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Até o Fim dos Tempos

Gustavo Martins
As ruas estavam no mais completo caos. Por todos os lados pessoas corriam, tentando
desesperadamente fugir da ameaça mortífera enquanto os grandes arranha-céus se desfaziam em
escombros e nuvens de pó. A sociedade humana construída ao longo de vários anos agora caía
em instantes perante o invasor implacável

No meio de todos os gritos de dor e desespero uma criança vagava aterrada. Sua mente
infante não compreendia o que estava ocorrendo. Para ela as imagens dos corpos mutilados, das
ruas manchadas de vermelho, dos destroços de lugares que considerava seguros pareciam tão
surreais quanto os monstros que a perseguiam nos pesadelos. Porém aquilo era real, um inferno
instaurado na Terra.

Ela tentou arrastar seu corpo debilitado para uma pequena abertura no chão, mas foi
impedida por outros que já ocupavam o esconderijo. Manteve-se andando por mais tempo do
que jamais ficara e por toda a caminhada viu apenas mais e mais pedaços do que um dia foram
seres humanos. Sentia seu estômago revirar a cada vez que aquela imagem lhe era forçada,
porém já expelira do corpo todo alimento que consumira nos últimos dois dias. A única coisa
que a fazia sentir-se pior que a visão dos cadáveres despedaçados eram os sons. Aqueles
estampidos altos e contínuos que precediam as altas explosões e os ruídos guturais.

Aquele inocente ser que agora vagava solitário pelo caos que do mundo não fazia idéia da
causa de tamanha desgraça. Também não lhe era esperado saber, pois às crianças, e apenas a
elas, pertence o direito à ignorância, mesmo que cada um dos seres humanos que ainda viviam
desejasse do âmago do seu ser ignorar o que sabiam.

A guerra eclodiu quando um homem, em nome de seu Deus, matou uma centena de pessoas
numa estação de trem. Tal desumanidade não poderia passar impune e o assim chamado
“terrorista” foi executado. Em retaliação, a nação na qual ele nascera voltou todo seu poder
bélico contra a outra, dando início a tudo. Ou ao menos é no que queriam que o povo
acreditasse. A verdade é que aquele era um conflito inevitável. Em poucos anos o mundo não
mais suportaria todos seus ocupantes e, eventualmente, toda a humanidade seria destruída de um
modo ou de outro. Porém os humanos não permitiriam que isso ocorresse, pois apenas a eles
cabia o direito de trazer o próprio fim. Por várias outras vezes tentaram se destruir usando sua
idolatrada ciência e o de seus Deuses, porém em todas falharam. Mas isso não voltaria a ocorrer.

Com o passar dos anos e com o avançar da tecnologia o homem tornou-se cada vez mais
eficaz em tirar a vida de seus iguais e as forças empregadas nesse conflito eram o ápice da
mortalidade. Soldados em armaduras negras, forjadas através de materiais que nem a própria
natureza pôde criar, carregavam armas que não danificavam a carne, mas desfaziam a própria
matéria levando-a de volta ao estado primordial de caos e outras capazes de despedaçar corpos
com um único projétil. Obras primas do massacre, capazes de superar a própria morte em
efetividade e números de mortes a cada disparo. Criar tais objetos consumiu a vida e a alma de
centenas, talvez milhares, mas o sucesso era inegável. Cinco mil anos de pecados finalmente
seriam compensados: O crepúsculo da humanidade chegará enfim.

E no quinto dia ouviu-se o ultimo disparo. Um estampido solitário, um grito de medo e alívio
que ecoou por todos os cantos da Terra. Seguiu-se um baque abafado e então veio o silêncio. A
tão ansiada paz finalmente chegará e o paraíso se fez, alicerçado sobre os cadáveres de toda a
humanidade.
Porém um último ser vivia. Um infante marcado pelo sangue, uma nova semente que
germinaria junto a outras e espalharia a peste pelo mundo novamente. O ciclo de erros e
pecados se repetiria novamente.

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