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A voz e o cantor

FGA GLÓRIA DE OLIVEIRA MARTINS

PESQUISA

A música, desde o início de sua história, foi considerada uma prática cultural e humana.
Provavelmente, fruto da observação dos sons da natureza, despertou no homem, através
do sentido auditivo, a necessidade e vontade de fazê-la. Defini-la não é tarefa fácil
porque apesar de ser intuitivamente conhecida por qualquer pessoa, é difícil encontrar
um conceito que abarque todos os significados dessa prática. Mais do que qualquer
outra manifestação humana, a música contém e manipula o tempo e o som. Talvez por
essa razão ela esteja sempre fugindo a qualquer definição, pois ao buscá-la, ela já se
modificou, já evoluiu. E esse jogo do tempo é simultaneamente físico e emocional. Uma
das maiores dificuldades em definir música tem sido o emprego dessa palavra na
descrição de todas as atividades e elementos relacionadas aos sons organizados.
Conceitos pré-definidos aplicam-se a práticas exploradas, esquadrinhadas,
completamente conhecidas, o que não ocorre na música, que é infinita.

Na música, um cantor, vocal ou vocalista é um tipo de músico que canta, ou seja, usa a
voz como instrumento musical para fazer música. Um cantor principal é aquele que
canta as vozes primárias de uma música, ao contrário do cantor de apoio que canta
vozes de apoio para uma música ou harmonia para o cantor principal.

Na música clássica e na ópera, as vozes são tratadas tal como instrumentos musicais.

As vozes são comumente classificados por gênero e extensão vocal, como se segue:

• Vozes Femininas:
o soprano
o mezzo-soprano
o alto ou contralto

• Vozes Masculinas:
o sopranista
o contratenor
o tenor
o barítono
o baixo-barítono
o baixo

Profissionais e sua voz


Quando um cantor, no decorrer de seu trabalho vocal percebe que há "alguma coisa
errada" com a emissão de seu som, questiona-se sobre o que estaria acontecendo com
sua "garganta" e o que poderia estar prejudicando seu instrumento de trabalho.

O primeiro passo a ser feito é a consulta médico-clínica, para posterior encaminhamento


ao médico-fonoaudiólogo.

Do ponto de vista funcional, cantar é essencialmente diferente do falar. As evidências


indicam que seu controle central está em um local diverso no cérebro e os músculos do
trato vocal movimentam-se de maneira distinta. Cantar também é uma forma de
comunicação, e uma forma de expressão dos sentimentos. Em geral, temos um conceito
pré-concebido de que através da fala nos comunicamos melhor e pelo canto nos
expressamos artisticamente, como se pudéssemos separar na vida, uma metade racional
para a fala e outra emocional para o canto, quando na realidade somos as duas partes
concomitantes, onde podemos e devemos nos expressar e nos comunicar ao mesmo
tempo.

Todos podemos cantar e o canto tem de ser trabalhado, exercitado e aprimorado. O dom
de cantar existe mas, em grande parte dos casos, as condições anatômicas e fisiológicas
podem ser auxiliares importantes.

Quando o cantor procura um fonoaudiólogo , este profissional submete seu paciente às


seguintes etapas:

• Avaliação vocal do cantor;


• Anamnese -Levantamento histórico do problema:
• Exame físico
• Exame de imagem
• Tratamento proposto
• Orientação quanto a saúde vocal

AVALIAÇÃO VOCAL DO CANTOR

Existem diferenças entre a avaliação vocal de um cantor e a de um indivíduo que utilize


apenas a voz falada, mesmo que de forma profissional. No primeiro momento, as
características e as queixas vocais do cantor devem ser percebidas, pelo médico e pelo
fonoaudiólogo, distintamente em relação aos aspectos particulares da fala e do canto.

Embora exista um único órgão e praticamente um mesmo grupo de músculos


responsáveis pelas duas funções, há vários aspectos fundamentais relacionados a
produção vocal que diferem muito se compararmos a voz falada com a voz cantada. Em
muitos casos o cantor precisa do auxilio do terapeuta ou médico para identificar sua
queixa em relação à voz, diferenciando as características da voz falada e da cantada,
separadamente. É comum o indivíduo procurar um profissional queixando-se
especificamente de problemas em relação à voz cantada, como por exemplo uma
passagem de escala ou, ao contrario, não ter nenhuma percepção da forma como ele
utiliza a voz falada.

No momento da avaliação, é necessário distinguir qual a real queixa , o motivo da


consulta, e de que modo está inserida na voz falada ou cantada. Deve-se verificar ao
mesmo tempo, qual a percepção que o indivíduo possui em relação a sua voz e sua
queixa vocal.

Considerando-se a avaliação inicial de qualquer pessoa disfônica ou com queixas


relacionadas , deve-se obter informações , antes de tratá-lo ou ser encaminhado à
fonoterapia, as quais serão efetuadas na anamnese

Problemas vocais

É fundamental a analise dos fatores específicos do aparelho fonador, paralelamente às


alterações gerais tais como: diabetes mellitus, hipertensão arterial, diminuição da
capacidade ventilatória pulmonar, insuficiência cardíaca, distúrbios metabólicos,
endocrinos, alergicos, imunologicos, auto-imunes, neurológicos, infecciosos,
inflamatórios, digestivos, entre outros; neoplasias benignas ou malignas; o uso ou abuso
de drogas com álcool, cafeína, tabaco, tranqüilizantes, maconha, cocaína ou outras; uso
permanente ou prolongado de medicamentos como corticóides, anticoagulantes
plaquetariso, quimioterápicos, etc.; estados de ansiedade, depressão, fadiga, estresse,
estafa, insônia, gravidez e sindrome pré-menstrual.

O exame otorrinolaringologico inclui, igualmente, a avaliação da audição, da voz, da


fala, da deglutição e as pesquisas de alterações anatômico-funcionais e preceptorias dos
órgãos articulatórios e ressonâncias, como a boca e língua, fossas nasais, rinofaringe e
faringe. Também a função pulmonar pode e deve ser avaliada, quando necessário.

POSTURA

Na conversa espontânea, deve-se verificar a inclinação da cabeça, a tensão muscular


cervical, o posicionamento do queixo em relação ao peito, a inclinação dos ombros.
Observa-se a curvatura da coluna vertebral no andar e sentar, observando se a postura
assumida pelo cantor é a adequada para a fonação. É preciso observar se os aspectos que
caracterizam a postura do cantor durante a fala se modifica ou se mantém durante o
canto. É fácil encontrar pessoas que elevam o queixo quando cantam tons mais agudos,
com o incorreto e prejudicial intuito de auxiliar a elevação da laringe, posição que, sem
tensão e participação da musculatura extrínseca, ajudaria a emissão de sons agudos.

TIPOS RESPIRATÓRIOS

Há muita discussão sobre o tipo adequado de respiração para a fonação e canto, porém
deve-se observar se a respiração efetuada pelo cantor é a adequada para o canto.
Existem três tipos básicos de respiração que são o superior, misto e inferior. No canto
encontram-se vários casos de respiração inferior e mista, ou seja, o cantor, no ato do
canto recorre instintivamente a um tipo de respiração de forma que a pressão subglótica
torne-se mais longa, forte e estável.

TEMPO DE EMISSÃO
A capacidade de emitir um som por longo período e de enfatizar uma nota nos
momentos finais de uma sentença pode definir o repertório e longevidade da voz de um
cantor. Observa-se tal fato quando existe a solicitação para a emissão de um som ou
vogal prolongada ou sustentada, glissando ascendente e descendentemente e fazendo
uma vogal sustentada com intensificação no terço final da emissão.

COORDENAÇÃO PNEUMOFONOARTICULATÓRIA

É a coordenação entre a respiração e a fala. Observa-se o cantor durante uma conversa


espontânea, ou durante a leitura de um texto, mas pode fornecer dados irreais sobre a
coordenação respiratória. É comum verificarmos pessoas com dificuldade durante a
fala, porém quando lhe é solicitado uma leitura, e a pessoa percebe que está sendo
avaliada, imediatamente corrige as eventuais entradas de ar residual . A coordenação
analisada é um aspecto no qual, na maioria das vezes não se modifica da fala para o
canto. Algumas exceções acontecem quando o estilo de música adotado exige uma voz
muito soprosa, com um gasto de ar muito grande.

PITCH

É a sensação auditiva que temos sobre a altura da voz, podendo ser classificado em
grave, médio ou agudo. Mede-se o pitch através de sistemas computadorizados de
análise vocal. Normalmente, no canto, o pitch eleva–se, pois há uma busca das
cavidades superiores de ressonância que acaba levando para a agudização do pitch,
muitas vezes camuflado por uma hipernasalisação.

LOUDNESS

Tem relação com a percepção do volume da voz e deve ter com o tipo de ambiente em
que a voz está sendo emitida. Pode ser classificado em forte, fraco e adequado. Na voz
cantada, deve-se lembrar do ambiente e da utilização da aparelhagem de amplificação
sonora. O cantor pode não possuir uma boa aparelhagem de som ou retornos eficientes,
fazendo com que produza uma voz cantada com muito volume, e solicitando ao seu
corpo que produza um apoio muito potente para que não ocorra sobrecarga das pregas
vocais. O cantor popular normalmente não precisa utilizar um volume maior para cantar
pois possui um bom sistema de amplificação. O cantor de coral emprega muitas vezes
excesso de volume para poder se escutar dentro do coro. O cantor lírico procura
explorar todas as suas caixas de ressonância, todo o seu potencial respiratório para
atingir o quarto formante e assim ser ouvido junto com a orquestra que o acompanha. A
voz transforma-se, neste momento, em mais um e único instrumento.

RESSONÂNCIA

A ressonância é classificada em seis tipos principais: equilibrada quando se utiliza de


forma distribuída os três focos principais de ressonância(laringe, oral e nasal); laringo-
faríngea onde há predomínio do foco na região do pescoço; hipernasal com constrição
de pilares onde o foco é acentuado no nariz, mas com esforço evidente causado por
tensão de musculatura orofaríngea; hiponasal onde não há nenhuma ressonância nasal;
laringo-faríngea com foco nasal compensatório onde o foco central é no pescoço e sem
nenhuma oralidade, normalmente em articulações muito travadas. Semelhantemente ao
pitch, a ressonância também se eleva, buscando as cavidades mais superiores no canto
em relação à fala.

ARTICULAÇÃO

A articulação pode ser precisa, imprecisa, travada, exagerada, pastosa ou aberta. Estas
características podem se combinar aos pares mas não de maneira fixa. Pode-se por
exemplo, encontrar uma articulação travada e precisa assim como uma aberta e
imprecisa. Nem sempre abrir mais a boca para cantar melhora a articulação das
palavras. Pode sim projetá-la muito mais.

ATAQUE VOCAL

O ataque vocal pode ser dividido em brusco, aspirado e suave, podendo ser observado
na fala espontânea. Normalmente o tipo de ataque se modifica da fala para o canto.
Existem pessoas que falam com ataque brusco, porém na hora de cantar optam pelo
estilo bossa-nova , que trabalha com um ataque mais suave.

QUALIDADE VOCAL OU TIMBRE

É o item que esclarece o diagnóstico no nível de pregas vocais. Costuma fechar a


avaliação perceptual da voz falada. No canto isso ocorre de forma diferente, pois na voz
cantada avalia-se a qualidade em relação direta com o estilo de música adotado e com a
forma pessoal de interpretação. Não é possível dizer que todo cantor de bossa-nova
possui uma voz patológica soprosa, pois esta soprosidade faz parte de um estilo de
cantar, de tornar a voz mais um instrumento dentro da música e não o principal deles. O
cantor de hard rock tem a voz rouca e áspera, mas pode-se utilizar outro modo de cantar
este estilo de música. A qualidade da voz cantada abre discussão para as características
vocais mais freqüentes em cada estilo de música. É impossível se discutir a qualidade
sem falar de estilo, ao contrário da voz falada, na qual a qualidade vocal tem relação
direta com a patologia.

Há várias maneiras de se nomear as qualidades e características vocais. Utilizamo-nos


da voz rouca (moderada/suave), suave, fluida, áspera, soprosa, com quebra de
sonoridade, tensa, pastosa, trêmula, estrangulada, infantil e diplofônica (bitonal).

Há outros nomes diferentes dos utilizados acima, mas estes combinados entre si quando
necessários são suficientes para definir precisamente uma qualidade vocal.

RITMO

É um aspecto que avaliamos apenas na voz falada, pois na cantada dependerá do estilo,
melodia e harmonia da música e da maneira como o cantor interpreta a canção. Na fala
usamos um ritmo lento, acelerado, muito acelerado e adequado.

TESSITURA

A tessitura e a extensão são dois aspectos a serem avaliados apenas na voz cantada.
Quando o cantor disfônico tem queixa apenas na voz cantada não há necessidade de
avaliação dos dois aspectos. Pesquisar a tessitura do cantor, que seriam as notas
confortáveis dentro da sua extensão vocal, quando o cantor está totalmente disfônico, é
algo que não tem muito sentido.

Quando o cantor apresenta a queixa de dificuldade nos agudos ou quebra de sonoridade


na passagem, solicita-se que emita a escala completa para se avaliar a dificuldade, mas
não há como classificar definitivamente a região onde esse cantor deve produzir sua voz
cantada sem esforço ou prejuízo do trato vocal, pois a hora da avaliação é um momento
atípico. Conforme o trabalho fonoterapêutico evolui deve-se rever a tessitura, assim
como a extensão vocal.

A classificação vocal das vozes masculinas em tenor, barítono e baixo e das femininas
em soprano, mezzo-soprano e contralto têm relação com o canto lírico, é muitas vezes
empregada no canto popular, porém mais para auxiliar na definição da tessitura do que
para classificar uma voz dentro de um repertório específico. Considerando-se as formas
diferentes de configuração glótica do canto popular para o lírico, não acredita-se na
importância dessa classificação para o canto popular.

REGISTRO

É o modo de vibração variado das pregas vocais de acordo com vários pitchs,
fornecendo diferentes qualidades vocais que são chamados de registro, que nada mais é
do que a produção de freqüências consecutivas que se originam da mesma maneira da
freqüência fundamental. Deve ser avaliado apenas na voz cantada, pois trata-se de um
conceito dividido em registro basal (fry), modal (peito e cabeça) e falsete.

BRILHO

Tem relação direta com o uso das cavidades de ressonância e a produção de formantes.
Quanto mais amplo for o uso dessas cavidades maior será a riqueza de harmônicos
amplificados, fazendo com que a voz pareça cheia, preenchendo todo o ambiente.

A posição da laringe no pescoço é responsável pelo colorido do som produzido. No bel


canto, com a laringe baixa, temos um som mais límpido e alegre, enquanto no canto
dramático, com laringe alta, o som é escuro mas cheio de nuanças.

PROJEÇÃO

Termo advindo do canto, mas muito utilizado no meio teatral e em oratória. Tem
relação direta com respiração, pressão subglótica e superiormente com a boca aberta.
Não é possível se ouvir um cantor com projeção com a articulação totalmente travada.
Na avaliação deve-se evitar termos qualitativos (boa projeção/péssima projeção). Deve-
se gravar a voz do cantor para registro, solicitando sonorizações específicas, como
vogais (/a/e/i/) prolongadas, escalas ascendente e descendente em stacatto e ligatto, fala
encadeada (dias da semana, meses do ano) e conversa espontânea.

Havendo gravações antigas e recentes, é interessante ouví-lo para compreender o


processo de desenvolvimento da voz cantada. A avaliação in locco é fundamental para
comparar dados ao vivo, e para conhecer o ambiente de trabalho do cantor.
ALTERAÇAO DE VOZ NO CANTO – DISFONIA FUNCIONAL

As alterações de voz mais comumente encontradas nos cantores são chamadas de


disfonias funcionais, que podem ser causadas por uso inadequado dos músculos
voluntários da fonação, que incluem os músculos da laringe, faringe, mandíbula, língua,
pescoço e sistema respiratório. O desalinhamento postural também é um achado clínico
freqüente. Algumas disfonias podem ser atribuídas a técnicas vocais incorretas tais
como: Coordenação pneumofonoarticulatória pobre, uso excessivo ou inadequado da
válvula laríngea, foco ressonantal inadequado, dificuldades no controle dinâmico de
pitch e loudness.

Por definição, a disfonia funcional é a alteração vocal que decorre geralmente do mau
uso ou abuso de um aparelho fonador anatômica e fisiologicamente intacto, mas que
também pode ser resultado de um mecanismo compensatório mal adaptado, como
conseqüência de uma condição orgânica preexistente. Mesmo nos casos de alteração
vocal onde a função laríngea é normal ao exame clínico, ou quando há presença de
sinais de tensão muscular laríngea anormal, a disfonia é classificada com funcional.

A disfonia funcional com abuso vocal prolongado pode levar ao desenvolvimento de


alterações orgânicas secundárias, como os nódulos vocais. Apesar desses serem
considerados entidades patológicas individualizadas, eles são resultado de uma disfonia
funcional precedente.

CLASSIFICAÇÀO

Há várias propostas para a classificação das disfonias funcionais. Alguns autores


propõem abordagens mais amplas referindo-se aos mecanismos casuais e outros
baseiam-se nos aspectos clínicos-sintomáticos. É importante haver uma diferenciação
entre cada subgrupo de pacientes portadores de disfonia funcional.

Podemos classificar as disfonias funcionais em quatro tipos, que são: as disfonias


psicogênicas, a disfonia por habituação, o uso inapropriado de registro e as síndromes
de abuso vocal.

DISFONIAS PSICOGÊNICAS

Podem ser divididas em dois subtipos: as conversivas e as recidivantes. O padrão


recidivante normalmente é associado a um perfil psicopático e o conversivo, às
características histéricas e o aparecimento da alteração vocal é associado a algum fator
desencadeante. A qualidade vocal é caracterizada por afonia ou disfonia severa, com
sonoridade pobre. A laringoscopia pode ser normal ou evidenciar fenda glótica
triangular posterior(com redução da amplitude e assimetria da onda mucosa), ou ainda
triangular em toda a extensão(fenda pararela). Pode ser observada a constrição
supraglótica ântero-posterior parcial, projeção medial de pregas ventriculares ou
inconsistência nos achados laringoscópicos.

DISFONIA POR HABITUAÇÃO


Inicia-se por uma laringite viral ou cirurgia das pregas vocais, o que propicia uma
compensação inadequada do trato vocal organicamente comprometido. A disfonia
persiste mesmo após o desaparecimento do processo viral ou da cicatrização cirúrgica.
A terapia fonoaudiológica pré-cirúrgica pode evitar este tipo de alteração. Sintomas
como fadiga vocal e odinofonia podem ser observados. A qualidade vocal pode
apresentar soprosidade, aspereza, diplofonia ou fonação ventricular. A sonoridade
geralmente é pobre e a laringoscopia pode ser normal, mostrar aproximação de pregas
ventriculares, constrição supraglótica ântero-posterior parcial ou ainda fechamento
supraglótico esfinctérico.

USO INAPROPRIADO DE REGISTRO

A alteração vocal ocorre em homens durante o crescimento, manifesta-se depois da


puberdade como dificuldade em abaixar o pitch e acompanha-se de "quebras" no
registro. Pode ocorrer em ambos os sexos, porém não é tão evidente nas mulheres em
decorrência do seu tom habitual de fala. Alguns fatores psicológicos podem levar a
inibições durante este período de transição e estabelecer um padrão de fonação em
falsete. Estes casos devem ser diferenciados daqueles em que existam
comprometimentos hormonais ou conversivos. Não há sintomas associados. A
qualidade vocal caracteriza-se por pitch anormalmente alto e sonoridade pobre.

A laringoscopia é geralmente normal, mas pode haver tensão glótica. A laringe pode
também estar elevada e sua tração para baixo pode mostrar mudança de registro vocal
para um pitch mais adequado.

SINDROMES DE ABUSO VOCAL

As alterações vocais decorrentes das síndromes de abuso vocal são geralmente


flutuantes ou intermitentes e mantém-se por períodos prolongados. Os aspectos mais
comumente observados nestas alterações são: fadiga vocal, redução da extensão
dinâmica da voz, odinifonia, padrão respiratório inadequado e sindromes tencionais
músculo-esqueléticas. Outros sintomas, como alterações ressonantais e de pitch,
também podem ser observados. As síndromes de abuso vocal podem ocorrer com
freqüência também em profissionais da voz.

A qualidade vocal dos pacientes portadores de síndrome de abuso vocal mostra


características de soprosidade e aspereza, sonoridade pobre, quebras na voz, pitch
geralmente agravado e ataque vocal brusco.

A laringoscopia pode ser normal, mas também pode apresentar aproximação de bandas
ventriculares, constrição supraglótica ântero-posterior parcial e ainda fechamento
supraglótico do tipo esfinctérico.

Outros fatores devem ser observados em profissionais da voz com alterações


relacionadas ao abuso ou mau uso vocal. Algumas alterações na voz falada muitas vezes
não ocorrem na voz cantada, ou ocorrem em menor grau. Como exemplo, uma boa
técnica de canto não implicará em uma voz falada adequada. O apoio respiratório
também pode mostrar-se deficiente somente na voz falada. Apesar disso, a extensão
vocal não é afetada. A avaliação de profissionais da voz deve ser cuidadosa, levando-se
em conta as variáveis entre a voz falada e cantada.
Como alterações orgânicas secundárias temos: nódulos de pregas vocais, edema de
reinke e úlceras e granulomas, os quais passaremos a discertar.

NÓDULOS DE PREGAS VOCAIS

São lesões secundárias associadas às alterações funcionais da voz, caracterizando-se por


alteração na camada superficial da lâmina própria, representada histologicamente pela
presença de tecido edematoso e/ou fibrocolagenoso associado a um espessamento do
epitélio das pregas vocais, com queratinização superficial e acantose entre as cristas
epidérmicas. Apresentam-se como lesões esbranquiçadas, em torno da borda livre na
junção do terço médio de ambas as pregas vocais , que, ao entrarem em contato durante
a fonação, assumem a silhueta de um "beijo". Apresenta aspecto endurecido e algumas
vezes edematoso, principalmente em crianças. Há um aumento de massa e rigidez da
cobertura, assim como interferência na vibração mucosa contralateral. Na maioria dos
casos há presença de fenda triangular médio-posterior.

A incidência desta alteração em adultos é maior no sexo feminino e está sempre


associada ao abuso vocal e ao estresse. É a disfonia funcional mais comum entre as
crianças, predominando no sexo masculino. Em cantores, pode ocorrer secundariamente
à execução do canto fora da extensão adequada e por pobre apoio respiratório.

Os sintomas vocais mais comuns são fadiga vocal, alterações de pitch, alterações
ressonantais e extensão dinâmica reduzida.

A qualidade vocal mostra características de soprosidade, aspereza, quebra vocal e


ataque vocal brusco.

EDEMA DE REINKE

É uma lesão de aspecto edematoso e por vezes polipóide, o que lhe rendeu a
denominação de degeneração polipóide, ou ainda, pólipo edematoso de pregas vocais. É
geralmente bilateral, porém quase sempre assimétrica. Estende-se ao longo de toda a
borda livre das pregas vocais na maioria dos casos. Apresenta crescimento progressivo,
podendo obstruir completamente a glote com conseqüente asfixia, em seu estágio mais
avançado. Interfere na vibração mucosa contralateral e está freqüentemente associado
ao tabagismo crônico e, em menor escala, ao hipotireoidismo e ao refluxo
gastroesofágico. A fonoterapia pode reduzir a lesão em alguns casos, ainda que ocorra
melhora importante da qualidade vocal nos casos com lesões pouco exuberantes.
Entretanto, o encaminhamento posterior para tratamento cirúrgico é necessário.

A disfunção vocal geralmente é estável, de longa duração, e predomina no sexo


feminino. Os principais sintomas associados são fadiga vocal, alterações ressonantais e
extensão vocal reduzida. A qualidade vocal apresenta características de rouquidão, com
pitch agravado, sonoridade pobre e quebras vocais.

ULCERAS E GRANULOMAS

São as únicas lesões orgânicas localizadas fora da borda livre das pregas vocais,
decorrentes de distúrbios funcionais da laringe. São associadas a processos
inflamatórios extralaríngeos ou secundários à entubação endotraqueal prolongada. Nos
casos funcionais, são provocados por trauma fonatório na apófise vocal das aritenóides,
em pacientes com importante tensão muscular laríngea e ataque vocal brusco.
Geralmente são lesões pequenas que comprometem o fechamento glótico. Quando são
de grandes dimensões, outras possibilidades diagnósticas devem ser aventadas.

O estabelecimento da alteração vocal é geralmente agudo(de dias a semanas), às vezes


intermitente por meses. Os sintomas mais freqüentes associados são odinofonia e fadiga
vocal.

A qualidade vocal manifesta-se sob forma de disfonia variável, com pitch grave e
ataque vocal brusco. A laringoscopia mostra ulceração do processo vocal uni ou
bilateral, ou granuloma, com hiperfechamento glótico posterior. Outros fatores
observados em pacientes portadores de úlceras ou granulomas são apoio respiratório
pobre, uso de ar residual, freqüente associação ao refluxo gastroesofágico, hábito de
pigarrear e tossir e abuso vocal.

TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA PARA CANTORES

A terapia vocal do cantor não difere completamente do processo terapêutico de um


paciente que apresenta disfonia funcional. O foco do tratamento, este sim, será
diferente. Com a queixa bem definida em relação aos aspectos da voz falada e cantada,
inicia-se a terapia que trabalhará simultaneamente os aspectos que forem necessários,
tanto da voz falada quanto da cantada.

Na terapia com cantores, o ouvido adquire importância na condução das orientações, na


forma de utilização da voz, assim como na maneira de realização dos exercícios
propostos. Quando se trabalha com o cantor, não se deve ficar centrado na patologia
laríngea ou no distúrbio da fonação e sim na maneira como o cantor está utilizando seu
aparelho vocal para produção da voz dentro do estilo e interpretação desejados.

Pode-se compreender o estilo do canto e tentar, juntamente com o cantor, por meio de
exercícios, possibilitar que produza, de maneira satisfatória e sem prejuízo do trato
vocal, a voz cantada desejada. O fonoaudiólogo não deve discutir a escolha de
repertório, mas esclarecer as possibilidades de cada voz, localizando o pitch confortável
e a tessitura adequada para o cantor assim como demonstrar aspectos
anatomofisiológicos existentes, mas muitas vezes desconhecidos, que possam facilitar
ou limitar a produção de algum tipo de voz cantada.

É necessário possuir algum conhecimento de termos músicais que, em geral, estão


presentes na terapia com o cantor, como por exemplo grave, agudo, oitava, glissando,
stacatto, escala ascendente ou descendente, acorde e outros que podem aparecer
conforme o tipo de canto adotado.

O cantor, em geral, questiona o profissional para saber como se procedem os exercícios


e outras duvidas, pois é natural que a pessoa que tem na voz cantada seu instrumento
profissional possua uma curiosidade maior em relação a sua voz, bem como receio em
ser examinado pelo otorrinolaringologista e ansiedade em tratar as dificuldades que se
manifestam na voz.
Aparecem alguns questionamentos por parte do cantor, porém esses são um desafio
constante para quem trabalha com a área da voz e tem consciência da influência da vida
emocional e psíquica na questão da comunicação.

As questões da saúde vocal devem ser tratadas com paciência e esclarecimento, sem
virar uma lista de proibições, pois o ideal é passar informações aos poucos e obter o
retorno do cantor sobre a verdadeira compreensão dos porquês sobre sua voz.

Não é fácil estabelecer um limite sobre onde começa a terapia fonoaudiológica do


cantor, pois o início de cada processo dependerá de cada indivíduo. Não existe
hierarquia dentro da terapia fonoaudiológica. Na voz tudo ocorre ao mesmo tempo. As
necessidades são de cada caso e sempre que possível devem ser trabalhadas no
conjunto.

No caso dos cantores é fundamental trabalhar a parte respiratória no sentido de


conscientizar o papel da respiração na emissão da voz cantada, mostrando
preferencialmente a respiração costo-diafragmática, como a mais adequada para a sua
voz. O trabalho articulatório visando a abertura vertical e à precisão sonora dos fonemas
também tem destaque na rotina terapêutica. Os exercícios que auxiliam no abaixamento
da laringe tem demonstrado ótimo resultado, mesmo nos casos de cantores populares,
permitindo um movimento vertical livre nos graves e agudos. Exercícios de resistência
também são indicados para cantores que costumam cantar muitas horas por semana.
Massagem digital na laringe depois de cantar, ou antes de dormir, promove a
vasodilatação que possibilitará um maior relaxamento noturno, levando a uma qualidade
vocal mais satisfatória para os dias seguintes no uso intensivo da voz.

Não é possível abordar a parte de exercícios, pois cada indivíduo tem seu problema e os
exercícios devem ser aplicados de maneira pessoal. O terapeuta tem que experimentar
os exercícios consigo mesmo e, posteriormente, observar como cada paciente realiza ou
reage diante daquele exercício. De maneira geral, acredita-se que o terapeuta não
necessita ser um cantor ou músico para poder prestar atendimento, porém deve ouvir as
queixas do paciente e saber que as dúvidas que ocorrerem durante o processo
terapêutico poderão ser investigadas e respondidas por ambos, paciente e terapeuta.

CONCLUSÃO

Estivemos analisando alguns os problemas possíveis a serem apresentados na estrutura


funcional da laringe e cordas vocais, nos profissionais da voz, em específico com os
cantores.

Apresentamos alguns métodos a serem aplicados na avaliação e tratamento de tais


problemas, porém tal explanação não esgota o assunto.

Ficou claro porém que, para a eficácia levantamento dos problemas apresentados, bem
como o respectivo tratamento, há necessidade de se recorrer ao profissional médico da
voz, especificamente ao Otorrinolaringologista e ao Fonoterapeuta para a obtenção de
sucesso para a resolução dos distúrbios que possam ocorrer com a voz.

Creio porém que deve haver um relacionamento muito aproximado entre o profissional
da voz, o médico da voz e o preparador vocal, pois suas atividades se interagem e, com
essa aproximação o resultado pode se tornar mais produtivo, fazendo com que a voz do
profissional possa ser melhor elaborada para um bom resultado profissional.

Com este tipo de relacionamento, creio que os cinco profissionais da voz –


Otorrinolaringologista, Fonoaudiologista, Professor de Canto, Preparador Vocal e
Cantor – poderão crescer em conhecimento e sucesso profissional, onde cada um
individualmente alcançará a satisfação pessoal de aplicar o seu trabalho de modo direto,
com conhecimento e bem feito.

Referências

Gouveia, Lidia Maria de. A Fonoaudiologia e o Canto

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