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LUIS ESTENSSORO
Administrador Público (EAESP- Fundação Getúlio Vargas – 1989). Mestre em Integração da América Latina
(Universidade de São Paulo - 1994). Doutor em Sociologia (Universidade de São Paulo - 2003)
RESUMO: A persistência da miséria no Século XXI é um tema que suscita interrogações mais incisivas. É
preciso esclarecer a sua relação com o sistema econômico capitalista, que permite sua existência e até
contribui para aumentá-la. Tanto a pobreza absoluta quanto a pobreza relativa (desigualdade social)
perpetuam-se e se reproduzem na atual configuração do capitalismo, principalmente na sua periferia, América
Latina incluída. A pobreza é um flagelo multidimensional que se revela de formas concretas e subjetivas,
provocando diversos déficits no desenvolvimento humano e social. Porém, aqui destacamos a sua vinculação
sistêmica com sofisticados mecanismos de caráter estrutural, que criam vetos sociais para grandes
contingentes populacionais, constituídos de trabalhadores pobres, desempregados e subempregados, a sua
maioria vivendo no Terceiro Mundo. Sustentamos que a miséria necessita um combate efetivo, possível de
acontecer nas atuais circunstâncias sociais e políticas. Porém, a pobreza relativa, mesmo limitando-se à
desigualdade de renda, revela-se um problema insolúvel atualmente devido desigualdade entre as classes
sociais e, principalmente, por causa da disparidade econômica entre as nações do Norte e do Sul.
Palavras-chave: Pobreza, Desigualdade Social, Desenvolvimento.
RESUMEN: La persistencia de la miseria en el Siglo XXI es un asunto que suscita preguntas más incisivas.
Es necesario aclarar su relación con el sistema económico capitalista, que permite su existencia e hasta
contribuye para su aumento. Tanto la pobreza absoluta como la pobreza relativa (desigualdad social) se
mantienen y se reproducen en la actual configuración del capitalismo, especialmente en su periferia,
Latinoamérica incluida. La pobreza es un flagelo multidimensional que se revela de formas concretas y
subjetivas, y provoca diversos deficits en el desarrollo humano y social. Pero aquí destacamos su vinculación
sistémica con sofisticados mecanismos de carácter estructural, que crean vetos sociales para grandes mayorías
humanas, constituidas de trabajadores pobres, desempleados y subemplados, en su gran parte viviendo en el
Tercer Mundo. Sustentamos que la miseria requiere un combate efectivo, posible de darse en las actuales
circunstancias sociales e políticas. Todavía, la pobreza relativa, si nos limitamos a la desigualdad de renta, se
revela un problema insoluble hoy en día por la desigualdad entre las clases sociales y, principalmente, por la
disparidad económica entre las naciones del Norte y del Sur.
Palabras-clave: Pobreza, Desigualdad Social, Desarrollo.
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2,6 bilhões de pessoas; Banco Mundial, 2008). Não é uma cifra desprezível, certamente.
Mas, naturalmente, quando o copo está pela metade, há pessoas que o vêem cheio e outras
que o enxergam vazio. Esta diferença no entendimento dos fatos deve-se principalmente
aos mecanismos ideológicos afinados com a realidade onipresente do capitalismo
(Tragtenberg, 1992; Chauí, 1984).
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Houve também, neste início do século XXI, uma inversão de sinal na orientação
política da região, decorrente da chegada de partidos de esquerda aos governos centrais.
Este fato permitiu uma ênfase maior na propulsão do desenvolvimento econômico voltado
para a promoção do desenvolvimento social. Isto teve como resultado uma melhoria da
qualidade de vida da população, derivada da elevação da renda das famílias. O Brasil, por
exemplo, a partir de 2002, optou pela promoção de políticas de aceleração do crescimento,
com ampliação do mercado de consumo de massas (ver: Plano Plurianual 2002-2007). Esta
abordagem, que orienta o atual tratamento de políticas econômicas e sociais, consiste em
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classe média brasileira está abaixo da linha de pobreza dos EUA. Fica claro que a renda per
capita latino-americana de US$ 7.660 por ano (pela paridade de poder de compra em 2005;
CEPAL, 2008), é evidentemente muito baixa para permitir uma qualidade de vida decente
para o povo.
Por isso, os maiores desafios para enfrentar a pobreza são: a) aumentar a renda
per capita via crescimento econômico sustentado; e b) diminuir as disparidades
internacionais. Porém, esta receita para combater a pobreza demanda muito tempo. Com
um crescimento sustentado de 3% ao ano, calcula-se em 81 anos o tempo necessário para
eliminar a pobreza extrema (indigência) no Brasil (Lustig, 1999). Pode-se concluir,
portanto, que o crescimento econômico é condição necessária para superar a pobreza, mas
não é condição suficiente para tal proeza. É preciso investigar outros meios para combatê-la
eficazmente.
desenvolvimento econômico teria que diminuir a desigualdade social. Isso se torna uma
tarefa impossível nas atuais condições impostas por este padrão de desenvolvimento
econômico, pois ele privilegia os mais ricos (sobre riqueza no Brasil ver: Medeiros, 2005;
para estatísticas sobre riqueza no mundo, ver: Merrill Lynch, 2007).
Para se ter uma idéia, o Índice de Gini médio da renda na América Latina é de
0,52, mas, tirando os 10% mais ricos, os 90% restantes teriam um índice de Gini de apenas
0,36, ou seja, seria uma sociedade muito mais igualitária (CEPAL, 2001; BID, 1998).
Certamente não se trata de eliminar os mais ricos, mas pelo menos se poderia instituir um
imposto para grandes fortunas! Propor uma taxa para a riqueza é um tabu passível de
linchamento público pela mídia nesta região. Além disso, pode-se aumentar o imposto
sobre heranças, reduzindo a perpetuação da desigualdade pela posse familiar concentrada e
intergeracional de ativos. Seria possível (?) também reformar o sistema tributário,
tornando-o mais progressivo, ao diminuir os impostos indiretos, que penalizam mais os que
têm menos (Di John, 2008). Ou reformar a Previdência Social, que, no Brasil, tem um perfil
distributivo que agrava as desigualdades de renda (CEPAL, 2001). Enfim, estamos falando
de justiça social, de justiça distributiva.
ele eleva a renda dos mais pobres, que está crescendo a taxas superiores do que a dos mais
ricos, diminuindo a desigualdade social. (IPEA, 2007).
reverter o atual processo de concentração de renda e riqueza em favor dos países mais
desenvolvidos, dentro das atuais condições estruturais. As corporações transnacionais, que
têm um peso crescente na economia, e a burguesia, principalmente o setor proprietário do
capital financeiro, são os beneficiários deste esquema.
diferenças sociais. A reforma agrária é uma necessidade numa região onde o Índice de Gini
da concentração da terra é maior do que o da renda. Aquele foi calculado em mais de 0,75
na América Latina, e em mais de 0,81 no Brasil (CEPAL, 2000; e Robinson, 2001). As
reformas agrárias anunciadas recentemente na Bolívia e no Paraguai são alvissareiras neste
sentido.
Por todos estes aspectos, a miséria permanece como o grande desafio do século
XXI. A sua face mais gritante, a desigualdade social, esta obra faraônica, remanesce como
o próprio espírito da estrutura social do mundo contemporâneo. Mas, como não se cansou
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