Você está na página 1de 11

Fomação da Orquestra

10 – 1º Violinos
8 – 2º Violinos
7 – Violas
3 – Violoncelos
3 – Flautas Transversal
3 – Trombones
3 – Trompetes
3 – Sax Auto
2 – Sax Tenor
1 – Sax Baritono
2 – Trompas
1 – Tuba
2 – Clarinetes
1 – Guitarra
1 – Contrabaixo
1 – Bateria
1 – Teclado
A Música Sinfônica
por Filipe Salles

A orquestra

A orquestra é uma das mais belas entidades artísticas de nossa civilização. Através
dela é possível vislumbrar a engrenagem de dezenas ou centenas de vozes
entoando num mesmo sentido a música escrita numa partitura. Assim, num conjunto
orquestral se encerram valores de uma grande sabedoria intrínseca: A
responsabilidade de cada um em gerar harmonia para um conjunto.
Tantos instrumentos, tanta variedade de timbres, tantas funções, e tudo soando
com perfeição. Cada homem, não importa o que toque, desempenhando da melhor
maneira possível, individualmente, sua função para que o conjunto seja belo, e
represente com maestria a Harmonia do Universo.
A palavra orquestra tem origem grega, e significa "lugar para dançar". Embora possa parecer
estranho, devemos levar em conta que para o grego o conceito de teatro era bem diferente, e
significava ao mesmo tempo música, poesia, dramaturgia e dança. Nas encenações de
tragédias, a orquestra era a parte do palco que fazia fronteira com o anfiteatro, que por sua
vez continha o público. Assim, por razões mais relacionadas à disposição física do que
propriamente pelo seu significado intrínseco, é que a civilização ocidental adotou o nome de
orquestra ao conjunto instrumental que se colocava próximo ao anfiteatro. O uso de tal
denominação começou justamente nos primórdios da renascença, quando nasceu a ópera, e a
encenação das óperas necessitava de um conjunto instrumental, situado entre o palco da ação
e o anfiteatro. Daí o termo.
A passagem da Idade média para a Renascença representou para a música um período de
intensas e ricas transformações, entre elas a quebra do monopólio clerical na música, em que
a escrita musical era restrita a apenas certos domínios da igreja; podia então ser apreendida e
compartilhada igualmente por qualquer um que assim quisesse, fosse ele nobre ou plebeu.
Assim, valores musicais antes confinados tornaram-se públicos, dando início a um grande
processo de criação e expansão de gêneros e formas musicais, advindas da mescla entre
tradições populares orais e a escrita musical eclesiástica. Não que não houvesse música
popular antes; sempre houve, mas com pouca ou nenhuma mistura de gêneros e influências.

A Ópera representou a primeira união de tendências (ver o texto sobre ópera), a reunião de
temas míticos e heróicos (retomada e releitura do ideal da tragédia grega) postos num
espetáculo que já podia ser chamado 'multimídia', de amplo alcance, apreciado pelas mais
diferentes culturas e classes sociais. Assim, pela primeira vez foi preciso que os músicos
pensassem numa distribuição instrumental mais complexa que a habitual.
Antes da ópera, a música 'oficial' nas cortes era religiosa, cuja formação instrumental resumia-
se a um órgão que acompanhava cantores, solistas ou coros. Ainda que o órgão era já uma
sofisticação, pois que no séc. XI nenhum instrumento poderia acompanhar as vozes. Eventuais
menestréis e companhias itinerantes animavam os festejos feudais com aquilo que seria a
música popular, que então usavam instrumentos muito peculiares, muitos dos quais evoluíram
aos instrumentos modernos.

A formação instrumental diversa foi uma necessidade que a ópera pela primeira vez
materializou; e como não existia uma tradição instrumental naquela música antes oficial, a
mescla de timbres foi o primeiro grande desafio dos compositores. No início, não havia um
padrão para a distribuição dos instrumentos e nem mesmo algo que determinasse a
quantidade e a diversidade deles. As primeira óperas eram orquestradas com uma variedade
estranhíssima de timbres e o uso constante deles acabou por mostrar, na prática, a forma mais
eficiente de equilibrar uma massa instrumental diversificada.
A título de exemplo, uma lista de instrumentos típica da Renascença, para a ópera de Claudio
Monteverdi, Orfeo (1607):

2 cravos
2 violas contrabaixo (equivalente ao contrabaixo acústico moderno)
Grupo de 10 cordas (provavelmente os violinos, violas e cellos)
1 harpa dupla
2 violinos piccolo
2 alaúdes-baixos
2 órgãos portáteis de tubos de madeira
3 violas da gamba
4 trombones
1 órgão de palheta
2 trombetas (o moderno trompete)
1 flauta doce
1 clarino (trompete agudo)

Temos claramente um exemplo de uma mistura de timbres bastante incomum; diríamos até
moderna, apesar de muitos destes instrumentos não mais existirem atualmente, ainda que
possam ser substituídos por timbres similares ou reconstituídos por lutieres (artesão que
fabrica instrumentos) especializados.

A formação timbrística projetada pela ópera despertou o interesse pela música puramente
instrumental, e que também começou a ser cultivada pela aristocracia e nobreza, aparecendo
nestas classes a figura do mecenas, ou o patrocinador da arte. Um pouco da mescla da
música popular com a música escrita - que era justamente o diferencial entre ambas - tornou a
música erudita, de gosto refinado por conter elementos simples ao gosto do público mas de
discurso elaborado, de lógica mais complexa e caráter nobre. O gênero instrumental foi um dos
mais cultivados no período Barroco, que explorou largamente diversas combinações
instrumentais, assim como vocais na ópera.

No barroco, a variedade dos


instrumentos, considerando apenas
a música puramente instrumental,
diminuiu sistematicamente, até o
mínimo possível. Em parte para
poder ser apreciada em salões dos
palácios, que possuíam alguns
entraves acústicos, e em parte por
que não havia necessidade de
muito volume sonoro, uma vez que
o espaço e o público eram restritos.
A ciência musical incluía a acústica,
e os compositores conheciam suas
típica orquestra barroca, por volta de 1700. Os músicos se reuniam leis, ainda que intuitivamente.
em volta do cravo contínuo em salões reais

Assim, temos a seguinte distribuição de elementos: (O exemplo é da Suíte para Orquestra no.4
de J.S. Bach (1685-1750)):

2 oboés
2 fagotes
2 trompetes
2 tímpanos
cordas e contínuo (acompanhamento do cravo)

Entretanto, não havia nenhum padrão que definisse exatamente quais instrumentos seriam
designados para cada obra. O único consenso eram as cordas. Em quase toda a música barroca
a formação instrumental tinha como imprescindível a presença de uma seção de violinos,
violas, violoncellos ou violas da gamba e por vezes um violone, ou rabecão, hoje conhecido por
contrabaixo. Foi muito conhecida por esta época, a orquestra do rei Luis XIV da França,
comandada por Jean-Baptiste Lully (1632-1687). Era chamada "os 24 violinos do Rei", e
contava por vezes com o apoio de uma outra orquestra de 10 oboés e 2 fagotes.
A escolha dos instrumentos variava segundo a disponibilidade da orquestra ou conjunto que
iria tocá-la (a partir da encomenda do mecenas), das condições acústicas, e algumas vezes até
do pedido expresso do Rei ou nobre que encomendou a obra. Os compositores só tinham
liberdade de escrita quando escreviam por conta própria.
O compositor alemão Georg Friedrich Haendel (1685-1759), por exemplo, teve algumas
encomendas do rei da Inglaterra que o fizeram pensar seriamente na maneira de orquestrar
sua obra: pediu-lhe o Rei uma música que fosse tocada enquanto queimavam os reais fogos de
artifício em comemoração pelo fim da Guerra da Sucessão Austríaca. O problema é que o
barulho dos fogos encobriria o som de uma orquestra, ao que acrescenta o fato de que seria ao
ar livre. Haendel não teve dúvida, orquestrou sua obra, a Royal Fireworks Music, com uma
imensa quantidade de instrumentos de metal (trompetes, trompas e trombones) e percussão,
para fazer o som mais audível possível, além das madeiras habituais (oboés, flautas e fagotes)
mas sem cordas! Haendel não agüentou e fez uma versão para salas fechadas, desta vez com
número menor de instrumentos e com a seção de cordas completa.

Por essa época, passagem do séc. XVII para o XVIII, era muito comum o acompanhamento do
cravo, instrumento de teclado muito suave e sem dinâmica, para reforçar a harmonia
produzindo harpejos e floreios em cima da melodia. Esta prática, chamada de contínuo, ou
cravo contínuo, estendeu-se até por volta de 1780.
Mas ainda em meados do séc. XVIII, uma significativa mudança de ordem estética renovou
alguns conceitos do estilo musical na Europa de maneira muito abrangente. Devido à evolução
no estilo, na instrumentação e nas produções das óperas, que na época eram as referências
musicais mais importantes, a orquestra ganhou um equilíbrio diferente, que também foi
reproduzido nas salas de concertos dos palácios e casas da nobreza. Era a música Clássica.
Muitos instrumentos passaram a ser exigidos com mais freqüência que outros, o que acabou
por determinar a formação clássica de uma orquestra, dividida entre cordas (violinos, violas,
violoncelos e contrabaixos), madeiras (flauta, oboé, clarinete e fagote), metais (trompa,
trompete) e percussão (tímpanos) e que acabou por ser disposta da seguinte maneira:

8 ou 10 primeiros violinos
6 ou 8 segundos violinos
4 ou 6 violas
4 ou 6 violoncelos
2 ou 4 contrabaixos
2 flautas
2 oboés
2 clarinetes
2 fagotes
2 trompas
2 trompetes
2 tímpanos
Orquestra de Câmara de Dresden, numa formação típica do classicismo
Essa formação advém de uma necessidade expressiva com conflui com a mudança de estilo
(do barroco para o clássico, que é menos rebuscado, mais objetivo e temático), a disposição
nas partes instrumentais da ópera (abertura e intermezzos) e também pelo início de
construções apropriadas para aproveitar todo o potencial acústico dos instrumentos. O salão
dos palácios dá lugar às salas de concerto, ainda salões adaptados, mas já pensando num fim
exclusivo de apreciação musical (antes, nos salões, os nobres conversavem a comiam
enquanto os músicos tocavam - Mozart foi um dos primeiros a se rebelar contra isso e
recusava-se a tocar para quem não estivesse atento à música).
E, pela primeira vez, apesar de variantes mínimas, foi possível estabelecer um padrão comum
à disposição instrumental, o que permitia uma mobilidade muito maior de obras, ou seja, uma
obra poderia ser tocada sem perdas por qualquer orquestra da Europa. Esse padrão é
normalmente atribuído a Joseph Haydn (1732-1809), chamado também o 'pai da Sinfonia'
(escreveu 104 delas), pois, embora não tenha sido ele propriamente seu inventor (e sim um
conjunto de compositores, incluindo ele, a formar um padrão de equilíbrio), ele foi o maior
responsável pelo desenvolvimento e consolidação deste estilo, enquanto gênero e forma.
Podemos citar outro compositor, menos conhecido, mas que também contribuiu para que esta
formação se consolidasse, por seu equilíbrio perfeito e combinação harmoniosa: Johann
Stamitz (1717-1757), que pôde desenvolver essa formação graças à direção de uma orquestra
muito famosa em sua época, a Orquestra de Mannheim. Este conjunto era considerado o
melhor de toda a Europa, e referência para todas as demais.
Todas as últimas sinfonias de Haydn, as
primeiras de Schubert e Beethoven e de uma
série de outros pré-românticos, como
Mendelssohn, utilizam-se desta formação. Mas
existem muitas variantes. Mozart, por exemplo,
não usa o clarinete nem os tímpanos em muitas
de suas sinfonias. São casos isolados,
entretanto. O fim do período clássico já aponta
para as tendências românticas, pois na medida
em que instrumentos novos iam sendo criados,
ou antigos eram aperfeiçoados, os compositores
imediatamente absorviam estas mudanças e
utilizavam todos os recursos disponíveis em suas
obras.
Frontispício da 1a. edição da Sinfonia no. 31 em ré
'Paris' de Mozart. Notar a típica orquestração clássica
de instrumentos aos pares

O Romantismo foi um movimento estético cuja origem é didaticamente atribuída a Ludwig


van Beethoven (1770-1827), por acrescentar à música valores e caráteres antes nunca
pensados em termos musicais. O aumento da expressividade através de dinâmicas
contrastantes, ritmos e timbres marcados e definidos, além de uma sutileza narrativa ímpar,
fizeram de Beethoven o porta-voz de um novo pensamento musical. Do ponto de vista da
orquestra, o romantismo foi o responsável direto pela saída da música das cortes reais e salões
aristocráticos para os teatros e as salas de concerto, acessíveis a um número muito maior de
pessoas, nobres e plebeus. Com isso, o pequeno espaço dos palácios antes destinado à uma
pequena formação clássica, deu lugar agora a grandes teatros, que não só precisavam mas
também pediam uma potência sonora maior. Beethoven começou, pela própria necessidade
desta potência, a acrescentar instrumentos: a orquestra romântica começou aumentando as
cordas e os metais: 14 primeiros violinos, 12 segundos, 8 violas, 8 cellos e 6 contrabaixos,
além de 4 trompas ao invés de duas. O romantismo foi o grande responsável, ao acrescentar a
dimensão dramática à música, por desvincular totalmente a música instrumental da ópera,
fazendo delas duas instâncias muito diferentes. Foi justamente a partir do final do classicismo
que ambas tomam rumos diferentes.
No romantismo, outros compositores, compartilhando de idéias similares ou mesmo pensando
em expressar uma nova dimensão musical - a potência sonora - como recurso estético,
partiram em busca de novas combinações instrumentais.
Foi então que, por volta de 1830, o compositor francês Hector Berlioz (1803-1869) escreveu o
primeiro estudo sistemático de como se devia compor uma massa orquestral que suprisse a
necessidade sonora do romantismo. O Tratado de Instrumentação e Orquestração de Berlioz
ainda hoje é uma fonte riquíssima de consulta timbrística, tanto para estudar as possibilidades
individuais de cada instrumento (que ele chamou instrumentação) quanto seu conjunto (a
orquestração, propriamente). Para Berlioz, a orquestra ideal deveria ter nada menos que:
21 primeiros violinos
20 segundos violinos
18 violas
15 violoncelos
10 contrabaixos
4 harpas
4 flautas
3 oboés
3 clarinetes
4 fagotes
4 trompas
4 trompetes
3 trombones e 1 trombone-baixo
1 tuba
8 tímpanos
1 bumbo
1 par de pratos Hector Berlioz (1803-1869)
Ele ainda sugere uma outra orquestra para fins festivos, que começa com 120 violinos (!), e
inclui 30 harpas e 30 pianos de cauda. Bom, essa orquestra nem mesmo ele foi louco o
suficiente para exigir, se bem que tenha chegado bem próximo em seu Réquiem op.5. Sim,
Berlioz é o culpado de toda a extravagância das grandes orquestrações de Wagner, Mahler e
Richard Strauss no pós- romantismo. Mas seus esforços e delírios foram muito bem embasados,
tanto na teoria quanto na prática, onde construiu obras de impressionante equilíbrio orquestral,
considerando o tamanho do contingente exigido. Os princípios por ele enunciados do equilíbrio
e uso da grande orquestra lhe valeram o título de "Pai da Orquestração" e fundador da
orquestra moderna. Aquilo a que hoje entendemos por "orquestra" é criação dele, e todos os
conjuntos instrumetais anteriores, clássicos, barrocos e renascentistas, são por isso, 'música de
câmara'.

Muitos fatores influenciaram tais recursos estéticos: o limiar entre o séc. XVIII e XIX foi a era
das grandes revoluções, onde se inserem grandes movimentos científicos e sociais, como a
Revolução industrial inglêsa e a Revolução burguesa na França. A filosofia contava com nomes
de peso, como Kant e os iluministas, Rousseau, Diderot, Voltaire, a literatura renova-se com
Goethe, Schiller, Hoffmann, pouco mais tarde Tolstói. A marca da expressividade de caráter,
como se a música se tornasse um personagem, a saída para grandes salas de concerto, antes
só destinadas à ópera, fizeram da música romântica um enorme gênero, de imensas
proporções, variantes, estilos, particularidades.
Em termos de orquestração, o romantismo se valeu principalmente de avanços tecnológicos:
Antes os trompetes e as trompas eram 'naturais', ou seja, só emitiam uma série de notas de
acordo com sua construção, os harmônicos da nota fundamental. Com a invenção das chaves
que possibilitavam a mudança do tamanho do tubo, estes instrumentos puderam tocar todas
as notas, e tornaram-se porta-vozes de novas combinações melódicas. Beethoven já havia
incluído o trombone, mas as tubas, grandes instrumentos graves de metal, antes destinados às
bandas militares (ao ar livre era necessário um instrumento grave de grande potência sonora),
passaram também a ser incluídos na orquestra. Todos os primeiros românticos, como
Schubert, Schumann e Weber, procuraram seguir o modelo orquestral de Beethoven.

Richard Wagner (1813-1883) precisou esperar a


música se desvincular da ópera para poder uní-las
novamente no ideal estético grego, a obra de arte
total. Para isso, desenvolveu o drama musical,
espécie de ópera cuja narrativa é sinfônica, e a
orquestra um personagem, tanto quanto os cantores.
Valendo-se das experiências de Berlioz, quem muito
admirava, imaginou novas possibilidades de timbres
baseado no ideal dramático que precisava
representar. Para tanto, precisou ele mesmo projetar e
mandar construir instrumentos específicos, variações
de trompas e tubas, para poder representar suas
idéias - extravagantes e geniais. Sua obra mais
conhecida, o Anel dos Nibelungos, utiliza-se de um
grande número de trompas (8), além de tubas tenor, 3
a 4 tompetes, 4 trombones, tubas contra-baixo, e 6
harpas.
Wagner
A partir de Wagner a orquestra nunca mais será a mesma. O romantismo a esta altura, por
volta de 1840, já possui muitas facções. A música antes restrita ao eixo Alemanha - França -
Itália é descoberta por compositores de diversos países, que unem sua tradição folclórica à
escrita erudita, iniciando a escola Nacionalista. O primeiro representante foi Fréderic Chopin
(1810-1849) na Polônia, e seguiu-se Franz Liszt na Hungria (inventor do poema sinfônico), e
em vários outros países do norte e leste europeu: na Tchecoslováquia, Smetana e Dvórak, na
Rússia, Tchaikovsky, e o 'grupo dos cinco', formado por Rimsky-Korsakov, Mussorgsky,
Borodin, Balakirev e Cui. Na Noruega, Edvard Grieg, na Finlândia, Jean Sibelius.
A Alemanha reagiu com um compositor neo-clássico, cujas idéias musicais eram materializadas
por orquestras muito menores que as wagnerianas e suas variantes: Johannes Brahms (1833-
1897) foi um caso à parte, pois conseguiu ser extremamente romântico sem nenhum exagero
na potência sonora. Apesar de usar orquestras maiores que as de Beethoven, em comparação
com Wagner a orquestra de Brahms é clássica, reagindo a excessos que considerava
musicalmente inócuos.

A morte de Wagner representou também, principalmente na Alemanha e Áustria, o fim do


romantismo. Apesar deste movimento esteticamente se manter em outros lugares, se
expandindo para países latinos e para a América, em seu berço ele já apresentava sinais de
saturação. Wagner levou a narrativa sinfônica a graus nunca antes imaginados de intensidade
e duração, assim como de potência sonora. Os compositores que o seguiram diretamente
foram Anton Bruckner (1824-1896) Gustav Mahler (1860-1911), e Richard Strauss (1864-
1949). Eles representam o pós-romantismo, fase a que coube a responsabilidade de trazer toda
a bagagem de uma imensa tradição musical para o século XX, e dar condições para o
desenvolvimento da música moderna. Tais compositores exploraram todas as possibilidades
combinatórias instrumentais possíveis neste universo, desde o domínio das formas acadêmicas
à ruptura e combinações inéditas de timbres, sendo considerados os ápices de toda a tradição
orquestral da música no ocidente.
A título de comparação, vamos analisar a orquestração de 4 obras, duas clássicas já bastante
avançadas, e duas representantes deste período pós-romântico:

Beethoven: 3a. Beethoven: 9a. Mahler: 2a. Sinfonia R. Strauss: Eine


Sinfonia <Eroica> Sinfonia <Ressurreição> Alpensinfonie
2 flautas 1 piccolo 4 flautas (alternando 4 flautas (alter. com 2
2 oboés 2 flautas com 4 piccolos) piccolos)
2 clarinetes em 2 oboés 4 oboés (alternando 3 oboés (alt. com 1
Sib 2 clarinetes com 2 cornes- corne-inglês)
2 fagotes 2 fagotes ingleses) 1 Heckelphone
3 trompas 1 contrafagote 3 clarinetes em Sib 1 Clarinete em Mib
2 trompetes 4 trompas (alternando com 1 2 Clarinetes em Sib
2 tímpanos 2 trompetes clarinete-baixo) 1 clarinete-baixo
Cordas (Violinos I, 3 trombones 2 clarinetes em Mib 3 fagotes
II, violas, cellos e 2 tímpanos 3 fagotes 1 contrafagote
baixos) triângulo 1 contrafagote 4 trompas
pratos 10 trompas 4 tubas tenor
bombo 8-10 trompetes (alternando com 4
Cordas (Violinos I,
4 trombones trompas)
II, violas, cellos e
1 tuba contrabaixo 4 trompetes
baixos) 7 tímpanos 4 trombones
2 pares de pratos 2 tubas
Soprano solo 2 triângulos 2 harpas
Contralto solo caixa clara (se órgão
Tenor solo possível mais de uma) máquina de vento
Baixo solo Glockenspiel máquina de trovão
3 sinos Glockenspiel
Coro Misto (SCTB) 2 tam-tams pratos
2 bombos Bombo
2 harpas caixa clara
órgão triângulo
Cordas (Violinos I, II, sinos de vacas
violas, cello, baixos gongo
com dó grave, todos celesta
em maior número 8 tímpanos
possível) 18 violinos 1,
16 violinos 2,
Soprano solo 12 violas,
Contralto solo 10 cellos
8 contrabaixos
Coro Misto (SCTB)
Fora do palco:
12 trompas
2 trompetes
2 trombones
Basta ver a tabela de orquestração para ver em que pé
de excentricidade o pós-romantismo alcançou. Richard
Strauss (que nada tem em comum com o Johann Strauss
das valsas) foi o mais criticado por suas exigências,
sendo frequentemente atacado pela crítica por sua obra
`oca´e maquiada pela potência sonora. Mas atualmente,
não se pode negar a extrema habilidade de Strauss em
extrair de um gigantesco contingente instrumental uma
sonoridade pura e nítida.
Já os russos, Borodin, Mussorgsky, Tchaikovsky e
Rimsky-Korsakov (autor de outro tratado de
orquestração, posterior ao de Berlioz, mais sintético e
menos extravagante), preferem a percussão mais
variada, com instrumentos mais exóticos. Há de se
mencionar também o talento nato de Tchaikovsky para
distribuir timbres de suas melodias, fazendo de suas
obras verdadeiras ´aulas de orquestração´(segundo
Caricatura satirizando as extravagâncias Shostakovich).
sinfônicas de Richard Strauss (no topo,
regendo)

Os franceses Maurice Ravel (1875-1937) e Claude Debussy (1862-1918) também seguem a


premissa russa. Ravel é também um caso à parte, por que embora não se utilize de orquestras
tão grandes quanto as alemãs, era um orquestrador extremamente hábil, que extraía
resultados magníficos de um conjunto bastante sintético. Sua maior virtude e originalidade no
uso de timbres era a combinação rítmica. Ravel trabalhava os timbres da orquestra
ritmicamente, e com isso acrescentava uma diversidade de combinações tão grande que
temos a impressão de que suas orquestras são maiores do que realmente são, apesar de
grandes. Stravinsky, por essa habilidade minuciosa, apelidou-o de 'relojoeiro suíço' da
orquestração.

É importante salientar que o padrão romântico normalmente descrito como sendo o número
correto de instrumentos a ser utilizados é raramente satisfeito. Isso se dá por que,
principalmente no romantismo e nos períodos posteriores, as obras eram orquestradas em
função das necessidades "pessoais" de cada obra. O compositor deveria ter apenas o bom
senso de, após o estudo dos fundamentos acústicos e da formação clássica da orquestra,
equilibrar corretamente as potências e os timbres para obter o melhor resultado previsto
possível. A orquestra romântica tem, portanto, uma grande diversidade de formações, pois não
há um número padronizado de instrumentos, variando segundo o gosto e a necessidade do
compositor.
Entretanto podemos, de maneira didática, dividir a orquestra romântica em 4 formações:

Orquestra reduzida: São remanescentes da formação clássica padronizada, apesar de


incorporarem recursos extras mais próximos do modelo de Beethoven. Possuem de 60 a 80
músicos e em geral são formadas por madeiras a 2 (2 flautas, 2 clarinetes, 2 oboés e 2
fagotes), 2 ou 4 trompas, por vezes 1 ou 2 trombones ou ainda um metal grave (tuba ou o
antigo ophicleide, que já não existe mais), além das cordas por vezes mais numerosas e
percussão variada (em geral par de tímpanos, triângulo ou pratos). Ex. : Sinfonias de
Mendelssohn (3a. 'Escocesa' e 4a. 'Italiana'), últimas sinfonias de Schubert e concertos de
Brahms, Schumann, Mendelssohn.

Orquestra Standard: Formação mais comum, visto que correspondem aos ideais românticos
de diversidade timbrística, principalmente no acréscimo de instrumentos de percussão e
metais: madeiras a 2, por vezes com inclusão de flautim e contrafagote, 4 trompas, 2
trompetes, 3 trombones, 1 tuba, mais cordas (incluindo por vezes a harpa) e percussão
variada, como prato, triângulo, bumbo, caixa clara, e tímpanos. Em geral são orquestras que
variam de 80 a 90 músicos. Ex.: 4 Sinfonias de Brahms, 6 Sinfonias de Tchaikovsky, primeiras 4
sinfonias de Bruckner, Sinfonias de Dvórak, aberturas e Sinfonia Fantástica de Berlioz, poemas
sinfônicos de Liszt, 'La Mer' de Debussy, 'Boléro' de Ravel

Grandes Orquestrações: São privilégio de grandes orquestradores, que conseguem unir a


fluidez melódica com a ciência de exploração de timbres sem que se perca o fio narrativo.
Poucos conseguiram com maestria. Exigem mais de 100 elementos para sua execução e
costumam se valer de propriedades acústicas específicas destas formações, obtendo assim
efeitos sonoros extraordinários, catarse estética. Há enorme perda desta catarse quando uma
obra destas é ouvida em locais inadequados acusticamente ou em gravações de qualidade
duvidosa.
A grande orquestração é composta de 100 a 120 elementos e tem em geral: madeiras a 4 ou a
5, por vezes incluindo clarinetes-baixo, requinta e saxofones, além dos habituais flautins e
contrafagotes. Além disso, dispõe de 6 a 8 trompas (em raras ocasiões mais), de 3 a 6
trompetes, 4 trombones e 1 ou 2 tubas. Ao enorme contingente de cordas acrescenta-se 1 ou 2
harpas, por vezes órgão e uma grande quantidade de percussão, incluindo os habituais pratos,
triângulos e bumbo, mas com 4 a 8 tímpanos, celesta, carrilhão, tan-tan, glockenspiel, xilofone,
caixa clara, máquina de vento e mais o que a imaginação mandar.
Há obras neste quesito que também incluem timbres vocais, não somente solistas mas
também grandes coros . Ex. : Sinfonias de Mahler: 1a.('Titan'), 2a. ('Ressurreição'), 3a., 5a., 6a.,
7a, e 9a.; Poemas tonais de Richard Strauss: 'Also Sprach Zarathustra', 'Don Juan', 'Till
Eulenspiegel', 'Uma vida de Herói'; Holst: 'Os Planetas'; Stravinsky: 'A Sagração da Primavera',
Wagner: 'O Anel dos Nibelungos', 'Tristão e Isolda'; Ravel: 'Daphnis et Chloé'

Imensas Orquestrações: São raras e muito caras. Em geral utilizam-se de mais de 150
músicos (podendo chegar até a 200) mais grandes coros ou solistas vocais. Produzem efeitos
sonoros monstruosos em salas de concerto, mas raramente têm méritos musicais superiores às
grandes orquestrações. Na maioria das vezes, apenas preenchem quesitos de massa sonora,
por vezes exageradamente. Possuem a mesma formação das Grandes orquestrações, mas com
a número de executantes aumentado (Ao invés de 6 trompas, 12; ao invés de 4 flautas, 6).
Ex.: 'Réquiem' de Berlioz (exige, por exemplo, 16 tímpanos); 'Eine Alpensinfonie' de Richard
Strauss (exige, por exemplo, 20 trompas), 'Gurrelieder' de Schoenberg, Oitava Sinfonia de
Mahler ('dos Mil'), Sinfonia 'Gótica' de Havergal Brian.

Pode-se ainda classificar uma orquestra para fins festivos, orquestras especiais feitas sob
encomenda para execuções destinada a grandes multidões, em geral ao ar livre, e
comemoram algum fato extraordinário. Possuem versões reduzidas para orquestra Standard
para serem executadas nas salas de concerto.
Ex.: Sinfonia Fúnebre e Triunfal de Berlioz; Abertura 1812 de Tchaikovsky

Assim nasceu uma nova forma de classificar determinados compositores, segundo a potência
sonora. Muitas vezes esse quesito é confundido com habilidade em orquestrar. São coisas
distintas; uma coisa é escrever boa música para poucos ou muitos instrumentos, outra coisa é
escrever música ruim para poucos ou muitos instrumentos. Uma boa maneira de ilustrar isso é
citar Brahms, que, caso se aventurasse a compor para orquestras tais como as de Wagner ou
Mahler, certamente teria grande parte de seu material semântico riquíssimo, a clareza e
objetividade das idéias, prejudicado pelo excesso de timbres. Mas, felizmente, como Brahms
possuía um bom senso musical inegável, soube tirar da formação orquestral clássica resultados
de expressividade incomparáveis. Do outro lado, citam-se os chamados "grandes
orquestradores", que tinham um talento para escrever música com números elevados de
instrumentos sem perderem-se no emaranhado harmônico, melódico e timbrístico que tal
contingente normalmente causaria aos desprovidos deste talento. Estes mestres da
orquestração foram Berlioz, Wagner, Liszt, Tchaikovsky, Mahler, Richard Strauss (talvez o
melhor deles), Ravel, Elgar, Rimsky-Korsakov e Stravinsky. Hoje em dia este critério pode ser
revogado, porque, afinal de contas, Debussy, ou até mesmo Brahms, que nunca usaram
orquestras muito grandes, foram extremamente hábeis no uso contido de instrumentos. Sob
este aspecto, não ficam nada a dever aos grandes orquestradores. O próprio Beethoven pode
ser considerado um grande orquestrador para os padrões clássicos. Mas, no quesito potência
sonora, tal classificação ainda pode ser de alguma valia.
A suntuosa Orquestra Filarmônica de Berlim, atualmente regida por Simon Rattle, é considerada a melhor orquestra
do mundo, por sua excelência técnica e sonoridade poderosa, percorrendo com segurança e desenvoltura todas as
nuances dinâmicas de uma partitura
Após o período romântico e pós-romântico (a passagem do séc.XIX para o XX), a chamada
música moderna entrou em cena. O que havia sido a ópera na formação e desenvolvimento da
orquestra no séc. XVI e XVII, foi no séc. XX feito através do Ballet. A formação instrumental,
com exceção dos compositores que já vinham da tradição anterior (ou os que a absorveram
totalmente), se deu com as encomendas que grandes companhias de ballet fizeram aos
compositores modernos. A mais conhecida e famosa foi a Companhia de Ballets russos de
Sergei Diaghilev, para quem Igor Stravinsky escreveu O Pássaro de Fogo, Petruschka e A
sagração da Primavera; Ravel Daphnis et Chloé, Debussy Jeux, El sombrero de Tres Picos de
Manuel de Falla, Parade de Erik Satie, entre outros. O mundo da coreografia, foi, portanto, uma
das principais correntes que nortearam os padrões da orquestra no início do séc. XX. Os
padrões, de um grande número de instrumentos segundo a tradição pós-romântica, foi
naturalmente caindo, primeiro pelo enorme custo de grandes produções (já não havia mais o
antigo mecenas, nobre ou imperador), e depois pela necessidade estética de adentrar novos
universos nos campos da harmonia e timbres que não fazia mais necessária a intensidade
sonora em termos de volume.
Com algumas exceções, a tendência geral da música, principalmente depois da Primeira
Guerra, foi a de conter o número de instrumentos. Escreveu-se muito para formação clássica e
ainda mais para formações camerísticas. Com a chegada das estéticas neo-vanguardistas do
pós- Segunda Guerra, como música concreta, aleatória, eletrônica, minimalista, etc., a
tendência foi manter a orquestra resumida. Aliás, muito pouca música para este tipo de
formação foi produzida, se compararmos com a produção anterior. Os compositores exploraram
formações completamente diferentes, como por exemplo Carl Orff, que apesar da famosa
Carmina Burana ser para Grande Orquestra, escreveu uma estranhíssima obra chamada
'Antigonae', baseada em Sófocles, sem harmonia nem melodia, apenas ritmo, feito por uma
orquestra de pianos, harpas, oboés e percussão. A busca por efeitos inusitados, mescla de
timbres ao sintetizador e preparação acústica específica de instrumentos (como John Cage e
sua sonata para 'Piano Preparado'), fizeram basicamente os objetivos da música do século XX
no que diz respeito ao timbre. Mas, neste aspecto, já estamos longe do que representa o termo
'orquestração' propriamente.

Orquestração, portanto, é uma arte que pode ser aplicada a qualquer formação instrumental
diversa e que conta com um único critério determinante em sua composição: o Equilíbrio .
Assim como a forma-sonata representa o equilíbrio estrutural, arquitetônico da obra, a
orquestração representa, para a obra sinfônica, - me permitam a comparação culinária - o
tempero e a maneira de preparar o prato, que, no caso, corresponde ao discurso musical. Cada
instrumento tem uma personalidade intrínseca e seu conjunto sonoro é uma reunião
determinada de ingredientes misturados para alcançar um objetivo palatável e digerível.
Considerando os ingredientes como o material semântico, a melodia, harmonia, ritmo e
andamento, a orquestração é o modo de preparar e o acréscimo das especiarias que darão
gosto ao discurso musical. Um bom chef de cozinha sabe variar os temperos e a maneira de
misturar a massa para obter diferentes sabores. Este é o orquestrador.

Voltando ao planeta Terra, concluo adicionando mais um pequeno detalhe sobre o equilíbrio
instrumental: Sua disposição física no palco. O posicionamento destes instrumentos num palco
de salas de concerto também é um fator relevante para o equilíbrio da massa sonora
produzida, e deste modo, a formação clássica também se ocupou de padronizar sua disposição,
considerando, ainda que intuitivamente por parte de muitos compositores, leis físicas
elementares: instrumentos de maior ressonância acústica vão ficando para trás, e de menor
ressonância, para frente, indo progressivamente dos mais suaves aos mais fortes. Por essa
razão é que as cordas (violinos I e II, violas, cellos e contrabaixos) encontram-se no primeiro
plano do palco, seguidos pelas madeiras (flautas, oboés, clarinetes e fagotes), metais
(trompas, trompetes, trombones e tuba - esta seção é anedoticamente chamada de "cozinha"
da orquestra), e lá no fundo, a artilharia da percussão, que não precisa fazer muito esforço
para produzir um barulho considerável. Este esquema retrata bem a disposição mais comum
numa orquestra moderna, apesar de, a critério do maestro, ela possa mudar:

copyright©2002 Filipe Salles

Você também pode gostar