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Workshop em Tecnologias Tropicais - Agricultura, Silvicultura e

Pecuária Tropicais

Aspectos económicos do uso da água para


rega em zonas tropicais: o preço da água
enquanto instrumento de políticas de
desenvolvimento

Prof. Francisco Gomes da Silva (ISA, Agroges)


Eng. Manuel Goulart de Medeiros (Agroges)

AITEC - Oeiras
19 de Maio de 2010

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Tópicos a abordar

1. A importância da agricultura e do regadio

2. Princípios económicos para a gestão da água

3. Oferta e procura de água para rega

4. Estratégia mais adequada

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1. A importância da agricultura e do regadio

 A agricultura é a maior “indústria” do mundo


 emprega mais de 1 bilião de pessoas
 gera, anualmente, alimentos em valor superior a 1 trilião de dólares
 áreas de pastagens e terra arável representam cerca de 50% da superfície
‘habitável’ do planeta Terra

 Em muitas regiões do mundo, a produtividade actualmente alcançada pela


agricultura depende da existência de regadio; em muitas regiões tropicais,
as produtividades estão ainda longe de atingir o seu potencial

 A população mundial está em crescimento acelerado e regionalmente


assimétrico  desafio tecnológico para produção de alimentos

 Globalmente, a agricultura representa cerca de 69% da utilização de água


doce no planeta (outras industrias-23%, consumo doméstico-8%)

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 Diversos estudos internacionais confirmam o papel decisivo da agricultura
de regadio no desenvolvimento sócio-económico das zonas rurais (por
comparação com a agricultura de sequeiro):
 maior nível de escolaridade e qualificação das populações
 maior densidade populacional
 menor taxa de envelhecimento das populações
 maior poder de compra das populações
 (...)

 Na generalidade das regiões do mundo, a água é um recurso do domínio


público, crescentemente escasso (escassez expressa pelo custo associado
à sua disponibilização), e de importância estratégica

 O acesso dos agricultores à água para rega faz-se através de:


 captações privadas (furos, poços, pequenas barragens, margens do rios ...)
 estruturas públicas de rega (perímetros hidro-agrícolas, frequentemente
enquadrados em Projectos de Desenvolvimento)
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Recurso imprescindível e muito procurado
(produção de alimentos, bem-estar e desenvolvimento socio-económico, ...)
+
Escassez (quantidade e qualidade)
+
Necessidade de investimentos para captação e distribuição

VALOR ECONÓMICO E AMBIENTAL DA ÁGUA PARA REGA

- a oferta: quanto custa disponibilizar água para rega?


- a procura: quanto pode o agricultor pagar pela água de rega que utiliza?
- o mercado: o “preço da água” como instrumento de políticas de apoio ao
desenvolvimento e de protecção dos recursos hídricos?

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2. Princípios económicos básicos para a gestão da água

Uma utilização sustentável dos recursos hídricos implica:

 internalização dos custos decorrentes de actividades susceptíveis de


causar um impacto negativo na qualidade e quantidade de água
disponíveis
 custos ambientais
 custos de escassez

 recuperação dos custos dos serviços públicos que proporcionem


vantagens aos utilizadores (caso dos regadios públicos)
 custos com o investimento/recuperação de estruturas públicas de captação,
armazenamento e distribuição de água
 custos de manutenção
 custos de exploração das referidas infra-estruturas

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Três princípios que deverão ser tidos em conta:

• Princípio do valor social da água


– a água é um bem de consumo ao qual todos devem ter acesso

• Princípio da dimensão ambiental da água


– a água constitui um activo ambiental que exige a protecção capaz de lhe
garantir um aproveitamento sustentável (transmissibilidade às gerações
futuras)

• Princípio do valor económico da água


– a água, constituindo um recurso escasso, deve ter uma utilização eficiente,
confrontando-se o utilizador e a sociedade com os custos e benefícios
inerentes ao seu uso

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3. Oferta e procura de água para rega

• O preço a pagar (pelos utilizadores ou pela sociedade)pela utilização da


água para rega é função do seu grau de escassez, isto é, da sua oferta e da
sua procura.

• Para que “exista mercado”, é necessário que o preço exigido por quem
coloca a água no mercado (Estados) possa ser pago pelos agentes que a
utilizam (agricultores), ou seja, é necessário que as actividades
económicas em causa (actividades agrícolas e pecuárias) sejam
competitivas na utilização que fazem da água.

• Sobre o preço que se forma no mercado, poderão incidir medidas de


política, com objectivos de racionalizar a sua utilização, nomeadamente :
– suprindo as falhas de mercado que possam existir;
– favorecendo utilizações consideradas socialmente importantes;
– assegurando o seu uso sustentável;
– zelando pela manutenção da sua qualidade.

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De acordo com o que foi dito, o cálculo do preço da água de rega pode ser
encarado:

• na óptica da oferta de água, ou seja, nos custos da água (CA), decorrentes da


captação, armazenamento e distribuição da água até ao local em que vai ser
utilizada;

• ou, na óptica da procura de água, ou seja, na disposição a pagar (DAP) pela


água de rega por parte dos seus utilizadores.

No limite, só existirá mercado, se:

DAP  CA

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3.1. O custo da água de rega (CA)

O custo de água (CA) de rega deverá integrar os seguintes componentes:

• custos de investimento, que se referem a despesas de construção civil e


em equipamentos decorrentes da instalação de infra-estruturas
hidráulicas;
• custos anuais de exploração, que dizem respeito a despesas com pessoal
e energia eléctrica;
• custos anuais de manutenção e conservação, que se referem a despesas
associadas com a manutenção/conservação das obras de construção civil
e dos equipamentos;
• custos ambientais e de escassez decorrentes da disponibilização de água
de rega.

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Os custos de investimento, exploração e manutenção de um dado projecto
hidroagrícola são, usualmente, estabelecidos por m3 de água utilizada
anualmente com base nos respectivos custo equivalente anual (CEA) e
volume de água (VA) de rega.

• o CEA obtém-se a partir do somatório dos valores actualizados dos diferentes


tipos de componentes do custo da água Ct (Investimento, Manutenção,
Conservação, Exploração) multiplicados pelo factor de reposição de capital (FRC)
referentes aos correspondentes anos de vida útil das infra-estruturas (n) e custo
de oportunidade do capital (i).

i1  i 
n n
1
CEA=  Ct   FRC sendo FRC 
t 1 1  i t
1  i n  1

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Os custos ambientais (associados com a poluição pontual e difusa)
decorrentes da utilização da água de rega, e os custos de escassez (referentes
à disponibilidade relativa da água de rega) são de valorização económica
difícil e, por isso, são, usualmente, levados em consideração através de
parâmetros específicos estimados para o efeito.

– Coeficiente ambiental: agrava o preço de acordo com a carga poluente


associada à utilização da água  a receita desta taxa deverá ser usada para
despoluir (activa ou preventivamente) as reserva de água (lençois freáticos,
rios, etc...)

– Coeficiente de escassez: agrava o preço em função da escassez de água na


região e no volume consumido  inibindo desta forma usos exagerados de
água em regiões onde a escassez é particularmente importante.

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3.2. A disposição a pagar (DAP) pela água

• A DAP (disposição a pagar) pela água de rega corresponde ao benefício


que os produtores agrícolas de regadio esperam vir a alcançar no âmbito
das actividades de produção em que a água é utilizada.

• O cálculo da DAP baseia-se na determinação do rendimento da água


(RA), ou seja:
– no resultado líquido obtido quando se subtraem às receitas totais os custos
associados com o pagamento ou remuneração dos factores intermédios e
primários de produção (incluindo a terra e o empresário), com excepção dos
custos correspondentes à disponibilização da água de rega à entrada da
parcela.

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PROCESSO DE CÁLCULO DA DAP
Valor da Produção (VP)
+ Subsídios à Produção (SP)
- Consumos Intermédios (CI)
- Consumo de Capital Fixo (CCF)
- Remuneração do Trabalho (S)
= Rendimento da Água da Terra e do Empresário (RATE)
- Custo de Oportunidade da Terra e do Empresário (COTE)
= Rendimento da Água (RA)
÷ Volume da Água (VA)
= Disposição a Pagar (DAP)
3
(unidades monetárias/m )
- Preço da Água (PA)
3
(unidades monetárias/m )
= Benefício Líquido (BL)

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3.3. Formação do preço da água para rega

Preço da Água (Análise Teórica)


Diagrama representativo da Procura (D) e Oferta de Água (S) num dado momento
no tempo
€/m3
C

B
P

D
O 3
V m de água

Benefício total = DAP = Área OVBC


- Custo total = CA = Área OABV Preço da água = P = DAP marginal = CAmarginal
= Benefício Líquido = BL = Área ABC Volume da Água = V
Preço da água (análise empírica)
Diagrama representativo da Procura (D) e Oferta de Água (S) num dado momento no tempo

€/m3 AR1, AR2 … AR5 -> actividades de regadio


a b
CE (custo de exploração), CM (custos de
b1 c manutenção), CC (custos de capital ou investimento)

DAP
-DAP1 da AR1 = área de a b h1 0
CC+CM+CE l k m S -……………………………….
c1 d -DAP5 da AR5 = e1 f h5 h4
-DAP total = Σ das DAP
d1 e
PA – depende dos custos que se pretendem
recuperar (PA=CE, ou PA=CM+CE, ou
CM+CE i S'
PA=CM+CE+CC), e dos coeficientes de escassez e
e1 f D
ambiental
CE g S''
BL = DAP - PA
h h1 h2 h3 h4 h5
0 AR1 AR2 AR3 AR4 AR5 m3 de água
PA – preço da água para rega
• pode ser estabelecido a partir das componentes do CA e dos coeficientes de
escassez () e ambiental ()
• as componentes do CA a incluir no preço da água decorrem das opções de
“política da água” (todas, apenas expl.+conserv.+manut., apenas expl., apenas
despesas com energia, nenhuma)
• quanto mais componentes de CA nele estiverem incluídas, e quanto mais
elevados forem os coeficientes de escassez e ambiental, mais elevado será o
preço da água (curva empírica da oferta desloca-se para cima)
• quanto mais elevado for o preço da água:
• menos actividades de regadio apresentam BL>0 (menos actividades são
competitivas no uso da água de rega)
• menos diversificada fica a ocupação do solo (apenas permanecem as actividades
mais competitivas no uso da água)
• menor tenderá a ser o volume total de água consumido na zona do perímetro de
rega

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4. Estratégia mais adequada

Diferentes tipos de tarifários:


• volumétrico (por m3 de água efectivamente consumida)
• por unidade de área beneficiada/regada (por hectare e cultura)
• misto (componente fixa e componente variável)

Um sistema de tarifário simples, completo e aplicável (controlável):


• componente fixa (usd/ha) – destinada a cobrir os custos equivalentes anuais
de Investimento (caso de novos investimentos) ou os custos da respectiva
substituição (caso de perímetros já existentes, que necessitem de obras
avultadas de recuperação), bem como os custos anuais de conservação e
reparação  utilizador ou proprietário?
• componente variável A (usd/m3) – destinada a cobrir os custos anuais de
exploração das infra-estruturas hidráulicas em causa  utilizador!
• componente variável B (usd/m3) – destinada a cobrir os custos ambientais e
de escassez, e que deverá resultar dos coeficientes  (característico da região)
e  (associado, por exemplo, à carga poluente de cada actividade agro-
pecuária) anteriormente referidos  utilizador!

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Um exemplo (Perímetro irrigado da Matala – Lubango, Angola):
- Recuperação e modernização de perímetro de rega para beneficiar cerca de
6.000 hectares (8.900 ha cultivados por ano – cerca de 1,5 culturas por ano)
Investimento (usd) 120.721.530
Valor residual do investimento (usd) 12.072.153
Valor residual actualizado 3%/ano (usd) 4.973.567
FRC (n=30 e i=3%) 0,0510

CEA do Investimento (usd/ano) 5.905.375


C. Anuais de Cons.+Rep. (usd/ano) 1.424.514
Valor do CA (sem
C.Anuais de Exploração (usd/ano) 796.762 componete ambiental e
CEA Total (usd/ano) 8.126.651 de escassez)

Função de:
Consumo de água actual – 3.420.000 m3/ano - Taxa de adesão ao regadio
- Área de cada cultura
Consumo de água em ano cruzeiro – 41.640.000 m3/ano - Consumo de água por cultura

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Hipótese de tarifário de base:
Componente fixa = (CEA Inv.+C.Anuais Cons.Rep.) / Área benef. = 823,60 usd/ha.ano
Componente variável A = C.Anuais de Exploração / Volume de água = 0,019 usd/m3
Componente variável B = 0,019 x ( + ) = ?? usd/m3

Apuramento da DAP (por actividade)


Actividades Área (ha) QA (m3/ha) DAP(usd/m3) Volume (m3/ano)
Milho 1ªÉpoca 3.300 3.000 0,310 9.900.000
Milho 2ªÉpoca 2.300 6.000 0,418 13.800.000
Feijão 1ªÉpoca 900 3.000 1,033 2.700.000
Feijão 2ªÉpoca 1.400 6.000 0,652 8.400.000
Cebola 2ªÉpoca 500 7.200 2,705 3.600.000
Batata 2ªÉpoca 300 6.000 5,506 1.800.000
Tomate 2ªÉpoca 200 7.200 7,052 1.440.00

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Que preço praticar para a água ?

• comparar diversas hipóteses com as DAP das diversas culturas...

Actividades DAP(usd/m3) C.Expl. (usd/m3) C.Exp+C.Man. C.Total (usd/m3)


Milho 1ªÉpoca 0,310 0,019 (…) 0,2935
Milho 2ªÉpoca 0,418 0,019 (…) 0,1563
Feijão 1ªÉpoca 1,033 0,019 (…) 0,2935
Feijão 2ªÉpoca 0,652 0,019 (…) 0,1563
Cebola 2ªÉpoca 2,705 0,019 (…) 0,1333
Batata 2ªÉpoca 5,506 0,019 (…) 0,1563
Tomate 2ªÉpoca 7,052 0,019 (…) 0,1333

• que opção tomar?

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Três questões essenciais (regiões tropicais):
• realismo do valor das DAP – fazibilidade técnica vs. logística e organização de
mercados leva a valores observados de DAP muito mais reduzidos
• impacto do regadio no estado actual de utilização da tecnologia é, normalmente,
muito reduzido – aversão à rega
• tecnologia de regadio é mais exigente e não é dominada – aversão à rega

Três consequências (regiões tropicais):


• necessidade de organização dos mercados (factores e produtos) , e estímulo às
agro-indústrias (como motores da procura de produtos agrícolas)
• necessidade de formação e assistência técnica aos agricultores (salto tecnológico)
• qualquer nível de preço tende a originar a não utilização da água para rega

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Estratégia mais adequada:
• investimento público na recuperação e construção de infra-estruturas de
rega deverá ser realizado sem expectativa de recuperação
• no período inicial a água de rega deverá ser “tendencialmente gratuita”,
para que o salto tecnológico e a aprendizagem se possa processar
• preço futuro deverá evoluir de acordo com a resposta e a adesão ao
regadio, incorporando sucessivamente

– Custos de exploração 5 anos?


10 anos?
– Custos de manutenção
20 anos?
– Custos ambientais e de escassez …..
– Custos de investimento

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