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O Regicídio de 1908,

fotografado por Joshua


Benoliel

Reconstituição do atentado, in Petit Journal Illustré, de 16 de Fevereiro 1908

TRABALHO ESCRITO

Unidade Curricular – História da Fotografia em Portugal


2º Ano – Licenciatura Fotografia e Cultura Visual
Por : Orlando Pereira Teixeira 031/2007

ÍnDICE

I n t r o d u ç ã o ............................................................................................. pág.2

O F o t o – R e p ó r t e r J o s h u a B e n o l i e l ...................................... pág.3

O Regicídio coberto por Joshua Benoliel ................... pág.4

B i b l i o g r a f i a .......................................................................................... pág.8

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Introdução

A abordagem do trabalho de Joshua Benoliel no dia 1 de Fevereiro de 1908 e


nos dias consequentes ao Regicídio, analisados de um ponto de vista crítico, tendo em
conta as limitações técnicas da época, permitem sobretudo conhecer um pouco melhor o
homem por detrás da câmara fotográfica. O marco e o exemplo que imprimiu ao papel
do Repórter Fotográfico em Portugal viria a ser decisivo para o seu reconhecimento
ainda em vida, facto único na história da fotografia em Portugal.

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O Foto-Repórter Joshua Benoliel

Nascido em Lisboa a 13 de Janeiro de 1873 (1873-1932), de ascendência


judaica, possuía cidadania britânica por via parental, da qual não abdicou até à sua
morte. De Joshua Benoliel não existe uma biografia completa estando ainda por
desvendar os aspectos mais importantes de sua vida, que permitiriam conhecer melhor o
homem por detrás da câmara fotográfica. A sua obra contém um grande valor histórico,
retratando o período conturbado da sociedade portuguesa, caracterizado pela Queda da
Monarquia e pela Revolução Republicana de 1910. Considerado como o Pai do Foto-
Jornalismo em Portugal ou conhecido ainda pela limitada metáfora de “rei dos
fotógrafos e fotógrafo dos Reis”, Benoliel provinha de uma ascendência culta, abastada
e informada permitindo a sua convivência e interacção com o poder instalado e
emergente, conseguindo assim acesso privilegiado aos momentos mais solenes ou aos
desafortunados instantâneos.

As suas fotografias vieram a ganhar destaque ilustrando diversas publicações


nacionais e internacionais (ABC, Madrid; Illustration, Londres) mas é de salientar a
Illustração Portugueza, suplemento ilustrado do jornal O Século, à qual consagrou a
maior parte da sua actividade, contribuindo para o sucesso desta publicação. Benoliel
esteve sempre presente nos grandes e principais acontecimentos, fotografando os mais
variados eventos tais como: preparativos militares de Portugal para a 1ª Guerra
Mundial, recepções de Chefes de Estado e suas visitas, vindo mesmo a acompanhar em
deslocações para a Europa, Reis e Presidentes da República, com quem estabelecia
relações cordiais de alguma amizade. Gozando de prestígio internacional, era possuidor
das Palmas da Academia Francesa e Comendador da Ordem de Santiago de Espada e do
Mérito Civil Espanhol.

Com a colaboração de tão ilustre profissional a Illustração Portugueza (1906-


1924) viria tornar-se uma nova forma de imprensa, acompanhando as tendências
internacionais, marcando e projectando definitivamente o trabalho de Joshua Benoliel.
O surgimento de outras novas revistas ou suplementos como o Notícias Ilustrado bem
como de novas técnicas de reprodução da imagem fotográfica (ex: rotogravura)
proporcionou novas oportunidades para a seguinte geração de repórteres fotográficos.

Joshua Benoliel faleceu a 3 de Fevereiro de 1932, ficando como legado histórico


para Portugal e para o Mundo, as suas fotografias como documentos de uma época. O
seu trabalho fotográfico, essencialmente de cariz jornalístico, foi exercido
exemplarmente e com uma visão inovadora para a sua época, aliada à destreza,
empenho e grande intuição jornalística caracterizada por uma forte presença de espírito,
características únicas de um verdadeiro Repórter Fotográfico. Granjeou imensa

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celebridade que veio a proporcionar-lhe oportunidades únicas para registar
fotograficamente, desde o início, a previsível mudança político-social tão reivindicada
por republicanos, que viria a eclodir com o Regicídio no dia 1 Fevereiro de 1908.

O Regicídio coberto por Joshua Benoliel

Joshua Benoliel com o seu profissionalismo característico mais uma vez


acompanhou a actualidade para a Illustração Portugueza fornecendo imagens para
futura publicação. O Infante D. Manuel foi retratado enquanto aguardava no cais fluvial
do Terreiro do Paço a chegada e desembarque da família real, naquela tarde fatídica de
dia 1 de Fevereiro de 1908. A Illustração Portugueza publicaria uma manchete com o
título “A cem metros do trono” referindo-se ao Infante, e mostrando no seu interior, a
fotografia do Rei D. Carlos visto pela última vez (vivo), captada por Joshua Benoliel e
com a legenda “A cem passos da morte”, desembarcando do barco a vapor que o trazia
do Barreiro. Pela forma como actuou e procedeu ao efectuar o registo fotográfico,
Benoliel tornara esta reportagem de dia 1 de Fevereiro 1908 num importante documento
histórico da vida Portuguesa, dando início a uma das regras básicas e agora fundamental
nos nossos tempos modernos do Foto-Jornalismo. Ainda hoje é prática comum, por
parte das linhas editoriais dos principais jornais, essa preocupação diária em que as suas
equipas de reportagem (imagem) estejam presentes, em que hajam permanentemente
repórteres fotográficos de órgãos/agências oficiais do Estado em todos os momentos,
aquando das deslocações e actividades das principais figuras do Estado Português.

Infante D. Manuel aguarda no cais, 10 Fevereiro 1908 Fotografia de Joshua


Benoliel

A tentativa ao cumprir esta regra ainda hoje visa a obtenção de imagens


exclusivas em caso de surgirem fatalidades, acidentes ou atentados ou, em último caso,
conseguir aquilo que Benoliel registou nesse dia do Regicídio. Muito embora todo o
seu profissionalismo e intuição jornalística, Joshua Benoliel não foi capaz de realizar o
impossível, advinhar e prever o atentado bem como o local a fim de conseguir o

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exclusivo e as fotografias do mesmo. O seu registo fotográfico da sequência dos eventos
que tomaram conta daquele dia 1 de Fevereiro de 1908, antes e após o Regicídio,
provam que era um profissional competente e à altura dos desafios, conseguindo o
impossível, ou seja a proeza de captar tudo o que lhe foi possível, antes e após o
Regicídio.

Os regicidas fotografados por Joshua Benoliel

Joshua Benoliel era tenaz e não hesitava em conseguir a fotografia difícil,


mesmo que para isso corresse risco de vida... No livro de Aquilino Ribeiro, Jornalista,
Escritor e Carbonário activo, que planeou e colaborou em várias acções da mesma
organização, e onde este se confessa (livro editado após a sua morte em 1974), o autor
refere-se a uma circunstância em que foi preso e o inevitável Joshua Benoliel
aparecendo tentou fotografá-lo, tendo sido repelido por um abanão de Aquilino que o
classificou como “espião da história” ..1

A atenção ao humanizar a fotografia captando-a de uma forma singular, neste


novo conceito do princípio do século, onde o cidadão comum fica registado nas
imagens, mostra-nos também o seu lado mais sentimental, onde procura claramente
chamar a atenção para o lado social e humano, como no caso das fotografias feitas na
varanda em casa dos órfãos do regicida Manuel Buiça, onde as retrata, entregues ao

1
cf. RIBEIRO, Aquilino, Um Escritor Confessa-se, Memórias 1, Lisboa, Bertrand Editora, 2008 (pág
233)

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acaso, depois do acto de seu Pai. Consegue ao mesmo tempo criar uma memória
colectiva de uma época, através do documento mediado face à verdade. No princípio do
século, a imagem era então como uma prova de uma verdade única e absoluta.

os órfãos de Manuel Buíça, por Joshua Benoliel o regicida ,


Manuel Buíça por Joshua Benoliel

A reportagem fotográfica efectuada por Joshua Benoliel sobre o Regicídio


permitiu ilustrar as publicações de então, quando o atentado suscitou uma enorme
procura por fotografias e ilustrações por parte dos media estrangeiros que viria a
caracterizar a época do Modernismo e do Foto-Jornalismo. Este acontecimento
definitivamente foi um enorme marco na internacionalização da carreira do repórter
permitindo atravessar fronteiras e publicar inúmeras fotografias nas principais revistas e
suplementos dos jornais estrangeiros, tornando-se correspondente da ABC e Illustration,
em Espanha e França.

As imagens produzidas através deste novo tipo de Jornalismo são fruto de um


reflexo diferente, de uma nova forma de relação visual iniciada nos anos de 1900 à qual
Joshua Benoliel aliou o seu rigor e a sua competência, influência eventualmente das
suas próprias colaborações com publicações estrangeiras onde o grau de exigência faz
ainda hoje a diferença. O facto de ter fotografado tudo após o Regicídio, desde os
carpinteiros a construírem o segundo caixão do Rei D. Carlos (pois o primeiro era
demasiadamente pequeno) até aos efeitos que visualmente poderiam ser fotografados
tais como os buracos causados pelas balas dos tiros disparados pelos regicidas sobre o
Landau Real, bem como o registo e acompanhamento de toda a cerimónia fúnebre
Real, denotaram uma excepcional qualidade deste repórter fotográfico que viria a ser
apelidado de Pai do Foto-Jornalismo Português. Viu perpetuado o seu nome no Foto-
Jornalismo através da carreira de seu filho Judah Benoliel e conseguiu uma proeza
única, o ter sido reconhecido ainda em vida e agraciado com condecorações nacionais,
facto extremamente raro no nosso País.

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Fevereiro, 1908, Construção da urna de D. Carlos fotografia de Joshua Benoliel

O landau do regicídio, vêem-se os furos das balas, Fevereiro, 1908 fotografia de


Joshua Benoliel

As fotografias de Joshua Benoliel sobre o Regicídio e o seu trabalho em geral


com carácter documental foram ponto de viragem no Foto-Jornalismo e nas publicações
em Portugal. O fascínio que a escola de reportagem que a Illustração Portugueza criou,
fomentou um novo mercado, no qual viriam surgir novas publicações e jornais, aliado a
novas técnicas de reprodução em massa, consequência também do facto da profunda
transformação ocorrida no panorama de Modernidade dos anos de 1900.

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Bibliografia

AAVV - Joshua Benoliel 1873-1932 Repórter. Lisboa: Arquivo Fotográfico Municipal.

AAVV - Dossier Regicídio - O Processo Desaparecido. Lisboa: Tribuna da História,


2008.

CASTRO, Aníbal Pinto de - O Regicídio de 1908 – Uma Lenta Agonia da História.


Porto: Livraria Civilização Editora, 2008.

RIBEIRO, Aquilino - Um Escritor Confessa-se, Memórias 1. Lisboa: Bertrand Editora,


2008.

SAMARA, Maria Alice, TAVARES, Rui - O Regicídio. Lisboa: Tinta da China, 2008.

VIEIRA, Joaquim, MONICO, Reto - Mataram o Rei. Portugal: Pedra da Lua, artes,
letras e ofícios S.A, 2006.

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