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O regime de metas de inflagao no Brasil e a armadilha da taxa de juros/taxa de cambio* Luig Carlos Bresser-Pereira e Cleomar Gomes O sistema de metas de inflagao foi implementado no Brasil em 1999 para ser a nova Ancora nominal da economia, em substituigao a taxa de cimbio, que passou a flutuar no inicio do mesmo ano. Geralmente vista como uma politica bem-sucedida, na medida em que a taxa de inflagao tem sido mantida sob controle, tal sistema vem apresentando problemas relacionadas a0 alcance de seus objetivos e, principalmente, aos elevados custos de cunho social e de desenvolvimento economico. Esses problemas sao de duas naturezas princi- pais. Por um lado, a regra de Taylor, que €a base do sistema e relacionaa meta de inflacdo com a taxa de juros e com o hiato do produto potencial, s6 pode ser aceita se for combinada com outras importantes variavets, como a taxa de cambio e/ou a taxa de desemprego. O argumento de que 0 Banco Central s6 pode ter uma meta, dado que ha apenas um instrumento disponivel, parece nfo ser razodvel nem tampouco realista, pois, nia prdtica, os bancos centrais nao funcionam dessa maneira. A segunda razio esté relacionada a um grave pro- blema de inconsisténcia. Uma politica de metas de inflacio destina-se a uma administracdo e, nao, a uma mudanca da politica monetstia: ela orienta a de- finicao da taxa de juros em um intervalo limitado, nao sendo adequada para ‘Uma versio em inglés dese exo, intulada “Inflation targeting in Brasil: 1 Keynesian approack publicada no Post-Keynesian Conference, volume de 2007, referee a exerta de 2006, 22. | Politica monetéria, bancos centrais e metas de inflagao enfrentar a armaditha da taxa de juros/taxa de cambio que prevalece no Brasil ha muitos anos. As metas inflacionérias implicam por si s6 um regime monetério e, por- tanto, tambem poderiam ser vistas como um “regime”. Todavia, esse termo serd reservado pata designar padres de inflacdo, de taxa de juros e de taxa de cambio, assim como as politicas utilizadas para controlar tais variaveis, que tém certa consisténcia interna. Os regimes de politica monetéria per- sistem durante certo tempo, mas, em determinados momentos, devem ser mudados, seja porque contém falhas internas, seja porque fatos estruturais noves impoem tal mudanga. As metas inflacionsrias foram adotadas no Bra- sil ignorando a necessidade de mudanga previa do regime de politica mo- netaria, mudanga essa que envolvia reformas, tais como o fim da indexagao dos servigos piiblicos ¢ da propria taxa de juros basica da economia. Na verdade, embora administrando um sistema de metas de inflagao, © governo nao tem qualquer estratégia clara de redugao da taxa de juros. Isso faz com que 0 desempenho de tal sistema fique comprometido, pois ele nto dispoe das ferramentas necessirias para suplantar as armadithas monetérias, cuja superacao € realmente dificil mas nao impossivel, como veremos ao longo deste capitulo. Varios trabalhos analisam 2 politica de metas de inflacdo no Brasil. Por exemplo, Bogdanski, Tombini ¢ Werlang (2000) escrevem sobre a fase anterior a implantacao do plano em si e seus primeiros passos. Figueiredo, Fachada e Goldestein (2002) examinam a condugdo da politica monetaria no Brasil e a relagio entre trés importantes elementos: metas inflaciondrias, administracéo da divida publica e operagoes do mercado aberto. Minella e outros (2003) argumentam que as economias de mercado emergentes podem mostrar alta volatilidade em suas principais varidveis econdmicas (taxas de cambio e de jutos, taxa de crescimento da produgao e taxa de inflagao), © que cria pro- Dlemas para o sistema de metas inflaciondrias. Como resultado, a conducio da politica monetaria nesses paises est4 intimamente relacionada a desafios como: construgio de credibilidade, redugao do nivel de inflagao, solugao das dominancias fiscal, externa e financeira Uma vez que a inflacao em 1999, depois da futuagao cambial, foi me- nor do que a prevista, a conclusio geral dos autores € a de que a experiéncia brasileira das metas inflaciondrias tem sido bem-sucedida. Ao dizer isso, O regime de metas de inflagao no Brasil | 23 cles se apressaram a creditar a politica de metas de inflagao um resultado que nao Ihe era devido, pois esta foi adotada em julho de 1999, quando os efeitos inflacionarios da depreciagao cambial ja tinham desaparecido. Essa pritica de sobrevalorizar os resultados positivos da politica de metas de in- facdo tem sido adotada insistentemente por economistas ortodoxo-conven- cionais. Resultados de baixos indices inflacionarios s4o comemorados sem que se perceba que eles estio muito dependentes da valorizagao cambial Na verdade, os paises que adotaram o sistema de metas de inflagio ndo ob- tiveram resultados melhores nem piores do que aquel osistema.’ O objetivo deste capitulo ¢ trazer mais uma contribuicdo para esse debate. Primeiro, faremos uma breve revisdo da condugao da politica monetaria no Brasil sob o sistema de metas inflacionarias, desde sua implementacao até o fi- nal de 2006. Além disso, mostraremes que o sistema foi implementado em um momento inadequado. Segundo, criticaremos o sistema cle metas de inflacdo brasileiro, principalmente o fato de ele ser parte de uma politica macroecon6- mica que tem mantido a economia do pais num processo de quase estagnacio. Em outras palavras, argumentaremos que as metas inflaciondtias tem sido mal utilizadas pelas autoridades econdmicas brasileiras. Nao € nosso objetive pro s que nao adoraram mover uma discussdo tedrica do assunto. Sobre isso, temos a dizer apenas que, do ponto de vista keynesiano, o sistema de metas de inflacio sera aceitavel se encararmos a taxa de juros de equilibrio apenas como uma “convencao varia- ‘vel”, isto é, se encararmos a teoria acerca das metas como uma generalizacdo empirica do modo de irabalhar dos bancos centrais. Em termes praticos, se combinarmos a meta definida para a inflagio com uma meta cambial, ou com uma meta para o desemprego. Isso significa ainda que, em um arcabouco de uma politica pragmitica de metas de inflacio, © Banco Central deveria ter um duplo mandato.’ "falle Sheridan, 2003; Arets, Paula e Ferrar Filo, 2005. 20 perametto cabal sera prefere no caso de um pats pequeno, como o Brasil Loglcamente,pequeno rnamedida em que representa cerca de 1% do PUB mundia. ""Tstamos fala de ust “paramcto", nto de umma meta, porque no seria explicho, mas corversional: mente acompankado pelo Rane Cente reconhecido plo mereadofnanceta. Nio hasta apenas indir texplictamente a axa de cambio no modelo optar por usa meta de inflazdo de longo prazo, como prope Bal (2000), apestando em possives compensaydes dos movimenios da txa de cimbio. 24 | Politica monetaria, bancos centrais e metas de inflagio Embora a politica de metas de inflagao tenha mantido a inflagao relati- vamente baixa, isso foi feito com elevados custes fiscais e de oportunidades de desenvolvimento.* Atualmente, a inflagéo poderia ser menor ¢ as taxas de crescimento maiores se o governo nao tivesse se apressado em importar uma instituigao de politica monetaria antes que as condigdes apropriadas tivessem se materializado, Assim, nao vamos discutir 0 que geralmente se dliscute em relacio as metas inflaciondrias: 0 quo ambiciosas devem ser as metas, que indice de inflagio utilizar, ou que perfodo levar em consideracéo. Estas sto questoes relacionadas com a administragao do sistema, Tambem nao € nosso objetivo debater 0 acréscimo ou nio de algum tipo de meta cambial, apesar de a resposta para tal indagacio ser positiva, Nosso intuito € crticar o pertado e 1 forma pela qual as metas inflaciondrias foram adotadas no pats. Além disso, ofereceremos algumas indicacoes de possiveis saidas da armaditha da alta taxa de juros e da baixa taxa de cambio em que a economia brasileira continua imersa. A préxima secao analisa a abordagem teérica relacionada so arcabouco das metas de inflagao. A secao subsequente apresenta uma visdo geral das me~ tas de inflacao no Brasil, A terceira seca discute as raz6es para as altas taxas de juros de curto prazo no Brasil. J4a quarta secdo trata das causas da armadilha juros/eambio enfrentada pelas autoridades monetarias. A quinta secao trata do regime de politica monetaria ¢ a segdo seguinte conclui 0 capitulo. Appolitica de metas de infla Depois de uma década de tentativas frustradas de adogao de uma regra monetaria para controlar a infla¢do, os bancos centrais perceberam que uma politica mais pragmatica passaria pelo controle direto da taxa basica de juros, a fim de alcangar baixos niveis inflacionarios. Esse pragmatismo era repre- sentado pelas metas de inflagao, que comegaram a ser adotadas pela Nova Zelandia, em 1990, seguida pelo Canada (1991), Reino Unido (1992), Su- écia e Finlandia (1993), Australia e Espana (1904). Na sequéncia, muitos outros paises implementaram tal politica, inclusive o Brasil, em 1999. As- sim, a adocao das metas inflaciondrias decorreu de uma decisto pragmatica e * Ocrescimento do PIB baste enive 1999 e 2006 fi de apenas 2.3%, em média — uma taxa substan- cjalmente menor que aquelaabservada em pases com renda smi. © regime de metas Ge inflagdo no Brasil | 25 ‘como uma consequéncia do fracasso do modelo monetarista para justificar a teoria da credibilidade novo-clissica.* Segundo essa teoria, se as autoridades monetarias negligenciarem as regras estabelecidas, havers falta de credibili- dade em suas decisées e, consequentemente, maiores taxas de inflacdo. Por conseguinte, a credibilidade do Banco Central faz-se necessaria para eliminat 0 “viés inflacionario” existente na condugdo da politica monetaria, Essa teo- ria, entretanto, nao corresponde a pritica dos bancos centrais, Adotando uma abordagem histérica em vez de hipotética, Le Heron (2003) vé no caso cana- dense a criagao de um novo consenso (keynesiane) sobre politica monetaria Para o autor, o sistema de metas de inflagao esti em conilito com a literatura sobre credibilidade porque se baseia na “confianca”. A abordagem da credi- bilidade exige total independéncia do Banco Central, a0 paso que as metas de inflacao exigem apenas independencia operacional, senclo os objetivos de- terminades pelos politicos eleitos. Em lugar de dar énfase as “normas versus discricionariedade”, a confianga destaca as expectativas dos agentes econd- mices, 0 comportamento dos mercados financeiros € o preco dos atives, Em ‘um segundo trabalho, Le Heron e Carré (2006) enfatizam que os banqueiros centrais nao seguem simplesmente as regras, assumindo que eles proprios € 08 agentes econdmicos conhecem o verdadeito modelo, Em vez disso, as autoridades monetarias ganham a confianga dos entes economicos na medi- dda em que agem de forma razodvel, ora simplesmente seguindo a regra, ora modificando.a e oferecendo justficativas plaustveis de compreensio por parte dos agentes econémicos. Mas sempre considerando que choques estruturais podem exigir essas mudancas. Em todo o processo, comunicagao e compre- ensio sio a chave para se obter confianga. Alan Greenspan foi o exemplo de um responsével por um banco central que pensava em termos de “confianca” €,ndo, de “credibilidade”* Alguns dos arranjos institucionais adjacentes ao sistema sto: (a) uma meta de inflacdo explicita, bem como intervalos de tolerancia estabelecidos com base em um indice de precos amplamente conhecido e decidido pelo Conselho Monetario Nacional; (b) um procedimento operacional claro, im- plementado pelo Banco Central; (c) um alto grau de transparéncia e prestagao 3 Kydlinde Prescot, 1977: Baro e Gordon. 1583, ‘Binder e Res, 2005; Agleua e Brgy, 2005. 26 I Politica monetaria, bancos cenvais © metas de intlagio de contas (relatorios de inflagao, discursos e atas);’ (d) compromissos insti- tucionais com a estabilidade de precos, em linha com os objetivos primérios de uma politica monetaria de longo prazo. Para o Brasil, especificamente, em caso de nao cumprimento de metas, uma carta aberta deve ser emitida pelo Banco Central explicando as causas do descumprimento, as medidas a serem adotadas para garantir que a inflagao volte aos niveis tolerados, € 0 periodo de tempo necessario para que tais medidas tenham efcito. Mas uma simples meta de inflagao nao ¢ uma solucao para as agoes de politica monetaria. Ne- cessita-se de um conjunto de normas para que haja a definicdo das principais diretrizes para alcangar 0 objetivo. Tais normas devem usar as taxas de juros como principal instramento de politica monetiria, garantir que a taxa de cambio seja flexivel e considerar quaisquer alteracoes significativas na produ- cdo ou na inflacao. Com relagao a inflagio ideal ¢ as taxas de juros ideais, é comum atual- mente analisar um banco central segundo a equacdo pragmatica conhecida como regra de Taylor, formulada originariamente por Taylor (1993) r= p+0,5/+0,5p-2)+2 @ onde r é a taxa de juros de curto prazo, p éa taxa de inflagio e y é o hiato do produto, De um modo mais geral, a regra de Taylor pode ser expressa da seguinte forma’ <2, =7 +b(2,-1*)+elhnY, -In¥) @ onde i, é a taxa de juros nominal, 7, € a inflagao, In Y,— In ¥, é © hiato do produto € x" € a meia de inflaglo. Nesse caso, 7, € a taxa de juros real que prevalece quando ¥, = ¥,, sendo portanto a taxa de juros de equilibrio (consi- derada constante no modelo), Assim, essa tegra diz que o banco central deve elevar a taxa de jutos acima de seu nivel de equilibrio de longo prazo quando a inflagao exceder sua meta e quando a produgdo exceder sua taxa natural.® 7 Svensson, 1998. * Romer, 2001 O tegime de metas de inflagao no Brasil |) 27 A teoria das metas de inflacao nao foi o resultado de uma preocupacao com a credibilidade, nem de um raciocinio hipotético-dedutivo neoclissico sobre a inflagio. Ela é a generalizacio de uma experiéncia histérica: de como os bancos centrais passaram a se comportar para controlar a inflacao depois que abandonaram as metas monetarias. A boa macroeconomia adota um mé- todo dominantemente histérico. A regra de Taylor, central para as metas in- facionarias, vem claramente essa abordagem historica € pragmitica. O com- portamento dos bancos centrais, por sua vez, também esti pragmaticamente baseado em uma combinacio de varias teorias e resultados sobre inflacto entre as quais 2 curva de Philips ¢ uma obvia exigencia de confianga ou cre- dibilidade As teorias neocléssicas de credibilidade foram actescentadas a in- tuicao dos banqueiros centrais e A percepcio de Taylor para tomar o sistema de metas inflacionarias consistente coma visio neoclissica. Mas nada impede que se acrescentem outras consideracées para tornd-la consisiente com a ma- croeconomia keynesiana O regime de metas de inflagao A economia brasileira mudou abruptamente quando, em 1994, a imple- mentacao do Plano Real conseguiu neutralizar 0 mecanismo de inércia infla- cionéria e, como resultado, controlou as altas taxas de inflacao que vinham prejudicando o desenvolvimento do pais desde o inicio da década de 1980. No entanto, a manutengao de uma taxa cambial quase fixa, de meados de 1994 até 0 inicio de 1999, fez com que o pais incorresse em elevados deficits em conta corrente e, por consequencia, ficasse altamente dependente do in- _gresso de capital internacional e vulneravel a choques externos. Essa fraqueza, foi confirmada quando varias crises atingiram o pais, provocando uma ripida saida de capital, em razio da mudanga no mercado financeiro internacional. A continua perda de reservas forgou o governo brasileiro a provocat uma desva- lorizacao cambial em janeiro de 1999. * Ateoria da credbildade € bia a erada, Fa se toma erraia quando ot formuladores de politica oe recem a “cedibilidade” de suas polticas como um substitute dos furdamentos condmices. Fo iss ae scanteceu, por exemplo, nos cléssicos experimentos de etablizaao latino-amercaos do fil dos aos 1970 (Dia-Abgjandro, 1981), ou no programa de esablizagae de 1982 no Brasil, parocinado pelo FMI 28 1 Politica monetaria, bancos contrais e metas de inflagso A flutuacao do real levou o govemno, acostumado a ver a taxa de cambio ‘como uma Ancora monetaria da economia brasileira desde 1994, a temer a volta da inflacdo, Houve, assim, um forte aumento da taxa de juros, apesar de esta jé estar alta.!° O medo da inflagio nao foi confirmado pelos fatos ¢ 0 realinhamento de precos observado foi muito menor do que o esperado por muitos economistas. Apesar disso, as autoridades monetarias comegaram a trabalhor para atingir dois objetivos principais: (a) um severo controle infla- cionario, a fim de acalmar as expectativas do mercado financeiro € construir credibilidade; e (b) a implementagio de um sistema de metas inflacionarias como uma nova ancora nominal para a politica economic Gratico 1 ‘Taxa de inflagao efetiva, metas, intervalos de tolerancia PIB (1999-2006) 2" 1999 2000 20010022003 20042005 ©2006 ‘2 Unite weir @ Mea catal x Unite upenor Infagdneetva «= == PB Fore: pena. Assim, seis meses apés a adocio de uma taxa de cambio flexivel, 0 Banco ‘Central pos em operagao um arcabougo formal de metas de inflagio e estabele- ‘ceu as metas para 1999 (8%), 2000 (6%) e 2001 (4%) (grafico 1).O indice de WW Depoie de implementagio do regime de metas iflacondras hoave uma reducio da xa de ures real. ‘mas, jem 2001, quando sev nse rel continuwva muto alto, cl oi aumentada novamente. regime de metas de inflagao ro Brasil || 29 Pregos ao Consumidor Amplo (IPCA)'" foi escolhido como medida de referencia paras metas devido a sua caracteristica de seraletado por fatores sazonais e por choques temporatios. Além disso, a taxa Selic foi escolhida como o instrumento de politica monetaria. Foram estabelecidos intervalos de tolerincia de dois pontos percentuais”” para levar em conta a incerteza sobre nosso proceso inflacionario, bem como choques temporarios inesperades e/ou fatores sazonais, Desse modo, controle inflacionario continuow a ser encarado como objetivo principal, dei- xando de reconhecer que a taxa bésica de juros extremamente clevada era tam- bem um grande obstaculo para uma verdadeira estabilizacao macroeconémica. Em outras palavras, tratava-se de uma agenda politica equivocada, uma vez que o principal problema da economia brasileira tinha deixado de ser a inflacao para se tornar a perversa combinacao de taxa de juros elevada ¢ baixa taxa de cam- bio.” Mas a politica foi mantida, eo baixo crescimento da inflacao em 1999 the {oi atribuido, embora ela estivesse apenas comecando a ser adotada Grafico 2 Taxa de inflaco (IPCA) e taxa de juros (Selic) nominal "0 indie de pregosescolhilo — o PCA — abrange umaamstr de falas com rend pessoal entre ura 40 salvos minimes ¢ em uma ampla base progr. "Og intervals de telerdnes foram ampliados pars 2.5 pentos percentuais aps 2003. BreserPereirae Nakano, 2003; Fresser Pereira, 2002 30 || Politica manetéria, bancos centiais e metas de inflagso A desvalorizagio cambial coincidiu com um periodo de lento crescimento economico, o que explica em parte o comportamento da inflagao (grafico 1). A climinagao da indexagao em 1994 € a principal explicagao para o fato. Por outro lado, um razoavel controle de gastos do governo e um aumento dos tri- butos levaram a um rapido crescimento do superavit primério, que alcangou 3.2% do PIB em 1999. Isso se associou a uma rigida condugdo da politica monetatia. Esses fatos, juntamente com outros importantes indicadores, resul- taram em uma taxa de inflagao de apenas 8,9% em 1999." Discutiremes essas questdes com mais detalhes nas proximas segves. O ano de 2000 foi mas favorével paraa economia brasileira, apesar das preo- ccupagdes relativas a fatores externas. Como consequéncia, a meta de 6% fo alcan- «cada com sucesso, embora tenha havido um continuo realinhamento dos precos ‘monitorados pelo governo (grafico 5)e algum crescimento economico (grafico 1), Tal expansio deveu-se a melhora da confianga dos consumidores e das empresas € Aexpansio do crédito. Esta tihima tornou-se possivel com a queda na tributacao do cxédito familiar e redugdes nas taxas de empréstimos ¢ spreads bancéries. A relagio divica publica/PIB (grafico 4) methorou em comparagao com 1999, mas, ‘mesmo assim, atingitr 49.43%, 0 que ainda era um valor considerivel."* Gratico 3 Taxa de inflacao (IPCA) e taxa de cambio nominal (RS/USS) on300 F wun 20406 2051 056 2050 20601 206 20609 i i m0 201206 201208 2003.01 oma os a ' Forte: peadata ' Pinheiro, Giembiagle Morea, 2001. Figueiredo, Fackada e Godesten, 2002. O regime de metes de inflagdo no Brasil {) 31 Em 2001, a economia brasileira foi atingida por uma serie de choques desfavoraveis, como, por exemplo, o fim da bolha especulativa no mercado de agdes em todo 0 mundo, a crise da Argentina e of staques terroristas nos EVA, Essas perturbagdes tiveram grande impacto nas expeciativas do mercado financeiro intemacional e, apesar das altas taxas de juros, causaram dificul- dades para a atracao de capital estrangeiro, Por outro lado, déficit publico foi incrementado pela saida de capital, que foi maior do que o investimento exteno direto. Diante desse cenétio, o Banco Cental limitowse a conter a propagacio de perturhacées enfrentadas pela economia, relacionadas sobre- tudo a depreciagao cambial a elevacao dos precos monitorados. Nesse mo- ‘mento, o Banco Central, que vinha diminuindo a Selic desde 1999, cometeu erro de aumenti-la (grafico 2), apesar de esta estar por volia de 9% ao ano em termos reais. Foi, certamente, um momento de fraqueza das autoridades ias, pois deu-se mais atencdo vulnerabilidade extema brasileira do que se deveria. Consequentemente, esse fato chamou a atengaa dos credores extemos, 0 que culminou com a crise do balanco de pagamentos de 2001 monet: ‘Alem de suas agdes no proprio mercado, por meio da taxa de jures, 0 Banco Central comecou a trabalhar com uma conducao mais restritiva da politica ‘monetéria, tentando manter a inflagao anual dentro do intervalo de tolerancia eabelecido. Tal esforco, no entanto, foi em vao, ¢ a taxa de inflacdo chegou a7,7% anuais (grafico 1), significando o descumprimento da meta. Esse au- mento do IPCA nio foi resultado do excesso de demanda, mas, diretamente, do repasse da taxa de cambio para os precos e, indiretamente, do aumento dos precos administrados. Por fim, o lado fiscal da economia deteriorou-se em 2001, apesar do superdvit primario do governo (3,75% do PIB). A clara percepgao de que Luiz Inacio “Lula” da Silva seria eleito presiden- teem 2002 gerou incertezas. Primeiro, 0 mercado nao conhecia suas verdadei- ras intengoes. Segundo, havi 0 problema da dominancia fiscal relacionado ao novo aumento da taxa de juros. Tercetro, havia o problema da persisténcia de uma alta vulnerabilidade externa expressa em termos de ume alta razdo divi- de/exportagdes. Todos esses fatores, juntos, levaram a uma elevagio da proba- bilidade de default na divida externa." Como resultado, houve um acentuado Nesse ano, © grande aumento das exportacdes brasieras ¢ a consequente melhoria de nosss contas ‘exeras js esavam comecando, mas 05 credores 50 se aperceberam clo fato em 2003. 32 [I Politica monetaria, bancos centrais e metas de inilagéo aumento na taxa de juros sobre a divida do governo brasileiro denominada em dolares. O real depreciou-se fortemente contra 0 dolar, 0 que gerou mais inflacio (grafico 3). Gratico 4 Texe de inflagao (IPCA) e razao divida/PIB Quanto a0 fendmeno da dominancia fiscal, ele foi resultado de nossa grande dependéncia de capital estrangeiro, que tende a fluir para as econo- mias de mercado emergentes em tempos de altas taxas de juros. Apesar disso, como as taxas de juros reais continuam se elevando, mesmo aqueles investi- dores que confiam nos fundamentes do pais comegam a penser duas vezes ¢, assim, pode haver uma nova cesvalorizagao cambial. Por essa razao, tentativas de valorizar a taxa de cambio tém efeito contrario, caracterizando a chamada dominancia fiscal."" De acordo com Favero ¢ Giavazzi (2005), a experiéncia brasiletra gerou um risco de default que poderia ter um efeito deletérto sobre 0 arcabouco das metas de inflacio, dado que a economia passaria de um regime de dominancia monetiria para um regime de dominancia fiscal. Sob essa con- digdo, responder ao aumento de pregos com elevagoes reais da taxa de juros levaria a uma depreciacio real da taxa de cambio e, por conseguinte, a mais * Breser Pereira e Nakano, 2002; Gomes e aida, 2004 O regime de metas de inflagao no Brasil |) 33 inflagdo. Quando esse € 0 caso, 0 instrumento correto para reduzit a inflagao €4 politica fiscal e, ndo, a monetaria. Apés a eleicao de Lula, em outubro de 2002. as autoridades moneta- rias decidiram manter ¢ aprofundar as politicas monetéria ¢ fiscal anteriores, e tambem dar continuidade as reformas institucionais microeconomicas. Os planos da nova administragao incluiam um claro objetivo para 0 superévit primario e antincios de uma reforma da previdéncia social. Como o merca- do avaliou que nao haveria qualquer mudanga importante de politica, houve uma diminui¢ao da probabilidade de default, uma valorizacao do real ¢ uma reduc da inflagio. Em 2003, com o novo governo no poder € conduta similar da politica monetéria, 0s credores do Brasil comecaram a se acalmar. Naquele momen- to, em meados do ano, a melhora das contas externas do pais ¢ a recupera- #0 da confianga nas atitudes do governo abriram uma oportunidade para que a nova administragao se engajasse numa estratégia de queda da taxa de juros. Todavia, a decisio tomada foi na direcao oposta. A tinica preocupa- Ao foi sinalizar ao mercado financeiro que a prioridade continuaria sendo o controle da inflacao. De acordo com Favero ¢ Giavazzi (2005), 0 anuincio feito por Lula depois de assumir 0 posto, no infcio de 2003, foi relacionado a uma politica fiscal restritiva. Tal atitude foi suficiente para trazer a econo- mia brasileira de volta as “condigdes normais", com uma rapida redugao do risco-pats, estabilizacdo cambial e, consequentemente, estabilizacao das ex- pectativas inflaciondrias, da propria inflacio e da dinamica da divida pal ca. A taxa de juros, porém, continuou em seu nivel absurdamente elevado, a economia estagnou, apesar das condigdes internacionais extremamente favoraveis. No ano de 2003, as metas para a inflagdo foram alteradas de 4% para 85% e, em 2004, de 3,75% para 5,5%. Alem disso, os intervalos de to- lerancia foram modificados de 2% para 2,5% (grafico 1). O horizonte de metas foi também estendido para dois anos, a fim de suavizar possiveis cho- ques de oferta. Para o Banco Central, esses ajustes seriam mais adequados Blanchard, 2005. 34 | Politica monetaria, bancos centrais e metas de inflacso, para a economia brasileira pois ajudariam a reduzir as taxas de juros, tendo em vista que 0 custo relacionado as metas anteriores era bastante elevado em termos de divida publica e crescimento econdmico. Contudo, a reducao na taxa Selic (grafico 2) nao foi suficiente para fazer a economia crescer tanto quanto era necessirio. Em 2004, a economia brasileira cresceu consideravelmente (grafico 1), ‘© que levou as autoridades economicas a atribuir 0 fato as “corretas” poli- ticas econdmicas. Na verdade, foi o resultado de um grande ajuste externo que a economia sofreu entre 1998 e 2004, em razio dos efeitos conjun- tos da desvalorizagao da moeda, das crises do balango de pagamentos de 1998 ¢ 2002, e de um grande aumento nos precos dos bens exportados do Brasil. A economia passou de um déficit em conta corrente de 5% do PIB em 1998 para um superavit de 1% em 2004, enquanto a taxa de investimento foi mantida constante, em torno de 19%. Assim, houve uma extraordinaria substituicdo de poupanga externa por poupanca interna," Mas, como era de se esperar, a manuteng2o, pelo Banco Central, da taxa de juros em seu nivel elevado, somada 20 aumento das exportagdes, provocou uma valorizacio cambial (grafico 3), 0 que contribuin para a queda da taxa de inflacao eo alcance da meta (grafico 1). O Banco Central iniciou o ano de 2005 com uma politica monetaria bem similar a do ano anterior. A promessa do governo era de que o pats continuaria crescendo com regularidade, mas isso nao aconteceu € 0 cresci- mento do PIB caiu novamente para 2,3%. No inicio do ano, tendo em vista algumas indicacdes de pressdes de demanda, 0 Banco Central aumentou mais uma vez a taxa basica de juros, que foi em média 12% em termos reais, durante 0 ano, Dado esse cenario, a meta de inflagio para o ano foi atingida com sucesso (grafico 1) A meta também foi atingida em 2006 (grafico 1) e, no final do ano, a inflacao ficou em tomo de 3%, sendo esse valor comemorado pela ortodo- Quando um pals segue a estntégia de crescimento com poupanca exierma ocorrem grandes entradas de captai estangetrs, 1 taxa ée cambio se valorzae (st as oportunidades de investimerto nao forem ppaticularmentefavortves) a taxa de substiuico de peupsnga interna por peupangs externa 2rd elevada, (reser Peremae Gals, 2005; Brester Pereira, 2006). Nese caso, daa a desvalringao do rel, ozone ‘contre, 0 tegime de metas de inflagao no Brasil || 35 xia convencional como uma vitéria contra a inflagao. Na verdade, essa taxa baixa foi resultado de um populismo cambial, pois foi alcancada gracas a uma substancial apreciagio do real. Dada a queda inflacionaria, a taxa de juros nominal também diminuiu, mas a taxa real ficou acima de 10% no inicio de 2007. Sem causar surpresas, o PIB cresceu apenas 4% em 2006. Isso € certamente uma taxa que pode ser considerada irriséria para @ econo- mia brasileira, dado o crescimento populacional de 1,5% ao ano. ‘As metas de inflacio continuam definidas: 4,5% ao ano. A possibilidade de cumprimento deste objetivo ¢ grande. O pais possui algum problema in= flacionério intemo que o difere de outros paises com renda similar. Contudo, a diferenca € pequena e pode ser atribuida a indexagao de tarifas publicas, 20s salatios decididos pela Justiga do Trabalho, a politica de aumento do salario minimo, e a caracteristica fechada da economia brasileira.” Entre esses fato- res, os precos administrados sAo os principais responsdveis pelo aumento da inflacao acima de ntveis internacionais. De acordo com o grafico 5, entre 1999 € 2003 esses precos elevaram-se mais que a inflacao (IPCA), estabilizando-se nos anos subsequentes.:! Aalta taxa de juros A visdo geral da politica de metas de inflacdo feita anteriormente agora nos da as ferramentas necessarias para fazer uma andlise da economia brasilei- rano periodo. Discutiremos duas questoes principais: (a) por que a taxa de ju- 10s € t4o alta; e (b) a armadilha da taxa de juros/taxa de cambio. Alguns outros pontos também serio analisados: (i) a inconsisténcia enirentada pelo sistema de metas de inflagio; (i) a indexacao dos servigos publicos; (i) a indexagro da taxa Selic; (iv) a politica fiscal no Brasil; (x) 0s pregos monitorados; (vi) 0 crescimento econémico e o desemprego. Além disso, proporemos algumas soltugoes para as armadilhas. = Werling 2006. 2 elevagio maior em wm primeiro periodo « menor ne segundo devew-se &indexagho dos contetos pelo IGP, so inves co IPCA.O IGP comsém precos do atacado, que refleem as mudancas diets da ea de cambio, 36 | Politica monetaria, bancos centrais e metas de inflacdo Tabela 1 Toxa de juros (Selic) em termos reais (a.0.) nos AS nominal axa de ina PCA) ‘Taxa Soc ral 1999 13.00 394 10,08 2000 15,78 597 a7 2001 19.05 187 1138 2002 2490 1253 1237 2008 1822 930 702 2004 4 760 10,14 2006 13.00 589 1231 2006 1325 314 10.1 Forte: Banco Central do ra Antes de discutirmos a taxa de juros no Brasil, precisamos definir a “arma- ditha da taxa de juroy/taxa de cambio” que nossa economia vem enfrentando desde aimplementacio do Plano Real. Em termos muito simples, significa que a taxa de juros basica de curto prazo nao fica abaixo de 9% a0 ano em termos reais (tabela 1). Adicionalmente, significa que os juros de longo prazo sobre os titulos federais pagam uma taxa Selic similar aquela paga pelas LINS, e sio geralmente mais altas que os juros pagos pelos titulos brasileiros no exterior? Em terceiro lugar, significa que as entradas de capital, estimuladas pela Selic elevada, pressionam para baixo a taxa de cambio, sobrevalorizando o real: sempre que hd uma desvalorizacao cambial, como aconteceu nas crises do balango de pagamentos de 1998 ¢ 2002, ha uma valorizagao logo em seguida. E uma armadilha, porque as autoridades monetarias temem reduzir a taxa de jutos abaixo de determinado limite. As metas de inflacdo reforcaram a armadi- Tha no momento em que a taxa de juros de equilibrio foi definida no modelo 8 taza 6 decrescen em 2003 (7.02%). Ese fol um ano reesivo, que se seguu 4 cre do alango de pagamentos de 2002, Assim, a tat de Juros cals Alo por cont, ras apestr, da conducto da peli mio- 2m catras palawas, ¢ com freqnéncia maior do que a taxa dos ttulos do Tesouro americano mas 6 risco- Brasil, masa dierenea entre a tata de iflago brasleia es note-americana O regime de metas de inflagdo no Brasil || 37 como de cerca de 9% ao ano em termos reais, formalizando o limite. Quando as autoridades monetarias comecam a reduzir a taxa de juros, ocorre uma de- preciagio cambial e crescimento inflacionério, Os pregos sobem muito antes que as taxas de juros mais baixas possam causar pressdes de demanda. Mas, apesar disso, o Banco Central para de reduzir a taxa de juros. Por que a taxa de juros é tao alta no Brasil? Essencialmente porque a ar madilha juros/cambio impede que ela seja reduzida. Uma causa secundaria ¢ oalto nivel de gastos piblicos comparado ao patamar de renda per capita do pals. Em terceiro lugar, porque as autoridades monetarias aumentam a taxa Selic, tentando (sem sucesso) alongar o vencimento da divida (para construir um mercado de crédito doméstico de longo prazo). Em quarto lugar, ¢ esta provavelmente seja a razdo principal, porque a Selic indexa a maior parte da divida publica." Essa € uma heranga da época dos altos indices inflacionatios que leva os formuladores de politicas a manterem elevada a taxa de juros de curto prazo, por medo de nao serem capazes de rolar a divida, Agindo assim, eles ignoram que os agentes de mercado — particularmente os bancos — nao. tem outra alternativa sendo aplicar seus recursos de curto prazo em titulos do govern. Como Keynes mostrou no volume 2 de seu Treatise on money, uma politica monetéria s6 funciona apropriadamente se houver uma yield curve para que as decisdes de politica relacionadas as taxas de juros de curio prazo sejam transmitidas as taxas de juros que efetivamente influenciam o compor- tamento dos agentes privados. Em vez disso, a Selic define diretamente a taxa de juros de longo prazo no Brasil, isto ¢, a taxa paga pelos titulos do Tesouro brasileiro. Significa dizer que nao ha uma taxa de juros de longo prazo no pals, Contudo, ha uma proxy para tal: a taxa de juros paga no exterior pelas corporagées brasileiras de primeira linha ¢ igual ao risco-Brasil mais a taxa de juros paga aos titulos do Tesouro americano, Em. quinto lugar, a taxa Selic € alta porque o Banco Central a usa como ferramenta para resolver outros tipos de problemas, além de controlar a inflagao. Por exemplo, ela € usada para: (a) atrair capital estrangeito; (b) reduzir o déficit em conta corrente quando este cresce continuamente; (¢) aumentar a poupanga ptiblica. O sexto ponto esta relacionado a uma causa de economia politica. Por esse prisma, 2 taxa Selic 2% Barbosa, 2006. 38 || Politica monetaria, bancos centrais e metas de inflacao € alta porque, desde o final da década de 1980, 0 Banco Central tem sido “capturado” pelos rentistas, que sempre ganham com as altas taxas de juros, pelo setor financeiro, que vive de comissoes/bOnus provenientes de rentistas, ¢ pelas multinacionais, que aumentam suas remessas de lucros com um real sobrevalorizado. O sétimo ponto esta relacionado a uma causa de hegemonia ideologica: Washington, e especificamente o FMI, apoia fortemente a politica ‘monetatia brasileira em vigor — o que nao € de surpreender: a ortodoxia con- vencional que esse organismo ¢ os mercados financeiros intemacionais usam_ para pressionar os paises em desenvolvimento de renda média ¢ essencialmen- te uma ferramenta para neutralizar seus crescimentos.¥ No entanto, a atuagio das autoridades governamentais deveria fazer com que estrutura a temo da taxa de juros fosse a consequéncia de fluxos de crédito devidos a politicas macroecondmicas responsaveis. Entre elas, estio as seguintes: (a) um rigido controle da inflacio (como estdo fazendo); (b) uma taxa de cambio mais competitiva; (c) auséncia de déficit em conta corrente; (d) redugao da relagao divida-exportagoes; (e) corte da taxa de juros; (1) redugao do deficit publico, com a consequente reducao da relagao divida publica/PIB. Essas quest0es serdo discutidas com mais profundidade adiante Ha outras explicagdes. Economistas, geralmente os ligados a mereados financeiros, oferecem uma série de argumentos para a taxa de juros elevada, € que lembrama fabula do lobo e do cordeiro. A explicagao clissica era de que o risco-pais do Brasil era alto demais. No entanto, desde 2002, Bresser-Pereira e Nakano (2002) mostraram a falsidade desse argumento: paises coma mesma, ou pior, classificagao de risco tem taxas de juros muito menores. Depois da queda de nosso risco-pafs, que vem ocortendo desde o infcio de 2003, a taxa de juros de curto prazo paga pelo Banco Central, e que indexa toda a divida publica, vem sendo maior do que a taxa de jures de longo prazo paga pelas empresas brasileiras. Um segundo argumento para a alta taxa de juros seria a elevada divida publica do pais. Todavia, esta nao é particularmente alta segun- do os padtdes internacionais. Ela é extremamente alta se calcularmos a divida dos outros patses descontando seu valor nominal pela taxa de juros brasileira , nesse caso, caimos novamente na armadilha da taxa de juros. Um terceiro 2 Bresser Feria, 2006, O regime de metas de inflagao no Brasil {| 39 aigumento € que a taxa de juros é alta em razao do elevado deficit oxgamen- trio, Novamente, o déficit nao é elevado segundo os padroes internacionais, utra explicacio esta relacionada ao combate da inflacio. Nao ha divida de que a taxa de juros € 0 instrumento certo para fazer isso. Entretanto, a taxa Se- lic nao flutua entre Oe 3% em termos reais no Brasil, como acontece em patses ricos, e nem mesmo entre 2 5%, como acontece em paises com classificacdes de risco similares. A tabela 1 mostra a taxa Selic real para o Brasil, e a tabela 2 mostra algumas taxas bisicas de juros de paises selecionados, confirmando nossa argumentacio. Uma quinta explicacdo foi dada por Arida, Bacha e Resende (2005). Eles apresentaram como justificativa para a alta taxa de juros “natural”, ow para esse “equilibrio ruim”, a inexistencia de crédito doméstico de longo prazo no pais. Essa falha seria explicada pela chamada “incerteza jurisdicional”, isto ¢ io haveria uma protecao judicial efetiva dos credores, o que levaria a con- sequéncias negativas para a poupanca ¢ o investimento privados. Essa falha € tambem interpretada erroneamente como consequencia de restrigoes a con- versibilidade da moeda, alongamento artificial da divida publica, fundos de poupanca compulsérios e poupanca forcada por meio da inflagao. Assim, © pais teria que conviver com uma taxa de juros real de curto prazo acima de 9% a0 ano até o momento em que uma série de reformas institucionais resolvesse esses problemas ¢ criasse a “certeza jurisdicional”. Certamente, ha necessidade de reformas, Mas a auséncia delas nto pode set responsabilizada por erros na politica macroeconomica do pats e, prin- cipalmente, por nossa taxa de juros extremamente elevada. No passado, as Instituigdes eram menos desenvolvidas no Brasil e, mesmo assim, a taxa de juros era muito menor. Além disso, as instituigdes do pais, quando nao melho- res, do bastante semelhantes aquelas encontradas em paises com classificacao de risco equivalente (ou pior), mas com taxas de juros muito mais baixas. Na verdade, o argumento da “incerteza jurisdicional” nio faz sentido, nem & sustentado empiricamente. Holland, Goncalves ¢ Spacov (2007) formularam. ‘uma metodologia baseada na proposta de Arid, Bacha e Resende, e seus re- sultados sto altamente desfavoraveis ao argumento da incerteza jurisdicional. As indicagdes sio que “fatores monetarios e fiscais tradicionais sio muito mais relevantes para explicar o nivel das taxas de juros reais de curto praza do que o bindmio incerteza jurisdicional e inconversibilidade da moeda’. 40 || Politics monetéria, bances centrais e metas de inflagao Tabola 2 Taxas de juros bésica em paises selecionados (2005) Pris Faxa do juros real %) Pais Taxa do juros ral (%) Basi 1183 lnc 107 ica do Su 355 Indonésa 3.03 Avda Sai az Irae 251 Argentina 336 Malia 022 hile 122 México 4a China 029 Peru 186 Cingepura 201 Pelé 368 | colombia 149 Fepibiica Teheca 0.16 Corea do Sul 140 Rissa 1310 Eto 500 Talia 130 Fiipiras on Taiwan 055 Hong Kong 213 Tuquia 701 Hungia 286 Venezuela at Fonte: The Ezonemis (merging malt itcators, Feb. 2006 Taxa ders rel = taxa dejurosnoninal de cur prazo menos rice de reas ao cansunidr, A armadilha da taxa de juros/taxa de cambio Apesar de sew nivel elevado, os movimentos na taxa bisica de juros no Brasil sao bastante similares aos observados em outros pafses. Ela aumenta em expansces ¢ diminui em recessdes. No entanto, o Banco Central ndo tem sido capaz de reduzir consistentemente essa taxa, pois sempre ha algum motivo para interromper um processo de queda, O resultado € a armadilha da taxa de juros. Nosso argumento é que o pals ndo possuta as condigdes necessarias para a implementagao de um sistema de metas inflacionarias. O correto teria sido a tentativa de escape da armadilha, mas, como isso foi ignorado, ela se fortaleceu. A armadilha da taxa de juros pode ser observada de muitas maneiras. Primeiro, sempre que o Banco Central inicia um processo de redugao da taxa de juros, hi uma depreciagio cambial,¢ as consequentes alteragoes nos precos O regime de metas de inflagao no Brasil | 41 relativos provocam um aumento da inflagao. Isso certamente € uma ameaca para o sistema de metas inflacionérias, e as autoridades monetarias reagem com um novo aumento da taxa de juros. Assim, paradoxalmente, uma infla ao advinda do lado da oferta € combatida contragao da demanda. Sempre que ataxa de juros é reduzidae ha algum sinal de crescimento econdmico, e como o déficit em conta corrente aumenta,® 0 governo tenta evitar uma depreciagao cambial elevando a taxa Selic ¢, conse- quentemente, provocando um aumento do desemprego (grafico 6). A eleva- «40 das taxas de juros provoca efeito similar no déficit publico e na relagio dtvida pablica/PIB (grafico 4). Consequentemente, ha uma redugao do credito internacional do pais, a nao ser que o superavit primario seja aumentado na mesma medida, geralmente por meio de um acréscimo na carga tributatia A armadilha coloca a economia do pais em um circulo vicioso de curto prazo. No inicio de 2003, por exemplo, governo decidiu dar seguimento 2 mesma politica macroecondmica dos antecessores. Essa atitude foi bem rece- bida pelas autoridades moneuarias em Washington ¢ pelo mercado financeiro. Como consequéncia, o crédito voltou a fluir, 0 risco-pats caiu e a taxa de cambio apreciou-se novamente. Mas, 20 mesmo tempo, o mercado financeiro com uma politica que objetiva a comegou 2 perceber que nao havia crescimento economico e, sim, algumas perturbacdes sociais ¢ politicas, e que o superavit primério tinha comecado a decrescer outra ver, ou seja, havia um claro sinal de que os resultados oriun- dos da politica econdmica nao eram os melhores. Como ninguém ousava discutir a ortodoxia convencional por tras da politica monetitia brasileira, a solugio que o mercado encontrou naquele ano foi reduzir o crédito do pais, ‘com consequencias em termos de aumento do risco-pais, bem como das taxas bisicas de juros”” A taxa de cambio € panicularmente um prego macroecondmico estra- tégico a outra face da armadilha da taxa de jutos. Depreciagdes cambiais podem ter um impacto deletério sobre a inflagio, ao passo que apreciagoes 3 Desde 1994, o deficit em conta correnteesteve pero de zero em apenas uma ocasito — em 2002. Isso aconteceu em razio da depreciag da taxa de cambio e de uma forte recesio econdmica, No entant, ta “deprecagan mio ocorreu em razdo de pelteas economcas, mas da crse de confianga, Na primera meade ‘de 2003, 2 tana de cienbio comegou ase valorizar novamente, © que polera fazer com que © deficit em ‘conta crrenteaporecesse mais uma ve2 2 eeser-Perera, 2005. 42 | Politica monetéria, bancos centrais e metas de inflagdo podem afetar negativamente as contas nacionais via niveis de exportacdes € importacoes. Uma apreciagao real torna menos competitiva a industria e, con- sequentemente, provoca deficit na conta corrente, De acordo com a teoria convencional das metas inflaciondrias, a adocto de metas cambiais pode prejudicar o desempenho da politica monetéria. Mas isso nao significa que os bancos centrais possam negligenciar 0s efeitos dos movimentos da taxa de cambio sobre a inflagao e demanda agregada. Nesse caso, a melhor solugao € uma clara explicagio sobre uma possivel intervengao na taxa de cambio como forma de limitar efeitos potencialmente desestabilizadores das altera- oes abruptas dos precos.™ Uma taxa de juros elevada faz com que a taxa de cambio decresca em termos de dolar (ou faz com que a taxa de cambio real se valorize), porque a primeira é uma fungao inversa da segunda, via teoria da paridade descoberta dos juros. Foram necessirias duas crises do balanco de pagamentos para tirar © pais dessa armadilha. A primeira foi em 1990 e a segunda em 2002, como discutido em paginas anteriores. Em ambos os casos, o aumento da inflagio foi moderado e muito menor do que se esperava. E 0 mais importante, ela se reduziu assim que houve uma estabilizagao cambial. Em 2003, esse fenomeno foi observado mais uma vez. Embora 0 governo tenka atribnido a queda da inflagao.a um aumento da taxa Selic, a redugao acontecida foi, na verdade, fru- to de uma apreciagdo cambial. Mas isso nao durou muito. O grafico 3 mostra que a taxa de cambio vem sofrendo apreciacdes desde 2004, 0 que pode ser prejudicial para a economia do pais, em termos de exportagdes. Quando as auioridades monetarias decidiram intervir no mercado do dolar e comprar re- servas, outra faceta da armadilha juros/cémbio tomow-se aparente: dada a taxa de juros real extremamente alta (cerca de 10%), essa politica foi severamente limitada por seu ako custo fiscal O regime de politica monetaria Apesar dos baixos indices inflacionarios cbservados no Brasil atualmente, nossa opiniao é que o sistema de metas de inflagdo pode até ter tido éxito no 2 Mishkin e Schmidt Hebbel, 2001 regime de metas de inflegdo no Brasil || 43 contiole da inflagao, mas a contrapartida tem sido perversa: a quase estagna- cdo da economia. Desemprego e taxa de juros continuam altos, ¢ a taxa de cambio continua muito apreciada, Isso fica bem claro no grafico 3, onde se nota come a taxa de inflacio acompanha a taxa de cambio no caso da econo- mia brasileira. Além disso, as baixas taxas de crescimento observadas estdo diretamente relacionadas com o fato de haver uma diferenca entre estabilidade de pregos ¢ estabilidade macroeconomica. Assim, as metas inflacionérias nao conseguiram ter 0 sucesso esperado no pafs porque elas coexistem com uma alta taxa de juros e mantém a taxa de cambio sem competitividade externa. A doenga holandesa ¢ o crescimento com poupanga externa pressionam a taxa de cambio para cima, apreciando-2. E essa sobrevalorizagao cambial advem da politica econdmica que a ortodoxia convencional propde aos paises de renda média, € que o Banco Central brasileiro adota. Da maneira que a estabilidade macroeconomica esti definida atualmente no Brasil, 0 controle da inflacao €, de certa forma, feito via apreciacao cambial. Mas uma taxa de cambio campe- titiva deveria também ser um dos objetivos de uma politica macroecondmica competente. Em suma, em vez de perceber o sistema de metas inflacionarias como um sucesso ou um fracasso, deveriamos vé-lo como uma ferramenta central que @ ortodoxia convencional usa para manter a economia brasileira nessa armadilha de altas taxas de juros ¢ nao competitividade de mercado. ‘A economia brasileira realmente nao estava preparada para uma politica de metas de inflagio, pois, como ja dito, tal arcabougo destina-se a administra- ao da politica monetaria e, nao, a mudanca da mesma, Um sistema de metas inflacionarias nao se aplica caso um pats necessite mudar o regime de politica ‘monetéria, por exemplo, em razio de sua inflecdo clevada ¢ inercial, como era o caso do Brasil entre 1980 e 1994, ou em razao de uma taxa de juros real bésica absurdamente elevada, como o pais vem experimentando desde 1994.” Oresultado, como jé dito, ¢ a presenga de uma armadilha de alta taxa de juros/ baixa taxa de cambio, desde 1994, que tem colocado o pats fora do equilibrio ‘macroecondmico. Se o governo acreditava que uma politica de metas de infla- ‘<20 cra um bom caminho a ser seguido, ele teria que, primeiro, ter enirentado a armadilha aqui descrita. 2 Na verde, a taxa de juros el em ala antes de 1994, mas nstive, dependendo das varagoes dain ‘te, Por outro lado, coma inflcoeraincrivelmente clesada, toda a atengo esiava dina para ela, 44 || Politica monetéria, bancos centrais e metas de inflagdo Para que o pais volte atrilhar um caminho de crescimento ¢ de bainas taxas de juros, varias mudangas precisam ser feitas, de forma a colocar uma estratégia completa em a¢io. O objetivo € reduzir a taxa Selic para que ela oscile entre 1% e 3% em termos reais e, consequentemente, se separe da taxa de juros de longo prazo, que ficaria mais ou menos perto de 5% em termos reais,” Essa redugao 6 sera possivel com o fim da indexagdo dos titulos federais pela Selic, isto é, da indexagio pela mesma taxa de juros usada pelo Banco Central em sua politica ‘monetéria, Essa priica é uma peculiaridade do Brasil (uma heranga da inflagio alta) e @ principal explicagio institucional para a alta taxa de juros usada para pagar o servigo da divida publica. Logo, como aconteceu no Plano Real, hi ne- cessidade de uma mudanca no regime de politica monetéria, Juntamente com a redugio da taxa Selic, 0 governo brasileiro tera de co- egar um sério ajuste fiscal. Sabemos que o pais vem obtendo consideraveis, superdvits primarios via aumentos de impostos — e nao via cortes nos gastos pilblicos. Mas isso nao basta. Enquanto a taxa de juros estiver saindo da arma- ditha, as autoridades terdo que reduzir os gastos ¢, talvez, gerar um superavit. ‘Com esse ajuste, © govemo nao apenas sinalizara sua rejeicao a qualquer tipo de populismo, mas também controlaré possiveis processos inflaciondtrios oriundos de uum possivel choque de demanda resultante da menor taxa de juros. Com a demanda controlada, nao ha razio para se esperar qualquer aumento da infla- a0, exceto o aumento transitorio resultante da depreciacio da taxa de cambio. Poderia haver um default da divida piblica por conta da inconformidade dos ccredores intemnos com as taxas de juros menores? Tal perigo inexiste, uma vez que a taxa de juros que esta sendo reduzida é aquela relacionada as reservas Dancérias, cujo tnico retorno possivel sobre o capital €a taxa bisica de juros. A reducio da taxa de juros de seu nivel minimo de 9%, e da inflacaio de seu nivel de 5-6%, s6 sera alcangada com outra importante reforma: o fim da inde- xagao dos servigos publicos e, mais amplamente, o fim de qualquer indexagao de contratos e pregos administrados em que 0 governo esteja envolvido como prestador de servicos ou como regulador Como jé mencionado, o IPCA € uti- 5 Boca tam devera ser de 5% (inda uma taxa elevads) em waa do Fsco-pls O valor de 5% vem do tisco-pals ual 43%, da axade longo prazo do Tesouro nerte-americano igual a 4% ¢ dana dos EUA an. 2 Pregos sdminisrads (moniterades) sto aqueles determinados ou influenciados pelo governo, direta- ‘mente o¥ por meio de uma agencis govermamentil,independenteraente das forcas de mercado. Alguns produtos que lazem fart dace de precos administredos ste taras de egua,esgto e letrcdade, trans- O regime de metas de inflaga0 no Brasil | 45 lizado na definigao da inflagao, ¢ a cesta de pregos administrados compreende cercade 30% do indice. Em termos de politica economica, o que se observa cla- ramente € que as agdes dos formuladores de politicas afetam consideravelmente a variabilidade do indice de precos em virtude dos precos monitorados. Como consequéncia, as metas podem ser alcancadas, mas hé clevacos custos sociais, baixo crescimento economico e alias taxas de juros. Os precos monitorados variam independentemente dos fatores de demandae, como mostra o grafico 5 a inflacdo acumulada relacionada a tais pregos aumentou muito mais do que os outros dois indices. Os pregos administrados no Brasil trazem, portanto, uma série de problemas para a nossa economia. Primero, as ages do Banco Central, através de seu instrumento de politica monetaria, so podem afetar os pregos livres, o que faz com que asautoridades monetirias trabalhem sobre choques de demanda que poderao no existir. Segundo, as expectativas de inflacao geram tum ciclo vicioso nas taxas de juros ¢ as tornam extremamente altas. O resultado € uma condugao de politica monetaria muito restritiva e severa*® Grafico 5 Taxa de inflagao acumulada (jan. 1999 = 100) veo 180 170 160 150 40 120 120 110 100 v99801 199805 109800 200001 2000085 zo0008' 200101 200105 2o0n01 200201 200318 & moo 200401 200405 soos 200501 200505 200808 100601 200806: 200808 3 0:08 + ron209 q Forte: eadata Evidentemente, quando dizemos que os precos administrados nio deve- riam ser indexados, nao significa que as agenctas reguladoras deveriam negli- ‘pore public, chamadas telefonias, combustivel, licencia 3 Gomes eAidat, 2004 = rgisvo de wiculos plano de sate, 46 || Politica monetéria, bancos centrais e metas de inflagdo genciar © processo de inflagdo em suas revisses de precos. Como seus con- generes em outros paises, as agencias brasileiras levarao a inflacao em conta, mas sem fazer referéncia a um indice de precos predeterminado. Também nio significa que 0 governo deva quebrar contratos existentes: ele apenas estaria fortemente motivado a renegocis-los ¢ ficaria institucionalmente proibido de celebrar novos contratos indexados. Finalmente, as autoridades governamentais devem sempre ter em mente que tais politicas visam trazer crescimento econémico e, coma consequén- cia, menor desemprego € menores disparidades sociais. As regras de politica monetaria devem ser vistas como uma diretriz para a tomada de decisoes, € no como algo rigido. Na questio do desemprego especificamente, 0 1e- lacionamento entre essa variével e a politica monetaria € muito importante Contrariamente ao que argumentam alguns tedricos convencionais, a politica ‘monetatria geralmente tem efeitos positivos e duradouros sobre as taxas de ju- ros reais e, consequentemente, sobre a atividade econdmica e o desemprego. grafico 6 compara as taxas de juros e de desemprego em S20 Paulo, maior regido metiopolitana do pais. Mostra que a taxa de desemprego no Brasil é ex- tremamente elevada, tal comoa taxa de juros, e que qualquer aumento da taxa de juros causa mais desemprego, significando que a atual politica monevaria no Brasil acarreta um custo social realmente elevado.”> Grético 6 Taxa de juros e taxa de desemprego total (RMSP) wo ® 0 % 0 3 Fy 15 10 5 3 SESSSSSESSESSSSSSSSSSSES SSSESRRSEESESERARSSERERES — asset ced) Fone peo NS? ~ Rogiio Maropaitan de So Palo ' : | > Gomes eAidar, 2005. 0 regime de metas de inflagao no Brasil Ij 47 Concluséo Este capitulo discutiu o atual sistema de metas inflaciondrias adotado no Brasil ea armadilha da taxa de juros/taxa de cambio que o pats esta enfrentan- do em razio de sua elevada taxa basica de juros. Primeiro, fizemos uma rapida revisto da politica monetiria no Brasil a partir da data de implementacio do sistema até 0 final de 2006. Segundo, analisamos os problemas advindos da conducio da politica monetiria, argumentando que o regime de metas de inflagao enfrenta importantes problemas te6ricos e, mais importante, enfrenta ‘um dilema de inconsisiencia, uma vez que foi planejado para ser usado na administracao da politica monetdria e nio para mudé-la. O Plano Real foi uma reforma bem-sucedida, pois desindexou a econo- mia brasileira e neutralizou a inércia inflacionaria. Mas ficou incompleto, na medida em que os precos administrados e a divida publica continuaram in- dexados. No entanto, em lugar de trabalhar em ditecao a esse objetivo, as au- toridades monetarias brasileiras aceitaram a recomenda¢ao do FMI de adotar ‘uma ancora cambial entre 1995 e 1998, O resultado foi catastrofico. Mesmo assim, a politica de metas de inflacio foi introduzida no Brasil em 1999, como tum substituto da ancora cambial. Esse novo arcabougo monetario deveria ter sido precedido por reformas que eliminassem todas as formas de indexagio. No entanto, em vez de desenvolver uma estratégia para reduzir a taxa de ju- 10s, envolvendo tais reformas ¢ 0 aprofundamento do ajuste fiscal, o governo continuou a definir a inflacao como o principal problema a ser enfrentado, ¢ adotou uma politica formal de metas inflaciondrias. A consequéncia foi que, desde 1999, a taxa de juros real permaneceu incrivelmente alta, ¢ a economia brasileira nao conseguiu escapar de tal armadilha. Talvez uma melhor estratégia tivesse sido a busca de uma convergencia de longo prazo da inflacdo. Por exemplo, o Chile € 0 México agiram desse modo antes de dar inicio a suas respectivas politicas de metas de inflacio. Eles primeiro buscaram o equilibrio de suas economias e comecaram a liberat projecées de inflacdo com objetivos de longo prazo. Em outras palavras, cles permitiram a inflagao convergir suavemente, e 0 resultado foi umn custo social muito menor, se comparado ao do Brasil. No caso do Chile, que é um modelo de politica macroecondmica competente, a estratégia comecou a ser analisada em 1991. No entanto, a adogao total de uma forma leve de politica de metas de inflacdo ocorreu somente em 2000, quando eles comecaram a liberar seus 48 I Politica monetaria, bancos centrais e metas de inflagaio relatorios de inflacio. No caso mexicano, a estratégia foi semelhante, mas em pertodos diferentes. No Brasil, no houve uma preparagdo adequada da economia antes da implementacéo do sistema. Para adotar a politica de metas de inflacao, as autoridades deveriam ter preparado as variaveis-chave da economia, a fim de que pudessem convergit mais suavemente. Se tivessem se concentrado, pri- meiramente, em livrar 0 pais da armadilha da taxa de juros/taxa de cambio, as metas inflacionarias poderiam ter sido adotadas num segundo momento. Em vez disso, excessivamente preocupadas com a inflacio, as autoridades se apressaram em adotar uma nova ancora nominal. Como consequencia, a taxa de cambio permaneceu altamente instavel ea economia nao conseguiu atingir 0s objetivos de inflagao em alguns anos. Pior, a taxa de juros real em relagao & divida pablica continuou anormalmente elevada — o que envolveu elevados custos fiscais e de desenvolvimento, Por conseguinte, 0 Brasil necessita de uma urgente mudanca em suas prioridades no que se refere & politica moneta- ria. Aalta taxa de juros é o principal problema a ser enfrentado, nio a inflagao. Somente resolvendo esse problema, ¢ somente baixando a taxa de juros para niveis compativeis com seu risco-pais, 0 Brasil conseguira ter niveis interna- cionais de inflagio. Porém, o sucesso dessa ago dependera do envolvimento de toda a sociedade e do governo. jogratia AGLIETTA, M.; BORGY, V. heritage de Greenspan: le triomphe de la politique discri- tionnaire. Bulletin du Cepii,n. 251, déc. 2005. ARESTIS, P; PAULA, L_F de; FERRARI FILHO, F Inflation targeting in emerging countries: the case of Brazil. 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