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da má teologia, de uma falta de sentido da medieval e também o Ancien Regime do

história, e me permita dizer, também da au- período anterior à Revolução.


sência de fé. O integralismo está presente P - Mas o catolicismo intransigente encon-
também na Igreja atual, mas o Vaticano II trou novo alimento com o pontificado de
cancelou toda sua sustentação teológica. O Karol Wojtyla.
Concilio prefere falar da Igreja não mais R - É fácil e cômodo limitar-se a episódios
como "sociedade perfeita", mas como discutíveis. O que é mais importante é co-
"mistério de comunhão". O Concilio, além lher, na atividade de João Paulo II, aquelas
disto, esclareceu definitivamente a carac- linhas reveladoras da conexão entre o
terística laica da política, da economia, das Concilio e a presença operante da religião
ciências e, conseqüentemente, a autônoma num mundo que vai se modificando. A soli-
responsabilidade dos cristãos nestes cam- dariedade entre os homens e as nações
pos. A guinada é profunda: significa que a como caminho para a paz e o desenvolvi-
Igreja não tem uma missão política, nem mento, a penetração da fé como cultura na
econômica, mas essencialmente ética e reli- realidade pluralista e secularizada da Eu-
giosa. Cai, pois, a sobreposição entre fé e ropa, tais são as mensagens do atual ponti-
política, que caracterizava a cristandade ficado.

ARAFAT

Os ideais
de liberdade,
igualdade e
fraternidade
são mais
atuais hoje
no Terceiro
Mundo
do que
nos países
desenvolvidos

INTIFADA, A CAÇULA
Yasser Arafat, neste fim dos anos 80, R - A Revolução Francesa possui um
tornou-se mesmo um homem da História. grande significado para todos os povos do
A constituição da OLP em Estado e o reco- mundo. Influenciou todas as outras revolu-
nhecimento do direito de existência do Es- ções democráticas da Europa. O modelo re-
tado de Israel projetaram Arafat e a sua na- volucionário foi adotado em seguida por to-
ção atormentada para a ribalta da iniciativa dos os países do mundo. Num certo sentido
política mundial. também a revolução chinesa e outras revo-
luções nacionais do Terceiro Mundo,
P - Presidente Arafat, a Europa se apronta mesmo indiretamente, tiveram sua origem
a celebrar o bicentenário da Revolução na Revolução Francesa. Aqueles ideais de-
Francesa. É uma revolução que envolve mocráticos mantêm grande atualidade entre
apenas os países ocidentais, ou também os os países do Terceiro Mundo que vivem
países do Terceiro Mundo? ainda em condições de dependência e de
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tá de liberdade, condições comparáveis despótico, pelas pressões de um amplo con-
nelas que existiam na Europa antes da senso popular, saísse de cena por conta pró-
Revolução. Hoje, num certo sentido, pode- pria. Infelizmente, estas formas anacrôni-
K dizer que os ideais de liberdade, fraterni- cas, antipopulares de poder, que sobrevi-
Mbde e igualdade são mais atuais nos países veram dezenas de anos ou até séculos,
idb Terceiro Mundo do que nos países in- nunca deixaram o poder mansamente. En-
dustrializados. tão a irrupção da violência popular, da vio-
P - Mas o sr. se considera um descendente lência organizada das massas parece histo-
ou um adversário desta revolução? ricamente inevitável. Isso não quer dizer
B. - Eu me considero, juntamente com o que ela representa um valor em si.
•uvimento que lidero, intimamente ligado à P - Refere-se à revolta do seu povo nos ter-
Revolução Francesa. Na minha pátria ritórios ocupados?
combate-se para que a liberdade, a igual- R - A intifada do nosso povo é um produto
dade e a democracia sejam os valores su- particular no âmbito das revoluções popu-
garemos da vida. lares. É um movimento que nasce de uma
P - Também no mundo árabe, islâmico? longa história de repressão e resistência. A
R - Com toda certeza, os ocidentais desco- sua força motora não é a violência, mas o
nhecem o quanto é profunda a influência e endurecimento do ocupante israelense. Na
o impacto da Revolução Francesa sobre a intifada não há violência, pelo contrário,
cultura do mundo árabe e islâmico. Entre ela é o alvo da violência.
os intelectuais, os escritores e os pensadores P - Há relação entre a proclamação do Es-
do século XIX do mundo árabe houve uma tado Palestino independente e a Declaração
grande reflexão sobre a Revolução Fran- dos Direitos do Homem da Revolução
cesa. O evento foi percebido como um Francesa?
acontecimento central da sociedade mun- R - A nossa referência do ponto de vista le-
-ial, um acontecimento que abriu uma gal é a Declaração Universal dos Direitos
época. Napoleão, com a sua campanha do do Homem das Nações Unidas, aprovada
Egito, fez conhecer ao mundo islâmico os depois da vitória contra as forças do na-
valores da Revolução, respeitando ao zismo e do fascismo na 2^ Guerra Mundial.
mesmo tempo os nossos costumes e as nos- Estou convencido de que os redatores da-
sas tradições. Aliás, poucos sabem que Na- quela Declaração Universal inspiravam-se
poleão estava prestes a converter-se ao Islã. nas precedentes declarações dos direitos do
P - Três revoluções, aquela de Cromwell na homem. De todo modo, há de se dizer que a
Inglaterra, a de Robespierre na França, a Carta da Revolução Francesa entrou em
de Washington na América: com qual o sr. crise quando se tratou de aplicá-la às colô-
se identifica mais? nias. E isto vale também para os america-
R - A revolução palestina extrai linfa do nos, que preservaram a escravidão quase
patrimônio de todas estas revoluções. To- por um século além da data de sua procla-
davia, os princípios de Revolução Francesa mação dos direitos do homem.
tiveram um impacto, uma força propulsora P - Qual é o político europeu que hoje re-
particular, graças ao contacto cultural, presenta melhor os ideais da Revolução
histórico, geográfico, entre o mundo árabe e Francesa?
a Europa mediterrânea. R - Existem diferenças culturais muito pro-
P - Que acha a respeito da figura histórica fundas na Europa. Poderá parecer mais fá-
de Robespierre? cil procurar entre os homens políticos fran-
R - Sem dúvida alguma, uma grande fi- ceses, porque pertencem à mesma tradição
gura. Uma figura trágica. Nestes últimos cultural da Revolução. Mas é inquestioná- Napoleão levou
duzentos anos todos aqueles que se envol- vel que um homem como Olof Palme,
veram em processos revolucionários ti- grande estadista e líder europeu, mesmo ao mundo
veram diante dos seus olhos aquele modelo pertencendo a uma tradição cultural total- islâmico os
trágico. Falo da tragédia de uma revolução mente diferente daquela francesa, não deixa
que devora seus próprios filhos. Essa auto- de representar uma encarnação daqueles valores da
destruição do poder revolucionário deve ser
evitada, é a grande lição negativa que deve-
ideais.
P - Que acha de François Mitterrand?
Revolução.
mos aprender da Revolução Francesa. R - É um grande estadista, herdeiro cons- Poucos sabem
P - Mas não é inevitável que as revoluções
assumam formas violentas?
ciente da Revolução Francesa. Faz dela um
ponto de honra, acentuando esta herança.
que esteve
R - Geralmente os poderes ocupantes ou Talvez seja interessante refletir sobre o fato prestes a
dominantes, os poderes despóticos, as tira-
nias, não abandonam o campo por sua livre
de que Mitterrand, que foi por dezenas de
anos o adversário do general De Gaulle,
converter-se
e espontânea vontade. Pode-se imaginar hoje aparece aos olhos de muitos como o ao Islã
uma autêntica revolução sem nenhuma vio- herdeiro daqueles aspectos da Revolução
lência caso se verificasse que aquele poder encarnados antes por De Gaulle.
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