PDVSA e Petrobrás constroem a refinaria "Abreu e Lima" em Pernambuco
Quem foi Abreu e Lima?
Luis Estenssoro
Quando o pernambucano Padre Roma decidiu casar-se,
certamente não imaginava que um de seus filhos, José Inácio de Abreu e Lima, seria general do exército de Bolívar na guerra de independência da América Hispânica, que lutava para ver-se livre do jugo da Coroa espanhola dos Bourbons. Muito menos podia prever este ex-sacerdote, que abandonara o celibato por amor, que o exílio seria o fato decisivo para a trajetória de seu filho. Sua saída do país seria um imperativo a partir do momento em que José Inácio presenciou o fuzzylamento de seu pai. Esta execução foi empreendida por tropas oficialistas da Bahia empenhadas na repressão à Confederação do Equador, revolução que o Padre Roma vinha divulgar naquele estado. José Inácio de Abreu e Lima nasceu no Recife em 1794, e lá morreu em 1869. Sua larga militância está inteiramente ligada à vida e morte de seu pai, o Padre Roma, que tinha este apelido por haver residido naquela capital italiana. O fato de ter um pai revolucionário fuzzylado foi o motivo da partida de Abreu e Lima rumo aos Estados Unidos, onde morou até o momento de oferecer seus serviços ao Libertador Simón Bolívar, em carta de 1819, na qual o faz saber dos seus antecedentes familiares revolucionários e sua experiência como capitão da artilharia no exército português. Bolívar não hesitou em contratá-lo. Abreu e Lima combateu todas as grandes batalhas bolivarianas, e mereceu o posto de general de brigada em 1830. Foi um partidário fiel e incondicional de Bolívar, chegando a ser por ele encarregado de responder a Benjamin Constant, que então polemizava com o Libertador. São dessa época suas primeiras publicações: o texto Resumo Histórico da Última Ditadura do Libertador Simon Bolívar e seus escritos no periódico Torre de Babel. Abreu e Lima teve também uma longa relação com a sobrinha de Bolívar. Após a morte deste, Abreu e Lima é expulso da Colômbia, juntamente com outros seguidores do Libertador, e regressa ao Brasil depois de passar pela Europa. Mal recebido pelos conservadores da sociedade brasileira, Abreu e Lima, então com 39 anos, logo entra em polêmicas, nas quais é qualificado pelos adversários como "Dom Quixote" e "General das Massas", apelidos que passa a reivindicar. Em 1836 publica o periódico O Raio de Júpiter, no qual atacava os governos conservadores da Regência, embora defendesse posições monarquistas. Em 1843 publica, na qualidade de membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), os dois volumes da obra intitulada Compêndio da História do Brazil, desde o seu Descobrimento até o Magestoso Acto da Coroação e Sagração do Sr. D. Pedro II, um livro que procura escrever uma história nacional quando esta estava sendo contada por estrangeiros. A controvérsia que suscita este livro o faz abandonar o Rio de Janeiro rumo a sua cidade Recife, onde participa de círculos liberais juntamente com seu irmão Luis Inácio, diretor do célebre Diário Novo da Rua da Praia, no qual escreve. A ideologia de Abreu e Lima transparece igualmente nos 20 números do diário que publica, A Barca de São Pedro, pouco antes da Revolução Praieira, no qual explicita que deseja uma revolução que "reorganize completamente o país segundo os princípios da comunidade do trabalho, princípio socialista especificado no saint-simonismo, comunismo e fourierismo", embora reconheça que "as teorias não são suficientes para dirigir o mundo". Esta militância o levará a participar da Revolução Praieira de 1848, quando é preso. Condenado a reclusão perpétua, foi absolvido depois de passar um ano no presídio de Fernando de Noronha. Esta absolvição talvez se deva ao fato dele não ter participado da luta armada da Revolução Praieira e, também, devido ao seu apoio ao Imperador do Brasil. Esta contradição entre a sua subversão socialista e sua lealdade monárquica pode ser explicada como uma herança das idéias de Bolívar, que desejava sobretudo a unidade das novas nações da América Hispânica. Na sua Carta da Jamaica, Bolívar prevê nações latino-americanas adotando diferentes regimes políticos - autoritários, democráticos, monárquicos e aristocráticos -, mas revela que acima de tudo deseja ver o Novo Mundo tornar-se uma só nação. A única forma de expulsar o inimigo espanhol e fundar um governo livre é a união, escreve. Ora, o fator de unidade territorial no Brasil havia sido, desde que a corte portuguesa se instalara no Rio de Janeiro, em 1808, fugindo de Napoleão Bonaparte, exatamente o regime monárquico unitário institucional. O Império era a garantia da união no Brasil daquela época. A antinomia entre pragmatismo político e utopia social, característica do pensamento bolivariano, resolve-se então, em Abreu e Lima, na defesa aparentemente contraditória da monarquia - que não lhe agradava, mas que era um resguardo contra a anarquia e a dissolução - e dos ideais de transformação social da Revolução Praieira. Vai mais longe: em 1855, publica o livro O Socialismo, vasto panorama das doutrinas sociais e socialistas, justificando a posteriori o combate dos praieiros. Esta obra, única em seu gênero na América Latina do século XIX, é o seu escrito mais importante. Nele revela-se um socialista cristão que antevê o socialismo como "um desígnio da Providência para tornar a humanidade uma só e imensa família". Neste livro, Abreu e Lima discorre sobre os socialistas, na sua maioria utópicos, dos anos 1840-50, nomes como Babeuf, Fourier, Saint-Simon, Owen, bem como outros menos conhecidos hoje em dia, mas que ele aprecia, como Lamennais, Cousin, Ballanche e Leroux. Faz um panorama das doutrinas políticas, desde Platão, e traça o desenvolvimento histórico dos acontecimentos relevantes, como a independência dos Estados Unidos de 1776, a Revolução Francesa de 1789 e as revoluções liberais de 1848. Mostra-se atualizado e antenado em relação aos acontecimentos e teorias sociais da época. Abreu e Lima sustenta, assim, a sua utopia social em pleno século XIX, num Brasil católico, conservador e recheado de teorias eurocêntricas. Nesta realidade social, José Inácio de Abreu e Lima mostra-se revolucionário, defensor da liberdade de culto, e com uma história marcada pela luta pela independência e união latino- americana. Morre em 1869, ocasião em que o clero lhe nega o enterro no cemitério católico, em função de suas convicções políticas e religiosas. Mais ainda, sua própria pátria ainda hoje lhe nega o devido reconhecimento histórico, apesar dele figurar em livros didáticos na Venezuela e Colômbia. Apenas em Pernambuco ele é lembrado, pois lá existe um município chamado Abreu e Lima, e passará a existir uma refinaria com o seu nome. Muito pouco para uma figura de sua estatura e importância. Abreu e Lima está à espera da transformação deste estado de coisas, transformação pela qual lutou a vida inteira, como legítimo revolucionário, socialista, bolivariano e latino-americanista de primeira hora. Fontes: Abramson, Pierre-Luc. Las Utopías Sociales en América Latina en el Siglo XIX. México, Fondo de Cultura Económica, 1999. Mattos, Selma Rinaldi. Para Formar os Brasileiros. O compêndio da História do Brasil de Abreu e Lima e a Expansão para Dentro do Império do Brasil. São Paulo, FFLCH-USP, 2007, Tese de Doutoramento.