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Amanda Arabage, Isa Simões, Laura Ribeiro,

Mariana Suplicy e Rafael Trindade

Carandiru
Trabalho de Filosofia, Política e
Ética

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Conteúdo
Conteúdo........................................................................................................2

Falta do Poder Coercitivo do Estado...............................................................3

Valores...........................................................................................................4

Honra.......................................................................................................... 4
Crimes e Penalidade....................................................................................4
Coletividade................................................................................................4
Simpatia e Piedade.....................................................................................5
A Questão do Respeito................................................................................5
A Existência do Poder Paralelo.......................................................................6

As Igrejas........................................................................................................7

Os Grupos no Espaço e a Atividade Econômica..............................................8

Liberdade e Direitos.......................................................................................9

Análise do Ponto de Vista da Teoria dos Jogos.............................................10

A Invasão .....................................................................................................10

Conclusão.....................................................................................................11

Bibliografia................................................................................................... 12

Introdução
A Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, foi por
muito tempo o principal complexo penitenciário da América Latina,
chegando a abrigar mais de oito mil presos. Inaugurada em 1920, sempre
foi um símbolo do Estado no combate ao crime. Emblemática, sempre
despertou atenção pelas suas proporções, sua lotação, pelas condições
precárias dos presos e pelos massacres que lá ocorreram.

O vácuo do papel do Estado, que falhou em prover o necessário e em


fazer valer suas leis deu espaço a uma configuração única ao local.
Baseados em seus próprios valores, os próprios presos desenvolveram lá

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um sistema de leis e regras que ditava o comportamento e a conduta que
deveriam seguir. Na ausência do Estado se desenvolve, portanto, um poder
paralelo que muitas vezes vai de encontro às leis oficiais e que,
ironicamente surge no meio daqueles que estão sob sua custódia.

Baseado na obra Estação Carandiru, de Dráuzio Varella, o objetivo do


trabalho é desvendar a organização e a estrutura interna do local e
compará-la com o sistema legal oficial e com a teoria aprendida no curso de
Filosofia, Política e Ética.

Falta do Poder Coercitivo do Estado


Hobbes diz que o Estado é único, indivisível, soberano, e não
reconhece nenhum poder além do seu. No Brasil a situação é diferente. O
poder paralelo faz parte do país, haja vista os traficantes em favelas ou os
próprios criminosos dentro de presídios. No Carandiru o poder dos presos é
tão grande que, embora não seja legitimado, acaba sendo reconhecido
pelas autoridades. A falta de recursos que se reflete nas condições
precárias do presídio agrava ainda mais a situação e acaba dando espaço à
emergência de um poder paralelo.

Nos relatos do livro fica clara a falta de recursos humanos e infra-


estrutura e, como conseqüência, muitos dos serviços como a faxina e a
cozinha são delegados aos presos. De certa forma isso apenas dificulta o
controle pelos carcereiros, uma vez que os presos adquirem funções
fundamentais, ganhando reconhecimento e tornando-se mais poderosos.

A situação precária em relação ao espaço também traz problemas. O


espaço público das celas é privatizado, e existem celas com detentos
demais, o que atrapalha a fiscalização. Com isso, o comércio ilegal e o
acúmulo de armas também ganham espaço.

Um exemplo disto que aparece no livro é um caso da equipe da faxina.


Em um dado momento o diretor de disciplina da cadeia resolve agir.
Reconhecendo que a estrutura de poder dentro do Carandiru é singular, na
qual prevalece o mais forte, e os líderes são escolhidos pelos próprios
presos, o diretor não pode agir simplesmente expulsando a equipe de
faxina, pois isto criaria um vácuo de poder e uma conseqüente disputa
entre os presidiários. O diretor resolve então chamar um dos detentos que é
sua fonte, e que passa informações em troca de proteção. Ele pede para
que o detento forme uma nova equipe e tome o lugar da antiga faxina. O
plano dá certo, com a ajuda dos policiais que deixam as celas abertas
durante a noite. Com a rebelião, a nova equipe toma o “poder”.

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Valores
Honra
A honra é o bem mais precioso para os presos. Sua manutenção
justifica qualquer tipo de ação que um indivíduo venha a tomar, sendo mais
valorizada que a própria vida.

É essa manutenção da honra uma das principais causas da formação


de um código de ética pelos próprios presos.

Crimes e Penalidade
Baseados em suas convicções pessoais e no poder e influência dos
mais fortes, os presos acabam criando diversas leis, que tem seu
cumprimento garantido pelo poder coercitivo exercido pela organização
chamada de Faxina, que será descrita adiante.

O que é considerado “certo” ou “errado” é bastante diferente do que


determinam as leis oficiais. É como se os presos criassem um código penal
próprio e estabelecessem um sistema jurídico paralelo, onde alguns deles
fazem papel de juízes.

Apesar de todos eles serem criminosos, alguns crimes são


considerados “imperdoáveis”. O crime mais repudiado pelos presos é o
estupro. Pessoas condenadas por esse motivo correm alto risco de serem
assassinadas pelos demais presos, tendo assim seu direito à vida ignorado
por eles.

O código de ética existente entre eles também determina diversos


tipos de punições ao que eles consideram “errado”. Atitudes que desonrem
outros presos provavelmente serão punidas. Essas punições geralmente são
desproporcionais ao “crime” cometido, caracterizando assim vingança.
Haveria assim um problema na interação entre os presos quanto à aplicação
da justiça na sociedade independente criada por eles. A moral por eles
estabelecida é muito distante da moral geral.

Coletividade
Uma das características do código de ética é a proteção do outro
preso. Qualquer atitude que comprometa o outro será seriamente punida
pelo grupo, mesmo que esta atitude denunciada seja ilegal. Isso significa
que os presos têm que ser cúmplices dos delitos cometidos pelos outros
para não sofrer sanções sociais e físicas. Para participar do grupo, o
indivíduo acaba tendo que quebrar seu contrato social com o Estado.

Muitas das tarefas de limpeza e alimentação dos presos são realizadas


por eles mesmos, pelo grupo da Faxina. Todo o presídio se mostra bastante
disciplinado e cooperativo quanto a isso: o grupo responsável é
extremamente pontual e todos os presos fazem o máximo para que as

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atividades ocorram com eficiência e higiene. Qualquer um que atrapalhe
sofrerá conseqüências graves.

O resultado disso é o enaltecimento deste grupo, que ganha poder e


força para tomar decisões cruciais e gerais sobre o presídio e o
comportamento individual dos presos.

Simpatia e Piedade
Como já dissemos, o código de ética faz distinção entre os crimes,
aceitando alguns, mas repudiando outros. A questão da piedade entra aqui
de forma dicotômica. Ao passo que os presos conseguem se colocar na
situação dos outros e assim entender e de certa forma perdoá-los, o mesmo
não acontece com em relação aos estupradores. A identificação não ocorre
de maneira semelhante com todos os outros indivíduos.

Em relação à Teoria dos Sentimentos Morais, existe uma distinção


grande entre o proposto por Adam Smith e o que se vê na prática. Segundo
Smith, os indivíduos têm mais facilidade em se identificar com as paixões
sociais (como amor e amizade) do que com as paixões anti-sociais (como
ódio e ressentimento). O que se vê no Carandiru, é exatamente o oposto. Os
presos têm mais facilidade em se identificar com o ódio. Além disso, a
estruturação do código de ética e das punições nos leva a crer que eles
também têm maior facilidade em se identificar com as pequenas misérias
do que com as grandes. A moral diferente existente na cadeia não julga
como desproporcionais o sentimento e a causa, e assim a atitude tomada
pelos indivíduos, o que seria muito diferente para nós, que vemos de fora.

É interessante destacar a cooperação e o auxílio entre os presos, em


especial quando um deles tem algum tipo de limitação, como deficiências
físicas. Os portadores de deficiências são extremamente respeitados, e
recebem ajuda quando necessário. Não existe preconceito contra essas
pessoas, o que é diferente do mundo fora da cadeia.

A Questão do Respeito
A relação dos presos com os travestis, diferentemente do que se
espera, não é desrespeitosa. A feminilidade e a fragilidade deles impõem
respeito e este só é quebrado se os travestis tomarem atitudes masculinas,
como entrar em brigas ou se traírem seus "maridos". Essa não deixa de ser
uma exigência de coerência de atitudes. Isso, entretanto, não significa que
não haja discriminação. Os travestis não podem participar de determinados
grupos, como o da Faxina (a ser descrito adiante).

Depois que a visita íntima foi oficializada, principalmente porque isso


deixava os presos menos violentos durante a semana, cada preso passou a
ter direito de cadastrar uma mulher, esta então poderia entrar nas celas. A
figura da mãe é extremamente respeitada e enaltecida. Os dias de visita
são muito tumultuados, principalmente em feriados, entretanto nenhum

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preso ousa olhar para a mulher do outro. Existe um respeito muito grande,
inclusive em celas muito lotadas, nas quais eles determinam uma divisão de
horários igualitária e são todos pontuais. Isso nos mostra uma preocupação
com a igualdade entre eles, sobretudo em relação ao que consideram
necessidades.

Segundo Dráuzio Varella, o tratamento que ele recebeu por ser médico
foi de extremo respeito. Sua profissão era respeitada, bem como suas
iniciativas de fazer campanhas para a prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis.

A Existência do Poder Paralelo


A chamada Faxina é a organização responsável por distribuir as
refeições nas celas e pela limpeza do presídio. Ela é formada pelos próprios
presos, e seus integrantes são recrutados por eles mesmos, de acordo com
critérios bastante rigorosos. O preso não pode ter dívidas, descumprir sua
palavra, ter sofrido agressão por parte de outros presos (a menos que tenha
se vingado), ter assumido a culpa de um crime que não cometeu (“laranja”),
ter prejudicado outro preso ou ser homossexual.

A estruturação da hierarquia tem rigor militar, onde cada integrante


recebe ordens e se reporta ao seu superior. Não deve haver
descumprimento das ordens dos superiores, que só podem ser questionadas
após sua realização. Caso o grupo decida tomar uma atitude, todos os seus
membros devem participar. Isso nos mostra que as decisões são feitas pelos
mais fortes, mas são tomadas pelo grupo todo. Há um encarregado por
pavilhão e não há quem responda pela cadeia inteira.

Todos os presos respeitam a autoridade da Faxina, que é assim uma


autoridade interna irrefutável, se assemelhando a um Estado Civil
Hobbesiano, já que apresenta características fundamentais deste: é
irrevogável, seu poder é absoluto e é indivisível (apresentando apenas
divisão vertical através da delegação de funções).

A administração do presídio usa a faxina como um instrumento de


comunicação com os presos, reconhecendo-a como uma organização
independente e influente dentro da cadeia. Essa organização é vista como
fundamental para o controle da violência interna no presídio.

Qualquer decisão, inclusive as de vingança por parte dos presos, ainda


que individual, deve passar pela aprovação da Faxina. Nada pode ser feito
sem o aval do encarregado-geral. Isso não deixa de ser uma abdicação do
direito aos meios para o grupo da Faxina. Os próprios encarregados se
comparam a juízes, mas ressaltam que as decisões que ele tem que tomar
são mais duras, já que eles definem que tem ou não o direito à vida, direito
esse que será tirado por eles próprio caso assim se decida. Esse é um

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rompimento total do contrato social entre os indivíduos e a nação, já que
este estabelece que não deve haver atentados à vida do próximo.

Ao mesmo tempo em que a entrada para a Faxina dá ao indivíduo uma


forte proteção do grupo, ela o priva de forma bastante rígida de sua
liberdade individual de tomada de decisões, já que o que é determinado
pelo grupo deve ser cumprido sem questionamentos, mesmo que ela possa
prejudicar o preso ou ir contra as leis e normas “oficiais”. Os líderes,
entretanto, devem também apresentar uma série de características extras
que justifiquem sua posição superior e o respeito que os outros presos
devem ter acerca de suas decisões. As principais características são a
consistência em relação ao que é considerado “bem” e “mal”. Isso nos leva
a mais uma identificação com a teoria Hobbesiana, já que aqui as vontades
daquele tido como soberano são leis. A garantia do cumprimento destas se
dá pelo poder coercitivo da Faxina.

As Igrejas
Ainda na tentativa de buscar garantias ao seu direito de vida, muitos
presos entram para as diversas Igrejas presentes nas cadeias. A Igreja que
mais atrai novos fiéis é a Evangélica. Uma das causas para isso é a maior
dicotomia que ela estabelece entre o “bem” e o “mal”, o que nos revela que
muitos indivíduos sentem falta deste tipo de restrição em suas vidas.

Vestidos de forma distinta dos demais e reunidos em áreas específicas


dos pavilhões, os religiosos acabam promovendo certa segregação social.
Os demais presos respeitam essa opção dos outros, mas ao mesmo tempo
ajudam a manter a ordem e a segregação, já que exigem que os membros
apresentem coerência, não aceitando assim qualquer tipo de
comportamento por parte dos membros que a religião não aceitaria,
havendo inclusive punições para isso.

Muitos dos fiéis têm suas dívidas quitadas pela entidade religiosa
quando entram para a seita, que serve ainda de refúgio para muitos presos
que tem a convivência com os demais comprometida (seja por dívida, briga
ou ainda pela condenação por parte dos próprios presos ao crime por eles
cometido).

A participação neste grupo exige diversos comportamentos


específicos, que são constantemente verificados pelo rígido grupo. Não há
julgamento em relação ao tipo de crime cometido. A alocação deste grupo
no espaço se dá perto dos presos que cometeram crises também
condenados pelos próprios presos e que são assim isolados para evitar que
sejam assassinados. Sua rotina também é diferente, e até para evitar o
convívio com outros presos, o tempo que eles têm para poder sair um pouco
de suas celas é bastante reduzido.

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A inexistência de um sistema legítimo que garanta, por exemplo, o
pagamento das dívidas entre os presos, faz com que eles usem os
instrumentos que têm nas mãos para garantir aquilo que consideram a
ordem, apesar de esses instrumentos irem contra a lei oficial.

O isolamento dos presos que cometem crimes perante a lei da cadeia é


na verdade uma forma de condenação segundo as leis por eles
estabelecidas, e acaba funcionando como a prisão da própria prisão. Esse
isolamento, no entanto, é apoiado pela administração do presídio, já que é
uma forma de garantir a vida destes presos.

As condições de vida destes presos são extremamente insalubres,


desrespeitando os Direitos Humanos e indo contra a constituição. Para
esses presos, seus crimes acabam sendo punidos por mais do que a
privação de sua liberdade. A sua pequena liberdade dentro da própria
cadeia é também limitada, além de eles serem alvo de discriminação social
e maus trados. Aqui se levanta a questão da desproporcionalidade da pena,
ainda que seja da pena “determinada” pelos próprios presos.

Os Grupos no Espaço e a Atividade Econômica


Além da divisão feita pela administração do presídio, os próprios
presos estabelecem algumas divisões específicas para os andares dos
pavilhões (de acordo com os grupos: religiosos, por exemplo) e para as
celas.

A divisão das celas ocorre de forma totalmente ilegal, já que os


espaços são comercializados: o preso que chega deve comprar seu lugar em
alguma cela. Caso ele não tenha dinheiro, ele acabará ficando em celas de
triagem, que são lotadas e não possuem o mínimo conforto. Ocorre assim,
uma comercialização de um bem público e a extrapolação do direito de
propriedade privada.

A moeda de troca dentro da cadeia é o cigarro. A existência de


atividade econômica nos presídios acaba possibilitando diversos conflitos, já
que a inadimplência, sem o amparo judicial, é resolvida pelos próprios
presos, de acordo com as leis que eles mesmos estabelecem. As sanções
podem ser de diversos tipos: agressão física, isolamento em áreas piores do
presídio, coerção a assumir crimes não cometidos. Esse tipo de atitude
prejudica o preso, já que ele recebe pena do Estado por esse crime
assumido, que é muito mais grave do que o de inadimplência. Aqui teríamos
novamente a questão da desproporcionalidade entre o crime cometido e a
sanção baseada nas leis seguidas pelos presos.

Dentre as atividades econômicas, destaca-se o comércio de drogas. O


número de usuários de drogas em presídios é bastante grande. As drogas
são comercializadas pelos próprios presos, mas este comércio em geral

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conta com a ajuda dos funcionários, já que as drogas devem chegar ao
presídio de alguma forma.

O comércio em si já é uma ilegalidade, o mais controverso, entretanto


é que ele ocorre quase que impunemente dentro da própria cadeia, onde
supomos que as leis deveriam ser seguidas. A conivência dos carcereiros,
ainda que não se possa generalizar, também é um crime, mas que em geral
passa impunemente.

As drogas e a inadimplência dos usuários é uma das principais causas


de conflitos entre os presos. Como já mencionamos, ela é tratada de forma
bastante rigorosa, já que os traficantes devem manter a fama de não tolerar
dívidas para evitar que estas se repitam ou se generalizem entre os seus
“clientes”. A prostituição também tem espaço nos presídios (...).

O comércio de bens legais também é de importância, sobretudo por


que é ele quem possibilita a realocação dos bens entre os prisioneiros e
assim o pagamento de dívidas. Isso não deixa de ser causado pela restrição
de bens providos pelo Estado. De acordo com as leis promovidas pelos
próprios prisioneiros, acaba havendo um custo de vida na cadeia.

Liberdade e Direitos
Os presidiários estão na cadeia, sob custódia do Estado, e cumprem
pena privativa de liberdade por terem cometido algum crime. Ainda sim são
considerados cidadãos e seus direitos constitucionais devem ser
preservados.

O artigo VI da Declaração Universal dos Direitos do Homem diz que


“toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como
pessoa perante a lei”. No Carandiru os presos deixam de ser tratados como
pessoas e são tratados como escórias. A dignidade deixa de ser respeitada
e eles são submetidos a situações desumanas. Nem mesmo as condições
básicas de saúde são garantidas e os presos sofrem de diversas doenças
contagiosas como tuberculose e sarna.

No sentido hobbesiano, como ausência de restrições externas, a


liberdade deles dentro da detenção deveria ser respeitada. Eles deveriam
ter direito à se expressar e todas as outras liberdades que não a de ir e vir,
o que não ocorre,uma vez que o Estado não as garante, e a organização
interna, que se constitui como um poder paralelo se sobrepõe.

Buscando seus direitos os presos são forçados a se agregar e se


enquadram dentro de alguma classificação, ou um grupo dentro da
estrutura que lhes dará identidade. Esses grupos dos quais eles passam a
fazer parte é como uma identificação social que diz o seu tipo dentro do
presídio e seus valores. Se você pertencer à faxina, está sinalizando aos

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demais que é corajoso, preza a honra e o respeito e será respeitado por
todos. Se o indivíduo for evangélico, sinalizará que lá dentro ele se dedica
somente ao culto religioso e pouco se envolve com as demais questões e
discussões. A comunidade então zela por seus membros e os membros por
ela.

Análise do Ponto de Vista da Teoria dos Jogos


Analisando a situação pela ótica da Teoria dos Jogos, as regras e a
organização se estruturam segundo uma estratégia “do gatilho”, onde cada
preso ao chegar deve colaborar em todas as interações que tiver. Uma vez
que haja um desvio, ele paga com a própria vida, demonstrando que a
ameaça dos encarregados da faxina era crível e foi cumprida. Dessa forma,
o medo passa a ser o instrumento coercitivo que garante a colaboração
dentro do Carandiru. A emergência da colaboração surge pela atuação da
Faxina, mas a sua manutenção é instável e sujeita a constantes rupturas

A Invasão
O livro termina com o famoso episódio da invasão do presídio que
ocorreu em 1992. Durante uma partida de futebol houve um
desentendimento entre os presos por causa de um lugar no varal de roupas.
O desentendimento acabou se tornando uma briga entre facções do presídio
e terminou em uma desordem generalizada.

A polícia foi autorizada pelo Governo do Estado de São Paulo a cuidar


das negociações e conter a rebelião. Todos os funcionários haviam saído do
complexo penitenciário e trancado as portas. Muitos presos sequer haviam
saído de suas celas, e vários outros voltaram para elas ao perceberem a
confusão que havia se instaurado. Quando a polícia entrou, portanto, eram
só eles, seus cães e os presos. Comandados pelo coronel Ubiratan, eles
entraram fortemente armados, com pistolas, metralhadoras e revólveres.

A invasão se tornou um massacre, no qual ,segundo as estatísticas


oficiais, morreram 111 presos, e segundo os próprios presos
aproximadamente 250. A polícia matou, conforme relatos,
despropositadamente e abusou das condições de desproteção e
desamparado dos presos para cometer atrocidades.

Os registros da invasão deixam claro que os presos deram sinais de


que estavam se rendendo, jogando suas armas pelas janelas. A despeito
disso os policiais foram subindo pelos andares do Carandiru e atirando
cruelmente contra os presos trancados dentro das celas, que claramente
não representavam nenhum perigo nem tentativa de resistência. Os laudos
balísticos revelaram que muitos presos foram atingidos de joelhos e à
queima roupa, além disso nenhum policial morreu. É evidente que os

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policiais se aproveitaram da situação e da falta de testemunhas civis que
pudessem delatá-los para matar os presos, comandando um massacre no
Carandiru. Além disso, os policiais alteraram a cena do crime cometido por
eles e tentaram plantar evidências contra os presos, como se eles tivessem
tentado reagir.

Se o objetivo da polícia era simplesmente conter a rebelião, ela foi


muito além do necessário para tanto e abusou do seu poder coercitivo. Os
presos, que teoricamente estão lá por uma privação da liberdade como
punição a um ato ilícito, ainda são cidadãos e devem ser protegidos pelas
leis e autoridades que orientam a sociedade. No momento em que a polícia
está lá, ela representa a autoridade e o Estado, uma vez que por ele é
delegada a ela a missão da manutenção da ordem, e se há um abuso de sua
autoridade, ele acaba sendo em nome do Estado.

O Estado Social e Democrático de Direito, tem como dever garantir o


cumprimento dos direitos dos cidadãos e zelar pela integridade física dos
mesmos. Há no episódio uma assimetria legal, onde os presos deixam de
ser assistidos pelo Estado e perdem todos os seus direitos, inclusive o
direito à Vida, estando desprotegidos das leis garantidas a qualquer cidadão
da nação enquanto os polícias se colocam acima dela, assumindo uma
permissão para matar sem nenhum critério.

O Brasil ratificou diversos tratados internacionais de Direitos Humanos,


que naquele momento foram simplesmente violados. Ainda nenhuma
providência foi tomada, todos os comandantes da operação continuam
impunes e não foram condenados pela Justiça pelas atrocidades cometidas,
o que deixa dúvidas quanto a imparcialidade das leis no país. Os presos lá
estavam, pagando por crimes muitas vezes menos sérios do que os
cometidos pela polícia, que continua impune. Surge, então, um
questionamento: será que os indivíduos são mesmo iguais perante as leis e
a Justiça?

Conclusão
O Carandiru é, como foi mostrado no trabalho, um rico instrumento
para se entender a estruturação e a construção de poder. Como pensou
Rousseau, um sistema legal ideal deve se basear nos costumes daqueles
para quem ele servirá e em seus valores. Embora o código da penitenciária
não seja escrito e oficializado, ele respeita os costumes e os valores que
vigoram entre os presos.

Pudemos perceber diversas violações àquilo que era teoricamente


seria esperado do Estado. Há um poder paralelo que se constitui e ganha
dimensões relevantes e até preocupantes. Além disso, os indivíduos não
têm garantidas as condições básicas previstas constitucionalmente. O
direito à Vida e à igualdade são violados.

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Cada filósofo estudado pensou teoricamente a construção de um
Estado ideal para resolver algum problema existente. No contexto
analisado, entretanto, tem-se um Estado impotente e fraco, dando origem a
um poder paralelo, que remonta àquelas construções mais primitivas: o
Estado de Guerra de Hobbes ou ao Estado Absoluto.

Bibliografia
VARELLA, Dráuzio. “Estação Carandiru”, 1999. Companhia das Letras.

POSNER, Eric A..”Law and Social Norms”, 2002, páginas 11 a 35.


Harvard University Press.

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