiurgos amassam um encarnado
Ad„o que n„o consegue pÙr-se de pÈ; t„o in·bil, tosco e
elementar como esse Ad„o de pÛ era o Ad„o de sonho que as
noites do mago tinham fabricado. Uma tarde, o homem destruiu
quase toda a sua obra, mas arrependeu-se. (Mais Lhe valeria
que a tivesse destruÌdo.) Depois de ter esgotado os votos aos
numes da terra e do rio, caiu de joelhos aos pÈs da imagem que
talvez fosse um tigre e talvez um potro, e implorou o seu
desconhecido socorro. Nesse crep˙sculo, sonhou com a est·tua.
Sonhou-a viva, trÈmula: n„o era um atroz bastardo de tigre e
potro, mas ao mesmo tempo essas duas criaturas veementes e
tambÈm um touro, uma rosa, uma tempestade. Este m˙ltiplo deus
revelou-Lhe que o seu nome terrestre era Fogo, que nesse
templo circular (e noutros iguais) lhe tinham prestado
sacrifÌcios e culto e que ele magicamente animaria o fantasma
sonhado, de modo que todas as criaturas, salvo o prÛprio Fogo
e o sonhador, o pensaram um homem de carne e osso. Ordenou-lhe
que, depois de instruÌdo nos ritos, o enviasse para outro
templo desmantelado cujas pir‚mides persistem a jusante do
rio, para que alguma voz o glorificasse naquele edifÌcio
deserto. No sonho do homem que sonhava, o sonhado acordou.
O mago executou as ordens. Consagrou um prazo (que no fim
durou dois anos) para lhe descobrir os arcanos do universo e
do culto do fogo. Intimamente, custava-lhe separar-se dele. A
pretexto da necessidade pedagÛgica, dilatava dia apÛs dia as
horas dedicadas ao sonho. TambÈm refez o ombro direito,
porventura deficiente. ¿s vezes, inquietava-o uma impress„o de
que tudo aquilo j· tinha acontecido... Em geral, os seus dias
eram felizes; ao fechar os olhos pensava: Agora vou estar com
o meu filho. Ou ent„o, mais raramente: O filho que gerei
espera por mim e n„o existir· se eu n„o for ter com ele.
Gradualmente, l· o foi habituando ‡ realidade. Uma vez
mandou-o colocar uma bandeira num pÌncaro distante. No outro
dia, flutuava a bandeira no cume. Tentou outras experiÍncias
an·logas, cada vez mais audaciosas. Compreendeu com uma certa
amargura que o seu filho estava pronto para nascer,
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A lotaria na BabilÛnia
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1941
A Biblioteca de Babel
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Estas palavras, que n„o sÛ denunciam a desordem mas tambÈm a
exemplificam, provam de maneira notÛria o seu pÈssimo gosto e
a sua desesperada ignor‚ncia. Com efeito, a Biblioteca inclui
todas as estruturas verbais, todas as variaÁıes que permitem
os vinte e cinco sinais ortogr·ficos, mas n„o um ˙nico
disparate absoluto. N„o vale a pena observar que o melhor
volume dos muitos hex·gonos que administro se intitula Trono
penteado, e outro A c„ibra de gesso e outro Axaxaxas ml. Essas
propostas, ‡ primeira vista incoerentes, sem d˙vida s„o
susceptÌveis de uma justificaÁ„o criptogr·fica ou alegÛrica;
essa justificaÁ„o È verbal e, ex hypothesi, j· figura na
Biblioteca.
N„o posso combinar uns caracteres que a divina Biblioteca
n„o haja previsto e que nalguma das suas lÌnguas secretas n„o
contenham um terrÌvel sentido. NinguÈm pode articular uma
sÌlaba que n„o esteja plena de ternuras e de temores; que n„o
seja nalguma dessas linguagens o nome poderoso de um deus.
Falar È incorrer em tautologias. Esta epÌstola in˙til e
palavrosa j· existe num dos trinta volumes das cinco
prateleiras de um dos incont·veis hex·gonos - e tambÈm a sua
refutaÁ„o. (Um n˙mero n de linguagens possÌveis usa o mesmo
vocabul·rio; numas, o sÌmbolo biblioteca admite a correcta
definiÁ„o ubiquo e duradouro sistema de galerias hexagonais,
mas biblioteca È p„o ou pir‚mide ou outra coisa qualquer, e as
sete palavras que a definem tÍm outro valor. ´Tu que me lÍs,
tens a certeza de que compreendes a minha linguagem?ª)
A escrita metÛdica distrai-me da presente condiÁ„o dos
homens. A certeza de que est· tudo escrito anula-nos ou
envaidece-nos. ConheÁo distritos onde os jovens se ajoelham
diante dos livros e barbaramente Lhes beijam as p·ginas, mas
n„o sabem decifrar uma ˙nica letra. As epidemias, as
discÛrdias herÈticas, as peregrinaÁıes que inevitavelmente
degeneram em banditismo, tÍm dizimado a populaÁ„o. Creio j·
ter mencionado os suicÌdios, de ano para ano cada vez mais
frequentes. Talvez me enganem a velhice e o temor, mas tenho a
suspeita de que a espÈcie humana - a ˙nica - est· prestes a
extinguir-se e que a Biblioteca perdurar·: iluminada,
solit·ria, infinita, perfeitamente imÛvel, armada de volumes
preciosos, in˙til, incorruptÌvel, secreta.
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A Victoria Ocampo
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Stephen Albert observava-me, sorridente. Era (j· o disse)
muito alto, de feiÁıes afiladas, de olhos pardos e barba
grisalha. Havia nele algo de sacerdote e tambÈm de marinheiro;
depois contou-me que fora mission·rio em Tientsin "antes de
aspirar a sinÛlogo .
Sent·mo-nos; eu num baixo e comprido div„; ele de costas
para a janela e para um alto relÛgio circular. Calculei que
n„o menos de uma hora demoraria a chegar o meu perseguidor,
Richard Madden. A minha determinaÁ„o irrevog·vel podia
esperar.
- Espantoso destino o de Tsui PÍn - disse Stephen Albert. -
Governador da sua provÌncia natal, douto em astronomia, em
astrologia e na interpretaÁ„o infatig·vel dos livros
canÛnicos, xadrezista, famoso poeta e calÌgrafo: tudo
abandonou para compor um livro e um labirinto. Renunciou aos
prazeres da opress„o, da justiÁa, do numeroso leito, dos
banquetes e atÈ da erudiÁ„o e enclausurou-se durante treze
anos no Pavilh„o da LÌmpida Solid„o. ¿ sua morte, os herdeiros
n„o encontraram sen„o manuscritos caÛticos. A famÌlia, como
porventura n„o ignora, quis entreg·-los ao fogo; mas o seu
executor testament·rio - um monge taoÌsta ou budista -
insistiu na publicaÁ„o.
- NÛs do sangue de Tsui PÍn - repliquei - continuamos a
execrar esse monge. A publicaÁ„o foi insensata. O livro È um
acervo indeciso de rascunhos contraditÛrios. Examinei-o umas
vezes: no terceiro capÌtulo morre o herÛi, no quarto est·
vivo. Quanto ‡ outra empresa de Tsui PÍn, ao seu Labirinto...
- O Labirinto est· aqui - disse apontando-me uma alta
escrivaninha lacada.
- um labirinto de marfim! - exclamei. - Um labirinto
mÌnimo...
- Um labirinto de sÌmbolos - corrigiu. - Um invisÌvel
labirinto de tempo. A mim, b·rbaro inglÍs, foi dado revelar
esse mistÈrio di·fano. Ao fim de mais de cem anos, os
pormenores s„o irrecuper·veis, mas n„o È difÌcil conjecturar o
que sucedeu. Tsui PÍn teria dito uma vez: ´Retiro-me para
escrever um livroª. E outra: ´Retiro-me para construir um
labirintoª. Todos imaginaram duas obras; ninguÈm pensou que o
livro e o labirinto eram um ˙nico objecto. O Pavilh„o da
LÌmpida Solid„o erguia-se no centro de um jardim talvez
intrincado; o facto pode ter sugerido aos homens um labirinto
fÌsico.
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Tsui PÍn morreu; ninguÈm, nas amplas terras que foram suas,
deu com o labirinto; a confus„o do romance sugeriu-me que era
esse o labirinto. Houve duas circunst‚ncias que me deram a
correcta soluÁ„o do problema. Uma: a curiosa lenda de que Tsui
PÍn se propusera um labirinto que fosse rigorosamente
infinito. Outra: um fragmento de uma carta que descobri.
Albert levantou-se. Por uns instantes, virou-me as costas:
abriu uma gaveta da ·urea e enegrecida escrivaninha. Voltou
com um papel que fora carmesim; agora um rosado e tÈnue
quadriculado. Era justa a fama caligr·fica de Tsui PÍn. Li com
incompreens„o e fervor estas palavras que com minucioso pincel
redigiu um homem do meu sangue: ´Deixo aos v·rios porvires
(n„o a todos) o meu jardim dos caminhos que se bifurcamª.
Devolvi a folha em silÍncio. Albert prosseguiu:
- Antes de exumar esta carta, eu perguntara-me de que
maneira pode um livro ser infinito. N„o conjecturei outro
procedimento sen„o o de um volume cÌclico, circular. Um volume
cuja ˙ltima p·gina fosse idÍntica ‡ primeira, com a
possibilidade de continuar indefinidamente. Lembrei-me tambÈm
da noite que est· no centro das mil e uma Noites, quando a
rainha Xerezade (por uma m·gica distracÁ„o do copista) se pıe
a reflectir textualmente a histÛria das "Mil e uma Noites",
com o risco de chegar outra vez ‡ noite em que a refere, e
assim por diante atÈ ao infinito. Imaginei tambÈm uma obra
platÛnica, heredit·ria, transmitida de pais para filhos, em
que cada novo indivÌduo acrescentasse um capÌtulo ou
corrigisse com piedoso cuidado a p·gina dos antepassados.
Estas conjecturas distraÌram-me; mas nenhuma parecia
corresponder, nem sequer de um modo longÌnquo, aos
contraditÛrios capÌtulos de Tsui PÍn. No meio desta
perplexidade, enviaram-me de Oxford o manuscrito que vocÍ
acabou de examinar. Detive-me, como È natural, na frase:
´Deixo aos v·rios porvires (n„o a todos) o meu jardim dos
caminhos que se bifurcamª. Quase de imediato compreendi; o
jardim dos caminhos que se bifurcam era o romance caÛtico; a
frase v·rios porvires (n„o a todos) sugeriu-me a imagem da
bifurcaÁ„o no tempo, e n„o no espaÁo. A releitura geral da
obra confirmou esta teoria. Em todas as ficÁıes, sempre que um
homem se defronta com diversas alternativas, opta por uma e
elimina as outras; na do quase inextric·vel Tsui PÍn, opta -
simultaneamente - por todas. Cria, assim, diversos porvires,
diversos tempos, que tambÈm proliferam e se bifurcam.
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ArtifÌcios
(1944)
PrÛlogo
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J L. B.
Funes ou a MemÛria
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1942
A forma da espada
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1942
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A morte e a b˙ssola
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1942
O milagre secreto
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T. E. Lawrence,
Seven Pillars of Wisdom, CIII
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1944
O fim
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O Sul
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Dahlmann disse para consigo que n„o estava assustado, mas que
seria um disparate que ele, um convalescente, se deixasse
arrastar por desconhecidos para uma briga confusa. Resolveu
sair; j· estava de pÈ quando o patr„o se aproximou e o exortou
com voz alarmada:
- Senhor Dahlmann, n„o ligue a esses moÁos, que j· est„o
meio alegres.
Dahlmann n„o estranhou que o outro, agora, o reconhecesse,
mas sentiu que estas palavras conciliadoras, de facto,
agravavam a situaÁ„o. Antes, a provocaÁ„o dos jornaleiros fora
feita a uma cara acidental, quase a ninguÈm; agora ia contra
ele e contra o seu nome e viriam a sabÍ-lo os vizinhos.
Dahlmann desviou o patr„o, enfrentou os rapazes e
perguntou-lhes o que È que eles queriam.
O brigante de cara Ìndia levantou-se, cambaleando. A um
passo de Juan Dahlmann, injuriou-o aos gritos, como se
estivesse muito longe. Brincava a exagerar a sua bebedeira e
este exagero era uma ferocidade e um esc·rnio. Entre palavrıes
de ameaÁa e obscenidades, atirou ao ar uma comprida navalha,
seguiu-a com os olhos, apanhou-a, e convidou Dahlmann a lutar.
O patr„o objectou com trÈmula voz que Dahlmann estava
desarmado. Nesta altura, aconteceu uma coisa imprevisÌvel.
De um canto, o velho ga˙cho est·tico, em que Dahlmann vira
um sÌmbolo do Sul (do Sul que era o seu), atirou-lhe um punhal
desembainhado que veio cair aos seus pÈs. Era como se o Sul
tivesse resolvido que Dahlmann devia aceitar o duelo.
Dahlmann inclinou-se para apanhar o punhal e sentiu duas
coisas. A primeira, que esse acto quase instintivo o
comprometia a combater. A segunda, que a arma, na sua m„o
desajeitada, n„o serviria para o defender, mas para justificar
que o matassem. Uma ou outra vez tinha brincado com um punhal,
como todos os homens, mas a sua esgrima n„o passava de uma
noÁ„o de que os golpes devem ir para cima e com o fio da
l‚mina para dentro. ´Nunca teriam permitido na clÌnica que me
acontecessem coisas destasª, pensou.
- Vamos sair - disse o outro.
SaÌram, e se em Dahlmann n„o havia esperanÁa, tambÈm n„o
havia temor. Ao atravessar o umbral, sentiu que morrer num
combate ‡ navalha, a cÈu aberto e atacando, teria sido uma
libertaÁ„o para ele, uma felicidade e uma festa,
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NOTA BIOBIBLIOGR¡FICA
JORGE L⁄IS BORGES nasceu em Buenos Aires em 1899 e morreu
em Genebra em 1986. De famÌlia abastada, estudou em Buenos
Aires e em Genebra e, entre 1919 e 1921, residiu em Madrid,
onde contactou com os ultraÌstas que influenciaram a sua obra.
De regresso a Buenos Aires, fundou as revistas Prisma e, com
Macedonio Fern·ndez, Proa (1922). Nestas revistas publicou
grande parte da sua obra poÈtica de vanguarda.
Cego desde 1955, casou-se com MarÌa Kodama, companheira dos
seus ˙ltimos anos, que permaneceu junto dele atÈ ao dia da sua
morte.
As suas primeiras obras foram de poesia: Fervor de Buenos
Aires (1923), Luna de enfrente (1925), Cuaderno de San Martin
(1929), El hacedor, combinaÁ„o de textos poÈticos e em prosa,
que inclui um dos seus textos mais citados: Borges y yo
(1960), El otro, el mismo (1964), Elogio de la sombra (1969),
El oro de los tigres (1972), La cifra (1981), Los conjurados
(1985); Dos seus ensaios, citamos: Inquisiciones (1925), El
idioma de los argentinos (1928), Evaristo Carriego (1930),
Historia de la eternidad (1936), Nueva ref˘taciÛn del tempo
(1947), Otras Inquisiciones (1952), Nueve ensayos dantescos
(1982).
Na narrativa, destacam-se: Historia universal de la infamia
(1935), El jardin de los senderos que se bifurcan (1941),
Ficciones (1944), El aleph (1949), El infÚrme de Brodie
(1970), El libro de arena (1975), Rosa y Azul (1977).
Numa linguagem rigorosa, as suas narrativas, fascinantes
pela multiplicidade de planos em que se desenvolvem, apoiam-se
na exactid„o dos dados para conferir verosimilhanÁa ao
fant·stico.
Embora nunca tenha recebido o PrÈmio Nobel da literatura,
Borges foi um dos escritores mais galardoados da histÛria.
Entre outros prÈmios, recebeu: PrÈmio Internacional dos
Editores (1961) juntamente com Samuel Beckett, PrÈmio
Interamericano de Literatura (1970), distinÁ„o liter·ria
m·xima no Brasil, PrÈmio Cervantes de Literatura (1979),
PrÈmio Xollin YÛlitzi (mexicano) (1983). Nesse ano, recebeu a
Legi„o de Honra francesa e a Gr„-Cruz de Afonso X, o S·bio.
Borges afirmou que devia todos estes prÈmios aos escandinavos:
eram como um desagravo que lhe faziam por n„o lhe outorgarem o
Nobel.
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