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Apontamentos de Direito Romano

FDL
2007/2008
1º Ano – 1º Semestre

Introdução
Ius Romanum (stricto sensu)

1. Épocas históricas do Dto Romano

Durante os 13 séculos de vida, o Dto Romano sofreu muitas alterações para


melhor poder corresponder às transformações sociais.
No início, o Dto Romano era um sistema fechado destinado a regular os
quirites (nome dos primitivos cidadãos romanos): duro e feroz, formalístico e
rigoroso.

Devido à transformação social, contacto com outras gentes e costumes e ao


génio criador dos juristas de Roma o Dto torna-se apto a resolver questões
criadas pelas novas exigências da vida e pelo alargamento do comércio.

 Evolução: nasce, cresce, atinge o apogeu, decai; retoma uma fase de


esplendor; codifica-se.

Periodificação do Dto Romano, critérios:


a) Político
b) Normativo
c) Jurídico
o Externo
o Interno

a) Critério político:
Períodos da história politica de Roma.

Época monárquica = 753 a.C. – 510 a.C.


Época republicana = 510 a.C. – 27 a.C.
Época imperial = 27 a.C. – 284
Época absolutista / principado = 284 – 565

Critica  Abandonado na actualidade; não pode ser adoptado como critério-base


porque nem sempre e nem só as transformações politicas de Roma são
importantes para a evolução do Dto Romano; quando há influência, a evolução do
Ius Romanum e das instituições não é simultânea, primeiro são as instituições.
Porém, é uma manifestação do poderio politico de Roma; deve ser usado
como critério secundário ou principal para ajudar a estabelecer uma
periodificação.

b) Critério normativo:
Modos de formação das normas jurídicas (costume; lei; iurisprudentia;
constituições imperiais).

Dto Romano consuetudinário


Dto Romano legítimo / legislativo
Dto Romano jurisprudencial / doutrinário
Dto Romano constitucional / absolutista

Critica  Não pode ser adoptado como principal porque não indica de forma
directa a evolução do dto privado de Roma, apenas a de dto público.
Mas pode ser utilizado para estabelecer a periodificação.
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c) Critério jurídico:
Vida do Ius Romanum e suas manifestações
Jurídico externo:
Fixa a periodificação atendendo a certas características do Dto.

Período Dto Romano nacional / quiritário


Período Dto Romano universal / do ius gentium
Período Dto Romano oriental / helénico

CRITÉRIO ADOPTADO
Jurídico interno:
Atende ao valor do Dto Romano, examina como nasce, cresce, atinge o
apogeu e se codifica.

A) Época arcaica
B) Época clássica
C) Época post-clássica
D) Época justinianeia

Época arcaica (753 a.C. ? – 130 a.C.)


Período desde os primórdios da vida jurídica em Roma (fundação da Urbs)
até ao ano 130 a.C., por ser a data aproximada da Lex Aebutia de formulis
(introduz um novo processo judicial, característico da época clássica) e porque
nessa altura Roma tornou-se uma grande potência, domina o Mediterrâneo e
estabelece as bases do seu Império e do seu Dto.

Conceito – período da formação e do estado rudimentar das instituições


jurídicas romanas; escassez de documentos.

Características:
- Imprecisão;
- Não se nota o limite do jurídico, religioso e moral (são um só mundo).
- Instituições politicas surgem sem contornos bem definidos

Subdivisão:
1ª  Desde o início até 242 a.C. (criação do pretor peregrino); período do ius
civile1 exclusivo; O Dto Romano desta época é fechado e privativo; só prevê
regulamentação na relação entre cives; os non cives que habitam Roma estão
fora do Dto Romano.

2ª  Devido a vários prejuízos, esta situação teve de se modificar; novas


necessidades comerciais e desenvolvimento social, pois Roma era a cabeça dos
povos mediterrânicos que exigem regulamentação das relações cives / peregrini e
peregrini / peregrini, foi então criado o pretor peregrino e com ele o início da
formação do ius gentium.

Época clássica (130 a.C. – 230)


Porque em 228 desaparece o último grande jurista clássico, Ulpianus e
porque o império começa a entrar em crises sucessivas.

1
Ius próprio dos cives; ius quiritium; não é dto civil nem privado.
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Conceito – período de verdadeiro apogeu e culminação do ordenamento


jurídico romano; é o modelo para comparação.

Características:
- Exactidão;
- Precisão;
- Serve de modelo;
- Grandeza do Dto Romano;
- Jurisconsultos muito intuitivos, capazes de adequar as normas a cada
situação e criar novas se não estivessem previstas – iurisprudentia
fecunda e criadora.

Subdivisão:
Pré-clássica  130 a.C. a 30 a.C.; intenso desenvolvimento do Dto para um
estado de grandeza.
Clássica central  até 130; período de esplendor e de maior perfeição do Dto
Romano; figura central Iulianus.
Clássica tardia  até 230; nota-se o início de uma certa decadência pela falta do
génio criador; os jurisconsultos limitam-se a repetir e coordenar o que os grandes
mestres disseram.

Época post-clássica (230-530)


Período entre o apogeu do clássico e o renascimento justinianeu;
decadência do Dto Romano; há um novo mundo jurídico; o génio intuitivo dos
juristas desapareceu, há apenas uma reelaboração anónima dos textos anteriores
adaptando-os às novas realidades – compilações, resumos, codificações.

Características:
- Confusão de terminologia, conceitos, instituições, textos;
- Verifica-se no Oriente e no Ocidente.
- No Ocidente:
o Confusão a partir de 395 mais acentuada.
o Corrupção do Dto Clássico pelos dtos locais dos povos dominados e
dos bárbaros que iniciavam a invasão do império = Dto Romano
Vulgar.
o A confusão concretiza-se numa vulgarização do Dto Romano.
- No Oriente:
o A partir de 395, confusão manifesta-se numa reacção contra certas
manifestações vulgaristas isoladas = Classicismo – tendência
intelectual para valorizar o clássico e combater as deturpações.
o Progresso do Dto Romano através da filosofia e dtos gregos =
Helenização do Dto Romano.

Época justinianeia (530 – 565)


Início da elaboração do C.I.C. até à morte do imperador Justiniano. O Dto
Romano chega ao fim da sua evolução e codifica-se para se perpetuar. Quando
Justiniano subiu ao poder manifestou a sua aspiração de restaurar a unidade do
Império, dando à nova Roma (Constantinopla) a glória da antiga com todo o saber
clássico. O seu plano: compilar o ius e a leges.

Características:
- Desejo de Justiniano de estabelecer a unidade na diversidade com base no
Dto Romano.
- Tendência para a generalização.
- Actualização e compilação do Dto Romano na forma clássica.
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2. Relação entre Ius Romanum e Imperium

Conexão entre a vida do Ius Romanum e a vida do Imperium


Observa-se que o Dto Romano só atinge períodos de grandeza quando
protegido pelo império; é um direito tipicamente imperial; o seu esplendor
coincide com o auge do poderio romano e as oscilações com as respectivas do
poder politico de Roma.
Depois da compilação justinianeia, a vigência e estudo do Dto Romano no
Ocidente entra em crise, cai em 476; no Oriente continua com vitalidade; no
Ocidente, no séc. XII surge com mais vitalidade (império germânico) e no Oriente
decai em 1453 com o desaparecimento do império oriental.

a) Ius e auctoritas
A conexão de Dto Romano e império radica na noção-fundamento de ius, é
uma força que necessita de auctoritas para ser eficiente, e essa tem de se
verificar na criação do ius por uma entidade publica e por juristas. Estes precisam
de autoridade social para que as suas doutrinas se imponham e triunfem.
A princípio, os juristas tinha autoridade de origem aristocrática, pela sua
linhagem; depois, Augusto chamou pessoas da classe média para cargos
importantes, tinham autoridade de origem politica; Adriano concedeu aos juristas
autoridade de carácter burocrático = triunfo do funcionalismo sobre a
aristocracia; por último, surge o imperador como fonte única de leis, só há leges,
desaparece o ius, Direito = Lei.

b) Direito e Politica em Roma


A conexão entre direito e politica é evidente a partir de Augusto.
Antes também se deu quando os jurisconsultos tinham autoridade social
proveniente da sua linhagem; a jurisprudência era um ministério, um sacerdócio,
reservado aos pontífices e depois à nobreza romana. Com grande variedade
consultiva, os jurisprudentes criavam e exerciam grande influência sobre os seus
clientes. Estes, para recompensar, apoiavam o seu jurisconsulto nas lutas
eleitorais = o saber jurídico produzia grandes vantagens politicas.

As várias formas politicas de Roma


Formas politicas originárias:
- Estado-cidade  agrupamento de homens livres, estabelecidos sobre um
pequeno território, todos dispostos a defendê-lo e todos têm uma parcela
do poder; apesar desta unidade, existem 3 órgãos políticos: um ou vários
chefes; assembleia de nobres ou homens experimentados na vida;
assembleia do povo.
- Estado-território  um só homem exerce o poder duma forma absoluta e
exclusiva

Monarquia = 753 a.C. – 510 a.C.


República = 510 a.C. – 27 a.C.
Principado = 27 a.C. – 284
Dominado = 284 – 565
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Monarquia (753 a.C. – 510 a.C.)


Politicamente, Roma nasce como um estado-cidade até ao principado.
O poder politico está dividido em 3:
Rei; Senado; Povo;

Rei:
- Sumo sacerdote, chefe do exército, juiz supremo = director da civitas.
- Cargo vitalício, não hereditário
o Rei podia designar o seu sucessor e este só era rei quando
proclamado no comício das cúrias = Lex curiata de império.
 Os romanos tinham a convicção de que o poder residia no
povo e que era este que o transmitia ao chefe.

Senado:
- Assistente do rei.
- Constituído por patres das gentes fundadoras da civitas e depois pelos
homens experimentados na vida, escolhidos entre patrícios.
- Assembleia aristocrática.
o Inicialmente os plebeus não podia fazer parte do senado, depois
abrira-se excepções e por fim alcançaram a entrada definitiva com
a Lex Ovinia; foram designados conscripti.
o Patres conscripti era o senado na sua totalidade.
- Posteriormente, nomeava o interrex.
- E concedia a auctoritas patrum (consentimento) às leis votadas nos
comícios para que fossem válidas.
- A resposta do senado nas suas consultas chamava-se senatusconsultum.
Povo:
- Inicialmente formado por patrícios e plebeus.
- Patrícios detinham todos os direitos.
o Luta entre classes.
o Desejo de igualdade pelos plebeus.
- Plebeus eram tão cidadãos como os patrícios.
- A luta acabou por favorecer os plebeus.
- O povo tinha uma parcela do poder politico.
o Exercia os seus direitos manifestando a sua vontade nos comícios,
que se celebravam obrigatoriamente em determinados ou se
convocados.
 + Antigos e + importantes = Comício das cúrias.
• Investidura do rei no poder (Lex curiata de imperio)
 De início, constituídos só por patrícios e mais tarde também
por plebeus.
 Não se contam os votos por cabeça, mas por cúrias,
centúrias ou tribos, cada um possuía um voto.

República (510 a.C. – 27 a.C.)


A princípio, a constituição politica não sofre grandes alterações. A
república só se afirmou plenamente quando se dividiu os poderes pelas várias
magistraturas criadas na altura.
O poder reside agora em dois chefes, que exercem o cargo por um ano e
são eleitos pelo povo.
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Existem 3 grandes elementos:
Magistraturas (monárquico); Senado (aristocrático); e Povo
(democrático).

Magistrados:
- Todos os detentores de cargos políticos de consulado para baixo.
- De início, são detentores do imperium, que anteriormente era do rei.
o Imperium é um poder absoluto, de soberania.
o Os cidadãos não se podem opor.
- Magistraturas ordinárias:
o Questor
o Edil Curul
o Pretor
o Cônsul
o Censor – grau supremo do cursus honorum
- Poderes dos magistrados:
o Potestas – poder de representar o povo; era comum a todos os
magistrados mas cada um o tinha com maior ou menor grau,
conforme as suas atribuições, dentro das quais podia vincular, com
a sua vontade, a vontade do povo, criando direitos e deveres.
o Imperium – era o poder de soberania; tinha as faculdades de
comandar o exército, de convocar o senado, de convocar as
assembleias populares, de administrar a justiça; é próprio dos
cônsules e dos pretores.
o Iurisdictio – poder de administrar a justiça duma forma normal ou
corrente; poder principal dos pretores, mas também competia ao
edis curúis (processos aos quais podiam atender) e aos questores
(causas criminais).
- Pretor
o Era a magistratura mais importante, seguida dos edis curúis e a dos
questores.
o Tinha os 3 poderes.
o A princípio era uma designação genérica para indicar o chefe de
qualquer organização; por isso os cônsules de início se intitularam
praetores (chefes militares, dirigentes da rebelião que derrubou a
monarquia).
o Depois da criação da questura e da censura, a palavra pretor ainda
conservou um carácter genérico (era nome comum de qualquer
magistrado).
o Em 367 a.C. foi criada a magistratura dos pretores, agora tem um
significado individual de um magistrado que administra a justiça
nas causas civis.
 1ª fase do processo “fase in iuri”  era analisado o aspecto
jurídico da causa; verificava-se um “ius-dicere” (afirmação
solene de existência ou não de direito) e concretizava-se
numa ordem dada pelo pretor ao juiz para proferir sentença.
 2ª fase “apud iudicem” apreciava-se a questão, o
problema da prova e dava-se a sentença; decorria perante
um iudex (era um particular), distinto do pretor; em vez de
ius-dicere havia um ius-dicare, julgar conforme uma ordem
jurídica já fixada.
o De início só havia um pretor, depois a administração da justiça é
dividida por 2:
 Pretor urbano – organizava os processos civis em que só
interviessem cidadãos romanos; ius civile.
 Pretor peregrino – organizava os processos em que, pelo
menos, uma das partes era um non cives; ius gentium.
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o O pretor é o protótipo do homem preocupado e totalmente
dominado pelo espírito de justiça, sempre com o intuito de atribuir
a cada um o que é seu.
o É o intérprete da lex e defensor do ius.

Senado:
- Órgão politico por excelência.
- Carácter aristocrático.
- Encontravam-se reunidas a autoridade, a riqueza e o saber técnico.
- Não tinha imperium mas tinha auctoritas (prestígio); aparentemente não
tinha funções prepotentes, mas gozava de uma influência social
extraordinária.
- As suas decisões tinham forma de conselho, mas na prática eram
verdadeiras ordens.
- A atribuição mais importante era a auctoritas patrum, que passa depois a
ser concedida antes de a lei ser votada pelos comícios (o povo limita-se a
sancionar aquilo que na verdade é a vontade dos senadores).

Povo:
- Reúne-se em assembleias ou comícios.
- Poderes de eleger certos magistrados e o de votar as leis propostas por
aqueles magistrados.
- Comícios funcionavam como tribunal de última instância.
- 3 espécies de comícios:
o Comitia curiata (entra em decadência).
o Comitia centuriata – intervêm na eleição dos cônsules, dos
pretores, ditador e censores; e na votação das leis propostas por
estes magistrados.
o Comitia plebis – decisões = plebiscita; a princípio sem carácter
vinculativo, depois é-lhe reconhecida a força obrigatória em relação
à plebe e depois passam a obrigar todo o povo romano; plebiscitos
são equiparados às leis comiciais.

A constituição politica da República de Roma fundava-se no equilíbrio de 3


grandes forças:
- O imperium dos magistrados. (autocrática)
- A auctoritas do senado. (aristocrática)
- A maiestas do povo. (democrática)
Isto dotou a República de grande flexibilidade, que ajudou a superar
grandes crises.

Principado (27 a.C. – fins do séc. III)


A constituição republicana torna-se insuficiente para as novas realidades;
entra em crises sucessivas:
- O alargamento do poder de Roma, dominando todo o
Mediterrâneo.
- Desmoralização da gente de Roma.
- Aparecimento de novas classes sociais.
- O antagonismo entre a velha nobreza e a nova aristocracia.
- Lutas de classes.
- Revolta dos escravos que querem liberdade.
O povo volta-se confiante para Octávio César Augusto, o mais indicado
para restaurar a paz e a justiça; aproveita-se de todas as circunstâncias e afirma-
se um politico muito hábil para conseguir todas as honras e poderes; instaura
uma nova forma constitucional = o principado.
O principado era uma monarquia de tendência absolutista, baseada no
prestígio do seu fundador, mas sem desprezar as estruturas republicanas
existentes: império com aparências republicanas e democráticas.
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Augusto, vencedor de António e Cleópatra, impulsionou o
engrandecimento de Roma em todos os ramos do saber. Foi sobretudo o
pacificador (pax augusta).
Existem 3 elementos:
Princeps; Senado; e Povo;

Princeps:
- Figura central
- Tem uma série de títulos e faculdades que lhe são outorgadas pelos
órgãos republicanos sobreviventes.
- Em 23 a.C. Augusto recebe carácter vitalício  tribunícia potestas.
- É-lhe também concedido o imperium proconsulare maius, por 10 anos
(devido às sempre renovadas prorrogações, transforma-se em vitalício); é
tão pessoal que este o transfere para o seu herdeiro forçoso, Tibério.
- O princeps não é um magistrado, é considerado um novo órgão politico,
permanente, com um imperium especial e com tribunícia potestas.
- Augusto vai pouco a pouco concentrando o imperium das magistraturas e
a auctoritas do senado.
o As antigas magistraturas mantêm-se mas o seu poder é quase
irrelevante, estão subordinadas ao princeps (funcionários
executivos).
- Com a sua morte, está a porta aberta para o despotismo e absolutismo,
monocracia, que se instaura constitucionalmente em 284.

Senado:
- A princípio, ganha importância.
o Senatusconsulta têm carácter legislativo.
- Mas depois perde grande parte da sua velha autoridade politica, que vai
passando gradualmente para o princeps.
- No final do principado, os senatusconsulta são meros discursos do
imperador.

Povo:
- Os comitia não foram abolidos, mas pouco a pouco, deixam de funcionar e
vêm a morrer por inactividade.
- As suas atribuições passam para o senado e para um novo elemento – o
Exército.
- Característica do principado: criação dum corpo burocrático de
funcionários, que fiscalizam tudo.
o Dependem unicamente do imperador.
o Respondem perante ele.
o Administram o império segundo uma directriz burocrática.

Acabado o principado começa o Baixo-Império, que vem a terminar


quando depois só existe império bizantino. Por isso vai de 284 até 476.

Breve referência aos Governadores das Províncias:


- Administração de um território conquistado.
- Só apenas os territórios sob o domínio de Roma situados fora da Península
Itálica e conquistados por um general é que tinham o nome de
“províncias”.
- A princípio o governo era confiado pelo senado a um magistrado de
imperium; depois a um desses ex-magistrados prorrogando-lhes a
competência como governadores das províncias.
- Mais tarde, Augusto reservaria para si a nomeação directa dos
governadores daquelas províncias que ainda requeriam uma atenção
especial de tipo militar por não se encontrarem totalmente pacificadas.
o Estabelecia-se a divisão entre províncias senatoriais e imperiais,
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conforme o governo e vigilância.
- As normas administrativas fundamentais, de início, eram estabelecidas por
uma lei.
- Os Governadores além de imperium, tinham iurisdictio, publicavam o seu
edicto.
- Quanto à administração da justiça, a província estava dividida em distritos
que o governador visitava periodicamente.
- Nas questões entre romanos, o governador aplicava as normas aplicava o
Ius Romanum; entre indígenas da mesma cidade, o governador agia
discricionariamente, sem desprezar os costumes locais; entre habitantes
de cidades distintas, aplicavam as normas que mais se ajustassem às
partes litigantes.
o Os governadores ao aplicarem o Ius Romanum tinham de o adaptá-
lo às várias circunstâncias, o governador fazia de praetor e de
iudex – necessidade de provincializar o Dto Romano- Dto Provincial.
- Os governadores romanos obtinham grandes lucros das províncias.

Dominado (284 – 476) / Absolutismo


50 anos antes de Diocleciano (soldado severo, enérgico e autoritário) subir
ao poder caracterizavam-se por:
- Lutas internas (sucessão de imperadores e exigência das províncias
quererem equiparar-se a Roma).
- Falta de prestígio da autoridade pública.
- Conflitos entre Império Romano e Cristianismo.
- Crise económica.
- Infiltração dos bárbaros.
- Demasiada extensão do Império.

Diocleciano é proclamado imperador pelos seus companheiros de armas e


intitula-se dominus, senhor único, e deus, com direito a adoratio. O seu poder
provem de uma investidura divina.
O Cristianismo tenta destruir o mito da divindade do imperador, que
resulta numa profunda rivalidade entre o chefe da Igreja e ele. Inicia-se uma
perseguição violenta contra os cristãos “Era de Diocleciano ou dos mártires”.
Diacleciano recorre a várias reformas: administrativa, económica,
financeira e politica. Reconhece, também, que o império não sobrevive sob um
único comando  O absolutismo trouxe consigo o separatismo.

Factos principais da época do dominado:


- Reforma politico-administrativa de Diocleciano.
- Reconhecimento do Cristianismo, a partir de Constantino, como religião
oficial.
- Tendência para dividir o imperio por ser demasiado extenso.
- Invasões bárbaras por um lento processo de infiltração.

Queda do Império Romano do Ocidente, 476


A penetração quase insensível dos povos bárbaros criou primeiro um
regionalismo e depois uma barbarização geral no Ocidente.
Perante isto, já se esperava o fim: em 476 Roma cai – Rómulo Augusto é
derrotado por Odoacro, chefe de um grupo misto de bárbaros.

Queda do Império Romano do Oriente, 1453


Era mais rico e mais bem organizado, não sucumbiu às invasões bárbaras. Até
chegou a reconquistar, no tempo de Justiniano, várias regiões, porém os seus
sucessores não as conseguiram manter.
O Império ainda se conservou por mais um milénio, lutando contra árabes e
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turcos, teve épocas de esplendor e crise.
Este veio a desaparecer quando os turcos se apoderaram de Constantinopla.

3. Supervivência do Dto Romano (VI – XX)

Depois da queda de Roma, o Dto Romano prevalece; depois da codificação


ordenada por Justiniano no séc. VI, permanece vivo.

a) No Oriente
Depois da morte de Justiniano até à queda de Constantinopla, o Dto
Romano continuou a ser o dto do Império Oriental.
Até ao séc. VIII, o Dto Romano vigente era só o da compilação justinianeia
(C.IC.), depois começaram a surgir várias colecções de Ius Romanum, privadas e
autênticas, que adaptavam-no aos novos tempos  Direito Bizantino, mais tarde,
Direito Greco-Romano.
Depois da queda de Constantinopla, o Dto Romano continuou vigente e
influenciou Dtos dos vários países orientais.

b) No Ocidente
O Dto Romano esteve presente em todos os países da Europa, duma ou
doutra forma (ou direito justinianeu, ou direito romano-bárbaro, ou direito
comum, ou direito pandectístico) até à publicação dos respectivos códigos civis.

Ideia geral: o Dto Romano se esteve assim em vigor durante tantos


séculos, não podia desaparecer totalmente com a publicação desses novos
códigos civis  eles não matam o D.R., consagram-no.
A consagração é feita directamente através de 2 CC : o Francês, 1804; e o
Alemão, 1900. Estes 2 CC vão influenciar CC de todo o mundo.
Deste modo, os princípios do Ius Romanum informam todos ou quase
todos os códigos da actualidade. Isto constitui a maior prova da sua
supervivência.

4. Razões justificativas da utilidade do ensino do Direito Romano


nas actuais faculdades de Direito

Hoje não há dúvidas da enorme vantagem e necessidade do estudo de DR,


as razões são:
a) Alto valor formativo
O DR fornece ao jurista uma lição de experiência, dotando-o de um espírito
de justiça, sempre com a ideia de não prejudicar ninguém (alterum non
laedere) e de atribuir a cada um o que é seu (suum cuique tribuere). Essa
lição forma juridicamente, educando:
- Para uma certa liberdade e uma relativa independência perante a
lei, ensinando a valorar a jurisprudência como fonte criadora.
- Para um casuísmo científico  o jurista deve saber não apenas
interpretar e aplicar as normas mas saber criar a norma adequada a um
caso especial e não previsto.
- Para uma firmeza de princípios perante as transformações da vida
jurídica actual, que está hoje a sofrer uma crise semelhante à do mundo
romano quando o pretor teve de resolver situações novas provocadas
pelas convulsões sociais e pelas mudanças de certas estruturas; esta
firmeza é muito importante principalmente na hora da contestação – o
trabalho de intuição levada a cabo pelos jurisconsultos romanos consistiu
em basear os princípios fundamentais do Direito na própria Natureza, daí
que o DR seja antigo mas não antiquado, pois contem princípios válidos e
universalmente aceites.
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b) A sua perfeição técnico-jurídica
Foram os romanos que fizeram do Dto uma ciência, criaram princípios
perenemente válidos. Esses foram elaborados durante uma experiência de
13 séculos por homens com um talento excepcional de intuição jurídica:
formularam conceitos e consagraram uma terminologia jurídica que nunca
mais desapareceram.

c) O seu interesse prático


As nossas instituições, grande parte, estão baseadas no DR. Algumas das
nossas normas são meras transcrições ou adaptações de certos preceitos
romanos; outras nem se compreendem bem se não se conhecer o que
estava preceituado no DR; e por vezes é necessário recorrer ao DR (CIC)
por não possuirmos normas para resolver certas situações. Tem uma
grande utilidade prática.

d) O seu aspecto histórico


Na sua longa experiência de 13 séculos, o DR é um puro laboratório
jurídico que descreve uma evolução completa. Perante as circunstâncias
sociais mais variadas se podem ver claramente como as normas jurídicas
nascem, evoluem, reagem às diversas situações, se transformam em
simples normas éticas ou até desaparecem.

e) Outras razões; O DR deve ser considerado


- Fundamento do Dto Comparado sob pena de este fracassar.
- Direito fundamental duns possíveis Estados Unidos da Europa.
- Base da unificação do Direito Privado.
- Fundamento duma certa unidade espiritual da Europa.

5. Fontes do Direito Romano

O DR é formado, em primeiro lugar, pelo ius civile. Depois, para o


interpretar, integrar e corrigir, surgiu o ius honorarium (criação do pretor urbano;
=ius praetorium). Equaciona-se Ius Romanum = ius civile + ius praetorium.

Conceito: é tudo aquilo onde nos aparece algo para o DR  produção, modos de
formação, mero conhecimento.

Espécies de fontes:
Fontes exsistendi  são os órgãos produtores das normas jurídicas (populus,
comícios, senado, magistrados, imperador, iurisprudentes)
Fontes manifestandi  são os modos de produção/formação das normas jurídicas
(costume, lei, iurisprudentia)
Fontes cognoscendi  são os textos onde se encontram as normas jurídicas; 3
secções:
- Fontes provenientes do mundo romano
o Jurídicas
 Justinianeias
• CIC
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 Extra-justinianeias
• Restos de obras de juristas
• Colectâneas post-clássicas
• Material arqueológico-jurídico diverso
o Extra-jurídicas
 Historiadores
 Gramáticos e etimologistas
 Escritores dramáticos
 Filósofos, retóricos e oradores
 Padres da Igreja
- Fontes elaboradas no Ocidente depois da queda do imperio em 476
o Codex Euricianus
o Leges Romanae Barborum
- Fontes elaboradas no Oriente depois do CIC.
o Escólios do Anónimo
o Paráfrase Grega de Teófilo
o Écloga de Leão Isaurico
o Obras de Basílio Macedónico
o Várias sinopses dos Basílicos
o Vários manuais de Dto

a) O Costume / Mores Maiorum


É a primeira fonte manifestandi, a sua fonte exsistendi é o populus. O DR
começou por ser um dto consuetudinário.
Mores Maiorum é uma expressão antiga; significa “tradição de uma
comprovada moralidade”; é o verdadeiro costume romano – uma tradição que se
impunha aos cidadãos como norma e como fonte de normas, limitando o
exercício cada um sobre a superfície da terra romana; não nasce
espontaneamente do povo, para os romanos os princípios novos derivavam dos
antigos (mores maiorum), que estavam ali contidos, bastava descobri-los;
competia aos prudentes interpretar os mores maiorum.

A primitiva interpretatio / ius non-scriptum


De início, Religião/ Moral / Direito eram um todo único; daí que a antiga
interpretatio estivesse a cargo de sacerdotes-pontífices; se a iurisprudentia se
reduzia à interpretatio, estas identificavam-se.

Fases do costume como fonte de DR:


1ª Etapa da época arcaica (753-242 a.C.):
Antes da Lei das XII Tábuas, os mores maiorum eram a fonte única.
A sua interpretatio estava a cargo dos sacerdotes-pontífices.
Depois da Lei das XII Tábuas, os mores maiorum ainda continuam a
ter grande relevância, porém no Dto Privado agora a fonte principal é a Lei das XII
Tábuas.

2ª Etapa da época arcaica até à época clássica (242-130 a.C.)


O IM em Dto Privado reduz-se a um mínimo e em Dto Público ainda
prossegue.

Na época clássica (130 a.C. – 230)


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1º Ano – 1º Semestre
Os mores maiorum quase desaparecem por completo como fonte
autónoma para se sumirem noutras fontes do Ius Romanum

Época post-clássica – surge o costume (consuetudo) como fonte de


dto para enfrentar as constituições imperiais.
Consuetudo é uma palavra que surge depois da “Mores maiorum”, traduz
a ideia de costume; destina-se a designar o costume no sentido moderno – a
observância constante e uniforme duma regra de conduta pelos membros duma
comunidade social, com a convicção da sua obrigatoriedade.

A lex é uma das fontes de dto, mas não a única nem a mais importante. A
lex precisa sempre de um correctivo. Até à época post-clássica, esse correctivo
foi desempenhado pelo ius praetorium e pela iurisprudentia; a partir do Baixo-
Império a lex tornou-se oficialmente a única fonte de direito.
Em contraposição surgiu a consuetudo, como correctivo.

Características do costume nas fontes post-clássicas e justinianeias:


- Observância geral.
- Prática durante largo tempo.
- Persuasão do seu carácter obrigatório.
- Âmbito da sua eficácia.

b) Lei das XII Tábuas


A lei é a segunda fonte manifestandi. A fonte existendi sensu stricto são os
comícios, sensu lato são o senado, o imperador e certos magistrados.
No início do DR, lei (pública) entende-se por lex rogata, uma determinação
geral (norma) aprovada pelo povo sob a proposta de um magistrado.
Questão: Teriam existido verdadeiras leis antes da Lei das XII Tábuas? /
Será o Ius Papirianum, leges regiae, verdadeiras leges (normas votadas pelo
povo)?

Leges regiae  A literatura jurídica imperial fez referência a uma colectânea de


normas jurídicas constituída por leis votadas nos comícios das cúrias sob a
proposta dos reis. Essa colectânea teria sido elaborada pelo jurista e pontífice
Papirius (que teria vivido entre a monarquia e a república). Leges regiae =
votadas sob proposta do rei / Ius Papirianum porque se trata duma colectânea
elaborada por Papirius.

Critica:
- As leges regiae existiram.
- Leges regiae não são verdadeiras leis (votadas pelos comícios).

Razões:
- Essas leis são por iniciativa dos primeiros 6 reis, de foro lendário.
- Os fragmentos que chegaram até nós são preceitos de carácter sagrado e
bastante antigos – os comícios não tinham qualidade para criar preceitos
rituais sagrados.
- Escritores antigos, anteriores a Augusto, afirmam que a Lei das XII Tábuas
foi a primeira lei, até aí só existiam mores maiorum.
o Por serem mais antigos, têm mais legitimidade para anunciar o que
realmente se passou na monarquia.
o Esse testemunho está de harmonia com as graves reacções
provocadas com a publicação da Lei das XII Tábuas – se tivessem
existido leis anteriores não teria causado reacções de surpresa que
originaram convulsões sociais.

Conclusões:
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- As pseudo-leis régias são preceitos consuetudinários, compilados pela
jurisprudência pontifícia.
- São também passos de alguns edictos religiosos de pontífices e até de
reis.

Segundo a tradição, efectuou-se em Roma (451-449 a.C.) uma obra


codificadora de grande envergadura. Foi elaborada por um organismo
especialmente para esse fim (comissão de 10 homens). Foi depois aprovada nos
comícios das centúrias, afixada publicamente no fórum e publicada em 12 tábuas
de madeira.
Este documento teve origem nas reivindicações dos plebeus.
A princípio, a iurisprudentia era um privilégio dos sacerdotes-pontífices, que
eram apenas patrícios. Na interpretatio dos mores maiorum, os plebeus eram
tratados quase sempre desfavoravelmente, o que criou um ambiente de tensão
ao exigirem uma lei escrita, um regime de igualdade.
Depois de várias campanhas, os plebeus conseguiram com que se iniciasse a
preparação da elaboração da reforma do ordenamento jurídico. Envia-se 3
homens à Grécia para estudarem as leis de Sólon, em 452 a.C.
Em 451 a.C. o povo reunido nos comícios das cúrias e das centúrias nomeia
uma magistratura extraordinária composta por 10 cidadãos patrícios que
gozariam de plenos poderes durante um ano, para se proceder à elaboração do
código  redigiram 10 tábuas e governaram a contento do povo, porém 10
tábuas não eram suficientes.
No ano seguinte foi constituído um novo decenvirato formado por patrícios e
plebeus, para que se terminasse o código  elaboraram as 2 tábuas mas
governaram com profundo desagrado do povo, e depois de terminado o seu
mandato não queriam sair do poder, acabando por serem expulsos por uma
revolta popular. O povo não aprovou essas 2 tábuas.
Em 449 a.C. foram eleitos pelo povo dois cônsules que, sem atenderem ao
descontentamento do povo, publicaram as XII tábuas no fórum.
Estas foram destruídas no incêndio de Roma em 390 a.C.; duvida-se que
tenham sido reconstituídas.

Apesar das criticas severas à tradição e ao seu valor expositivo, essas


são hoje recusadas por todos os romanistas pelo exagerado criticismo.
É de admitir o 1º decenvirato mas duvida-se do 2º, pois dada a sua
constituição (patrícios e plebeus), não faz sentido a sua impopularidade.

Data: 450 a.C. Razões:


- Arcaísmos linguísticos.
- Rudeza de costumes.
- Revela estado social e politico que indica uma época: norma que permitia
ao credor vender o devedor como escravo. Tal tinha de ser feito “trans
Tiberim”, ou seja, no estrangeiro, pois nenhum cidadão romano podia ser
vendido como escravo dentro de Roma. Se “trans Tiberim” era
“estrangeiro” significa que a outra margem do Tibre ainda não tinha sido
incorporada na Civitas. Tal só se efectuou no início do séc. IV a.C.

Divisão da Lei das XII Tábuas e o seu conteúdo:


- 12 partes subdivididas em leis redigidas em forma lacónica imperativa de
aforismos jurídicos.
o I-III = processo civil
o IV-V = família e sucessões
o VI = negócios jurídicos mais importantes
o VII-XII = dto penal

A actividade da iurisprudentia não terminou após a promulgação das


Tábuas, apenas mudou de rumo sobretudo em questões de dto privado; dedica-se
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a descobrir o conteúdo das Tábuas, o que muitas vezes era criar direito novo.
- Os preceitos não era suficientes, e muitos deles em breve se
tornariam pouco adequados às novas condições sociais e económicas de Roma.
Os juristas, sob o pretexto de interpretar, agiam com grande liberdade e com um
sentido prático para adequarem o direito às necessidades impostas com o tempo.
- A actividade da iurisprudentia, em vez de se reduzir à
interpretatio, aumenta depois da promulgação das Tábuas.

6. Fontes de Ius Civile

a) Leges (sensu stricto): Rogatae, Datae, Dictae


Depois da Lei das XII Tábuas, o DR deixou de se basear exclusivamente no
costume para ser um ius legitimum, baseado fundamentalmente na lex. O
costume cedeu o seu lugar à lex e às leges.

Noção real de lex  é toda a declaração solene com valor normativo, baseada
num acordo entre quem a emite e o destinatário. A lex vincula num duplo sentido:
quem a declara e a quem se destina; espécies:
Privata = declaração solene com valor normativo que tem por base um
negócio jurídico privado; verifica-se quando alguém faz um acto de disposição
solene acerca de algo seu; cria direito privado.
Publica / Rogata = depois da lex privata surge a lex publica; deriva de
uma promessa solene da comunidade social, num negócio público; esta, por
antonomásia, é a lex rogata; é uma declaração solene com valor normativo, feita
pelo povo, pelo facto de aprovar em comum nos comícios, com uma autorização
responsável, a proposta apresentada por um magistrado; pressupõe um acordo
entre magistrado (que propõe a norma) e o povo (que a aprova), vinculando os
dois.

Evolução da leges publicae:


- Equiparado à lex rogata está o plebiscitum, que é uma deliberação
apresentada pelos tribunos da plebe e votada nos concilia plebis.
o Os plebiscita:
 De início, não vinculavam coercivamente.
 449 a.C. – adquirem força vinculativa igual à das leges, mas
só em relação aos plebeus.
 287 a.C. – vincula tanto plebeus como patrícios; os
plebiscitos são equiparados totalmente às leis comiciais.
- As leges rogatae e os plebiscita têm de comum a proposta dum
magistrado (rogatio).
o As leges distinguem-se por conterem os dois nomes dos cônsules
do ano, enquanto as leis com um só nome são plebiscita (com
excepção das leis provenientes de um ditador).
o As leges rogatae e plebiscita foram as únicas “leis” públicas
existentes em Roma até à sua expansão mediterrânica.
- Mais tarde surgiram, como espécie das leges publicae, as leges dictae.
- Fases do processo das leges rogatae:
o Promulgatio  projectos de leges a propor à votação nos comícios
eram feitos pelos magistrados com faculdade de os convocar; o
texto do projecto era afixado num lugar público e devia durar 3
semanas; o projecto uma vez promulgado tornava-se inalterável –
para introduzir modificações tinha de se fazer um novo projecto e
voltar ao princípio.
o Conciones  reuniões tidas na praça pública, sem carácter oficial,
para se discutir o projecto da lex; efectuavam-se a convite do
magistrado que propôs ou até qualquer cidadão de destaque;
tinham uma duração variável mas nunca depois do sol-posto; a
escolha do local ficava ao critério do convocante; eram conciones
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porque ninguém podia falar sem permissão; os discursos favoráveis
eram suasiones e os desfavoráveis eram dissuasiones.
o Rogatio  depois de acabar o prazo da promulgatio, o magistrado
que presidia, depois de formalidades religiosas, lia o texto do
projecto da lex, depois pedia a sua aprovação (rogatio) “velitis,
iubeatis, quirites”.
o Votação  O voto tinha de ser dado com palavras sacramentais,
“uti rogas” era favorável, “antiquo” era desfavorável, “non liquet”
era a abstenção; inicialmente era uma votação oral, depois passou
a ser escrita e secreta; tinha de ser aceite totalmente.
o Aprovação pelo senado  depois de votada pelos comitia, a lei
precisava de ser referendada pela auctoritas patrum; a partir de
339 a.C. esta passou a ser dada antes de ser a proposta votada
pelos comícios.
o Afixação  depois de concedida a auctoritas patrum, o projecto
passava a lex (publica rogata); era afixada no fórum em tábuas de
madeira ou bronze, para que o povo lesse e conhecesse as suas
prescrições.

- Sistema de designação:
o Citam-se pelo nomen adjectivado pelo magistrado proponente.
o Se houvesse mais que um magistrado com nomem igual na mesma
gens, para o distinguir acrescentava-se o cognomen ou praenomen.
o Se o projecto for apresentado por um cônsul, figuram os nomes dos
dois colegas.
o As leges costumam levar uma indicação sumaria do seu conteúdo.
o Partes duma lex rogata:
 Praescriptio  espécie de prefácio; nome do magistrado
proponente, assembleia que a votou e a data, nome do
primeiro agrupamento que abriu a votação e o nome do
cidadão que foi o primeiro a votar.
 Rogatio  Parte dispositiva.
 Sanctio  Parte final; estabelece os termos da sua eficácia e
da sua relação com outras normas, afirmando respeito:
• Pelos mores maiorum
• Pelas velhas leis ditas inderrogáveis (ao contrário do
que se vê actualmente)
• Segundo a sanctio, podiam ser:
o Perfectae  se declaram nulos os actos
contra as suas disposições.
o Minus quam perfectae  se apenas impõe
multas aos transgressores.
o Imperfectae – nem anulam os actos contrários
nem impõem sanção. (se a lei não se
impunha, impunha-se o pretor)
o Além das leges rogata, existem outras leges publicae depois do
séc. III a.C.:
 Leges rogatae
• Lex rogata ou comicial até 242 a.C. foi a única forma
de lex publica e uma fonte de direito de certa
importância.
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• Depois, até ao séc. I ela entra em declínio devido ao
aparecimento do edicto do pretor, que ganha
primazia entre as fontes de direito.
• A lei das XII tábuas é um exemplo de uma lex rogata.
 Leges datae
• São leis proferidas por um magistrado em virtude de
um poder especial que o povo lhe deu
• Recentemente, parece que não existiu de facto;
trata-se de normas jurídicas dadas pelo governo
central a comunidades locais.
 Leges dictae
• São leis proferidas por um magistrado em virtude dos
seus próprios poderes.
• É proferida em virtude dos poderes gerais e próprios
do magistrado, embora os tenha recebido do povo,
quando este o elegeu para determinada
magistratura.
o A partir do séc. II, as leges rogatae começam a desaparecer para
darem lugar aos senatusconsultos e às constituições imperiais
 Leges rogatae diminuem com a decadência dos comícios,
que se verificou mais depois de Augusto.
 No séc. I o senado começa a sua actividade legislativa e no
séc. II inicia-se a afirmação e a consagração do poder
imperial.
 Perante isto, desaparecem antes do séc. III.
 A partir dos fins do séc. II tudo se prepara para triunfar um
novo tipo de lei – a vontade absoluta do imperador, as
constituições imperiais.
o A partir do séc. IV-V, a palavra “leges” (= constituições imperais)
significa “ius novum” e contrapõe-se a “ius” ou “ius vetus”.
 Nova terminologia – leges = constituições imperiais.
 CIC = leges = colectânea de constituições imperiais.
 São a única fonte de direito.
 O imperador é o único criador de ius novum e o seu único
intérprete.
 O ius é todo o direito antigo ou tradicional (leges rogatae,
datae, dictae; senatusconsultos; iurisprudentia; edictos dos
magistrados; constituições imperiais anteriores)
 CIC é uma colectânea de literatura jurídica clássica.

b) Leges (sensu lato): Senatusconsultos, Constituições Imperiais


Senatusconsultum (noção)  significa uma consulta feita ao senado;
certos magistrados tinham de ouvir o senado para resolver determinadas
questões, mas não eram obrigados a seguir a sua opinião; esta começou a ter um
certo valor na prática, por não ser totalmente indiferente ao magistrado não
seguir a senatusconsultum; começou a significar decisão do senado; houve uma
evolução normativa.
Como adquirem força legislativa?
- Até ao séc. I a.C., eram meros pareceres do senado, tinham um carácter
consultivo; a intervenção limitava-se a:
o Conceder ou não auctoritas patrum às leis comiciais.
o Recomendar aos magistrados certas medidas para depois serem
votadas nos comícios.
- A partir do séc. I a.C., são fonte mediata do dto, sobretudo através do
edicto do pretor (urbano).
o Este criava dto pois concedia actiones próprias.
o O senado, valendo-se do seu prestígio, começou a sugerir aos
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pretores e a indicar matéria para os seus edictos.
o Eram fonte mediata porque a fonte imediata eram sempre os
edictos; porém o povo não atendia à distinção e habituou-se à ideia
de que o senado podia legislar.
- Nos fins da república, era este o ambiente.
o Senado cria direito novo sem ter necessidade de recorrer quer ao
pretor quer aos comícios.
- Assim, desde o início do principado, os senatusconsulta já são fonte
imediata de direito.

O primeiro senatusconsulto foi de matéria processual, mas tendo em conta


a matéria que versava e o ambiente favorável que gozava o senado, ninguém
estranhou e foi um êxito – o senado estava agora preparado para criar normas
jurídicas, para legislar.
No ano 10, surge o primeiro senatusconsulto com força legislativa –
senatusconsultum Silanianum.
- Este tinha a finalidade de reprimir os frequentes assassínios de
proprietários cometidos por escravos.

É curioso como os senatusconsultos só adquirem força legislativa na época


do principado, época em que Augusto, desde início, queria concentrar os poderes
no princeps, mas era tudo um esquema de Augusto:
- Permitindo que o senado fosse um órgão legislativo, iria ter
efeitos na vida do principado:
1 – Retiraria ao senado toda a actividade politica para
reduzir as suas funções a uma actividade legistlativa.
2 – transferiria do povo para o senado o poder de fazer leis.
3 – Com o poder legislativo no senado, o princeps deveria
esforçar-se por lhe imprimir as suas directrizes e comandar as resoluções
senatoriais.
Como foram perdendo força jurídica própria?
Em princípios do séc. II já não era o senado que estabelecia a norma, era o
princeps:
- Apresentava-se perante o senado, propunha num discurso o projecto dum
senatusconsultum e os senadores sistematicamente aprovavam sem
discutir (os magistrados eram meros funcionários do princeps).
- Os senatusconsulta deixam de ser expressão de vontade autónoma do
senado para se converterem numa expressão da vontade do imperador.
- Senatusconsulta ou orationes principis são expressões equivalentes nesta
época.
- Já não era o texto do senatusconsulto que estabelece a lei, mas sim a
própria oratio do imperador, que ganhava agora carácter de um
verdadeiro edicto do imperador.
- Deu origem às constituições imperiais.
Estrutura formal de um senatusconsultum:
- Partes do senatusconsultum
o Praefatio  continha os nomes do magistrado convocador e dos
senadores que intervieram na redacção, e o lugar e a data em que
se celebrou a reunião do senado.
o Relatio  motivos e proposta apresentada e a sentença, resolução
ou decisão aprovada.
o O texto era levado e uma vez registado adquiria força legal.
o Era afixado num local público.
Designação:
- Cognomem adjectivado do proponente.
- Matéria de que trata.
- Nome da pessoa que deu motivo à decisão do senado.
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Exemplos de senatusconsultum:
- Senatusconsultum Velleianum
o Foi proposto ao senado por Velleus.
o Proibiu a todas as mulheres a prática de actos de intercessio a
favor de qualquer homem, proibiu que se responsabilizassem pelas
dívidas contraídas por um homem.
o A justificação oficial baseou-se nos velhos princípios romanos do
sexismo, mas foi invocada para incobrir a verdadeira finalidade,
que era proteger as mulheres contra o risco em que ficavam sendo
intercedentes dos homens, que abusavam da sua ingenuidade ou
falta de experiência.
- Senatusconsultum Neronianum
o Imperador Nero foi o autor.
o Trata da conversão de certo tipo de legados nulos em legados
damnatórios.
- Senatusconsultum Macedonianum
o Proibiu o empréstimo de dinheiro a todo o filiusfamilias mesmo que
ele ocupasse um alto cargo.
o Designa-se assim devido a um Macedónio que escandalosamente,
principalmente devido ao dinheiro de que dispunha através de
empréstimos, se entrava às maiores imoralidades e à prática de
crimes gravíssimos, chegando mesmo a assassinar o seu pater para
mais depressa ficar sui iuris e receber a herança.
o Tinha o fim de evitar a devassidão dos filiifamilias e protegê-los
contra esse perigo.
o Tinha um carácter público; não pode renunciar-se à exceptio por
ele concedida nem mesmo apresentando um garante.

Constituições imperiais (noção)  em sentido amplo, significa


decisões do imperador; em sentido rigoroso, são um dos vários tipos de decisões
imperiais.
Constituições imperiais durante o principado e parte do dominado:
- Estas são decisões de carácter jurídico proferidas directamente pelo
imperador, unilateralmente.
- O princeps, não sendo nem rei, cônsul, magistrado, tem um poder quase
absoluto, por estar investido de tribunitia potestas (vitalício) e imperium
proconsulare (vitalício).
o As antigas magistraturas transformam-se em funcionários
executivos.
o O princeps começa a proferir edictos para o público, que são
programas de actividades a realizar, afixados publicamente.
Evolução do valor das constituições imperiais
- Séc. I  têm valor jurídico de ordem prática; o povo acata os seus
preceitos e observa-os porque são decisões do imperador.
- Séc. II  são equiparadas às leis, têm força da lei mas não são leis.
- Séc. III  já são leis.
- Séc. IV  são a única fonte de direito; constituições e leis são sinónimo.
o Início do absolutismo da lei, da vontade absoluta do imperador (ele
era aclamado como lex animata, ou lei viva)
Partes duma constitutio
- Inscriptio  contém o nome ou nomes dos imperadores, autores da
constituição e o da pessoa a quem é dirigida.
- Corpus  parte dispositiva, onde está a matéria da constituição.
- Subscriptio  parte final; contém data e indicação do lugar onde foi
escrita; o conhecimento do lugar tem muita importância para depois da
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divisão definitiva do império saber a qual dos imperadores pertencia a
constituição.
Como é que adquiriram carácter normativo-jurídico?
- Facto: a partir do séc. II, as constituições imperais têm valor de lei (como
lex rogata); depois são uma lex e finalmente só elas é que são leges.
- Estas adquiriram carácter normativo-jurídico devido a um equívoco do
povo.
o Este, quando viu o imperador carregado de prestígio, convenceu-se
de que tudo o que ele ordenasse tinha valor de lei.
o O imperador, ao tomar conhecimento da situação, começa a impor
a sua vontade e a criar leis; o povo acata sem relutância.
o Porém, os juízes recusaram-se a aplicar nos tribunais as
constituições, sobretudo quando as consideravam injustas.
 Luta entre juízes e imperador.
 Este, para vencer, recorreu à aplicação de penas graves aos
juízes que não fizessem caso das constituições; esse
desprezo era considerado sacrilegium, que tinha pena de
morte.
o O imperador venceu, mas não convenceu...
Tipos de Constituições
- Edicta  constituições de carácter geral, proferidas pelo imperador.
- Decreta  decisões judiciais pronunciadas pelo imperador.
- Rescripta  respostas do imperador dadas por escrito às perguntas ou
pedidos que lhe faziam, quer os magistrados (consulta / epistola) quer os
particulares (preces / subscriptio, assinada pelo imperador).
- Mandata  ordens dadas pelo imperador aos governantes das províncias,
funcionários; circulares sobre problemas administrativos.
As constituições imperiais no Baixo Império (IV-VI)
- Contraposição de ius novum a ius
o O ius novum contrapõe-se ao ius, que é todo o direito tradicional,
concretiza-se nas obras dos clássicos.
o O ius é superior às leges em matéria de dto privado; o contrario se
passa em dto constitucional e administrativo.
Tipos de Constituições
- Edicta  leges generales, de aplicação a todo o imperio; fonte principal de
dto, pois são as mais utilizadas pelos imperadores e as mais importantes.
- Rescripta  leges speciales; respostas dadas pelo imperador às consultas
a ele dirigidas – epistolae; verifica-se uma diminuição.
- Adnotationes  nova forma de resposta às preces; substituem as
subscriptiones; são um rescrito concedendo favores.
- Decreta  diminuem muito pois o imperador, agora, resolve poucos casos;
tem o seu tribunal oficial.
- Pragmaticae sanctiones  novo tipo de constituições imperiais; forma de
constituições não tão geral como as edicta nem tão particular como as
rescripta; têm carácter regional.
Aplicação das Constituições no espaço
As Constituições tinham carácter local, cada imperador legislava para a
sua pars imperii:
- O autor das constituições era um dos imperadores, não dois; vivia longe do
outro.
- A análise interna das constituições verifica que não era possível aplicar
uma constituição duma pars do Império à outra pars, pois os problemas
sociais, económicos e familiares eram totalmente diferentes.
- Quando aparecem os dois autores, trata-se de uma interpolação: Teodósio
II ordenou que se colocasse na inscriptio, ao lado do imperador-autor, o
nome do outro imperador, quando tentou a união jurídica do império.
o Deve-se então atender ao destinatário na subscriptio.
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c) Iurisprudentia
É a ciência do justo e do injusto; para isso tem de pressupor o
reconhecimento de certas verdades divinas e humanas.
A palavra “notitia”, em Direito, tem o significado técnico de ciência, um
conhecimento seguro. Porém, notitia também adquire outro significado não
jurídico e clássico de ideia inata, pressuposto, aí notitia contrapõe-se a scientia.
Portanto, o Direito parte de certos pressupostos metajurídicos
indiscutíveis: uns de ordem teológica, outros filosófica. Tendo por bases esses
princípios é que o Direito vem dizer o que é justo ou injusto e como alcançar um e
como evitar o outro.

Evolução histórica da iurisprudentia


- Desde o início até ao séc. IV a.C. só os pontífices é que podiam ser
prudentes.
o A iurisprudentia não tinha carácter lucrativo; os juristas romanos
eram verdadeiros sacerdotes da Justiça.
o Por este carácter sacerdotal e porque no início, Religião, Moral e
Direito constituíam um todo único, desde o princípio até ao séc. IV
a.C. só os sacerdotes pontífices eram juristas.
- Laicização da iurisprudentia a partir do séc. IV a.C., ficando a cargo de
nobres.
o 1º Factor - Os sacerdotes eram só escolhidos entre patrícios; os
plebeus eram tratados desfavoravelmente, reagiram, e surgiu a Lei
das XII tábuas.
o 2º Factor – Ius Flavinum – Cneu Flávio, escriba de um nobre
pontífice, aproveitando-se da cegueira do seu patrono, publicou
uma colectânea de fórmulas legais processuais (1ª grande
revelação das normas jurídicas misteriosas).
o 3ª Factor – ensino público do Direito.
- Universalidades da iurisprudentia.
o Augusto admite para cargos importantes jurisconsultos, mesmo de
classe média – última consequência da laicização.
 Mas para alem de saber jurídico, o jurista tem de ter
autoridade social, Augusto concede autoridade de carácter
politico; Adriano, depois, concede autoridade social de
carácter burocrático
• Universalidade
Funções dos iurisprudentes: cavere, agere, respondere
- Cavere  aconselhar os particulares como deviam realizar os seus
negócios jurídicos.
- Agere  função de assistir às partes no processo.
- Respondere  consistia em dar pareceres ou sentenças, era a função mais
importante.
Iurisprudentia como fonte de Direito
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A princípio, toda a actividade da iurisprudentia se concretizava na
interpretatio, e foi praticamente a única fonte de direito; são os iurisconsulti que
criam as normas jurídicas:
- Indicando as matérias que merecem ser reguladas.
- Dizendo as normas de carácter ético ou moral que devem passar a jurídicas e
vice-versa.
- Precisando os termos em que deve ser redigida a norma e qual o alcance que
deve ter.
- Interpretando-a com o sentido original e com um conteúdo novo, determinando
o modo como deve ser aplicada.
- Mostrando quando a norma já não tem razão de ser.
Consagração legal da iurisprudentia
(O valor da iurisprudentia; as atitudes das leges para com ela)
- Época republicana  iurisprudentia não é considerada oficialmente fonte
imediata de direito; é apenas fonte inspiradora e material.
- Época desde Augusto a Adriano  Para captar os juristas de maior valor para a
defesa da sua politica, Augusto concedeu-lhes o ius respondendi ex auctoritate
principis – os responsa dados por esses iurisprudentes tinham tanto valor como se
fossem respostas dadas pelo próprio imperador (igual valor ao das constituições
imperiais no séc. I); a posição do jurista romano subiu atingindo uma época de
esplendor; porém, os responsa estavam imbuídos de uma certa participação do
imperium do princeps; ponto de partida para passar a jurisprudência (decisões de
órgãos com soberania); os responsa não eram fonte imediata de direito, para o
caso concreto eram como normas vinculativas.
- A partir de Adriano (117-138)  Iurisprudentia é considerada fonte imediata de
direito, de carácter geral – houve um rescrito de Adriano que considerou que os
responsa deviam vigorar para o caso concreto e para todos os casos semelhantes
futuros.

7. Fontes do Ius Praetorium


Noção o pretor é o intérprete da lex, mas sobretudo o defensor do ius e da
Justiça, interpretando o Ius Civile, integrando as suas lacunas e corrigindo as suas
aplicações injustas.

Relação do ius praetorium com o ius honorarium, com o ius civile e


com o ius romanum
- O ius honorarium é todo o Dto Romano não-civile, introduzido pelos
edictos de certos magistrados; é dto próprio dos magistrados; é um
programa das actividades a realizar durante o tempo da sua magistratura.
- O ius civile deriva do povo, dos comícios, do senado, do princeps e dos
iurisprudentes.
- O ius praetorium é parte do ius honorarium, mas uma parte tão grande
que simboliza todo o ius honorarium; forma um sistema diferente do ius
civile, completa-o adaptando a estática do ius civile à dinâmica das
condições sociais e económicas; o pretor fecunda adaptação mediante
expedientes seus que são baseados no seu imperium e na sua iurisdictio
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3 Fases da actividade do pretor
- 1ª fase (séc. IV – meados séc. III a.C.)  administrar a justiça; era a voz viva do
iuris civilis; tem uma actividade interpretativa; toda a inovação tinha de ser
elaborada sobre o pretexto de o estar a interpretar; era uma actividade discreta e
estava vigiado e fiscalizado pelo collegium pontificum cioso de manter a
interpretatio.
- 2ª fase (fins do séc. III a.C. a 150 a.C.)  baseando-se no seu imperium (poder
de soberania a que os cidadãos não se podiam opor) criava direito
indirectamente, conforme era justo ou não o pretor conseguia que o ius civile se
aplicasse ou não.
- 3ª fase (a partir de 130 a.C.)  a partir da lex Aebutia de formulis o pretor,
baseado na sua iurisdictio, cria também direito mas agora de forma directa,
embora por via processual – o pretor concede uma actio própria, actio praetoria;
ter actio = ter ius, concedendo actio = cria ius.
Expedientes do pretor: baseados no imperium; baseados na
iurisdictio
Imperium:
Para bem interpretar, integrar e corrigir o ius civile, os expedientes eram:
- Stipulationes praetoriae  tem de específico o facto de ser imposta pelo
pretor a fim de proteger uma situação social não prevista pelo ius civile e
que merecia protecção.
o Stipulatio (noção) = negocio jurídico obrigacional, destinado a criar
obrigações; consiste numa pergunta feita pelo credor e numa
resposta do devedor que geram a obligatio; realizada sobre
coacção era válida pois é uma operação natural de dois elementos
da natureza (pergunta/reposta = feminino/masculino);
 É solene – feita com a invocação dos deuses.
 É formal – realizado entre prensentes e porque usa uma
fórmula sacramental, bastava uma pequena alteração para
perder significado.
 É verbal-oral – usavam-se palavras orais, negocio verbal.
 É abstracta – é um negocio jurídico em que se prescinde da
sua causa jurídica, abstraindo-se dela; não se refere a causa
ao proferir as palavras.
- Restitutiones in integrum  expediente do pretor para obter efeito
contrario ao das stipulationes praetoriae; há um negocio jurídico injusto
mas válido que origina uma situação protegida pelo ius civile, mas que não
o merece; baseando-se no seu imperium, o pretor ordena que as partes se
desobriguem, que desfaçam a stipulatio efectuada; restitutio = restituir,
repor a realidade do estado anterior; in integrum = totalmente;
o Ob metum  concedida a favor daquele que celebrou um negocio
jurídico sobre coacção grave.
o Ob dolum  concedida a quem realizou um negocio jurídico em
virtude de dolo, porque foi enganado.
o Ob errorem  concedida ao que efectou um negocio jurídico em
virtude de um erro desculpável, porque se equivocou.
o Ob aetatem  concedida a menores de 25 anos relativamente aos
negócios jurídicos que fossem lesivos dos interesses desses
menores.
o Ob fraudem creditorum  era concedido pelo pretor a favor de um
credor contra o devedor e contra o directo adquirente dos bens do
devedor, por este os ter alienado para defraudar o credor; para a
sua aplicação exigia-se fraude (prejuízo doloso para o credor) e má
fé (consciência de fraude da parte do devedor e do directo
adquirente dos bens); esta só se aplica ao directo adquirente;
contra os ulteriores adquirentes, se estavam de má fé havia um
interdictum fraudatorium, se estivessem de boa fé temos de
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distinguir se a) o negocio jurídico era oneroso, permanecia eficaz,
b) se era gratuito, existia um interdictum utile; não é qualquer
empobrecimento do devedor que pode justificar a aplicação desta
restitutione, só o empobrecimento do devedor que origine uma
fraude ao credor.
- Missiones in possessionem  é um meio de coacção justa de que dispõe o
pretor; o ordenar do pretor está protegido pela ameaça de uma missio in
possessionem, dum embargo de bens; autoriza alguém a apoderar-se
durante certo tempo de bens de outrem com poderes de administração e
de fruição
o Missio in rem  recaía sobre uma coisa determinada.
o Missio in bona  incidia sobre património duma pessoa ou sobre
um conjunto indeterminado de bens.
o Modalidades quanto à finalidade:
 M.i.p. rei servandae gratia  procura a conservação
preventiva desse bem.
 M.i.p. ex secundo decreto  se o pretor já tinha ordenado
alguma coisa e o destinatário dessa ordem não tinha
cumprido.
 M.i.p. executionis  modo ordinário de executar as
confessiones in iure e as sentenças ordenando uma missio
in bona sobre todo o património do devedor.
- Interdicta  ordem sumária dada pelo pretor para resolver de momento
uma situação que tem e protegê-la pelo menos numa aparência jurídica,
ficando essa ordem condicionada a uma possível apreciação ulterior; era
concedido a pedido de um interessado ou a pedido de qualquer cidadão
(interditos populares); eram redigidos por “exibe”, “restitui”; “proíbo que
se faça violência”.
o Exibitórios  se a ordem se destinava a que alguém apresentasse
ou mostrasse uma coisa.
o Restitutórios  se a sua finalidade era ordenar a devolução de uma
coisa.
o Proibitórios  se se destinavam a impedir que alguém fosse
perturbado no gozo de um direito que está a desfrutar
pacificamente.
o Entre as várias aplicações, estão os relativos à posse:
 Interditos possessórios  expedientes do pretor destinados
a proteger a posse, pois o ius civile não lhes concedia
protecção jurídica.
• Retinendae possessionis  para obter o
reconhecimento da posse no caso de perturbação de
terceiros; são proibitórios
o Uti possidetis – defesa de coisas imóveis.
o Interdicta utrubi – defesa de coisas móveis.
• Recuperandae possesionis  restitutórios; destinam-
se a recuperar a posse:
o Via precário – alguém dá algo por favor a
alguém e este não devolve.
o Via unde vi – alguém foi privado da coisa pela
violência; aplica-se a quem se apoderou dela.
o Via vi armata – porque alguém, embora tenha
a posse da coisa através da força, tenha sido
depois atacado pela força armada.

Iurisdictio
Posição do pretor na organização dos processos; carácter das
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legis actiones (antes da lex Aebutia de formulis)
O sistema jurídico romano primitivo de processar denominava-se sistema
das legis actiones; eram orais; estava dividido em duas fases: in iure e apud
iudicem; o pretor presidia à fase in iure; a sua posição no processo era simples e
apagada, conceder ou não conceder a actio.
Posição do pretor na organização dos processos; carácter do
processar per formulas (depois da lex Aebutia de formulis)
A lex Aebutis de formulis introduziu uma nova forma de processar – a
forma escrita; o sistema agere per formulas, a princípio, existia a par do sistema
das legis actiones; depois estas desapareceram.
O agere per formulas é o sistema próprio da época clássica.
A fórmula é uma ordem por escrito, dada pelo pretor ao juiz, para
condenar ou absolver:
- Encabeça pela nomeação de um juiz, seguido das partes da fórmula:
- Partes ordinárias
- intentio – estado da questão.
- condemnatio – cláusula que manda condenar ou absolver o
demandado.
- Partes eventuais
- demonstratio – se a intentio é incerta.
- adiudicatio – objecto de discussão.
- Partes extraordinárias
- exceptio – cláusula a favor do demandado.
- praescriptio – cláusula a favor do demandante.

A posição do pretor, depois da lex Aebutia de formulis, era a de neutralizar


a actio civilis e a de criar actiones próprias sempre que a justiça ou equidade
assim o exigissem.
- Assim, o pretor passou a integrar e a corrigir directamente o ius
civile por via processual.

- Para neutralizar uma actio civilis, cuja aplicação redundaria numa injustiça,
agora o pretor tem à sua disposição (além da restitutio in integrum):
o Uma denegatio actionis  se ele nega a concessão da actio civilis,
pois verifica que essa concessão em determinado caso concreto
seria uma evidente injustiça.
o Uma exceptio  cláusula concedida a favor do demandado, que
inutiliza a pretensão do demandante; aqui acrescentam-se factos
tão relevantes que exoneram o demandado da obrigação ou
responsabilidade.
- Actiones praetoriae – depois da lex Aebutia, cria leis directamente (ius
praetorium); ≠ actiones civile.
o Actiones in factum conceptae  o pretor, vendo que determinada
situação social merece protecção e não a tem, concede uma actio
baseada nesse facto para que se faça justiça.
o Actiones ficticiae  se o pretor para aplicar a justiça finge como
existente uma coisa ou um facto que se sabe não existir, ou finge
como não-existente uma coisa ou um facto ou até um negócio que
se sabe que existe; imposição de uma irrealidade, inexactidão; tudo
isto fazia o pretor, não por arbitrariedade mas para administrar
bem a justiça.
o Actiones utiles  se o pretor aplica, por analogia, actiones civiles a
casos diferentes mas semelhantes dos que o ius civile protege.
o Actiones adiecticiae qualitatis  são actiones que responsabilizam
também o paterfamilias pelas dívidas dum seu filius ou servus,
provenientes de contratos celebrados por estes.
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Edictum do pretor
Missão, actividade, controle e expediente do pretor
A missão do pretor era administrar a justiça nas causas civis; exercia-a
através de uma tríplice actividade (interpretar; integrar, corrigir – adiuvandi,
supplendi, corrigendi – o ius civile); esta actividade, motivada pela utilidade
pública, era orientada por princípios jurídicos:
- Não abusar do seu poder.
- Não prejudicar ninguém.
- Atribuir a cada um o que é seu.
A sua actividade era controlada (se por acaso agisse arbitrariamente
punha o seu cursus honorum em causa):
- pelos cônsules.
- por quem detivesse a tribunícia potestas.
- por uma provocatio do povo.
- pelas reacções da opinião pública.
- pela critica dos iurisprudentes.
Formas utilizadas pelo pretor na concessão dos seus expedientes:
decreta e edicta
Decretum  quando resolvia imperativamente um caso particular;
Edictum  quando anunciava ao público a concessão de certos
expedientes integrada num programa geral das suas actividades; era a forma
normal de se proceder, pois assim todo o público sabia todas as hipóteses
previstas pelos ius civile ou pelo pretor, nas quais este prometia ou não protecção
jurídica.
O ius praetorium a todos inspirava confiança.
Forma interna do edictum do pretor; carácter vinculativo do
edictum em relação ao pretor. Espécies de edicta do pretor
O pretor tinha o ius edicendi (faculdade de fazer comunicações ao povo);
essas comunicações eram orais feitas perante as assembleias do populus e em
voz alta; quando tinham conteúdo era programático denominavam-se edicta.

Edictum  comunicação para anunciar ao público as atitudes que tomaria


e os actos que praticaria no exercício das suas funções; era o seu programa de
acção; não apenas orais, eram escritas e gravadas em letras pretas em tábuas
brancas; eram afixados no fórum; inicialmente, em teoria, o pretor não estava
vinculado às disposições contidas no seu edictum, mas na prática, respeitava
sempre as promessas feitas para não comprometer o êxito do “ius praetorium”;
em 67 a.C., lex Cornélia de edictis praetorum impôs ao pretor a vinculação ao seu
próprio edicto.
- Perpetua ou anuais  os que eram dados pelo pretor no início da sua
magistratura, contendo os vários critérios que seguiria durante esse ano;
eram afixados no fórum, nas Calendas de Janeiro.
- Repentina  surgem proferidos em qualquer altura do ano, para resolver
situações novas não previstas.
- Tralaticia  os que permanecem iguais dum ano para o outro.
- Nova  são as disposições que o pretor, de determinado ano, acrescenta
por sua própria iniciativa.
Edictum Perpetuum
No princípio, há bastantes edicta nova; posteriormente, não há já grande
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necessidade de grandes inovações a fazer pelo pretor – dificilmente as poderia
fazer pois ele estava subordinado ao imperador.
Foi decisão de Adriano codificar todos os edictos, o que não constituiu um
facto estranho; quando concluído e confirmado pelo senado, que lhe estabeleceu
imutabilidade, foi publicado o Edictum Perpetuum (definitivo).
Após a sua fixação, o pretor quase se limitava a publicar todos os anos o
Edictum Perpetuum, assim foi perdendo importância como fonte autónoma para
se converter quase num texto legal; embora continuando Ius Praetorium, na
verdade é que as alterações e interpretações eram dadas pelos iurisprudentes e
pelo Imperador.
- Começou a confundir-se com o direito criado pela iurisprudentia e pelas
constituições imperiais para mais tarde ingressar naquele direito – ius
novium.
- O pretor, apesar do Edictum deixar de ser publicado, não perdeu a sua
utilidade, mesmo perdendo a iurisdictio.
Reconstituição do Edictum
Pelo facto do ius praetorium completar o ius civile, o Edictum mostra
claramente o aspecto dinâmico, progressivo.
A reconstituição do Edictum Perpetuum foi devida a Otto Lenel.
- 45 títulos agrupados em 5 partes:
- 1ª parte, introdução, normas de trâmites dum litígio e das
restitutiones in integrum.
- 2ª parte, mais extensa, contem diversos tipos de actiones onde
se encontram rubricas de edictos fundamentais.
- 3ª parte, Dto pretório.
- 4ª parte, execução das sentenças.
- 5ª parte, interdicta, exceptiones e as stipulationes praetoriae.
Esta ordenação constituiu a ordem fundamental das exposições jurídicas
elaboradas pelos iurisprudentes como das ordenadas oficialmente, como o Codex
do CIC.

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