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Educag¢do para a subjetividade Género & Sade. LOPES, Marta Jilla Marques et ali cra) Artes Médicas Sul, | 1996. ASérie Enfermagem daEditora Artes Médi- cas de Porto Alegre entrega ao mercado olivro Género e Sade, organizado pelas enfermeiras Marta Lopes, Dagmar Meyer e Vera Waldow. O livtoretine deztextosde autoriadiversa, agrupo- dos em duas partes. A primeira parte, intitulada Na Trama dos Conceitos, retine textos de cara- ter geral sobre género. Na segunda parte os textos esto agrupadossob o titulo Conjugando Saude, Trabalho e Género Guacira Lopes Lobo, historiadora, em Nas Redes do Conceito de Género, destaca que os estudos de género estdo ligados & construcao social dos sujeitos masculino e feminino, diferin- do do conceito de sexo que se reporta didenti- dade biolégica de cada pessoa. A construgao do género envolve © corpo, Isto 6, corpos sexuadosmasculino e feminino; énoscorposdas mulheres, enquanto sujeitos dominados, que se inscrevern gestos, posturas, disposigdes, marcas de subordinagdo. O texto chama a atengao para 0 fato de que em toda teorizagao sobre género esta contida umadimenséo politicaque faz sobresscir o desejo de transformagao social. O texto de Daniéle Kergoat, traduzide do francés pela enfermeira Marta Lopes, constitul textobésicoparaosinteressadosem compreen- der como se dao as relagées sociais entre os sexos € a divisGo sexual do trabalho. Essa soci6- loga vem acompanhande e pesauisando movimento revolucionario das enfermeiras na Franga, tendo publicado o livroLesinfirmiéres et leur Coordination: 1988-1989. Portanto, trata-se de uma leitura fundamental para 0 pessoal de enfermagem, O texto de Pierre Bourdieu, também tra- duzido do francés por Marta Lopes, analisc os as- pectos em que os corpos sGo construgdes soci- ais, dando como exemplo, nonivel simbdlico, 0 rosto @ a boca, que sGo 61gdos masculinos por exceléncia. Ohomem olhanacara, frente attente, dentro dos olhos, aftontando por oposigao a conduta da mulher que, no nivel simbdlico, indi- aque ela abaixe os olhos, mantenha-se curve- da, aperte os seios, cruze os bragos, para citar somente algunsgestos. Elesereporta ao concei- to de intimidagdo causado pela violéncia sim- bélica, que faz a pessoa submissa perder seu CopitallingUistico em presen¢a dapessoa domi nadora, Nesse caso, o autoracentua que atimidez que faz uma pessoa quebrar sua propria ingua- gem nao significa que ela ndo saiba falar, mas que a pessoa dominada fica momentanea- mentesob agaodaviolénciasimbélica emana- da da pessoa dominadora. © autor sugere que © primeiro passo para transformar esse tipo de dominagao é a tomada de consciéncia, pela pessocoprimida, desuaprépriasujei¢ao; opasso seguinte 6 o de desencadear um processo de reeducacdo para transformar a ordem simodlica. Dagmar Meyer encerra essa primeira par- te dolivro tratando da questao de hierarquiade género, que ndo s6 modula as relagées entre mulheres ¢ homens, mas também estrutura recorta 0 social. A autora enfatiza também que atomada de consciéncia de subordinagéo das mulheres coshomens consfitui um primelro pos- 0 que vai desembocar na necessidade de se desconsirulro que é dito e felto entre mulherese homens, e que esté imbricado em nossos mUtti- plas posi¢des de sueito. A consciéncia da sub- missGo ¢ a desconstrugde dessa ordem devem darpartida. aum conjunto de agées de contes- tagdo e critica sobre 0 nosso cotidiano. ESTUDOSFEMINISTAS BA3_ N. 2/96 Na segunda parte do livro, Marta Lopes tem dois artigos, nos quais ela chama atengao para a idéia de que os valores simbélicos e vocacionais que compéem 0 arcabougo da concepgdo do trabalho em enfermagem estao baseados em um sistema de qualidades e nao de qualificagées. A autora atribul sua percep- ¢&0 G0 fato de as mulheres ocuparem-se dos cuidados de satide no dominio privade, local ‘onde é “natural” que elas conjuguem todas as suas qualidades para fazer frente ds tarefas domésticas. Essa visd0 doméstica passa do lar Para o exercicio da enfermagem no ambito publico. A valorizagao das qualidades pessoais desvaloriza os cuidadas de satide enquanto agdo quaiificada profissional No texto © Sexo do Hospital, a autora enfatiza que 0 hospital € masculine e que o atendimento de enfermagem esta dirigido mais para asnecessidades dosmédicosdo que asda clientela em geral. A autora ja encontra enfer- meirascom uma visdo universitaria da profisséo, reagindo contra essa situagéo de subsidiarle- dade dahierarquiamédica, equerealzam suas a¢despriorizandoasnecessidadesdosdoentes, Trata-se de uma nova identidade cyja luta & pelo reconhecimento de competéncias e da singularidade do préprio trabalho ApsicdlogaTania Mara GalliFonsecaabor- dou o temaDa Mulher 4 Enfermeira: Conjugan- do Trabalho e Género, Verificou que os proces- sosde dominagdo e exploragao entrelagam-se de forma requintada e perversano espa¢o hos- pitalar, que é fortemente caracterizado pela divisdo sexual do trabalho, e 6 onde se consolida atese coer¢do/consentimento. Elaobserva que ‘ocontornodaimagem daenfermeirauniversité- ria inclui o afastamento da mesma do cuidado direto, 0 carater submisso e tarefeiro do seu fazer, a falta de ousadia profissional, o apego & burocracia, dsregras e a0 caréter gerencial da assisténcia. A enfermeira Vera Regina Waldow, no texto A Opresséo na Enfermagem: um Estudo Exploratério, apontaque aeducagde em enfer- magemem Porto Alegrendo épercebida como umprocessodeautoconhecimento em direcao ao profissionalismo, mas, pelo contrério, parece ser um tipo de aprendizagem que conduz & opressdo. O relacionamento professoro/aluna alimenta a dependéncia, mostrando a profes- sora. como tutora, em lugar de uma facilitadora do ensino. As enfermeiras enfrentam uma duali- dade em relagdo a sua opressdio: ao mesmo tem- po que renegam 0 poder, nao podendo assim serem responsabilizadas por seus atos, culpam ANOA BAA 2 SEMESIRE 96 ‘outros pelas falhas ocorridas no servico ¢ sen- tem-seinsatisfeitas com a falta de poder, desen- volvendo um sentimento de auto-destruicao. A assistente social Patricia Krieger Grossi 6 responsével pelo texto Violéncia contra a Mu- ther: Implicagées para os Profissionais de Saude, que trata da violéncia contra a mulher com base em investigagdo feita na Casa de Apoio Viva Maria, em Porto Alegre. Ela aconselha os membros das equipes interdisciplinares de sau- de que, ao atenderem mulheres vitimas de vio- léncia, néo se detenham apenas na observa- ¢G0de danos fisicos, mentaise emacionais, mas que incluam também agées preventivas e educativas para a plena cidadania A enfermeira Regina Rigotto Witt traz um. ensaio sobre Género e Diabetes: Implicagées para.o Autocuidado. Em sua pesquisa, a autora verificou que os homens diabéticos pensam primeiro neles quanto & condugao do préprio. tratamento, enquanto que asmulheres diabé' cas pensam primeiro no marido, nos filhos € por timo nelas. Como o controle da diabetes re- presenta um trabalho ininterrupto do qual o/a portador/anéo pode se descuidarhoranenhu- ma, a autora sugere que 0 ensino e 0 exercicio da enfermagem passe a investigar as implica- des de género quando trata de ensinara essa clientela como conduzir seu autocuidado. A visdo geral que os textos da primeira parte transmitem @ de que existe um né estran- gulando as relagdes entre os sexos e entre as Classes ¢ que, para desaté-lo, precisamos de muitatenacidade, inteligénciae criatividade.O conjunto dostextos evidencia anecessidadede mulherese homens estabelecerem umamedia- ¢0 entre a cultura geral e a cultura politica parairem abrindo caminho paraasmudangase AQ justiga sexual/socic. A visGo especifica da area da satde de- monstra que as questées de género ainda sGo problemas que causam mal-estar, e ainda néo so enfrentadas como assunto de estudios, pes- uisos ou investigagdes. Os estudes reaiizados pelos autoras da segunda parte sinalizam que o tempo atual precisa de uma transformagao profunda na drea de educagao em enferma- gem. € preciso desestabilizar a apatia da razao, ainércia dos preconceitos, otorpordoshdbitos; €@necessario que se estruturem curriculos volta- dos para a formagao do espitito, o desenvolvi- mento dasubjetividade e que garantam auniéo entre 0 pensamento, o gesto e 0 ato de cuidar, MARIA JOSE DE LIMA

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