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Imagine por um instante que você está visitando um viveiro de plantas. Você percebe uma
agitação lá fora e vai investigar. Você encontra um jovem assistente lutando contra uma roseira.
Ele está tentado forçar as pétalas da rosa a se abrirem, e resmunga insatisfeito. Você lhe
pergunta o quê está fazendo e ele explica: "meu chefe quer que todas essas rosas floresçam
essa semana, então na semana passada eu cortei todas as precoces e hoje estou abrindo as
atrasadas". Você protesta dizendo que cada rosa floresce a seu tempo, é absurdo tentar retardar
ou apressar isso. Não importa quando a rosa vai desabrochar - uma rosa sempre desabrocha no
momento mais oportuno para ela. Você olha novamente a rosa e percebe que ela está
murchando, mas quando você o alerta, ele responde: "Ah, isso é mau, ela tem
disdesabrochamento congênito. Vamos ter que chamar um especialista". Você diz: "Não, não!
Foi você quem fez a rosa murchar! Você só precisaria satisfazer as exigências de água e luz da
planta e deixar o resto por conta da natureza!" Você mal consegue acreditar no que está
acontecendo. Por quê o chefe dele é tão mal informado e tem expectativas tão irreais em relação
às rosas?
Essa cena nunca teria se passado em um viveiro, é claro, mas acontece todos os dias em
nossas escolas. Professores pressionados por seus chefes seguem calendários oficiais que
exigem que todas as crianças aprendam no mesmo ritmo e do mesmo jeito. No entanto as
crianças não diferem das rosas em seu desenvolvimento: elas nascem com a capacidade e o
desejo de aprender, e aprendem em ritmos diferentes e de modos diferentes. Se formos capazes
de satisfazer suas necessidades, proporcionar um ambiente seguro e propício e evitar nos
intrometer com dúvidas, ansiedades e calendários arbitrários, aí então - como as rosas - as
crianças irão desabrochar cada uma a seu tempo.
Meu coração gela quando penso nas crianças classificadas como 'ADHD' (sigla norte-americana
para 'distúrbio de hiperatividade e falta de atenção'), o mais novo tipo de "distúrbio de
aprendizagem". Muitos educadores e pesquisadores acreditam que as crianças e suas famílias
tenham sido cruelmente enganadas por essa classificação. O Dr. Thomas Armstrong, que já foi
especialista em dificuldades de aprendizagem, mudou de profissão quando começou a ver
"como essa noção de distúrbios de aprendizagem estava prejudicando todas as nossas
crianças, colocando a culpa da dificuldade de aprender em misteriosas deficiências
neurológicas, em vez de apontar para as tão necessárias reformas em nosso sistema
educacional". O Dr. Armstrong voltou-se então para o conceito de diferenças de aprendizagem e
escreveu "In Their Way" ("Do modo deles"), um guia prático e fascinante para os sete "estilos
pessoais de aprendizagem" inicialmente propostos por Howard Gardner, psicólogo da
Universidade de Harvard. O Dr. Armstrong nos instiga a abandonar rótulos convenientes mas
nocivos tais como "dislexia" e nos ater ao problema real do "disensino". Ele adverte que "nossas
escolas estão desvalorizando milhões de crianças ao taxá-las de insuficientes quando na
realidade elas estão sendo incapacitadas por métodos de ensino ruins". Como Armstrong
explica, "as crianças são sobrecarregadas com diagnósticos tais como dislexia, disgrafia,
discalculia e assim por diante, dando a impressão de que sofrem de doenças muito raras e
exóticas. Embora o termo dislexia seja apenas uma expressão latina para 'dificuldade com
palavras', centenas de testes e programas se propõem a identificar e tratar tais 'disfunções
neurológicas'. Mas os médicos ainda não conseguiram determinar qualquer tipo de lesão
cerebral detectável na maior parte das crianças com esses assim chamados sintomas. Parece
evidente para mim, depois de quinze anos de pesquisa e prática no campo da educação, que
nossas escolas são as principais culpadas pelo fracasso e pelo tédio enfrentado por milhões de
crianças..."
As famílias que fazem isso ficam aliviadas ao descobrir que seus filhos recuperam o interesse
que tinham pelo aprendizado quando eram mais novos. Ao contrário dos professores escolares,
que têm apenas uma visão parcial de várias crianças a cada ano, os pais que ensinam em casa
observam o aprendizado de uma única criança ao longo de vários anos, aprendendo assim a
respeitar o estilo singular de aprendizado de cada filho, a confiar na escala de horários individual
da criança e a reconhecer que os erros são um componente normal e passageiro do processo
de aprendizado de qualquer pessoa. ( Não há pressa, de qualquer forma: muitas crianças
escolarizadas em casa que começaram a ler aos 10 ou 12 anos saíram-se muito bem na
faculdade). Essa atitude de descontração dos pais que ensinam em casa mantém intacto o valor
próprio da criança, torna as classificações insignificantes e permite que o aprendizado seja tão
fácil quanto entre os pré-escolares: crianças escolarizadas em casa costumam superar aquelas
que freqüentam a escola em termos de desempenho acadêmico, socialização, confiança e auto-
estima. John Gatto afirma que "em termos de capacidade de pensar, as crianças escolarizadas
em casa parecem estar de cinco a dez anos adiante daquelas que freqüentam a escola".
Durante alguns anos John Holt desafiou várias escolas a "explicar a diferença entre uma
dificuldade de aprendizagem (que todos nós temos uma vez ou outra) e um distúrbio de
aprendizagem". Ele perguntou aos professores como eles distinguem entre causas inerentes ao
sistema nervoso do aluno e fatores externos - o ambiente escolar, o modo de explicar do
professor, o professor em si ou o material didático. Ele relata: "nunca recebi uma resposta
coerente a essas perguntas... [ainda assim] essa distinção é tão fundamental que não sei como
podemos falar de modo construtivo sobre os problemas de aprendizagem de uma criança sem
ela". Mas como os professores têm tanta certeza da existência tão disseminada de distúrbios
neurológicos? Talvez eles estejam apenas confundindo causa e efeito: como John Holt observa,
"os professores dizem que deve ser difícil ler, ou não haveria tantas crianças com dificuldade de
ler". John Holt argumenta que "as crianças têm dificudlade de ler porquê partimos do
pressuposto de que ler é difícil... com nossa preocupação, 'simplificação' e pedagogia, tudo o
que conseguimos é tornar a leitura cem vezes mais difícil para a criança do que deveria ser...
quando estamos nervosos ou com medo temos dificuldade, ou ficamos mesmo impossibilitados,
de pensar e até de perceber... quando amedrontamos as crianças, bloqueamos totalmente seu
aprendizado".
Será que as dificuldades de aprendizagem são mesmo uma reação compreensível de crianças
normais obrigadas a conformar-se às condições anormais das salas de aula convencionais? Em
outras palavras, será que as escolas são incapazes de perceber a diferença entre simples
relatos de erros de aprendizagem passageiros, agravados pelo estresse, e uma conclusão
científica? Embora as supostas anomalias neurológidas nunca tenham sido identificadas, não é
difícil detectar condições anormais no ambiente escolar: competitividade feroz, inatividade física
(particularmente difícil para os meninos), matérias fragmentadas que têm pouca relação com os
interesses e as experiências individuais da criança, freqüentes avaliações e questionamento do
progresso do aprendizado, falta de tempo para o convívio familiar, pouca oportunidade de
conhecer pessoas de outras idades, falta de sossego para a privacidade e a reflexão, pouca
oportunidade de receber a atenção exclusiva dos professores, desencorajamento a compartilhar
idéias e trabalho com os colegas de classe (uma oportunidade valiosa sendo desperdiçada),
crianças frustradas caçoando das outras, o desencorajamento de atitudes de auto-valorização e
acima de tudo a indignidade de ser um incapaz, uma "não-pessoa", cujas necessidades
legítimas e as tentativas de expressar essas necessidades são abafadas pela defensiva
institucional. Todas essas dificuldades podem ser evitadas com a escolarização domiciliar -
desde que o governo permita autonomia suficiente.
Como devemos agir então? Norman Henchey, professor da Universidade MacGill, recomenda
"repensar totalmente a escolarização compulsória". Norman Henchey defende a volta à
escolarização em casa e a "outras vias de amadurecimento... programas de formação de
aprendizes, serviços de ensino formais e informais, servico público". Talvez assim possamos
honrar o estilo individual de aprendizado de cada criança e, como pede o Dr. Armstrong, "dar às
crianças a motivação de que necessitam para se sentirem seres humanos competentes e bem-
sucedidos". As crianças nasceram para aprencer. Elas merecem ter um ambiente de ensino
seguro e estimulante, onde possam aprender em uma atmosfera de paciência, respeito,
delicadeza e confianca, sem ameaças, coerção ou cinismo. Como Einstein nos alertou muitos
anos atrás, "é um grave erro acreditar que o prazer de observar e pesquisar possam ser
incutidos pela coerção".
RESUMO
OBJETIVO
O objetivo deste artigo é discorrer sobre definições e etiologias dos distúrbios de aprendizagem,
assim como demonstrar a importância da intervenção fonoaudiológica nos mesmos,
considerando-se os seus aspectos preventivos e terapêuticos.
FONTES DE DADOS
Revisão de literatura sobre o tema proposto, em livros publicados entre 1990 e 2005, e artigos
de periódicos e revistas nacionais publicadas nos últimos oito (8) anos.
SÍNTESE DE DADOS
O fonoaudiólogo, através de sua formação acadêmica, é o profissional que possui a base teórica
e prática para prevenir, habilitar e reabilitar dificuldades de linguagem oral e de linguagem
escrita.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o termo distúrbio de aprendizagem tem despertado grandes discussões
relacionadas à definição, fatores causais e procedimentos terapêuticos. Esses debates
levantaram questões importantes, dentre as quais, a discussão referente a qual profissional está
habilitado para intervir, tanto preventiva quanto terapeuticamente.
Colomer & Teberosky (2003) afirmam que a escrita é uma representação da linguagem falada
com uma longa história social. O aprendizado da escrita consiste em se apropriar de um objeto
de conhecimento, de natureza simbólica, que representa a linguagem. Durante essa
apropriação, tanto a representação simbólica como a linguagem são afetadas pela escrita.
Berberian (2003) relata que as condições de domínio da norma padrão serão diferentes se as
motivações para esse domínio se derem pela idéia de que ela possibilita acesso ao
conhecimento, ou a participação em diferentes esferas sociais, ou em função de sua
superioridade lingüística.
Analisando-se o conceito de leitura, Berberian & Massi (2005), referem que ler e escrever não
são o mesmo que decodificar e codificar grupos de grafemas. Decodificação e compreensão são
atividades distintas: a decodificação limita-se ao ato mecânico de reconhecimento e identificação
de letra e agrupamentos das mesmas em palavras e sentenças; a compreensão representa um
trabalho de reflexão acerca do que foi lido, em que construímos entendimentos dos objetos, do
mundo e das pessoas.
Para Ciasca (2003), prestar atenção, entender, transferir e agir são alguns dos componentes
essenciais para o aprendizado. A informação captada passa por um constante processamento e
elaboração, que funciona em níveis cada vez mais complexos e profundos, desde a análise das
características sensoriais, a interpretação do significado até chegar à emissão da resposta.
Santos & Navas (2002) relatam que embora a codificação de morfemas de uma língua em um
sistema de escrita seja uma forma de mediação lingüística, são as associações grafo-
fonológicas, presentes em todos os sistemas de escrita, que nos dão uma verdadeira
compreensão do relacionamento entre estes e a linguagem oral. Os sistemas de escrita, de
modos diversos e nem sempre perfeitos, são baseados na linguagem oral, fato que tem
importantes implicações em como a escrita e a ortografia, sendo processos humanos cognitivos
gerais, funcionam. Desta forma, a escrita não é uma ciência exata, mas um registro visível do
conhecimento humano, que reflete, até certo ponto, a capacidade humana de pensar de modo
abstrato a respeito de sua própria linguagem.
Uma vez que a aquisição do código escrito é considerada um fator cultural, logicamente
depreende-se que ela deve ser ensinada. Assim, Zorzi (2001) refere que a aprendizagem não
depende apenas de habilidades individuais. Ela está submetida em alto grau, a condições
sociais e educacionais, que se não forem suficientemente favoráveis e apropriadas, podem
tornar a criança analfabeta ou oferecer-lhe um precário domínio da língua escrita. Isto quer dizer
que aprender a ler e escrever tem uma dependência muito grande de um conjunto de condições
sociais. Em nossa cultura, as escolas foram criadas para assumir esse papel.
Mas, para que este processo se desenvolva de forma adequada é necessário que algumas
condições estejam presentes. A criança com dificuldades na aquisição e desenvolvimento do
código escrito pode apresentar diversos fatores que, em algum momento interferiram ou, que
atualmente no aprendizado, interferem significativamente nesse processo.
Frente a uma criança com história de fracasso escolar, deve-se investigar as causas intrínsecas,
que poderão estar justificando a dificuldade, e as extrínsecas, que poderão se manifestar na
aprendizagem em forma de atraso ou alterações significativas no processo de ensino-
aprendizagem.
Em relação aos fatores extrínsecos, Berberian (2003) afirma que, se considerarmos que muitas
crianças têm na escola o seu principal meio de acesso e exploração da linguagem escrita, elas
poderão apresentar limitações significativas, especialmente se levarmos em conta as tradicionais
propostas de ensino.
Zorzi (2003) relata existirem níveis de conhecimento da linguagem que podem interferir na
aquisição do código escrito.
Em uma abordagem pedagógica, Paín (1992) relata que certos fatores podem interferir,
significativamente, no processo de aprendizagem, sendo necessária muita atenção aos
acontecimentos que representaram uma mudança considerável para a criança e para a família.
Estes quase sempre estão ligados a uma perda, pois os lutos deterioram a aprendizagem e
tornam improdutivos todos os esforços empregados para dominar a situação anterior.
Entretanto, Capellini (2004), em uma visão mais clínica afirma que fatores genéticos,
neurológicos, e ambientais combinados podem desencadear o distúrbio de aprendizagem, sendo
que fatores pedagógicos e psicopedagógicos podem apenas agravá-los.
Ciasca (2003) relata que as crianças brasileiras apresentam a dificuldade, mais tarde, quando
comparadas às de outros países, uma vez que a dificuldade só é manifestada com a entrada da
criança na escola, atualmente após os 7 anos, sem a possibilidade de qualquer tipo de trabalho
preventivo anterior à alfabetização. Entretanto, a situação começa a mudar porque as crianças
estão entrando na escola cada vez mais cedo e, logo, apresentando dificuldades escolares mais
cedo, na pré-escola.
Consoante, Rotta & Guardiola (1996) referem que, muito mais que habilidades sensitivo-
sensoriais, é necessária a integridade das funções corticais para promover um aprendizado mais
efetivo.
Desta forma, compreende-se que todos os níveis de linguagem interferem de forma direta na
aquisição e desenvolvimento do código escrito e, de igual importância, a capacidade da criança
para conceber conscientemente a linguagem como objeto de análise, ou seja a habilidade em
metalinguagem.
Dentre as formas de manifestação desta habilidade está a consciência fonológica que tem sido
definida por muitos autores como a habilidade para analisar de forma consciente as estruturas
da linguagem oral e manipular seus segmentos quais sejam as palavras, sílabas e fonemas.
Para Barrera & Maluf (1995) entretanto, a consciência fonológica em seus diversos níveis, léxico,
silábico e fonêmico, não é uma simples habilidade que deve ser mecanicamente treinada, mas
uma capacidade cognitiva a ser desenvolvida, capacidade esta que está estreitamente
relacionada à própria compreensão da linguagem oral enquanto esquemas de significantes.
Conforme Capellini (2004), a consciência fonológica é importante para aprender a ler no nosso
sistema de escrita alfabético e algum déficit na relação oralidade-escrita pode ocasionar
problemas de aprendizagem. Além do que, alterações em componentes da linguagem podem
ocasionar não só a dislexia do desenvolvimento como o distúrbio de aprendizagem.
Ambos os manuais consideram, basicamente, três tipos de transtornos, quais sejam, da leitura
(dislexia), da escrita (disgrafia e disortografia) e das habilidades matemáticas (discalculia).
Também referem que, em qualquer dos casos, deve haver os seguintes requisitos para o
diagnóstico de transtorno:
Na mesma linha de raciocínio, Soares (2005) refere que, exigir de todos os alunos a mesma
atuação, é um caminho improdutivo; cada um é diferente, com o seu próprio tempo lógico e
psicológico, e cada um tem uma maneira específica de lidar com o conhecimento. Respeitar
essa “veia”, este ritmo para o ato de aprender é preservar o cérebro de uma possível sobrecarga
que contribuiria para uma desintegração total do processo ensino- aprendizagem.
Conforme Castaño (2003), o termo dificuldade de aprendizagem pode ser caracterizado por
alterações no processo de desenvolvimento do aprendizado da leitura, escrita e raciocínio
lógico-matemático, podendo estar associadas ou não a comprometimentos da linguagem oral.
Já para França (1996), a distinção feita entre os termos dificuldade e distúrbios de aprendizagem
está baseada na concepção de que o termo “dificuldade” está relacionado a problemas de ordem
pedagógica e/ou sócio-culturais, logo, o problema não está centrado apenas no aluno, sendo
que essa visão é mais freqüentemente utilizada em uma perspectiva preventiva; por outro lado, o
termo “distúrbio” está vinculado ao aluno que sugere a existência de comprometimento
neurológico em funções corticais específicas, sendo mais utilizado pela perspectiva clínica ou
remediativa.
Zorzi (2003) relata que, crianças que não tenham apresentado quaisquer dificuldades no
desenvolvimento da linguagem oral, podem vir a apresentar dificuldades específicas de
linguagem escrita. Para estas, as dificuldades começam a surgir a partir do processo de
alfabetização, manifestando-se em termos de alterações de leitura, assim como, de escrita.
Alterações nos processos lingüísticos, envolvendo especificamente a linguagem escrita, são
característicos nesses casos.
Para Capellini (2004), sinais como redução de léxico, sintaxe desestruturada, dificuldade para
processar sons nas palavras, dificuldade para lembrar sentenças ou histórias, entre outros,
podem ocorrer tanto em distúrbios como em dificuldades de aprendizagem, sendo fator
diferenciador a não contribuição do histórico familiar negativo somente nas crianças com
distúrbios de aprendizagem. Revela ainda, que não devemos inserir todas as crianças com o
distúrbio no mesmo grupo. Existem aquelas com deficiência mental, sensorial ou motora que
apresentam o distúrbio de leitura e escrita como resultante desses problemas. Há, também,
aquelas nas quais o distúrbio de aprendizagem decorre de disfunções neuropsicológicas que
comprometem o processamento da informação.
Neste sentido, o termo dificuldade estaria mais relacionado àquelas manifestações escolares
decorrentes de uma situação problemática mais geral, como, por exemplo, inadaptação escolar,
proposta pedagógica e desenvolvimento emocional. A criança manifestaria, também, na escola,
comportamentos sugestivos de alguma dificuldade, que não seria específica de aprendizagem.
Para a mesma autora, o diagnóstico envolve a aplicação de testes que qualificam e quantificam
as habilidades cognitivo-lingüísticas, além do desenvolvimento escolar da leitura, escrita e
raciocínio lógico-matemático, baseados em idade cronológica, mental e escolaridade.
A ATUAÇÃO DO FONOAUDIÓLOGO
O fonoaudiólogo atuando nas escolas, conforme Pacheco & Caraça (2002), tem a função de
transmitir os conhecimentos específicos de sua área para os demais elementos integrantes da
equipe. A passagem destes conhecimentos pode ser realizada através de programas de
treinamento, leituras, pequenos cursos ou palestras, que podem abranger os seguintes
aspectos: noções gerais de todo o processo de aquisição da linguagem, visão geral a respeito
dos problemas de linguagem e a relação entre os distúrbios da comunicação oral e dificuldades
de aprendizagem dentro do processo educacional. Esses contatos facilitam a passagem de
informações básicas a respeito de distúrbio de linguagem que possam ocorrer nas diversas
classes. Além disso, poder ser ministradas orientações aos pais quanto à quantidade,
periodicidade e qualidade dos estímulos oferecidos aos seus filhos.
Segundo Zorzi (2003), pesquisas realizadas por fonoaudiólogos têm se estendido à área
educacional, principalmente nas questões relativas à aprendizagem as quais têm por objetivo
possibilitar a compreensão dos aspectos fundamentais da aquisição da linguagem escrita. O
fonoaudiólogo deve levar os professores a analisar o que significa variação individual,
dificuldade, deficiência e diferenças de ritmo de aprendizagem. Que estes tipos de variações
podem ocorrer até entre os próprios professores.
Santos & Navas (2002) relatam que no processo de reabilitação, as habilidades cognitivas e
metacognitivas da linguagem também devem ser estimuladas, visando facilitar o processamento
da leitura e da escrita em todos os seus níveis: ortográfico, semântico, contextual e fonológico.
Estas autoras citam como atividades terapêuticas, a estimulação da linguagem oral e
consciência fonológica, a leitura guiada para a compreensão, a seleção individualizada de textos
de variados níveis, visando desenvolver a fluência e a flexibilidade do leitor, assim como a
escrita com um propósito e para um leitor em potencial. O objetivo de terapia deve ser sempre
desenvolver nos pacientes o gosto pela leitura e pela escrita, proporcionando lhes melhores
condições de decodificação e compreensão da leitura, além da elaboração de uma escrita mais
organizada e com menos erros.
CONCLUSÃO
Ambos os manuais diagnósticos são consensuais em afirmar que a criança com distúrbio de
aprendizagem apresenta um déficit em funções corticais superiores, ou seja, um déficit
lingüístico. Deve ficar claro que o fonoaudiólogo é o profissional legalmente habilitado para
intervir, tanto preventiva quanto terapeuticamente nesses casos. Afirma-se ainda, a importância
de continuarem sendo realizadas pesquisas nessa área do conhecimento humano ainda tão
pouco explorada.
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DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM
Causas sensoriais – são todos os distúrbios que atingem os órgãos dos sentidos, que são
os responsáveis pela percepção que o indivíduo tem do meio exterior. Qualquer problema que
afete os órgãos responsáveis pela visão, audição, gustação, olfato, tato, equilíbrio, reflexo
postural, ou os respectivos sistemas de condução entre esses órgãos e o sistema nervoso,
causará problemas no modo de a pessoa captar as mensagens do mundo exterior e, portanto,
dificuldade para ela compreender o que se passa ao seu redor.
Causas sócio-econômicas – não são distúrbios que se revelam no aluno. São problemas
que se originam no meio social e econômico do indivíduo. O meio físico e social exerce
influência sobre o indivíduo, podendo ser favorável ou desfavorável à sua subsistência e também
às suas aprendizagens.
Todas essas causas originam distúrbios, que irão se constituir nos diferentes problemas de
aprendizagem.
Podemos dizer que há um problema de linguagem em uma criança quando sua maneira
de falar interfere na comunicação (distraindo a atenção do ouvinte sobre o que ela diz para
enfoca-la no como ela diz) ou quando a própria criança se sente excessivamente tímida e/ou
apreensiva com seu modo de falar. Porém, é preciso muito cuidado ao classificar a linguagem,
pois a fala normal tolera muitas “anomalias”.
Dislexia
A criança disléxica apresenta sérias dificuldades com a identificação dos símbolos gráficos
no início da sua alfabetização, o que acarreta fracasso em outras áreas que dependem da leitura
e da escrita. As principais dificuldades são:
- demora a aprender a falar, fazer laço,a reconhecer as horas, a pegar e chutar bola, a
pular corda;
- escrever números e letras correspondente, ordenar as letras do alfabeto,meses do ano
e sílabas de palavras compridas, distinguir esquerda e direita;
- atrapalha-se ao pronunciar palavras longas;
- dificuldade em planejar e fazer redação.
Disgrafia
Autismo infantil
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Enquanto isto, as crianças deprimidas prestam mais atenção às evidências de fracasso, perda e
auto-referência negativa, o que acarreta auto-ruminação e outros sintomas depressivos.
As respostas agressivas são mais prováveis quando o indivíduo identifica as intenções do outro
como hostis em caso de provocação pressuposta. Pelo menos 26 estudos identificam um viés de
atribuições hostis no caso de crianças cronicamente agressivas. As atribuições hostis são causa
de agressões raivosas retaliatórias.
Face a um evento acadêmico ou afiliativo negativo, o indivíduo que atribui o insucesso a fatores
internos, globais e instáveis exibe uma maior probabilidade de se tornar negativo, do que as
pessoas que não possuem este estilo cognitivo.
Pelo menos 18 estudos identificaram uma correlação positiva entre depressão e a tendência de
atribuir eventos negativos a causas internas, globais e estáveis e eventos positivos a causas
externas, específicas e instáveis. Os indivíduos deprimidos tendem a se engajar em
pensamentos distorcidos e supergeneralizados a partir de eventos negativos.
Um outro aspecto diz respeito ao afeto gerado à medida que as diversas respostas vão sendo
acessadas. As evidências indicam que as crianças agressivas tem dificuldade em identificar suas
emoções de raiva ou que podem agir agressivamente sem qualquer ativação autonômica.
As dimensões que influenciam o processo de avaliação são a aceitabilidade moral (quão "bom"
ou "mau" o comportamento é), expectativas instrumentais (ganhos materiais) e sancionais
(punições pelas figuras de autoridade), bem como julgamentos dos resultados interpessoais
(gostar), intrapessoais (afeto sobre o self) e de auto-eficãcia.
Existem evidências de que, por um lado, as crianças cronicamente agressivas podem executar
as respostas sem uma avaliação suficiente das suas conseqüências ulteriores. Por outro lado, as
crianças agressivas tendem a valorizar a agressão de modo mais positivo.
De um modo geral, as crianças depressivas tendem a julgar como mais positivas as respostas
de retirada e isolamento, ainda que esperem menos resultados instrumentais positivos e mais
resultados instrumentais negativos deste tipo de comportamento.
Com respeito ao distúrbio de conduta, o modelo postula que as experiências precoces de abuso
físico, exposição a modelos agressivos e vínculos inseguros com os cuidadores primários levam
uma criança a desenvolver estruturas mnemônicas onde o mundo é representado como um local
hostil, onde são necessárias respostas coercivas com o intuito de atingir os seus objetivos
pessoais.
Mais tarde, quando a criança se confronta com estímulos provocativos tais como piadinhas dos
colegas, brincadeiras rudes ou exigências dos adultos, estas estruturas de conhecimento fazem
com que ela preste seletivamente atenção aos aspectos hostis, interpretando os estímulos
sociais ambíguos como ameaçadores ao self.
As redes associativas na memória da criança fazem com que ela acesse predominantemente
respostas agressivas, as quais são também valorizadas como positivas, desencadeando a
execução de respostas também agressivas.
Mais tarde, quando esta criança se defronta com perdas interpessoais ou fracassos, estes
esquemas cognitivos fazem com que ela processe seletivamente os aspectos negativos destes
eventos, atribuindo-os a causas internas, globais e estáveis.
I
Discente do curso de graduação em Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista de iniciação científica do CNPq
II
Doutor pela Universidad Complutense de Madrid, Livre - docente pela Unicamp e docente do curso de Psicologia e do
Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia, da Universidade São Francisco, campus Itatiba-SP
III
Discente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista da Capes
RESUMO
Sabe-se que escrever supõe tomada de decisões acerca do que vai ser escrito, como será
escrito, quais letras devem ser empregadas. Considera-se que os fonemas são as unidades
sonoras básicas da linguagem que contêm significado, no entanto, não a encerram, já que
certos grupos de traços fonéticos estão sujeitos a regras de pronúncia de que nossa língua
dispõe, não previsíveis a partir das regras de conversão fonema-grafema (Sisto, 2001a).
Cumpre, não obstante, considerar que certos erros são relativamente comuns ao se iniciar a
aprendizagem da escrita, passando a assumir o caráter de dificuldade de aprendizagem de
acordo com sua persistência ao longo da experiência escolar. Vale ressaltar que tais dificuldades
podem aparecer em quaisquer dos seguintes processos: converter uma cadeia de sons em
letras e/ou combinar os sons com seus desenhos para escrever a palavra (Sisto, 2001a).
Bastante relevante é a contribuição de Cruz (1999), quando descreve quatro aspectos principais
na determinação da escrita. O primeiro trata do processo construtivo, implicando elaboração,
interpretação e construção do significado. O segundo processo compreende a necessidade de o
indivíduo agir de forma ativa para aprender a tarefa, desenvolvendo um aparato de estratégias
cognitivas e metacognitivas que poderão ser utilizadas na solução de problemas. Por fim, o
processo afetivo implica o desejo de escrever, a estabilidade emocional e o interesse pela
aprendizagem; assim, pode-se dizer que os fatores afetivo-motivacionais estariam relacionados
ao rendimento do aluno.
De acordo com Ajuriaguerra e Grajan (1995), a escrita resulta de uma aprendizagem que
depende de numerosos fatores estreitamente dependentes da adaptação afetiva e da
personalidade das crianças, entre os quais se podem citar o gosto pela escola, as relações com
os pais e o professor. Atualmente, concebe-se que possivelmente existam alterações afetivo-
emocionais no cerne das dificuldades de aprendizagem.
Muitas pesquisas recentes têm analisado mais detidamente os aspectos cognitivos em relação
com os emocionais, ressaltando a importância de tais fatores na compreensão e sucesso do
indivíduo. A revisão da literatura permitiu englobar as pesquisas encontradas acerca de
dificuldades de aprendizagem e características afetivas em dois grupos.
Alguns estudos usaram o desenho da figura humana como instrumento para avaliar problemas
emocionais, foco de interesse deste estudo, considerando que os desenhos refletem as atitudes
da criança em relação ao mundo e são ainda indicativos dos possíveis problemas emocionais
experienciados pelo indivíduo (Koppitz, 1976). Podem-se obter medidas bastante confiáveis dos
diferentes conflitos enfrentados pela criança em certo momento de sua vida, desse modo, as
crianças podem expressar seus conflitos na escola por intermédio dos desenhos de figura
humana.
Os estudos encontrados com o uso do desenho da figura humana para avaliar aspectos
emocionais permitiram afirmar que nenhum analisou especificamente os problemas de escrita.
No entanto, Koppitz (1976) verificou que os aspectos emocionais captados pelo desenho da
figura humana estavam relacionados ao rendimento acadêmico de crianças de 5 a 10 anos.
Posteriormente os grupos de bons e maus alunos foram comparados. Para crianças de jardim
de infância, só a omissão de corpo e boca discriminou os grupos, os outros indicadores não se
mostraram significativos para diagnóstico. No primeiro e segundo anos o referido pesquisador
observou que os itens integração pobre, figura inclinada, omissão do corpo e braços e três ou
mais figuras discriminavam os grupos; o item figura monstruosa ou grotesca ocorreu com uma
baixa freqüência e não forneceu resultados significativos, mas se deu somente em protocolos de
alunos medíocres. Por fim, para o terceiro e quarto anos, nenhum dos indicadores emocionais
discriminou bem os grupos, sendo raros nos desenhos dessas crianças (Koppitz, 1976).
Dessa forma, pôde-se concluir que 7 itens parecem discriminar bem os grupos para jardim e
para os primeiros anos de escola, o que confirma estudos de Vane e Eisen (1962). Porém
parece haver consenso de que os DFHs não discriminam os alunos em bons e maus em séries
posteriores ao segundo ano, como também aponta Bennett (1964). Nesses níveis, o rendimento
depende de outros fatores, como, por exemplo, autoconceito (Koppitz, 1976).
Sabe-se que nossa sociedade atribui muito valor ao rendimento acadêmico. Na escola, crianças
que apresentam problemas são freqüentemente taxadas de estúpidas e más, o que leva muitas
crianças com pequenas dificuldades a intensificar sentimentos de culpa pelas suas dificuldades.
São crianças que apresentam uma tendência a omitir nariz, braços, pés, boca, e desenham
figuras pequenas, demonstrando insuficiência e pobre autoconceito, além de cabeça grande ou
pequena, refletindo suas preocupações nas atividades intelectuais (Koppitz, 1976).
MÉTODO
Participantes
O instrumento caracteriza-se por ser uma escala para avaliação da dificuldade de aprendizagem
na escrita. Consiste de um ditado composto por 114 palavras. Os erros apresentados pelas
crianças foram computados por palavras, consideradas como unidades. Cada unidade errada
recebeu o valor 1 e os acertos zero. Dessa maneira, a soma dos erros forneceu a pontuação de
cada criança. O instrumento possui validade de critério considerando o estudo levado a cabo
pelo autor. Vale ressaltar ainda que os dados de precisão do ADAPE são suficientemente altos
(entre 0,87 e 0,97). Assim, pode-se dizer que o instrumento apresenta condições metrológicas
adequadas ao uso (Sisto, 2001a). Vale ressaltar que este teste avalia as dificuldades relativas à
representação de fonemas, não avaliando aspectos referentes à compreensão e expressão de
significados.
Na aplicação, foi explicado que seria efetuado um ditado de um texto, as palavras lidas uma a
uma e não repetidas, além de os alunos serem orientados para escrever todas as palavras. Foi
entregue uma folha em branco ao aluno para que escrevesse o ditado e as professoras de cada
classe foram instruídas para aplicá-lo.
Os alunos foram categorizados segundo o critério ADAPE Sisto (2001a). Desse modo, as
crianças consideradas sem indícios de dificuldade de aprendizagem apresentaram até 20 erros
no ditado, categoria esta a que foi atribuído o numeral 0; aquelas que tiveram entre 50 e 79
erros foram classificadas como com dificuldade de aprendizagem leve e foi-lhes atribuído o
numeral 2; finalmente, para serem consideradas com dificuldade de aprendizagem média,
tinham que possuir 80 ou mais erros no ditado, sendo que esta última categoria foi denominada
de 3.
Foi solicitado às crianças que desenhassem uma pessoa humana em um papel sulfite, com a
maior quantidade de detalhes possível. O tempo foi livre, bem como o uso de borracha. Nos
desenhos foram observados 38 itens, de acordo com os critérios propostos pela autora em
questão, quais sejam: traços fragmentados; integração pobre das partes da figura; sombreado
do rosto ou parte dele; sombreado do corpo e/ou extremidades; sombreado das mãos e/ou
pescoço; acentuada assimetria das extremidades; inclinação da figura em 15 graus ou mais;
figura pequena, de 5cm ou menos de altura; figura grande, de 23cm ou mais de altura;
transparência; cabeça pequena, um décimo da altura figura; cabeça grande, igual ou maior que
o corpo; olhos vazios, círculos sem pupilas; olhadas laterais de ambos os olhos; olhos vesgos,
ambos virados para dentro; dentes; braços curtos, que não chegam até a cintura; braços longos,
até debaixo dos joelhos; braços grudados, aderidos aos lados do corpo; mãos grandes, do
tamanho do rosto; mãos omitidas, braços sem mãos nem dedos; mãos ocultas atrás das costas
ou nos bolsos; pernas juntas; genitais; figura monstruosa ou grotesca; desenho espontâneo de 3
ou mais figuras; figura interrompida pela borda da folha; linha de base, pasto, figura na borda da
folha; sol ou lua; nuvens, chuva, neve; omissão dos olhos; omissão do nariz; omissão da boca;
omissão do corpo; omissão dos braços; omissão das pernas; omissão dos pés; e, finalmente,
omissão do pescoço. A soma desses indicadores forneceu o total de indicadores emocionais.
Foram formados três grupos. O grupo 1 foi composto de crianças que apresentaram entre zero e
três indicadores emocionais em seus desenhos, indicativo de nenhum ou poucos problemas; no
grupo 2, os alunos foram classificados como portadores de indícios de problemas emocionais e
seus desenhos apresentaram de quatro a seis indicadores; o grupo 3 foi formado pelos alunos
que apresentaram sete ou mais indicadores emocionais, sugerindo sérios problemas
emocionais. Vale ressaltar que a aplicação dos instrumentos foi coletiva e realizada no mesmo
dia, na sala de aula, durante o período normal de atividades.
RESULTADOS
O estudo para avaliar até que ponto as crianças diferem no que se refere ao total de erros por
palavras em razão das categorias de intensidade de problemas emocionais mostrou que a
diferença entre as médias de erros no ditado não pode ser atribuída ao acaso (F = 3,250; p =
0,044). A Figura 1 mostra essa relação.
Detalhando um pouco mais essa analise, pôde-se constatar que os grupos 1 e 2 não diferem
significativamente entre si, mas os dois diferem do grupo 3 (prova de Tukey). Outro dado
interessante a se notar consiste em que as crianças com nenhum ou poucos problemas
emocionais forneceram uma média de erros por palavras de 24,9; já as que foram classificadas
como portadoras de indício de problemas emocionais obtiveram uma média de 29,4; finalmente
a média de erros na escrita dos alunos mais comprometidos emocionalmente foi 46,7.
Evidencia-se, assim, que ao aumento do número de indicadores emocionais nos desenhos
corresponde o aumento do número de palavras erradas, o que sugere uma relação entre os
problemas emocionais e o desempenho na escrita. Entretanto, aparentemente, é a partir de um
certo número de indicadores que essa diferença fica bastante configurada, conforme indicou a
prova de Tukey.
Os dados encontrados sugerem que o gênero não diferenciou nenhuma das variáveis
estudadas, quais sejam, o total de erros por palavras e o número de indicadores emocionais
(t=1,3, p=0,1; t=0,5, p=0,6 respectivamente). Apesar disso, estudou-se até que ponto ele
influenciava os erros na escrita por palavras nas diferentes classificações de problemas
emocionais. Nota-se que existe diferença significativa entre meninos e meninas, conforme está
indicado na Figura 2.
A média de erros por palavras de meninos e meninas nas categorias nenhum ou poucos
problemas emocionais foi 23,29 e 26,93 respectivamente; já na categoria indício de problemas
emocionais, a média das meninas foi 26,33 e dos meninos 32,77; finalmente, as meninas
obtiveram uma média de 24,60 e os meninos 65,17 na categoria sérios problemas emocionais.
Observa-se que somente nas categorias nenhum ou poucos problemas emocionais a média de
erros na escrita das meninas foi maior que a dos meninos. Nas categorias seguintes, a média
das meninas foi gradativamente diminuindo e a dos meninos aumentando significativamente.
Desta forma, a diferença entre as médias do total de erros por palavras nas diferentes
categorias de problemas emocionais parece ser justificada pelo gênero masculino, ou seja, esta
diferença melhor se configura conforme se agudizam os problemas emocionais dos meninos; já
nas meninas, essa medida tende a diminuir.
DISCUSSÃO
Parece haver consenso de que os aspectos cognitivos diferenciam-se dos emocionais, porém
são indissociáveis, embora se tenham muitas questões ainda a serem tratadas, como, por
exemplo, se um pode determinar o outro. Nesse contexto, Piaget (1954) propõe que se devem
considerar os aspectos afetivos em todos os atos inteligentes.
Com relação ao gênero, um dado interessante a se comentar consiste no fato de que este não
apresenta relações significativas com nenhuma das variáveis em questão no presente trabalho,
se tomadas separadamente. Entretanto, ao se analisarem as diferenças entre o gênero no que
concerne aos erros na escrita nas diferentes categorias de problemas emocionais, observou-se
que a diferença pode ser justificada pelos meninos, dado que o aumento nos erros de escrita
ocorre em razão dos problemas emocionais que eles apresentam. Desta forma, a afirmação de
que as dificuldades de aprendizagem na escrita são acompanhadas por problemas emocionais
parece estar mais relacionada às crianças do gênero masculino e não às do feminino. Nesse
contexto, sugere-se que futuros estudos procurem trabalhar as possíveis causas dessa
diferença observada.
Finalmente, merece destaque, novamente, a pesquisa de Koppitz (1976), que observou que
cinco indicadores diferenciavam significativamente as crianças com alto e baixo rendimento
acadêmico, quais sejam: integração pobre, figura inclinada, omissão do corpo e braços e três
ou mais figuras. O item figura monstruosa ou grotesca ocorreu com uma baixa freqüência, não
fornecendo dados significativos; todavia, foi verificado em protocolos de alunos medíocres. A
esse respeito, vale comentar que o a autora aponta o indicador de três ou mais figuras como
associado ao baixo rendimento acadêmico, o que no presente estudo não foi constatado. A
interpretação fornecida para esses indicadores sugere instabilidade emocional, ansiedade e
sentimentos de culpa, além de imaturidade, baixa auto-estima, dificuldades de relacionamento e
carência de identidade. Desse modo, as únicas características não corroboradas a partir dos
dados da presente pesquisa compreendem a imaturidade e falta de identidade, ao passo que
todas as outras foram evidenciadas nos protocolos das crianças estudadas nesta pesquisa.
Esse é um aspecto que convida a novos estudos para busca de eventuais causas desse fato.
Por fim, vale destacar que o presente estudo não pretendeu esgotar as relações existentes entre
as duas variáveis em questão. Pelo contrário,ele se propôs aventar pontos de reflexões acerca
da temática, visando subsidiar a atuação de professores e psicólogos no que concerne à
intervenção psicopedagógica neste campo da aprendizagem, já que, como sugere Freire (1975),
a reflexão só é reflexão se aponta para a prática. Assim, como aspectos que poderiam ser
estudados podem-se citar a necessidade de pensar em iniciativas pedagógicas para um melhor
aprendizado da linguagem escrita em sala de aula por parte de crianças com indicativos de
problemas emocionais e a necessidade de pesquisas sobre formas de intervir em crianças com
vistas a sanar ou pelo menos minimizar tais problemas.
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Marina BandeiraI; Sandra Silva RochaI; Thiago Magalhães Pereira de SouzaI; Zilda Aparecida Pereira Del PretteII; Almir Del PretteII
I
Universidade Federal de São João del-Rei
II
Universidade Federal de São Carlos
RESUMO
Durante os primeiros anos de vida, a criança vivencia uma seqüência de experiências no seu
ambiente que podem favorecer comportamentos pró ou anti-sociais. Conforme o modelo
desenvolvimental de Patterson, DeBaryshe e Ramsey (1989), as dificuldades interpessoais da
primeira infância podem repercutir na infância média acentuando as chances de ocorrência de
problemas de conduta, o que, por sua vez, pode levar à rejeição pelo grupo de pares e até
mesmo pelos pais e professores, assim como ao fracasso escolar e à depressão. Essas
crianças, ao alcançarem a adolescência, têm maior probabilidade de se envolverem com grupos
desviantes e, conseqüentemente, ingressar na delinqüência, possivelmente com uso de drogas,
gerando uma carreira caótica, problemas de relacionamento ou institucionalização.
A pesquisa realizada por Ferreira e Marturano (2002) permitiu constatar igualmente que as
crianças que apresentavam comportamentos problemáticos possuíam maiores índices de
dificuldades nas relações parentais. Estudando as características do ambiente familiar de
crianças referidas para atendimento por queixas escolares, por meio de escalas de medida,
Ferreira e Marturano (2002) compararam dois grupos de crianças, com e sem problemas de
comportamento, classificados com base na escala ECI. No que se refere ao estilo parental,
constatou-se que os pais de crianças que apresentavam comportamentos problemáticos
adotavam estilos parentais reativos, que se caracterizavam pela manifestação de interações
negativas, incluindo uma baixa preocupação com as necessidades e a segurança dos filhos, uso
de ameaças, agressão física, etc. Os pais de crianças que não apresentavam comportamentos
problemáticos adotavam estilos parentais proativos, que se caracterizam por uma maior
preocupação com as necessidades e a segurança dos filhos, incluindo uma maior organização e
planejamento do cotidiano, preocupações com o estudo e o lazer e maior disponibilidade para
ajudar suas crianças. Entretanto, a natureza correlacional dessas pesquisas impede uma análise
da direção de causalidade nas observações.
Em crianças referidas para atendimento por motivo de queixas escolares, tem sido observada
uma alta prevalência de comportamentos problemáticos, cerca de 40% apresentando
comportamentos problemáticos externalizantes, mas também uma elevada porcentagem de
sintomas emocionais internalizantes, segundo relatos de pesquisas discutidos por Marturano e
Loureiro (2003). A agressividade em crianças foi a segunda queixa mais freqüente na clínica-
escola da USP, segundo uma pesquisa realizada por Baraldi e Silvares (2003). Graminha
(1994), estudando comportamentos específicos em uma amostra representativa, composta por
1731 alunos, selecionada aleatoriamente da população de crianças da pré-escola à 6ª série de
Ribeirão Preto, observou, por exemplo, uma porcentagem de 68% de comportamentos de ser
desobediente e de 62% de ser mal humorado e nervoso, entre 40 a 50% de ser irritável, dentre
outros.
As habilidades sociais têm sido consideradas, na literatura da área, como um fator que contribui
para a prevenção de comportamentos problemáticos (Del Prette & Del Prette, 2005), incluindo
as habilidades de solução de problemas interpessoais (Elias & Marturano, 2004). A ocorrência
de comportamentos problemáticos em crianças tende a variar em função do repertório de suas
habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2003) e também em função de indicadores sócio-
demográficos, tais como gênero e nível socioeconômico (Alencar & Araújo, 1983; Ferreira &
Marturano, 2002; Graminha, 1994; Souza & Rodrigues, 2002).
As habilidades sociais podem ser potencializadas por determinados contextos sociais nos quais
as crianças se desenvolvem. Tem sido observado que alguns contextos sociais e arranjos
ambientais (e.g., infra-estrutura dos locais de moradia, estruturação das atividades escolares e
de recreação, estimulação dos adultos e professores, organizações espaço-temporais, etc.)
aumentam a freqüência das interações sociais (Campos de Carvalho, 1998) e influenciam o
desenvolvimento de comportamentos pró-sociais e a aquisição de habilidades de comunicação e
interação interpessoal (Carvalho, 1997). Uma seqüência desenvolvimental de exposições, desde
a primeira infância, a variáveis contextuais tais como pais anti-sociais, divórcio, moradia em
bairros violentos, estresse familiar, pais que utilizam drogas, entre outros, está associada à
ocorrência de comportamentos anti-sociais (Baraldi & Silvares, 2003; Ferreira & Marturano,
2002). Portanto, cada contexto social pode estimular ou não o desenvolvimento de habilidades
pró-sociais, daí o seu caráter situacional.
Alguns autores alertam para a necessidade de desenvolver pesquisas para identificar os fatores
associados à ocorrência de comportamentos problemáticos, esclarecer as relações entre estes
comportamentos e o fracasso escolar, as relações entre habilidades sociais e comportamentos
problemáticos e para identificar variáveis que possam potencializar os efeitos de intervenções,
visando à prevenção e ao tratamento destes comportamentos (Del Prette & Del Prette, 2004;
2005; Elias & Marturano, 2004; Graminha, 1994; Marinho, 2003; Parreira & Marturano, 1996).
Aprofundar o conhecimento sobre a aquisição das habilidades sociais e o controle de
comportamentos agressivos é importante, devido às suas conseqüências negativas futuras na
vida da criança (Baraldi & Silvares, 2003). Neste sentido, o estudo da incidência de déficits e
recursos das habilidades sociais apresentadas pelas crianças, em cada contexto social, é
fundamental para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e redução de
comportamentos problemáticos nesses contextos (Del Prette & Del Prette, 2004). Torna-se,
portanto, importante, avaliar as relações entre estas variáveis em diversas regiões do país, em
diferentes níveis sociais e em contextos escolares de diversas cidades, visando a consolidação
do conhecimento, a partir da replicação dos resultados, que constitui um aspecto inerente ao
conhecimento cientifico.
Discussão
Quanto ao nível sócio-econômico, foi observado que esta variável influenciou significativamente
a ocorrência de comportamentos problemáticos. Comparando-se os alunos de escolas pública e
particular, verificou-se que os alunos da escola pública apresentaram mais comportamentos
problemáticos do que os da escola particular, segundo a avaliação dos pais e dos professores.
Também foi constatada uma correlação negativa significativa entre o nível sócio-econômico dos
pais, medido pelo questionário Critério Brasil, e a freqüência de ocorrência de comportamentos
problemáticos das crianças. Estes resultados estão em acordo com dados de outras pesquisas,
as quais verificaram que o contexto social e o arranjo ambiental estavam associados à aquisição
de habilidades de comunicação interpessoal e à ocorrência de comportamentos problemáticos
(Carvalho, 1997; Ferreira & Marturano, 2002; Graminha et al., 1996).
Com relação à competência acadêmica dos estudantes, foi observado que quanto maior era
essa competência, menor era a freqüência de comportamentos problemáticos. Esses resultados
corroboram os dados levantados por outros estudos que observaram que crianças com
dificuldades acadêmicas apresentavam ocorrência maior de problemas de comportamento
(D'Avila-Bacarji et al., 2005; Marturano et al., 1997; Medeiros et al., 2000), ou que crianças
referidas para atendimento clinico por comportamentos problemáticos apresentavam
dificuldades de aprendizagem, como segundo fator de risco mais relatado pelas mães
(Graminha et al., 1996).
Os resultados desta pesquisa confirmam dados obtidos em outras regiões do país, contribuindo
assim para a generalização do conhecimento a respeito das relações entre comportamentos
problemáticos, desempenho escolar e habilidades sociais de crianças de ensino fundamental. A
análise foi realizada a partir de uma perspectiva integrativa, uma vez que partiu da percepção
conjunta de pais, professores e alunos, avaliada por meio de um mesmo instrumento de medida.
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Psicólogo formado pela Universidade São Francisco - Itatiba/ SP. Aprimoramento em Psicologia
Clínica aplicada à Neurologia Infantil - UNICAMP/ SP - Brasil.
Resumo
A atenção é uma função crucial que permite a interação eficaz do indivíduo com o seu ambiente,
além de subsidiar a organização dos processos mentais. Com a atenção, nós podemos
selecionar qual estímulo será analisado em detalhes e qual será levado em consideração para
guiar nosso comportamento. Avanços recentes nos estudos usando métodos de neuroimagem e
outras medidas neurobiológicas têm permitido a investigação dos mecanismos específicos do
sistema cerebral de atenção. No presente artigo, nós revisamos diversos aspectos dos
mecanismos atencionais. Primeiramente, nós apresentamos a definição e tipos de atenção
(seletiva, sustentada e dividida). Em seguida, descrevemos as bases neurais e algumas técnicas
de avaliação em pesquisas e contexto clínico.
1. Definição e tipos
A atenção é amplamente estudada por diferentes áreas do conhecimento, tais como a
psicologia, neurociência cognitiva, biologia, fisiologia, sendo considerada um importante
construto para a compreensão dos processos perceptivos e funções cognitivas em geral. Desde
1890, o caráter seletivo dos processos psíquicos é exposto de maneira bastante objetiva por
William James (citado por Kandel, 1997:323):
“Milhões de itens (...) são apresentados aos meus sentidos e nunca entram propriamente na
minha consciência. Por quê? Porque não têm interesse para mim. Minha experiência é aquilo
que eu concordo em prestar atenção (...). Todos sabem o que é a atenção. É a tomada de posse
pela mente, de forma clara e vívida, de um dentre o que parecem ser vários objetos possíveis
simultâneos ou linha de pensamento. A focalização, a concentração da consciência são sua
essência. Esta implica, a abstenção de algumas coisas para poder lidar eficazmente com
outras.”
Esse relato demonstra que o interesse dos cientistas pelos mecanismos atencionais não é
recente. Três importantes características da atenção são expressas por William James neste
relato: a) a possibilidade de se exercer um controle voluntário da atenção; b) inabilidade em
atender diversos estímulos ao mesmo tempo, ou seja, o caráter seletivo e focalização; c)
capacidade limitada do processamento atencional.
Do ponto de vista histórico, vários modelos teóricos foram propostos desde as considerações de
William James. O foco desses modelos era determinar o momento em que os estímulos são
selecionados. Assim dividem-se as teorias da seleção inicial das teorias de seleção tardia. A
primeira determina que os estímulos não precisam ser analisados completamente para serem
selecionados. Já as teorias de seleção tardia indicam que os estímulos que chegam pelas vias
sensoriais recebem uma análise prévia de características e significados e a partir daí são
selecionados os estímulos que receberão um processamento mais aprofundado pelas áreas
corticais (Gazzaniga, Irvy & Mangun, 1998).
Cherry (citado por Eysenck & Keane, 1994) desenvolveu a teoria da atenção auditiva focalizada.
De acordo com a teoria, um indivíduo é capaz de selecionar e atender predominantemente
apenas os estímulos que tem interesse, ignorando os demais que não são processados.
Broadbent (citado por Gazzaniga e colaboradores, 1998) definiu com a teoria do filtro que os
indivíduos possuem uma capacidade limitada de atenção, na qual somente os estímulos
relevantes são atendidos ou processados. O sistema atencional atua como um filtro que “abre”
para as informações a serem atendidas e “fecha” para as ignoradas. Assim, os estímulos não
atendidos são rejeitados nos estágios iniciais do processamento das informações. Porém, Von
Wright e colaboradores (citado por Eysenck & Keane, 1994) verificaram em seus experimentos
com atenção auditiva que havia uma espécie processamento inconsciente das informações não
atendidas, de modo que o filtro definido pelas teorias anteriores não excluiriam absolutamente
tais estímulos. Essa posição também foi defendida por Treisman (citado por Gazzaniga e
colaboradores, 1998). De acordo com a autora, a análise dos estímulos não atendidos pelo
indivíduo é atenuada ou reduzida. Esse processo de atenuação seria um mecanismo utilizado
pelo sistema atencional para reduzir a interferência que os estímulos irrelevantes produzem no
processamento dos estímulos que estamos atendendo.
Figura 01
O estabelecimento do foco de atenção possui um valor adaptativo, na medida em que
discriminamos os estímulos que são relevantes dos irrelevantes e os direcionamos
seletivamente aos recursos limitados de processamento das informações de nosso encéfalo
(Bear e colaboradores, 2002). Mesmo que pudéssemos processar todas as informações que
chegam ao nosso encéfalo, há uma vantagem no desempenho das tarefas quando estas são
processadas de maneira seqüencial.
De acordo com os estudos realizados pela psicologia da Gestalt, a percepção ocorre através da
seleção e organização ativa dos elementos que compõem, por exemplo, uma imagem ou um
som, de modo que a configuração que emerge à consciência é mais do que mera soma das
partes. Seguindo esse princípio, uma música não é percebida como uma seqüência de notas
isoladas e sim por suas inter-relações. Isso é evidente visualmente na dicotomia Figura-Fundo,
em que uma imagem é selecionada como foco atencional e o restante submergido ao fundo.
Apesar de serem figuras diferentes uma necessita da outra (Davidoff, 1983; Kandel, 1997).
Vários fatores podem influenciar a atenção, como o contexto no qual o indivíduo está inserido, as
características dos estímulos, expectativa, motivação, relevância da tarefa desempenhada,
estado emocional, experiências anteriores (Davidoff, 1983; Cortese, Mattos & Bueno, 1999).
De acordo com Lent (2002), de um modo geral, a atenção envolve dois aspectos fundamentais.
O primeiro é o alerta que representa estado geral de sensibilização dos orgãos sensoriais e o
estabelecimento e manutenção do tônus cortical para a recepção dos estímulos. O segundo é a
atenção propriamente dita que envolve a focalização do alerta sobre determinados processos
mentais e neurobiológicos. Segundo Del Nero (1997:295):
“Um determinado nível de alerta é fundamental para que haja condição de se pensar em
atenção. Esse nível, também considerado vigília plena, é o que mantém o cérebro em constante
preparo para desempenhar suas funções, recrutando para seu funcionamento uma complexa
orquestração de subsistemas que vão desde o tronco cerebral até o córtex. (...). O estar
desperto depende tanto de um processo de tonificação de diversos departamentos cerebrais,
quanto de um determinado mecanismo cortical responsável pela seleção de objetos de atenção
e interesse. Há, então, dois mecanismos em jogo: o ascendente, que mantém o sistema apto a
oferecer os candidatos à atenção, e o cortical, que os seleciona, tal fosse foco móvel sobre
protagonistas no palco.”
A atenção involuntária é suscitada pelas características dos estímulos, ou seja, ocorre diante de
eventos inesperados no ambiente e o indivíduo não é agente de escolha da sua atenção.
Algumas características dos estímulos que "chamam" nossa atenção são: intensidade, tamanho,
cor, novidade, movimento, incongruência e a repetição (Brasil, 1984). É um tipo de atenção
mediada por processamento automático das informações e não requer controle consciente do
indivíduo e funcionar para diferentes atividades (Macar, 2001). Este tipo de atenção está
intimamente ligado à reação de orientação na qual o indivíduo movimenta os olhos e a cabeça
em direção ao estímulo de modo a permitir condições de processamento (Brandão, 1995).
A atenção pode ter como foco outras coisas, além dos estímulos sensoriais que chegam pelos
sentidos. Ela pode dirigir-se para processos mentais, tais como as memórias, pensamentos,
recordações, execução de cálculos mentais. Quando o foco é voltado para o ambiente externo
também pode ser chamada de percepção seletiva e quando voltada ao ambiente interno pode
ser chamada de cognição seletiva (Gazzaniga e colaboradores, 1998; Lent, 2002).
Os métodos de investigação dos mecanismos atencionais mudaram significativamente.
Atualmente, com o avanço das técnicas de neuroimagem cerebral, tem sido possível evidenciar
as estruturas cerebrais e mecanismos neurofisiológicos envolvidos com a atenção.
De acordo com Brandão (1995), a formação reticular localizada no tronco cerebral é responsável
pela regulação do estado de alerta (tenacidade) e subsidia o processo atencional. As
informações provindas dos receptores sensoriais passam pela formação reticular de onde
ascendem fibras para estuturas diencefálicas e corticais. A formação reticular torna-se, assim,
uma estutura mediadora entre os estímulos externos e o mundo interno, pois através de
mecanismos reguladores, como a atenção, seleciona os estímulos e permite uma interação com
o meio. As projeções do chamado sistema ativador reticular ascendente (SARA) do trono
cerebral possibilitam a ativação cortical, a manutenção do alerta e a escolha das respostas
comportamentais. Acredita-se que esse processo seja mediado neuroquimicamente por
neurônios dopaminérgicos provenientes do núcleo A10 dessa região.
A partir dessa ativação inicial, os neurônios do córtex parietal recebem informações sensoriais
do tálamo e das áreas de associação corticais; as informações motoras são provenientes dos
núcleos da base e do colículo superior; e informações límbicas são provenientes do giro do
cíngulo e da amígdala. Todas essas áreas recebem aferências da formação reticular que regula
o nível de ativação de cada uma delas (Brandão, 1995).
De maneira inversa, o sistema reticular ativador também pode ser ativado ou inibido por sinais
de diferentes regiões do córtex (córtex sensorial somestésico, córtex motor e córtex frontal) por
meio de vias neurais que se dirigem para os componentes mesencefálicos e talâmicos (Guynton,
1985). Desse modo, impulsos de diferentes regiões do córtex, e principalmente da região frontal
modula a atividade da formação reticular.
Tem sido verificado em estudos de gravação da atividade neural realizados em macacos que a
atenção afeta a atividade de áreas do cérebro que processam as características dos estímulos,
como cor, movimento, textura e forma. Quando a atenção é dirigida para um único estímulo do
campo visual, por exemplo, ocorre um aumento na taxa de disparo de neurônios que atendem a
esse estímulo (Motter, 1993). Desse modo, quando é estabelecido um foco atencional há uma
facilitação das respostas dos neurônios corticais tanto nas áreas sensoriais quanto associativas
(Lent, 2002). Corbetta, Miezin, Dobmeyer, Shulman & Petersen (1991) demonstraram que há
diferentes sistemas envolvidos com a discriminação da cor, forma e velocidade dos estímulos em
estudos com PET. De acordo com seus resultados, a atenção seletiva visual modula a atividade
de regiões distintas do córtex extraestriado que são responsáveis pelo processamento das
diferentes características dos estímulos. Assim, a atenção pode afetar diretamente a seleção de
características visuais específicas da localização espacial.
Para a modalidade visual da atenção, podemos verificar que, didaticamente, há três sistemas
principais: orientação da atenção, atenção executiva e vigilância. A orientação da atenção visual
ocorre em três momentos: a) desengajamento do foco atual (Lobo Parietal Posterior,
principalmente do hemisfério direito); b) mudança do foco atencional para a localização do
estímulo esperado (colículo superior); c) localização do alvo e engajamento (Tálamo,
principalmente o núcleo pulvinar). O controle executivo da atenção está relacionado à detecção
da relevância de um estímulo e a inibição das interferências de outros estímulos concorrentes,
exigindo portanto esforço do processamento atencional. A região que está intimamente envolvida
com esse processo é o giro cingulado anterior. Foi verificado em estudos com humanos
submetidos ao Stroop Color Word Test (SCWT), caracterizado como um teste de conflito
cognitivo, que essa região foi ativada quando os indivíduos solucionavam o conflito induzido pelo
teste. Presumidamente, esse sistema inibe as respostas automáticas de leitura das palavras,
permitindo a nomeação das cores. Além do giro cingulado anterior, outras áreas do lobo frontal e
pré-frontal também atuam no sistema executivo da atenção. O terceiro sistema é a vigilância,
relacionada ao processo de sustentação da atenção. Neste estado, encontra-se a diminuição da
taxa cardíaca e atividade elétrica cerebral e um fluxo sangüíneo cerebral maior nas áreas dos
lobos frontal e parietal, principalmente do hemisfério direito (Gazzaniga e colaboradores, 1998;
Macleod & Macdonald, 2000; Sarter e colaboradores, 2001; Pessoa e colaboradores, 2003; Lent,
2002).
Em estudo sobre a atenção seletiva nas modalidades visual e auditiva utilizando tomografia por
emissão de pósitrons (PET), Kawashima e colaboradores (1998) verificaram que os mecanismos
de atenção seletiva dependem da modalidade da informação sensorial a ser processada. A
atenção seletiva visual ativou regiões do córtex de associação visual, parietal e pré-frontal. A
atenção seletiva auditiva ativou o córtex auditivo, parietal inferior, pré-frontal e cingulado anterior.
Outros estudos utilizam PET, ressonância magnética funcional (fMRI) e outras técnicas de
neuroimagem para determinar quais estruturas cerebrais estão envolvidas com os diferentes
tipos de atenção nas diferentes modalidades sensoriais: visual, auditiva e tátil (Driver &
Frackowiak, 2001). Nesses estudos, costuma-se utilizar testes experimentais que visam
apreender processos básicos envolvidos com a atenção, como por exemplo, a atenção
visoespacial, atenção visual envolvida com a percepção de formas, cores e texturas, etc.
Também costuma-se utilizar testes neuropsicológicos e clínicos correlacionados com as
neuroimagens.
Um experimento clássico de medida da atenção seletiva foi realizado por Posner (citado por
Gawryssewski & Carreiro, 1998). Nesse experimento, o participante sentava-se em frente a uma
tela e fixava o olhar em um ponto central. Uma pista direcionadora aparecia podendo indicar
para qualquer lado a ocorrência de um estímulo-alvo. Sem desviar o olhar, o indivíduo devia
pressionar um botão no instante em que esse estímulo fosse projetado. O experimentador media
o intervalo de tempo entre o aparecimento do estímulo-alvo e a resposta motora (tempo de
reação). Os menores tempos de reação foram interpretados como um grau maior de atenção. No
entanto, a pista podia indicar um local oposto ao aparecimento do alvo. Nesse caso, o tempo de
reação media a rapidez em que o indivíduo mudava sua atenção de um local para outro.
Outro experimento clássico realizado por Treisman (citado por Lent, 2002) é o "Teste de Busca
Visual" no qual o participante deveria identificar em diferentes cartões, a presença de um
elemento discrepante (alvo) como por exemplo, a letra "O" na cor azul, dentre outros elementos
que serviam como distratores (letras como outras cores). Após a identificação da presença do
alvo, o participante deveria pressionar um botão. O escore do teste era obtido a partir do tempo
de reação do participante. Independente do número de distratores utilizados, quando os
participantes analisavam apenas uma característica de discrepância (como a cor), seu tempo de
reação era pequeno. Contudo, quando analisavam duas características dos estímulos (cor e
forma), o tempo de reação aumentava. Isso indica que eles deviam analisar duas características
através de canais perceptivos diferentes e, portanto, dificultando a tarefa e aumentando o tempo
de identificação do estímulo alvo.
Um efeito semelhante ficou conhecido como Efeito Stroop. No "Stroop Color Word Test" (SCWT),
os participantes são submetidos a três condições de testagem: a) Cartão W (Word)/ Condição
Neutra: o participante deve ler uma lista de palavras com nomes de cores o mais rápido que
puder; b) Cartão C (Color)/ Condição Congruente: deve ler uma lista de palavras com os nomes
de cores e grafadas com as cores correspondentes; c) Cartão CW (Color - Word)/ Condição
Incongruente: são apresentados nomes de cores impressos em outras cores. São obtidos
escores referentes ao tempo de reação, número de erros, facilitação e interferência (Stroop,
1935). De acordo com MacLeod & MacDonald (2000), a situação incongruente produz um
conflito cognitivo no qual o participante é induzido a processar duas informações: nomear a cor e
ler a palavra.
Para o estudo da atenção seletiva auditiva, um teste muito utilizado é o da "Informação Dicótica".
Neste teste o participante ouve diferentes informações apresentadas em seus ouvidos. Quando
o experimentador solicita que ele reproduza o que foi apresentado nos dois fones, o participante
é capaz de repetir apenas parte das informações de cada um. No entanto, quando se solicita
que ele reproduza as informações de apenas um fone, o participante é capaz de lhe informar
corretamente, não sendo, contudo, capaz de informar o que foi apresentado no ouvido
contralateral. As conclusões dos autores são que por meio da seletividade o indivíduo pode
perceber os sinais de seu interesse entre muitos ruídos presentes no ambiente (Cherry citado
por Eysenck & Keane, 1994).
Um dos paradigmas para o estudo da atenção dividida é a instrução para que os participantes
realizem duas tarefas simultâneamente, como por exemplo, realizar uma tarefa específica e
repetir palavras ouvidas por meio de um fone de ouvido. Os estudos indicam que os melhores
desempenhos na modalidade da atenção dividida são obtidos quando as tarefas são
dissimilares, relativamente fáceis ou bem treinadas. Assim, as informações de uma das tarefas
deverão ser processadas automaticamente enquanto que a outra será mediada pelo
processamento controlado (Eysenck & Keane, 1994).
No plano comportamental e clínico, pesquisa-se o desempenho de populações específicas com,
por exemplo, indivíduos com lesão cerebral (Damasio, Damasio & Chang, 1980), transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade (Booth e colaboradores, 2005), transtornos de ansiedade
(Lautenbacher, Spernal & Krieg, 2002), depressão (Liu e colaboradores, 2002), esquizofrenia
(Egeland e colaboradores, 2003), dentro outros.
De acordo com Cortese e colaboradores (1999), os seguintes fatores estão presentes em todas
as modalidades de testes de atenção: a) Vigilância: capacidade de selecionar e focar os
estímulos; b) Amplitude: quantidade de estímulos que deverão ser processados na realização do
teste; c) Tracking: rastreamento do material em foco envolvendo processos de memória de curto
prazo; d) Tempo de reação: tempo necessário para a realização da tarefa; e) Alternância:
flexibilidade e velocidade no deslocamento da atenção de um foco para outro.
De acordo com Ross (1979), uma medida da atenção não pode ser obtida em uma situação na
qual se exige a aquisição de uma habilidade e sim quando o indivíduo deve desempenhar uma
resposta motora simples, como pressionar um botão após o aparecimento de um estímulo
perceptível. Desse modo, a falha na emissão da resposta motora poderá ser considerada, neste
caso, como um indício da falha atencional.
Culbertson & Krulll (1996) apresentam um resumo das relações entre as funções
neuropsicológicas da atenção e os testes mais utilizados para avaliá-las: a) Foco e Execução –
Função de velocidade percepto motora: Trail Making Test, Teste de Cancelamento de Letras,
Stroop Color Word Test (SCWT), Substituição Dígito-Símbolo; b) Sustentação – Função de
Vigilância: Teste de Performance Contínua com medidas dos erros, omissões e tempo de
reação; c) Armazenamento – Função numérica e mnemônica: Digit Span e Aritmética do WISC;
d) Alternância – Função de Flexibilidade: Winconsin Card Sorting Test (WCST).
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Notas do autor:
Ricardo Franco de Lima. Formado em Psicologia pela Universidade São Francisco- Itatiba/SP. Aprimorando em Psicologia Clínica Aplicada à Neurologia Infantil - UNICAMP/SP como bolsista da
FUNDAP. Membro do grupo de pesquisa CNPq Neurodesenvolvimento, escolaridade e aprendizagem. Contato: Rua Clóvis Soares, n°368, casa 1. Alvinópolis, Atibaia/SP. CEP: 12942-561. Telefone: (11)
9698-5884. E-mail: ricardopsique@hotmail.com
Rememoração, subjetividade e as bases neurais da memória
autobiográfica
RESUMO
Analisamos também a noção de amnésia orgânica e amnésia funcional com base em achados
recentes sobre os efeitos do estresse no cérebro. Dentre estas evidências, destacam-se as
alterações morfológicas e neuroquímicas no cérebro produzidas por estímulos estressantes
assim como o alívio destes efeitos através da psicoterapia. Este conhecimento representa um
avanço considerável nos conceitos de psicopatologia, abrindo caminhos para a compreensão
das bases neurais da personalidade.
INTRODUÇÃO
A evolução dos conhecimentos sobre a relação mente-cérebro nas últimas décadas atingiu os
vários domínios do saber que tratam da questão do comportamento, personalidade e
psicopatologia (Halligan e David, 2001). Como uma chave para a abertura de novos caminhos,
os estudos sobre mente e cérebro são muito promissores. São sedutores por desvendar
mistérios encerrados no corpo humano e suas possíveis relações com a nossa atividade mental.
Acenam com a possibilidade do sempre buscado controle sobre processos complexos por
introduzir uma abordagem por vezes considerada mais objetiva, advinda das ciências biológicas.
E, mais ainda, oferecem ao sujeito a oportunidade de ser objeto de si próprio ao abordar a
mente como algo externo a ser observado, um órgão do corpo para ser analisado e investigado.
A noção de memória tem uma representação popular marcante, particularmente por sua
propriedade de tornar o passado presente. Para fins da proposta deste artigo, conceituaremos a
memória como sendo um processo cognitivo estruturado por um conjunto de operações que
respondem a regras de integração com o meio ambiente com substratos neurais específicos.
Este processo de interação resulta no registro, permanente ou não, de uma experiência através
do tempo e em mudança no comportamento relativamente duradoura. Permite a continuidade do
indivíduo, preservando sua identidade, ao longo das variações que compõem as experiências do
cotidiano (Frank, 2002).
A memória pode ser dividida em relação ao tempo e ao conteúdo (Markowitsch, 2003). Em geral,
a dimensão temporal é entendida como memória de curtíssimo prazo, memória de curto prazo,
memória de longo prazo e memória de longuíssimo prazo. A memória de curtíssimo prazo é
responsável pelo armazenamento muito rápido (na ordem de alguns milissegundos), geralmente
com uma representação auditiva ou visual (Cowan, 1996). A informação na memória de curto
prazo é mais duradoura (na ordem de minutos), permitindo a realização de trabalho mais
elaborado sobre a informação inicialmente codificada. A memória operacional, conforme descrita
por Baddely (2000), é um tipo de memória de curto prazo que dá condição para a manipulação
de informações armazenadas de forma consciente. Exemplos clássicos da memória operacional
são a permanência da informação para o trabalho de decisão rápida como em certos tipos de
escolha, realização de cálculo mental, aplicação de regras para resolver problemas. É o
componente do sistema de informação humano que permite ao indivíduo manter-se consciente
ao longo dos eventos e das demandas múltiplas na interação com o meio. A memória de longo
prazo está relacionada com informações que foram consolidadas e armazenadas por um
período de tempo bem mais longo (na ordem de dias e meses). Estas informações são
consolidadas dentro de uma janela de tempo e armazenadas nos córtices de associação de
acordo com as suas propriedades e modalidades (McGaugh, 2000). Finalmente, memórias de
longuíssimo prazo podem ficar armazenadas por um período de tempo quase que ilimitado. São
informações que foram consolidadas e podem ficar armazenadas por praticamente toda uma
vida.
Greenberg e Rubin (2003), apoiados por autores da área, distinguem entre a evocação de fatos
autobiográficos, que são dados sobre a história pessoal, e a memória autobiográfica
propriamente dita, relacionada com a evocação de informações acompanhada da sensação de
rememoração dos fatos como parte da consciência do eu. Esta experiência de rememoração
enfatiza a natureza da emoção que acompanha a consciência da evocação autobiográfica.
Neste caso, a memória autobiográfica é acompanhada por um estado emocional próprio de
familiaridade com o contexto e com o momento em que estas informações foram adquiridas.
Possivelmente a integração temporo-espacial entre os dados da memória autobiográfica seja
facilitada pela experiência emocional de familiaridade com o tom de pertencimento ao eu. Em
casos de demências, conforme a patologia invade o córtex, começam a surgir falhas no
processo de evocação de informações remotas. Estas distorções da realidade passada podem
ocorrer sobre a rememoração do passado pessoal. São fatos do passado pessoal evocados
com a qualidade de rememoração confabulada provavelmente por falhas nas vias cerebrais
frontotemporais responsáveis pela facilitação do acesso a informações remotas. Há falha tanto
na qualidade do dado evocado, como no colorido emocional que lhe é auferido, pois ocorre um
falso sentimento de rememoração dos fatos.
Greenberg e Rubin (2003) acrescentam que a memória semântica é essencial para a evocação
autobiográfica, graças à sua propriedade de integrar conhecimentos e formar laços com a
simbologia particular. Apesar de as informações provavelmente estarem armazenadas em
córtices sensoriais específicos, evidências com pacientes que apresentam demências
semânticas sugerem que regiões temporais laterais podem também armazenar informações
semânticas.
A memória autobiográfica é rica em imagens, tendo, portanto, uma importante qualidade visual.
Estudos com neuroimagem indicam que a evocação de uma história pessoal envolve a ativação
da região occipital (Greenberg e Rubin, 2003), uma área especializada no processamento visual
primário e secundário. A destruição do córtex occipital pode levar à amnésia retrograda.
Portanto, esta região deve ser considerada quando buscamos definir as bases neurais da
memória autobiográfica.
Uma das explicações para os quadros de amnésia retrógrada, associados a um trauma e sem
dano cerebral, seria a liberação alterada ou um desequilíbrio nos hormônios do eixo hipofisário-
adrenal (glucocorticóides, mineralocorticóides) que atuariam bloqueando o processamento da
memória autobiográfica (Markowitsch, 2003; McEwen, 2000). Nesse sentido, Anderson e
colegas (2004) observaram que adultos, vítimas de abuso sexual na infância, manifestaram
mudanças na morfologia cerebral assim como certos distúrbios de memória. Em referência ao
estudo de Anderson, Markowitsch (2003) afirma que provavelmente alterações nos fatores de
crescimento cerebral gerados pelo desequilíbrio destes neuro-hormônios causariam a mudança
na morfologia cerebral. No mesmo artigo, Markowitsch, apoiado por pesquisas com
neuroimagem de pacientes amnésicos, propõe que ambos os tipos de amnésia retrograda
(orgânica ou dissociativa), envolvem processos dissociativos, gerando determinados bloqueios
de memória. Este bloqueio ocorreria pela dessincronização do padrão de evocação. No caso da
amnésia orgânica, seria devido a processos estruturais, enquanto que na amnésia dissociativa
estariam envolvidas alterações em processos neuroquímicos no nível da comunicação sináptica.
Em ambos os casos é plenamente possível que este bloqueio surja da necessidade do eu de
proteger-se de conteúdos ameaçadores. Esta concepção certamente tem relação com o
conceito de mecanismos de defesa proposto por Freud. No entanto, outras noções advindas das
teorias psicanalíticas ainda não encontraram respaldo na pesquisa da neuropsicologia da
memória, como noções de simbologia pessoal relacionadas a conteúdo reprimido e o conceito
de inconsciente como depositório desconhecido e potencialmente ameaçador. Cabe salientar
que amnésia a é um fenômeno de esquecimento de informações episódicas e da consciência.
Envolve processos autonoéticos nos termos de Tulving (1987), ou seja, fenômenos em que
existe uma consciência do engajamento do eu no processo de evocação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A memória autobiográfica é uma forma complexa de memória com bases neurais próprias e
distintas de outros tipos de memória. Esta qualidade única possivelmente decorre do caráter
eminentemente auto-reflexivo da rememoração. Os estudos com neuroimagem têm identificado
um padrão de ativação frontotemporal consistente na atividade de evocação do passado
pessoal. Este padrão atribui à memória autobiográfica qualidades de processamento com
configuração subjetiva dimensionada para aspectos emocionais específicos. O lobo frontal é
uma estrutura importante nos processos relacionados a auto-identidade, consciência, e auto-
regulação da emoção (Markowitsch, 2003; Fink et al., 1996; Keenan, Wheeler, Gallup e Pascual-
Leone, 2000; Knight e Grabowecky, 2000). A região límbica contém vias altamente
especializadas no processamento da emoção como na modulação emocional, no fortalecimento
da memória e aprendizagem associativa com estímulos emocionais (Zola-Morgan e Squire,
1990; McGaugh, 2000; Cahill e McGaugh, 1995). A região orbitofrontal está relacionada com a
motivação e principalmente com processos de auto-regulação avançados, sendo um local de
convergência de informações extero e interoceptivas (Bechara, Tranel e Damásio, 2000). Estas
propriedades funcionais permitem que a evocação autobiográfica seja seletiva com relação à
expressão de uma história emocional, sujeita a efeitos de bloqueios gerados por mudanças
neuro-hormonais e com variações de qualidade em função do estado motivacional do presente.
Finalmente, todos estes estudos indicam como a arquitetura cerebral foi sendo esculpida através
de um processo de seleção natural, resultando em uma vida psíquica dinâmica, inter-
relacionada com o meio interno e externo e com possibilidades de variações conjugadas.
Aspectos neuroanatômicos e funcionais se entrecruzam para permitir esta riqueza da nossa
atividade mental. Por exemplo, a disposição do sistema límbico em forma de anel formado por
um conjunto de estruturas que evoluíram através da sofisticação progressiva de circuitos ao
redor do tronco cerebral permite a interconexão mais econômica entre áreas corticais de
associação. Possibilita também a comunicação entre áreas corticais especializadas com vias
intermediárias de modulação sobre o aporte de informações subcorticais via hipotálamo e
tálamo. Com a origem de estruturas corticais progredindo em direção às áreas neocorticais,
surgiram também circuitos neurais capazes de comunicar-se entre si, o que possibilitou uma
representação do meio externo e interno mais rica e precisa, assim como sua associação com
aspectos emocionais. Mais ainda, este processo de evolução permitiu que mecanismos
cognitivos pudessem alterar a forma pela qual estas informações previamente armazenadas
podem ser evocadas. É nesta configuração que se insere a memória autobiográfica como um
fenômeno de interação entre cognição e emoção relacionado à consciência do eu.
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