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Noções básicas de acústica para estúdios

por Miguel Ratton

É muito comum uma pessoa querer


transformar em estúdio uma sala ou quarto
de sua casa, e achar que para isso basta
forrar as paredes com carpete, cortiça ou
até mesmo caixa de ovo. Infelizmente, nem
todos compreendem que as soluções
acústicas podem até ser simples, mas é
preciso entender os fenômenos para buscar
as maneiras mais adequadas de resolver os
problemas.

O objetivo deste texto é apresentar


conceitos básicos e mostrar algumas formas de se melhorar a acústica de um
estúdio. Para questões mais complexas, recomendamos consultar profissionais
qualificados.

Dimensões do estúdio

Um aspecto muito importante diz respeito às


dimensões físicas do recinto. Geralmente
existem freqüências do espectro de áudio
que podem produzir "ondas estacionárias" no
ambiente, quando os comprimentos das
ondas sonoras coincidem com as distâncias
entre paredes, teto e chão. A primeira
solução para evitar esse fenômeno
indesejável é projetar o estúdio com
dimensões que dificultem o aparecimento
das ondas estacionárias (alguns projetistas
preferem até criar estúdios com paredes e
tetos não paralelos).

Deve-se evitar recintos com distâncias iguais


(ou múltiplas) entre paredes e entre piso e
teto, uma vez que isso facilita a ocorrência
de ondas estacionárias. Além disso, a maior dimensão (digamos, o comprimento do
estúdio) não deve ser mais de quatro vezes maior do que a menor dimensão
(digamos, a altura do teto). Por outro lado, um recinto muito pequeno poderá
tornar difícil o tratamento acústico para corrigir as "colorações" criadas no som
pelas diversas reflexões. Salas maiores em geral são mais fáceis de ser tratadas
acusticamente.

É recomendável fazer uma análise do provável comportamento acústico do recinto,


baseado nas distâncias entre paredes e altura do teto. A partir das conclusões
dessa análise, pode-se saber se as dimensões são críticas ou viáveis. Se são
críticas, devem ser redefinidas. E como nem sempre é possível determinar as
dimensões do recinto mudando as paredes de lugar, muitas vezes a solução é
construir uma nova parede à frente da original, ou rebaixar o teto. Se as dimensões
do recinto são viáveis, é necessário então avaliar quais materiais deverão ser
usados - e de que maneira - para que se possa eliminar as imperfeições acústicas
que possivelmente ainda poderão ocorrer.
Para saber o comportamento acústico de um recinto retangular, sugerimos usar a
planilha de análise disponível na seção Download do site da revista Música &
Tecnologia.

Ainda na fase de escolha da concepção do estúdio, também é importante pensar


previamente nas instalações elétricas e, principalmente, na instalação do sistema
de ar condicionado. Se for necessário construir paredes ou tetos extras, verifique
atentamente as possíveis interferências com eletrodutos (para iluminação e
alimentação de energia) e dutos de ar condicionado. Certifique-se de que as
alterações de paredes e teto para a solução acústica não gera problemas em outras
áreas. Lembre-se sempre de que é melhor perder um pouco de tempo antes de
fazer do que ter que refazer!

Isolamento acústico

Cada tipo de material possui uma característica própria, no que se refere a


isolamento acústico, dependente da sua densidade e também de sua espessura. O
parâmetro chamado de classe de transmissão sonora (STC) é um valor
numérico de classificação que mostra a redução da transferência do som através de
um determinado material, ou combinação de materiais. Essa classificação
geralmente se aplica a materiais duros, como tijolo, concreto, massa de parede,
etc. É verdade que qualquer material bloqueia uma porção da transmissão do som,
mas efetivamente, os materiais de alta densidade são melhores nesse aspecto do
que os materiais leves. A solução mais comum para reduzir a transferência do som
de um ambiente para outro é o uso de parede dupla, com um espaço entre elas,
que pode ter apenas ar ou um material absorvedor (ex: lã-de-vidro). Quanto maior
for o coeficiente, melhor será o isolamento. A tabela abaixo mostra alguns
exemplos de materiais.

MATERIAL DA PAREDE STC

parede dupla de gesso 16mm c/ miolo de 10cm de lã-de-vidro 38

parede dupla de gesso 32mm c/ miolo de 10cm de lã-de-vidro 43

parede de tijolos de concreto com furos cheios de areia 53

Não se esqueça de que o isolamento deve ser eficaz nos dois sentidos, isto é, não
deve permitir a passagem do ruído ambiente (tráfego, etc) para dentro do estúdio,
bem como evitar que o som do estúdio seja ouvido no exterior. Em alguns casos, é
fácil isolar o som externo, mas nem tão fácil evitar que o som produzido no estúdio
incomode os vizinhos!

Infelizmente, a maioria das paredes de construções comuns não possui densidade e


espessura suficientes para barrar efetivamente o som (tanto de dentro para fora
quanto de fora para dentro). Além disso, geralmente os cômodos de casas ou
imóveis comerciais possuem janelas e portas sem qualquer tratamento especial,
através das quais o som pode passar
com facilidade.

No caso de janelas voltadas para o


exterior, a melhor solução é eliminá-
las definitivamente, fechando-as
com alvenaria. Caso isso não seja
possível, então é necessário transformá-las em janelas especiais, com vidros mais
espessos (preferencialmente duplos) e vedações eficientes. Tenha sempre em
mente de que a janela poderá sempre ser um ponto fraco no isolamento acústico,
além de ser uma fonte potencial de infiltração de água de chuva, por exemplo. No
caso de estúdios de gravação, que precisam de uma janela interna entre a sala
técnica e a sala de gravação, esta deverá possuir vidro duplo, montados de tal
forma que não haja contato direto entre a estrutura de fixação de cada um (veja
figura).

Revestir simplesmente as paredes com carpete ou outro material comum não trará
qualquer resultado prático, pois o som precisa de "massa" para ser bloqueado.
Dessa forma, ainda que eventualmente possa melhorar a acústica interna,
diminuindo reflexões, a camada fina do carpete não oferecerá qualquer resistência
à transmissão do som.

No caso de paredes já existentes, uma solução é criar uma outra "parede" de


gesso, afastada alguns centímetros da parede original. O espaço entre a parede
original e a nova parede pode ser preenchido com material absorvedor, como lã-de-
vidro, por exemplo. É importante atentar para os detalhes de fixação das placas de
gesso, para que não haja um contato direto entre as paredes que permita a
transferência mecânica do som de uma a outra. Também é preciso eliminar todas
as fendas e quaisquer tipos de frestas, através das quais o som poderá vazar.

O teto e o piso originais do recinto também deverão ser avaliados dentro do mesmo
objetivo de criar barreiras para a transferência do som. O mesmo princípio da
parede dupla pode ser aplicado ao teto, devidamente adequado às condições físicas
(estrutura suspensa). Uma atenção maior deverá ser dada quanto à vedação de
frestas e furos, uma vez que o teto rebaixado geralmente é usado para a instalação
de luminárias, passagem de cabos e dutos de ar condicionado.

O piso pode ser uma parte crítica, pois é nele que ocorrem os maiores níveis de
ruído de impacto, sobretudo no caso de bateria e percussão (pedal de bumbo,
tambores colocados no chão, etc). Colocar um tapete grosso não resolve esse tipo
de problema, embora possa atenuar o barulho de passos, por exemplo. Assim como
no caso das paredes e do teto, a solução mais indicada é criar um piso acima do
original, e isolado deste por meio de algum tipo de suspensão (blocos de borracha,
por exemplo).

Além da preocupação com o isolamento do ruído ambiente externo, é preciso


avaliar também o ruído que será produzido pelo sistema de ar condicionado a ser
instalado no estúdio. Além do barulho junto à máquina, deve-se levar em conta
ainda a possível transferência desse ruído através do duto de ar e também por
transmissão mecânica, pela vibração da estrutura dos dutos e contato desta com as
paredes e teto do estúdio. Uma das soluções para reduzir o barulho vindo por
dentro do duto de ar é revesti-lo internamento com material absorvedor. E para
evitar a transferência da vibração da máquina pelo duto, é comum fazer um
desacoplamento mecânico do mesmo, seccionando-o e unindo as partes com uma
peça flexível. Tais providências em geral causam perda de eficiência da máquina, o
que deve ser também considerado.

Tratamento acústico

Uma vez construídas as paredes e o teto do estúdio (nas dimensões otimizadas e


dentro dos critérios adequados de isolamento), é necessário fazer um tratamento
interno das superfícies, buscando-se as condições ideais para a aplicação que se
quer.
Antes de se definir qual o tipo de material a ser usado no tratamento acústico, é
importante conhecer o coeficiente de redução de ruído (NRC). Ele é um valor
numérico de classificação que permite quantificar a capacidade de um determinado
material em absorver o som. Esse coeficiente em geral se aplica mais a materiais
macios, como espuma acústica, lã-de-vidro, carpete, etc, embora também possa
ser aplicado a materiais "duros" como tijolo e massa de parede. O NRC de um
material é a média de absorção de várias freqüências centrais entre 125 Hz e 4
kHz. Quanto maior for o coeficiente, melhor será absorção do material. A tabela
abaixo mostra alguns exemplos de materiais.

MATERIAL NRC em 125 Hz NRC em 4 kHz

carpete grosso sobre concreto 0,02 0,65

piso de madeira 0,15 0,07

concreto pintado 0,01 0,08

Mesmo com um estúdio construído dentro de dimensões otimizadas, muito


provavelmente ainda será necessário fazer algum tipo de correção, devido às
reflexões do som que ocorrerão nas superfícies. O tipo de solução no tratamento
acústico vai depender da resposta que o recinto estiver produzindo. Existem
soluções orientadas para cada tipo de problema.

Há algumas décadas, muitos estúdios eram construídos com revestimento acústico


extremamente absorvedor, de maneira a "matar" totalmente as reflexões. Isso, no
entanto, tornava o estúdio um abiente completamente incomum, se comparado aos
locais onde normalmente se ouve música.

Hoje, os estúdios costumam ter uma acústica "neutra", geralmente com uma
parede mais reflexiva e outra mais absorvedora. Para se conseguir essa situação,
utilizam-se painéis de materiais adequados presos às paredes do estúdio, de forma
a absorver energia das ondas sonoras que atingem as paredes. O tipo de recurso a
ser usado vai depender da faixa de freqüências do espectro do som que se queira
absorver.

Os materiais porosos (espuma, carpete, etc)


em geral são eficientes para absorver
agudos, pelo fato destes possuirem
comprimentos de onda pequenos, e assim
qualquer pequena irregularidade do material
é capaz de diminuir a energia da onda
sonora. Já no caso dos graves, é preciso criar
dispositivos compatíveis com os
comprimentos de onda grandes, o que é feito
com painéis especiais de amortecimento
(chamados de "bass-traps"), que vibram com
os graves e ao mesmo tempo absorvem a
energia dessa vibração, não devolvendo a
onda ao ambiente. Em algumas situações,
pode ser necessário reduzir a sustentação de
apenas uma determinada faixa de
freqüências do espectro, e para isso são usados painéis sintonizados, devidamente
calculados.
Conclusão

Como se pode ver pelo exposto, o projeto acústico de um estúdio envolve vários
fatores, que devem sempre ser considerados. Ainda que se possa estimar
previamente o comportamento do recinto, somente depois de construído e com
todos os equipamentos instalados e operando é que se consegue ter uma avaliação
concreta, pois as superfícies dos equipamentos e do mobiliário podem também
interferir no resultado que se ouve.

Por isso, é aconselhável consultar um profissional experiente, que com sua vivência
no assunto poderá prever com muito mais precisão os resultados.

Referências:

- Exemplos de Projeto de Acústica - Audio List FAQ


- Música & Tecnologia - Download
- Practical Guidelines For Building A Sound Studio - Auralex Acoustics
- Studio Acoustics - Primacoustic
- Building a Recording Studio (Jeff Cooper) - Synergy Group

Este artigo foi publicado no music-center.com.br em 2004

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