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REFLEXÕES ACERCA DA

PERGUNTA: “O QUE É SER UM BOM


PROFESSOR?”
Leandro Beviláqua
8 de novembro de 2007

Ouvi recentemente algo sobre o qual nunca havia pensado:


Conjectura 0.1 Um professor está imerso na profissão desde criança.

Em outras palavras, todos nós tivemos contatos com professores e sabı́amos, ainda antes de cursar uma faculdade, o
que faz um profesor. Algo que não ocorre, por exemplo, com o contabilista, ou terapeuta ocupacional. Se perguntarmos
a uma criança o que faz um terapeuta ocupacional, receberemos, talvez, um mal-criado “Sei lá”. As ocupações destas
profissões são conhecidas por poucos (i.e. menos do que a quantidade que conhece o que um médico faz).
Houve até mesmo quem estendesse a conjectura acima, fazendo uma versão mais forte da mesma:
Conjectura 0.2 Um professor é o único profissional que está imerso na profissão desde criança.
Como toda e qualquer coisa que nos é dita pela primeira vez, essa idéia embaralhou meu pensamento de tal modo
que não fui capaz de explorá-lo em sala. Entretanto, foi este pensamento que formou minha idéia de o que é ser
um bom professor. Minha opinião sobre este assunto é, portanto, apenas uma consequência da análise detalhada
destas afirmações. Em poucas palavras, digo que não concordo com nenhuma das formulações e os motivos de minha
discordância serão meu suporte da minha idéia de um bom professor.
É claro que se eu provar não ser verdadeiro a primeira afirmação (que chamarei de Conjectura Fraca), decorre
naturalmente que não é verdadeira a segunda delas (Conjectura Forte). Assim, a rigor, seria necessário apenas
estudarmos a conjectura 0.1. Entretanto, antes disso, gostaria de fazer uns comentários sobre a versão forte da
conjectura.
De idediato, um sério questionamento vai de encontro ao caráter único da profissão do professor. A saber, ao longo
da vida convivemos com diversas profissões. O exemplo mais evidente (e isso também foi dito em sala) é o médico.
Não é razoável supor que alguém atinja a idade adulta sem ter ido ao menos uma vez ao médico. É claro que disso
não se pode dizer que a pequena criatura esteja “imersa”na profissão de médico. Mas esta sabe bem o que um médico
faz. E também sabe sobre o comerciante, o motorista, o cabelereiro, a manicure, o carteiro, etc.
Antes de prosseguirmos, é necessário definir melhor o que entendemos por “profissão”. Vejamos o que diz o Aurélio
[1]:
Definição 0.1 Atividade ou ocupação especializada, da qual se podem tirar os meios de subsistência.
Note que é apenas possı́vel que resulte em dinheiro (“meios de subsistência”). Para os nossos propósitos, prefiro
reformular esta definição de um modo um pouco mais preciso:
Definição 0.2 Seja P = {p1 , . . . , pn } o conjunto de problemas que dizem respeito à sociedade e S = {s1 , . . . , sm } o
conjunto de soluções. Considere ainda os subconjuntos Pi ⊂ P e Sj ⊂ S e suponha que exista o conjunto de funções1
fij : Pi → Sj . Denominamos profissonal aquele que conhece (ou busca conhecer) pelo menos uma das funções fij e
utiliza este conhecimento (ou os resultados preliminares de sua busca) para benefı́cio de outros seres. Chamamos de
profissão aquilo que o profissional faz.
1 A rigor, isto não define uma função matemática, já que uma solução pode estar associada a mais de um problema. Como não estamos

interessados em propriedades de f e esta nos serve apenas como um guia para nosso pensamento, é aceitável chamarmos f de função.

1
Novamente, o dinheiro não é requisito para definir o profissional. Por ser uma parte importante do processo, o
dinheiro é usado para classificar os profissionais em três subgrupos: Se um profissional recebe dinheiro de um outro
profissional pré-determinado para exercer sua profissão, recebe o nome de empregado. Se, por outro lado, recebe
dinheiro de alguma outra pessoa, é chamado profissional liberal. E se não recebe dinheiro de ninguém, é chamado
filantropo.
Note ainda que na definição de profissão, faz-se necessário que o conhecimento (ou resultados parcias da busca
deste) seja utilizado em benefı́cio de outros seres, que não devem ser necessariamente humanos. Alguns biólogos o
utilizam em benefı́cio de animais e florestas. Uma pessoa que conhece (ou busca conhecer) algum f sem o objetivo2
de beneficiar outrem, é chamado culto, ou interessado no assunto.
Usando a definição 0.2, podemos definir o que é um professor:

Definição 0.3 Professor (ou educador) é aquele profissional para o qual P = Pe ∪Pa , em que Pe é o conjunto formado
pelas problemas que resultam das dificuldade em se ensinar algo a outro ser humano, e Pa é o conjunto de problemas
relacionados a alguma atividade.

Assim, um professor de quı́mica é aquele para o qual Pa inclui coisas como reconhecer um ácido, fabricar detergentes,
classificar os diversos materias que compõem o Universo, etc. Um caso especial é quando Pa = Pe , ao qual denominamos
professor de pedagogia.
O aluno é a criatura que é beneficiada diretamente pela atividade do professor. Em outras palavras, o aluno é
aquele que provoca os problemas listados em Pe . De modo que o “ser humano”que consta na definição de Pe não é
outro senão este a quem nos referimos por “aluno”.
Com estas definições em mãos, fica claro que, do mesmo modo que ligarmos uma lâmpada elétrica incandescente
não nos permite dizer que estamos imersos na profissão de inventor, ou cientista, o aluno não está imerso na profissão
do professor, mas é somente beneficiado por ela. Quando o professor nos convidava a apresentar algo à turma na
lousa, tı́nhamos a oportunidade de ver o que é ser professor. Terı́amos esta visão se disséssemos a nós mesmos, naquele
momento: “Se eu estivesse sentado me vendo, estaria achando muito chato isso aqui. Como é que eu gostaria de ver
essa apresentação? Como fazer com que as pessoas olhem pra mim sem que desejem apenas que eu acabe logo?”. É
claro que isso não nos tornaria um professor, já que o ato de reconhecer os problemas não faz de nós um profissional.
Mas isso seria ao menos uma olhadela na profissão. Em outras palavras, quando sentados assiatindo aula, conhecemos
o conjunto S dos professores. Quando apresentamos um trabalho para nossos colegas, conheceremos (se atentos) o
conjunto P . Para chegar a profissão, ainda faltaria o conhecimento de f .
Mas estamos principalmente interessados aqui na minha opinião sobre as qualidades de um bom professor. Para
manter a discussão o mais geral possı́vel, discutiremos as qualidades necessárias ao bom profissional, restringindo-nos
ao professor quando acharmos necessário.
Para dados pi e sj , há diferentes funções (f1 6= f2 , por exemplo) para as quais f1 (pi ) = si = f2 (pi ). Numa profissão
qualquer, o objetivo mais importante é encontrar f que melhor satisfaça o grupo que se pretende ajudar mediante
o exercı́cio da profissão. Chamamos esta função de função ótima. No caso do professor, há um fator complicante.
A função ótima inclui, além da satisfação do aluno, a satisfação daqueles a quem o aluno deverá satisfazer quando
tornar-se um profissional.
Tudo isso dito assim de modo abstrato é claro e evidente: O bom professor é aquele que conhece (e usa) as funções
ótimas.
E é somente agora que percebemos que o problema foi transferido de lugar e de nada nos aproximamos do objetivo
incicial, a saber, descobrir a resposta para: como ser um bom professor?. Ao longo de minha atividade como
aluno, tive várias oportunidades de visualizar os problemas listados em Pe e tive alguns professores que me mostraram
o que para mim eram as soluções ótimas.
E aqui está uma coletâneas de funções que vi ao longo da vida, algumas ótimas, outras, não (restrita a professores
universitários no curso de fı́sica):
• Como agradar o aluno: Saber se está agradando, ou não, é tarefa fácil. Usualmente, os alunos fornecem
fortes indı́cios de suas insatisfações. Alguma (não muita!) sensibilidade é necessária para perceber isso.
1. Se o aluno dorme na sala, o bom professor deve mudar o método de exposição de modo a participar o
aluno do processo. Um modo de fazê-lo é modificar a linguagem, tornando-a mais coloquial. Também
é útil diminuir o tamanho das frases. Expressar-se com frases curtas aumenta a probabilidade de ser
2 Aquele que tem o objetivo de ajudar outros, mas simplesmente não é capaz de encontrar alguma solução e nem mesmo uma versão

preliminar que se possa usar, é chamado frustrado.

2
compreendido. Uma técnica usada (em último caso) para evitar o cochilo é mudar o tom da voz, gritando
onde se quer enfatizar algo. Ou assustar (por exemplo, batendo na mesa) o aluno que dorme como modo
de coibı́-lo (através da vergonha).
2. O professor deve ter amplo conhecimento do assunto. Neste caso, farei uma divisão entre o assunto a ser
ensinado:
Fı́sica teórica O primeiro ponto é ter uma vasta lista de exemplos e contra-exemplos que demonstram os
conceitos abstratos da fı́sica teórica. Além disso, o professor de fı́sica teórica deve deixar claro ao aluno
o fenômeno que a teoria se propõe a descrever e argumentar que as suposições feitas são razoáveis.
Quando uma conta extensa for necessária, o professor deve iniciar mostrando ao aluno que sistema
fı́sico está sendo considerado. Depois, mostrar esquematicamente como a conta será feita. Ao longo da
conta, é importante usar o significado das variáveis para referir-se a elas de vez em quando. Assim, ao
invés de falarmos, por exemplo ψ(x), é preferı́vel dizer “a densidade de probabilidade de encontrarmos
a partı́cula na posição x”. Por fim, refazemos a conta pulando as etapas técnicas e listando a cadeia
de resultados parciais (disto segue isto, que segue isto, etc, até que chegamos nisto).
Fı́sica experimental Um professor de fı́sica experimental deve conhecer o funcionamento interno dos
aparelhos usados nas experiências. Para explicar ao aluno este funcionamento, é útil fazer diagramas
que representa partes do aparelho. Também é importante dizer quais problemas tı́nhamos antes que
a tal experiência fosse bolada por algum cientista. E dizer como a experiência se propõe a resolver a
dificuldade e como esparamos que se comporte. Ao fim, durante a análise dos resultados da experiência,
o aluno percebe a qualidade do professor se este for capaz de inserir aquele resultado no contexto teórico.
3. Preparar o discurso a ser apresentado antes de entrar em sala de aula. Do mesmo modo que não ficamos
satisfeitos em esperar que o padeiro (profissional) aplique seus métodos (a função fp ) para obter a solução
(o pão) para nos oferecer, o aluno não quer ver o produto da atividade do professor (a fala) ser criada
em sua presença. Espera-se de um bom padeiro que já tenha um pão pronto e espera-se de um bom
professor que este já tenha o discurso pronto. Se resolvermos inovar e solicitarmos um pão nunca antes
feito, teremos a paciência de esperar até que fique pronto (já que reconhecemos que o atraso é resultante
de nossa solicitação). Do mesmo modo, se um aluno faz perguntas que não estão no discurso do bom
professor,este deve ser capaz de respondê-la ali mesmo, sem prévia preparação. Ainda que no seu discurso o
professor não demonstre uma prévia preparação, o aluno não se irritará, já que tem consciência de que sua
pergunta foge do plano pensado pelo professor. Se o professor responde satisfatoriamente esta pergunta e é
capaz de dizê-lo de modo coerente e inteligı́vel, seu conceito de bom professor perante a turma é aumentado
significativamente.
4. Foi sugerido usar experiências em sala e isso pode vir a ser uma boa técnica, desde que acompanhada
com um olhar atento à reação do público, i.e., alunos. Normalmente, não é difı́cil perceber se a idéia de
apresentar experimentos demonstrativos foi bem recebida.

• Quando não agradar o aluno: Como parte do domı́nio da função ótima é Pa , o bom professor deve conhecer
a atividade sobre a qual leciona. Assim, este deve estar preocupado também com a satisfação daquele que será
beneficiado pela atividade futura de seu aluno. Um professor que é agradável ao aluno mas não o prepara para
ser exı́mio profissional é considerado bom durante os anos de curso, mas não cumpre seu papel social.
Como um não-especialista, tenho a tendência de simplificar por demais, talvez. Mas penso que ao buscar repetir
aquilo que em minha opinião foi o melhor, estarei próximo de ser ao menos considerado bom. Não estou falando aqui
de ser o melhor professor de todos os alunos. Isto é absolutamente impossı́vel, já é nı́tido e notório que dados dois
alunos, estes podem ser agradados por duas funções não somente diferentes, mas ortogonais3 . Em minha opinião,
embora algum aluno não goste da função que o prefessor está usando naquele preciso momento, a maioria percebe que
o professor “buscou pela função ótima”e isso gera um “respeito moral”pelo profissional que, em caso de impossibilidade
de agrado, deve ser o sentimento mais importante que se deve despertar no aluno.
3 Duas funções são ditas ortogonais (representamos assim: f · f = 0) quando o exercı́cio de uma impossibilita o exercı́cio da outra. Um
1 2
exemplo é f1 =“detalha as contas”e f2 =“não detalha as contas”. Numa sala com muitos alunos não é improvável que haja dois deles (A
A
e B) para os quais fotima B
· fotima = 0. Como eu disse, o professor deve ter a sensibilidade de perceber se a maioria é “do tipo A”, ou “do
tipo B”.

3
Referências
[1] Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “Mini Aurélio - O Dicionário da Lı́ngua Portuguesa”, Ed. Positivo, 6a
edição revista e atualizada, (2004).

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