Você está na página 1de 13

Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio SEMIOLOGIA

37: 227-239, jul./dez. 2004 Capítulo IV

SEMIOLOGIA CARDIOVASCULAR:
INSPEÇÃO, PALPAÇÃO E PERCUSSÃO

CARDIOVASCULAR EXAMINATION: INSPECTION, PALPATION AND PERCUSSION

Antônio Pazin-Filho; André Schmidt & Benedito Carlos Maciel

Docentes. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP


CORRESPONDÊNCIA: Antônio Pazin-Filho - R. Bernardino de Campus, 1000, CEP: 14015-030, Ribeirão Preto – SP. e-mail: apazin@fmrp.usp.br

PAZIN-FILHO A; SCHMIDT A & MACIEL BC. Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão.
Medicina, Ribeirão Preto, v. 37: 227-239, jul./dez. 2004.

RESUMO: A importância da avaliação da inspeção e da palpação do sistema cardiovascular é


ressaltada. Procurou-se demonstrar a importância da interpretação dos dados obtidos na análi-
se do ictus cordis, da perfusão periférica e dos pulsos arteriais e venosos para as diversas
cardiopatias, sempre com o objetivo de sistematização.

UNITERMOS: Sistema Cardiovascular. Semiologia. Pulso Arterial.

1- INTRODUÇÃO nicos, que dão substrato ao diagnóstico das diferentes


doenças cardiovasculares.
Dentre as técnicas disponíveis para o exame Pretende-se, nesta revisão, discutir, de modo
físico do sistema cardiovascular, a ausculta cardíaca, sistemático, as técnicas semiológicas, consolidadas pela
em face da complexidade que se associa às múltiplas prática clínica, para avaliação do sistema cardiovas-
peculiaridades de sua adequada utilização, representa cular, com o objetivo primário de oferecer, principal-
um desafio para o iniciante. A complexidade aliada ao mente ao estudante que inicia o treinamento em se-
fascínio que o método exerce sobre aqueles que iniciam miologia médica, uma base sólida e consistente, fun-
o treinamento em semiologia cardiovascular acaba por damentada em correlações entre aspectos fisiopato-
ofuscar, em certa medida, a valorização dos demais lógicos e elementos de ordem clínica.
métodos de investigação semiológica, que podem ser A discussão desses conceitos será dividida em
empregados e que são extremamente valiosos. Claro cinco tópicos: ictus cordis, perfusão periférica, pul-
está que, na dependência do sistema avaliado, uma ou sos arteriais, pulsos venosos e percussão do precórdio.
outra das técnicas existentes para sua investigação (ins-
peção, palpação, percussão ou ausculta) pode ser pre- 2- ICTUS CORDIS
ponderante sobre as demais. É o que ocorre com a
abordagem semiológica do sistema cardiovascular, em O ictus cordis, também conhecido como im-
que a técnica de percussão tem valor limitado, quando pulso apical ou choque da ponta, traduz o contato da
comparada com as demais. Por outro lado, a inspeção porção anterior do ventrículo esquerdo com a parede
e a palpação oferecem informações extremamente torácica, durante a fase de contração isovolumétrica,
relevantes, que complementam aquelas obtidas com a do ciclo cardíaco. Embora os termos “impulso apical”
ausculta, para a constituição do conjunto de dados clí- e “choque da ponta” sejam comumente utilizados para

227
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

denominar o ictus cordis, não se trata, realmente, da Independentemente da posição em que se pes-
ponta do coração em contato com a parede torácica. quisa o ictus, o médico deve colocar-se à direita do
Na verdade, o ápice cardíaco encontra-se mais para o paciente, com seu campo visual voltado para a localiza-
interior do tórax e pode estar, lateralmente ao ponto onde ção onde ele é mais comumente detectado, tendo-se o
se percebe o ictus cordis, cerca de meio centímetro. cuidado de procurar condições ideais de iluminação.
O coração é um órgão relativamente móvel no As características do ictus cordis, que devem
interior da caixa torácica. Encontra-se fixo ao me- ser examinadas são: localização, extensão, duração,
diastino pela inserção das veias pulmonares no átrio intensidade, forma, ritmo e componentes acessórios.
esquerdo, sendo envolvido pelo pericárdio, que limita, Essas características serão sempre identificadas, ini-
parcialmente, a amplitude de sua movimentação. Es- cialmente, na posição supina e, quando sofrerem in-
sas características anatômicas garantem certo grau fluência da posição, também na posição específica,
de mobilidade no interior da caixa torácica, mobilida- sob avaliação.
de que é garantida pela conformação anatômica da
massa muscular, ventricular, porção do coração que 2.1- Localização
menor restrição experimenta à movimentação. São re- Como conseqüência da relativa mobilidade do
lações anatômicas, que permitem ao coração, princi- coração no interior da caixa torácica, a posição do
palmente aos ventrículos, movimentos de rotação e paciente pode influenciar na localização do ictus.
translação ao longo do eixo base-ápice, que são res- No decúbito dorsal, ele pode ser percebido no
ponsáveis pela aproximação do coração da parede quarto ou no quinto espaço intercostal esquerdo, na
torácica durante a sístole ventricular. linha hemiclavicular ou medialmente à mesma. (Figu-
De importância fundamental para o entendimen- ra 1 A). Já no decúbito lateral esquerdo, pode sofrer
to da fisiologia do ictus cordis é o conhecimento de um deslocamento de cerca de dois centímetros, late-
que, na primeira fase da sístole do ciclo cardíaco, que ralmente, em direção à axila. (Figura 1 B).
se inicia logo após o fechamento das valvas mitral e A percepção da mobilidade do ictus, com a
tricúspide (cujo correspondente auscultatório é a pri- mudança de posição, é uma observação importante.
meira bulha cardíaca), pode-se documentar um perío- A ausência de mobilidade do ictus, em direção à axi-
do em que o coração se contrai, aumentando a pres- la, quando o paciente é posicionado em decúbito late-
são no interior do ventrículo, sem que ocorra altera- ral esquerdo, pode sugerir entidades nosológicas es-
ção de volume, pois a valva aórtica ainda não se abriu. pecíficas, como a pericardite constrictiva.
É a fase que recebe o nome de contração isovolu- A determinação adequada da localização do
métrica. Durante essa fase, o movimento de rotação ictus pode ser extremamente dificultada em algumas
e translação dos ventrículos faz com que o coração se condições clínicas, especialmente em doenças pulmo-
aproxime da parede torácica e logo após, inicia-se a nares, como o enfisema pulmonar, em que ocorre
ejeção ventricular, com a abertura da valva aórtica, hiperexpansão do tórax e interposição de tecido pul-
responsável por diminuição do volume ventricular e monar entre o coração e a parede torácica. Em paci-
afastamento do coração da parede torácica. entes, nos quais se observa aumento da extensão do
O ictus pode ser percebido em cerca de 25% ictus, como ocorre em portadores de miocardiopatia,
dos pacientes. Ele pode ser observado com o pacien- dilatada ou de cardiopatia chagásica, crônica, a locali-
te em posição supina, em decúbito dorsal ou lateral zação precisa pode ser impossível.
esquerdo. Notadamente, em condições fisiológicas, Além da presença do ictus cordis, é possível
observa-se variação das características descritas a identificar a presença de outras impulsividades pre-
seguir, na dependência da posição do paciente, e, por- cordiais, cujas descrições também são importantes pelo
tanto, quando se descreve o ictus no exame físico, valor diagnóstico que encerram. Dentre elas, desta-
deve-se, obrigatoriamente, anotar em qual posição foi cam-se a pulsação epigástrica e paraesternal, esquer-
realizada a observação. O decúbito lateral esquerdo da, cuja identificação está relacionada a aumento da
aproxima o coração da parede torácica, tornando as pressão e/ou do volume do ventrículo direito. Essas
características do ictus cordis mais pronunciadas, regiões de impulsividade precordial ocorrem em situ-
sendo, portanto, um recurso importante com aqueles ações clínicas em que haja acometimento de cavida-
pacientes com os quais não é possível observação ou des direitas, decorrentes de um processo fisiopatoló-
palpação em decúbito dorsal. gico, primário, do pulmão, como ocorre no cor

228
Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão

pulmonale, ou secundárias a um acometimento de 2.3- Duração


câmaras esquerdas, como nas miocardiopatias de pa-
drão dilatado, nas valvopatias e na doença isquêmica Conforme ressaltado anteriormente, a percep-
do coração. Considerando-se a pouca expressão ção do ictus está relacionada ao contato da porção
auscultatória de condições clínicas, que acometem anterior do coração com a parede torácica durante a
cavidades cardíacas direitas, a percepção desses si- fase de contração isovolumétrica do ciclo cardíaco.
nais pode contribuir para a adequada caracterização Com o esvaziamento dos ventrículos, durante a ejeção
clínica desse envolvimento. ventricular, o coração se afasta da parede e o ictus
deixa de ser percebido. Depreende-se, assim, que o
2.2- Extensão ictus é um fenômeno que se manifesta precocemente
Geralmente, o ictus cordis ocupa uma exten- na sístole e deve ser simultâneo, ou mesmo, preceder
são em torno de duas polpas digitais (cerca de 2 a a percepção do pulso carotídeo (expressão da ejeção
2,5 cm), ocupando, no máximo, um ou dois espaços ventricular ao exame físico).
intercostais. (Figura 1 C.) Trata-se, também, de uma Enquanto, em indivíduos normais, observa-se a
característica que sofre influência postural. Ao assu- presença do ictus cordis simultaneamente à palpação
mir o decúbito lateral esquerdo, a extensão pode au- do pulso arterial carotídeo (Figura 1 A e B), em paci-
mentar para cerca de três polpas digitais ou 3 a 3,5 cm, entes com comprometimento da ejeção ventricular,
devido à maior proximidade do ventrículo esquerdo como ocorre em portadores de estenose valvar aórti-
em relação à parede torácica. ca significativa ou miocardiopatias de grau avançado,
Cardiopatias que determinam dilatações impor- a ejeção ventricular é prolongada e o esvaziamento
tantes do ventrículo esquerdo implicam em aumento ventricular encontra-se retardado, prolongando o con-
da extensão do ictus, podendo-se citar, como exem- tato do mesmo com a parede torácica. No exame físi-
plo, as miocardiopatias de padrão dilatado e a cardio- co, isso se expressa pela percepção do ictus muito
patia chagásica crônica. após o desaparecimento do pulso arterial carotídeo.

Figura 1: Semiotécnica da avaliação do ictus cordis. A) palpação em decúbito dorsal; B) palpação em decúbito lateral
esquerdo; C) localização do ictus cordis, contando-se os espaços intercostais a partir do segundo espaço (ângulo de
Louis). Observe que, em A e B, a palpação do ictus é simultânea com o pulso carotídeo.

229
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

2.4- Intensidade e quarta bulhas. São de importância clínica, inequívo-


ca e, algumas vezes, são palpáveis, mas não audíveis.
A observação sistemática do ictus permite iden- A correta identificação desses componentes
tificar pacientes que apresentam impulsividade aumen- pode ser obtida, de maneira muito mais fácil, pela
tada ou diminuída. O principiante, geralmente, associa palpação simultânea do pulso carotídeo. Caso o com-
tal percepção como uma característica para determi- ponente acessório, percebido, geralmente reconheci-
nar o estado contrátil cardíaco. Entretanto, a intensi- do por ser de menor amplitude que o ictus propria-
dade da impulsão do ictus não guarda relação direta mente dito, preceder o pulso carotídeo, trata-se do cor-
com a contratilidade miocárdica. Pacientes com mio- respondente palpatório da quarta bulha cardíaca. Caso
cardiopatias de padrão dilatado podem apresentar esse componente acessório suceda o pulso carotídeo,
impulsividade aumentada devido ao aumento da ex- trata-se de uma terceira bulha cardíaca.
tensão do ictus, sem que isso traduza aumento da for- Em resumo, a avaliação do ictus é de suma im-
ça contrátil do coração. portância na semiotécnica cardiológica, pois é a única
abordagem do exame físico que oferece informações
2.5- Forma sobre a presença de cardiomegalia. A identificação
Descrições do ictus cordis como globoso ou de um ictus cordis, deslocado para a esquerda, rebai-
cupuliforme são comuns na literatura. Entende-se, xado, estendendo-se por três ou mais espaços inter-
como forma, uma característica composta, que leva costais e com duração prolongada, é o indicativo de um
em consideração a duração e a extensão anteriormen- processo fisiopatológico, determinante de cardiome-
te descritas. galia. A identificação de sinais de cardiomegalia re-
Aqueles pacientes que apresentam aumento da presenta um achado importante no exame físico, pois,
extensão e da duração do ictus, geralmente associa- muitas vezes, está associada à depressão da função
das a deslocamento lateral e rebaixamento, apresen- sistólica do coração, o que implica em aumento de mor-
tam ictus globoso. Pacientes hipertensos ou apresen- talidade e morbidade dos pacientes com tais sinais.
tando estenose aórtica grave, geralmente, apresentam
extensão e localização preservadas, mas duração au- 3- PERFUSÃO PERIFÉRICA
mentada, características que se apresentam no ictus
impulsivo. A avaliação da perfusão periférica, durante o
exame físico, é extremamente valiosa para determi-
2.6- Ritmo nação da presença de débito cardíaco, adequado às
O exame do ictus pode, também, fornecer in- necessidades metabólicas do organismo. O exame do
formações relativas ao ritmo cardíaco do paciente. A leito vascular das extremidades é de fácil acesso e
palpação simultânea com o pulso arterial carotídeo deve execução, além de permitir reavaliações repetidas
ser novamente executada para a adequada avaliação durante intervenções terapêuticas.
de tal característica. A investigação clínica da perfusão periférica
Assim, distúrbios do ritmo, como fibrilação atrial pode ser efetuada com base na análise de várias ca-
ou extrassistolia, podem ser adequadamente identifi- racterísticas: temperatura, coloração e grau de enchi-
cados, o que pode influenciar outras características mento das extremidades. Deve-se ter sempre presente
descritas. Por exemplo, na fibrilação atrial, que se as- que alterações da magnitude da perfusão periférica
socia a enchimento variável do ventrículo esquerdo, a não são as únicas causas de modificações dessas va-
intensidade e a duração do ictus podem apresentar riáveis, devendo-se considerar, também, a possível in-
variações, batimento a batimento. fluência de estímulos externos sobre elas. Assim, por
exemplo, caso o paciente tenha tido contato com água
2.7- Componentes Acessórios fria ou a temperatura ambiente esteja muito reduzida,
Além da percepção do componente principal do a percepção tátil de extremidades frias e a observa-
ictus, a inspeção e a palpação cuidadosas, associadas ção de presença de cianose nesse local, provavelmente,
à palpação do pulso arterial carotídeo ou à ausculta pode ser explicada por reflexo de vasoconstrição pe-
cardíaca, podem identificar componentes acessórios. riférica, visando à preservação de calor, ao invés de
Dentre os componentes acessórios, os dois mais comu- representar diminuição da perfusão periférica, decor-
mente encontrados são os correspondentes à terceira rente de processo patológico.

230
Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão

A avaliação da coloração, à inspeção, pode ser níveis reduzidos de pressão arterial sistêmica como
muito prejudicada em pacientes anêmicos ou de pele representar um pulso de amplitude normal, avaliado,
escura. Por outro lado, a compressão do leito vascu- em uma artéria muito estreita.
lar distal pode sensibilizar a percepção da alteração Um outro aspecto da fisiologia de propagação
de coloração. de pulso arterial, no sistema cardiovascular, é funda-
O enchimento do leito vascular das extremida- mental para a adequada aplicação dessa técnica de
des é avaliado com a compressão da polpa de um ou investigação clínica. Durante a ejeção ventricular, a
mais dígitos, o que ocasiona um esvaziamento da mi- parede da aorta se distende e gera uma onda que se
crovasculatura daquela região. Com a liberação da propaga através de todo o sistema arterial até o nível
compressão, o leito ungueal se torna esbranquiçado e das arteríolas. Neste local, devido à acentuada redu-
vai, gradativamente, readquirindo a coloração normal ção do diâmetro dos vasos, existe um aumento impor-
da pele circunvizinha, à medida que o leito microvas- tante da resistência oferecida à propagação do fenô-
cular é novamente preenchido com sangue. Em indiví- meno. É o ponto em que ocorre uma reflexão da pro-
duos com perfusão periférica, normal, o enchimento é pagação do pulso, ou seja, é gerada uma onda de pulso
rápido, da ordem de dois a três segundos. Nos casos de sentido oposto (da periferia para o centro). A pro-
de redução da perfusão, o enchimento se torna cada pagação dessa onda até as arteríolas e o retorno de
vez mais lento, mantendo uma correlação direta com seu componente retrógrado ocorrem muito rapidamen-
a gravidade do quadro. A correta avaliação do grau te, sendo possível que, dentro do mesmo ciclo cardía-
de redução, na velocidade de enchimento do leito vas- co, o fenômeno se propague até a periferia e retorne
cular, se faz através da comparação com o enchimen- aos vasos mais calibrosos. Assim, um fator adicional
to observado no próprio examinador. passa a influenciar a nossa percepção das caracterís-
A avaliação da temperatura, coloração e en- ticas do pulso arterial, uma vez que ela passa a repre-
chimento vascular das extremidades é de suma im- sentar a somatória da onda que se propagou em dire-
portância para a diferenciação das causas do com- ção à periferia e da correspondente reflexão. Apesar
prometimento da perfusão tecidual. Assim, por exem- de sentidos opostos de propagação do fluxo, as ondas
plo, no contexto do choque cardiogênico, pode-se de pulso (a original e a refletida) são percebidas no
observar extremidades frias, cianóticas e com enchi- mesmo sentido pelo clínico. (Figura 2.) Assim, pode-
mento lentificado, enquanto, no choque séptico, elas se depreender que a percepção do pulso é influencia-
podem ser quentes e coradas, ainda que apresen- da pela velocidade de propagação dessas ondas, que,
tem, também, enchimento vascular, periférico, pre- por sua vez, dependem das características estruturais
judicado. do sistema arterial. Deste modo, sistemas arteriais mais
rígidos, como aqueles encontrados em idosos, permi-
4- PULSOS ARTERIAIS tem uma propagação mais rápida, enquanto que siste-
mas mais complacentes, como ocorre em jovens, fa-
Pulso, no contexto biológico, aplicado ao siste- vorecem uma propagação mais lenta dessas ondas.
ma cardiovascular, é definido como qualquer flutuação Uma outra característica que influencia a per-
periódica no sistema, causada pelo coração. Quando cepção do pulso, levando em consideração o fenôme-
o sangue é ejetado para o interior do sistema arterial, no de reflexão, é o sítio onde o pulso é avaliado. Na
são geradas alterações no fluxo, na pressão e nas di- dependência da distância a ser percorrida pelo pulso,
mensões dos vasos. Embora qualquer um dos três fa- pode ocorrer que a onda de reflexão interfira com a
tores apresente variações pulsáteis durante o ciclo onda que é gerada durante a ejeção ventricular, de
cardíaco, o pulso, tal como é avaliado no exame físi- maneira diversa. Em pequenas distâncias, dependen-
co, é decorrente, principalmente, de alterações da pres- do do ângulo de reflexão, em relação à onda original,
são intravascular. Apesar disso, a magnitude do pulso ela poderá reduzir a magnitude do pulso, além de mo-
não é diretamente correlacionada com a pressão in- dificar sua forma. Entretanto, ao percorrer distâncias
travascular. A percepção da amplitude do pulso de- maiores, como ocorre nos membros inferiores, o maior
pende, além da magnitude de pressão intravascular, tempo para a propagação da onda retrógrada pode
das dimensões da artéria sob avaliação e da pressão determinar que ela venha a somar-se com o pulso
exercida pelos dedos do examinador. A sensação de gerado no ciclo cardíaco, subseqüente, aumentando a
um pulso de baixa amplitude pode resultar tanto de amplitude do pulso nos membros inferiores. Então, se

231
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

so com a ausculta cardía-


ca possibilita verificar a
concomitância entre o ba-
timento cardíaco e a ocor-
rência do pulso. Normal-
mente, a cada batimento,
deve-se detectar o pulso
arterial, correspondente. A
não ocorrência dessa
concomitância, ou seja,
quando nem todo batimen-
to auscultado tem seu cor-
respondente palpável, indi-
ca que a contração imedi-
atamente precedente não
teve intensidade suficiente
Figura 2: Pulsos Arteriais
Ondas de pressão, obtidas por estudo hemodinâmico invasivo, em diversos para abrir a valva aórtica
pontos do sistema cardiovascular (carótidas, radial e femoral). As setas, cheias e gerar o pulso correspon-
representam a onda de pulso anterógrada (centro-periferia) e a seta tracejada, dente.
a onda de pulso retrógrada (periferia-centro). Observe que, na carótida, devido • Localização – A avalia-
à proximidade do coração, a onda retrógrada é muito posterior à onda anterógrada,
enquanto que o inverso ocorre na artéria femoral, onde a onda anterógrada e a
ção dos pulsos deve ser re-
retrógrada são praticamente simultâneas. Tal mecanismo é responsável pelo alizada em todos os locais
aumento da amplitude do pulso arterial nos locais mais distantes do coração. onde eles podem ser
palpados: carotídeo, tem-
poral, braquial, radial, ulnar,
abdominal, femoral,
o objetivo da avaliação do pulso for determinar seu poplíteo, tibial posterior e pedioso.
contorno ou sua velocidade de inscrição, o exame deve • Simetria – Percepção da amplitude dos pulsos pal-
ser realizado em locais mais proximais do sistema ar- páveis em comparação com o mesmo pulso contra-
terial, como, por exemplo, o pulso carotídeo, cuja am- lateral. Tal análise oferece subsídios para o diag-
plitude e forma aproximam-se mais das característi- nóstico de situações como obstrução arterial, crôni-
cas do pulso aórtico. ca, de membros inferiores ou de outras doenças vas-
Frente ao exposto, as características básicas, culares, periféricas.
que devem ser investigadas na avaliação dos pulsos • Formato – O formato do pulso expressa a análise
arteriais, são as que vêm a seguir: do seu contorno. Do ponto de vista clínico, embora
• Freqüência – alterações da freqüência cardíaca po- uma grande variedade de formatos seja descrita com
dem ser facilmente determinadas pela palpação do estudos invasivos das ondas de pulso, essas altera-
pulso em qualquer sítio; é importante ressaltar que, ções são de difícil percepção e exigem muita práti-
na presença de alterações do ritmo cardíaco, a fre- ca. Na Tabela I, estão exemplificados alguns pa-
qüência será mais precisamente determinada, au- drões de pulsos arteriais mais freqüentes, com o ob-
mentando-se o tempo de observação. jetivo primário de demonstrar como a caracteriza-
• Ritmo – deve-se avaliar se o ritmo é regular ou irre- ção do formato do pulso pode ser útil para avaliação
gular. Quando irregular, é possível, com a prática, de algumas doenças. Para a distinção entre os di-
identificar algumas características que sugiram a versos pulsos de duplo pico, a caracterização do
presença de alguns distúrbios do ritmo cardíaco, momento do ciclo em que as ondas ocorrem é fun-
específicos, como a fibrilação atrial ou extra-sístolia. damental. É importante ressaltar que devem ser
É importante registrar que essa técnica tem especi- pesquisados em pulsos proximais, como o pulso
ficidade limitada para estabelecer o diagnóstico de carotídeo.
arritmias, embora possa oferecer informações rele- • Amplitude – A amplitude do pulso pode ser influen-
vantes para isso. A avaliação concomitante, do pul- ciada por vários fatores, como ressaltado acima. Sua

232
Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão

percepção pode ser facilitada, quando se examinam pos de pulso de amplitude variável adquirem impor-
pulsos de localização mais distal no sistema arterial. tância especial e estão ressaltados na Tabela II.
Quanto à amplitude, os pulsos arteriais podem ser É muito importante salientar que a análise do
classificados como de amplitude normal, aumenta- conjunto dessas características facilita o aprendizado
da ou reduzida. É implícita, nessa classificação, que e a caracterização dos diferentes tipos de pulso. As-
o observador deverá definir, a gradação de amplitu- sim, por exemplo, embora, por motivos didáticos, seja
de segundo uma escala individual, que depende, fun- realizada uma classificação dos pulsos de acordo com
damentalmente, da experiência acumulada. Deste uma característica isolada, como exposto nas Tabelas
modo, a avaliação tem componentes bastante sub- I e II, em algumas situações, a análise de conjunto
jetivos, mas que não diminuem sua importância clí- propicia uma melhor caracterização. Dois exemplos
nica. Além disso, o pulso arterial pode apresentar podem ser citados: o pulso bisferiens e o pulso tardus
amplitude variável, batimento a batimento. Dois ti- e parvus.

Tabe la I: Clas s ificação e caracte rís ticas clínicas dos puls os arte riais quanto ao formato.

F ormat o C a ra c t e rí st i c a s C l í n i c a s E xempl o

PULSO BISF E RIE N S - Insuficiência Aórtica


- Pulso amplo, com dois componentes perceptíveis
durante a sístole.
- Sinonímia - Pulso de C orrigan; Pulso em martelo
d'água.
P - Geralmente, acompanhado de outros sinais
u periféricos de insuficiência aórtica.
l
s
o PULSO BÍFIDO - Miocardiopatia
s - Sinonímia - "Pico e Domo" Hipertrófica
- Pulso amplo, com dois componentes sistólicos.
d
e - O primeiro componente é decorrente da fase de
ejeção rápida, sendo limitado no momento em
D que se estabelece a obstrução dinâmica aofluxo
u sangüíneo. Segue- se o segundo componente, de
p ejeção mais lenta, com configuração de um domo.
l - Geralmente, de difícil detecção à beira do leito.
o
- Q uando presente, implica em gravidade.
P
i
PULSO DIC RÓ TIC O
c - Estados de Baixo Débito
o - Raro.
- Tamponamento C ardíaco
- Caracteristicamente apresenta um pico na diástole.
- Insuficiência C ardíaca
- Pode ser diferenciado dos anteriores por maior C ongestiva
intervalo entre os picos.
- N ão ocorre acima de 45 anos.

233
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

Tabe la II: Clas s ificação e caracte rís ticas clínicas dos puls os arte riais quanto à variação da amplitude

Ti po C a ra c t e rí st i c a s E xempl o

· alterna intensidade maior e menor com a mesma freqüência · insuficiência cardíaca


· mais perceptível no pulso radial congestiva
· um dos sinais mais precoces de disfunção ventricular
Pulso Alternante
· alteração da intensidade das bulhas e dos sopros
· sensibilizado pela posição sentada ou em pé
· quanto mais intensos os achados, maior a disfunção

· sinonímia - Pulso de K ussmaul · tamponamento cardíaco


· diminui de intensidade ou desaparece com a inspiração · pericardite constritiva
· denominação errônea - na realidade é uma exacerbação de · asma severa ou DPO C
Pulso Paradoxal
um fenômeno normal (queda da pressão com a inspiração)
· melhor pesquisado através da aferição da pressão arterial
(vide capítulo sobre Verificação da Pressão Arterial)

· sinonímia - Pulso Anacrótico · estenose aórtica


· caracterizado por amplitude diminuída e retardo da
elevação do pulso, que se encontra lentificado;
Pulso parv us e t ardus
· pode ser mascarado pelas alterações decorrentes da idade;
· quando presente, implica em severidade da lesão;
· é um sinal de desenvolvimento tardio.

O pulso bisferiens é mostrado, na Tabela I, 5- PULSOS VENOSOS


como um dos três tipos de pulso de duplo pico. A alte-
ração de seu contorno é uma característica funda- Devido ao fato de o sistema venoso estar sub-
mental para sua caracterização. Porém outras carac- metido a um regime de pressão muito menor, compa-
terísticas devem ser ressaltadas: é um pulso de eleva- rado ao sistema arterial, a avaliação do pulso venoso
ção e descenso rápidos, decorrentes da grande quan- é realizada quase que exclusivamente através da ins-
tidade de volume ejetado e do volume regurgitante, peção. Significa dizer que o pulso venoso é visível,
respectivamente, na insuficiência aórtica, grave; e mas, na enorme maioria das vezes, não é palpável, o
possui amplitude aumentada, decorrente, também, do que facilita na sua distinção do pulso carotídeo, que
grande volume ejetado. Essas alterações podem ser pode ser visível normalmente. Também decorrente
percebidas ao longo de todo o sistema arterial. dessa característica é o fato de se perceber o pulso
O pulso parvus e tardus é encontrado na este- venoso apenas próximo ao coração, na região cervi-
nose aórtica e está ilustrado na Tabela II como exem- cal. Além de habitualmente não ser palpável, o pulso
plo de pulso caracterizado por alteração de amplitude. venoso pode diferenciar-se de um pulso arterial por
A baixa amplitude é característica desse tipo de pul- apresentar, em cada ciclo cardíaco, mais de uma osci-
so, mas ele também é caracterizado por uma eleva- lação visível à inspeção, enquanto apenas uma é iden-
ção lenta da sua porção ascendente, o que ocasiona tificada no pulso arterial.
que ele seja percebido tardiamente na sístole, durante A avaliação clínica do pulso venoso adquire
a palpação. Essas modificações de amplitude (parvus) importância, no exame físico, para dois objetivos: ca-
e de localização no ciclo (tardus) são características racterização da pressão venosa central e determina-
fundamentais dessa alteração, e são freqüentemente ção de algumas doenças específicas.
mascaradas por perda da elasticidade do sistema ar-
terial, como aquelas decorrentes do envelhecimento. 5.1- Estimativa da pressão venosa central
Embora tais alterações dificultem sua percepção e A avaliação não invasiva, da pressão venosa
sejam um sinal tardio da estenose aórtica, implicam central oferece informações fisiopatológicas importan-
sempre, em severidade do quadro. tes na investigação clínica de pacientes que apresen-

234
Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão

tam doenças cardiovasculares ou pulmonares que es- A transmissão é facilitada, ainda mais, pelo fato de
tão associadas, na sua história natural, à elevação da não existirem valvas nas veias intratorácicas.
pressão venosa central. Incluem-se, entre elas, dife- Pelo exposto acima, a técnica para avaliação
rentes entidades nosológicas, que cursam com a insu- da pressão venosa, central baseia-se na transmissão
ficiência cardíaca e as doenças pulmonares, que aca- da pressão através da coluna sangüínea até a veia ju-
bam por promover sobrecarga crônica, de cavidades gular interna, direita. Essa transmissão de pressão gera
cardíacas direitas. De modo geral, quanto maior a ele- o pulso venoso, que pode ser perceptível em todas as
vação da pressão venosa central, maior a gravidade veias jugulares (interna e externa; direita e esquerda),
das repercussões funcionais. porém, com melhores condições anatômicas de trans-
A estimativa da pressão venosa central pode missão e com menor atenuação, na veia jugular, inter-
ser realizada de um modo muito simples. Para sua na, direita. A altura em que se observa o pulso, no
compreensão é importante uma recordação das rela- pescoço, guarda correspondência direta com o valor
ções anatômicas do sistema venoso na região cervi- da pressão; quanto maior a pressão, mais elevado o
cal. Observe a Figura 3. Nela, pode ser observado nível de pulsação venosa, aproximando-se da mandí-
que a veia jugular, interna, direita comunica-se com o bula (Figura 4A).
átrio direito quase em linha reta através da veia cava, Devido à correlação direta entre a altura em
superior, enquanto que o mesmo não ocorre com a que é identificado o pulso e a pressão venosa, o pulso
veia jugular, interna, esquerda, devido à interposição pode ser utilizado, de maneira relativamente simples,
da veia inominada. Dessa relação anatômica, pode-se como um “aparelho de pressão” que utiliza uma colu-
compreender que as pressões venosas, centrais, ge- na de água, e basta realizar a calibração do sistema
radas em câmaras cardíacas, direitas, serão transmi- para que se obtenha a pressão. A calibração se baseia
tidas diretamente para a veia jugular, interna, direita. no conhecimento de que o átrio direito fica localizado
cerca de 5 cm abaixo da junção entre o corpo do esterno
e o manúbrio – Ângulo de Louis. (Figura 4 B, C e D.)
Com tal conhecimento, a obtenção da pressão venosa,
central pode ser realizada somando-se 5 cm à distân-
cia entre o local onde o pulso é percebido e a junção
do corpo com o manúbrio do esterno.
Do ponto de vista semiológico, deve-se colocar
o paciente em posição confortável, com a cabeça re-
laxada e voltada para o lado esquerdo. O uso de ilumi-
nação tangencial ao pescoço pode sensibilizar a per-
cepção do pulso venoso. A cama do paciente deve
ser colocada numa inclinação que permita perceber a
pulsação venosa. Em pessoas sem alterações patoló-
gicas, geralmente, isso implica em um ângulo de 45o
(Figura 4C), pois ângulos menores elevam o pulso para
o interior do crânio e ângulos maiores trazem o pulso
para o interior do tórax, tornando-o não perceptível
em ambas as situações. Não se pode esquecer que a
medida da altura sempre deve ser realizada na verti-
cal. Em situações patológicas, no entanto, mesmo com
o paciente sentado ou em pé, caso a pressão venosa
central esteja elevada, o pulso será perceptível e a re-
gra para a aferição da pressão persiste a mesma. Deve-
se lembrar, ainda, que, na maioria das situações clíni-
Figura 3 – Sistema Venoso. VCS – Veia Cava Superior; cas, o médico não dispõe de um leito que possa ser
AD – Átrio Direito; VD – Ventrículo Direito; TP – Tronco da
Artéria Pulmonar
adequadamente angulado para essa avaliação. Assim,
considerando que o objetivo principal dessa medida é

235
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

Figura 4 – Pulso Venoso. Vide texto.

identificar situações clínicas com elevação da pres- do pulso e este tende a se aproximar da base do pes-
são venosa, a avaliação realizada com o paciente sen- coço, ou mesmo deixar de ser visível, por ter se deslo-
tado parece ser a mais adequada. cado para o interior da cavidade torácica. Em situa-
Deve-se salientar que tal técnica é uma esti- ções patológicas, em que o enchimento do ventrículo
mativa da pressão venosa, central. Estudos que com- direito encontra-se prejudicado, pode-se observar uma
pararam as pressões obtidas dessa maneira com mé- situação paradoxal, na qual, durante a inspiração, nota-
todos mais acurados, como a Doppler ecocardiografia se um ingurgitamento das veias cervicais, com aumen-
ou mesmo com técnicas invasivas e de mensuração to da amplitude do pulso e deslocamento em direção à
direta, como o estudo hemodinâmico, não encontra- mandíbula. Tal situação recebe o nome de Sinal de
ram correlação elevada. No entanto, pela facilidade Kussmaul, que pode ser encontrado em várias situa-
de se obter o dado à beira do leito, essa técnica per- ções, sendo a pericardite constritiva a mais caracte-
siste sendo empregada na prática clínica, diária. rística.
A amplitude e a localização do pulso venoso Em pacientes com insuficiência cardíaca, em
sofrem alteração na dependência da fase do ciclo res- uso de diuréticos, a avaliação do pulso venoso pode
piratório. Durante a inspiração, devido à queda da pres- levar à falsa impressão de que a pressão venosa cen-
são intratorácica, observa-se diminuição da amplitude tral se encontra baixa ou dentro dos padrões da nor-

236
Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão

malidade. Então, está indicado o uso do chamado parte superior da figura) e com as bulhas cardíacas
“reflexo abdominojugular”. Trata-se de uma manobra (na parte inferior da figura). Imediatamente antes da
onde se realiza uma compressão abdominal, com a mão sístole ventricular, na porção final da diástole, ocorre a
espalmada, colocada sobre o andar superior do abdo- sístole atrial, ocasionando a onda A. Com a contração
me. A compressão deve ser lenta e gradual, não cau- do ventrículo, no início da sístole, ocorre a ejeção do
sando desconforto ao paciente. Ao se realizar a com- ventrículo, ocasionando o pulso carotídeo. O pulso ar-
pressão, deve-se observar atentamente o pulso veno- terial carotídeo, devido à sua estreita relação com o
so; caso se observe uma elevação de cerca de três sistema jugular, é transmitido para o sistema venoso,
centímetros em relação ao valor documentado duran- ocasionando a onda C. A contração ventricular ocasiona
te a situação basal, persistente durante todo o período a descida dos átrios em direção ao ápice do ventrículo
da compressão, evidencia-se que a pressão venosa está e uma queda da pressão venosa central (Descenso
elevada. X’). Com o enchimento do átrio direito, a pressão ve-
nosa central começa a se elevar e é transmitida para
Determinação de entidades nosológicas especí- as jugulares, sendo percebida como onda V. Com a
ficas abertura da valva tricúspide e o início do enchimento
A identificação de entidades nosológicas, espe- ventricular, na fase inicial da diástole, a pressão veno-
cíficas, através do pulso venoso, baseia-se no formato sa central volta a cair, sendo expressa na curva de
de sua onda. Na Figura 5, está representada a curva pressão através do Descenso Y.
de pressão venosa central obtida durante cateterismo À beira do leito, no entanto, a percepção das
cardíaco, correlacionada com o eletrocardiograma (na três ondas e dos dois descensos descritos é limitada.

Figura 5 – Curva de Pressão Venosa. Vide texto

237
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

Na grande maioria dos casos, o que se observa, com distúrbios de condução atrioventriculares, totais
nitidez, são os dois descensos, conferindo ao pulso veno- (BAVT), podem ser identificados pela análise do pul-
so um formato de duplo pico. O primeiro pico, repre- so venoso. Manifesta-se, no exame físico, mediante
sentado pela fusão das ondas A e C, é concomitante variação na amplitude do pulso venoso. Considerar que,
ao primeiro ruído cardíaco (B1) e o segundo pico (onda nessa condição clínica, ocorre dissociação entre as
V) é concomitante ao segundo ruído cardíaco (B2). O contrações atrial e a ventricular, de modo que elas não
formato, em duplo pico, do pulso venoso é mais uma guardam entre si nenhuma relação temporal. Entre-
característica que auxilia na sua distinção com o pulso tanto, em alguns momentos, pode acontecer de a con-
arterial. Em condições fisiológicas, o pulso venoso apre- tração atrial e a ventricular ocorrerem concomitante-
senta dois componentes e não é palpável, enquanto o mente, de tal maneira que o átrio, nessa situação, se
pulso arterial tem apenas um componente e é sempre contrai contra uma valva tricúspide, fechada pela con-
palpável, mesmo que não seja visível. tração ventricular. Essa contração atrial irá gerar ní-
Tais características são alteradas em diferen- veis mais elevados de pressão no átrio, o que resulta
tes condições clínicas e permitem sugerir alguns diag- em maior transmissão de pressão para as veias proxi-
nósticos específicos. Dentre as inúmeras situações mais ao coração, gerando uma onda de pulsação ve-
clínicas, merece destaque a insuficiência tricúspide. nosa, no pescoço, mais ampla e que recebe a designa-
A insuficiência tricúspide é uma valvopatia comum e ção de onda A em canhão.
que, geralmente, acompanha uma grande variedade Situações clínicas em que o enchimento ventri-
de cardiopatias. Está, geralmente, presente em situa- cular direito é comprometido também se associam a
ções em que há elevação da pressão arterial pulmo- sinais que evidenciam o valor semiológico do pulso
nar. Suas características auscultatórias simulam aque- venoso. A restrição ao enchimento ventricular deter-
las da insuficiência mitral, diferenciando-se dessa con- mina velocidades de enchimento maiores, traduzidas
dição por seus achados estarem mais restritos ao foco na curva de pulso venoso através de descensos X e Y
tricúspide e por seu sopro apresentar uma variação mais pronunciados. As curvas de pressão venosa, quan-
inspiratória de sua intensidade (Sinal de Rivero- do isso ocorre, adquirem o aspecto das letras W ou M
Carvallo). No entanto, devido ao menor regime de do alfabeto e assim são descritas na literatura. Peri-
pressão nas cavidades direitas e pela concomitância cardite constritiva, tamponamento cardíaco e as mio-
de outras lesões valvares, a identificação de insufici- cardiopatias restritivas são situações clínicas em que
ência tricúspide, exclusivamente através da ausculta, tais alterações podem ser observadas.
tem baixa especificidade. Alguns outros sinais, no exa-
me físico, auxiliam na identificação da insuficiência 6- PERCUSSÃO
tricúspide. Entre eles, destacam-se: a presença de
pulsação paraesternal, esquerda, uma impulsividade A percussão da região precordial do tórax é uma
precordial, similar à do ictus cordis, porém, com lo- técnica de limitado valor semiológico. Ela não demons-
calização diferente; a presença de fígado pulsátil e, tra uma boa sensibilidade ou especificidade para esti-
ainda, mediante a observação cuidadosa do pulso ve- mar a área cardíaca, entretanto pode oferecer algu-
noso e de seu formato. mas informações de relevância clínica. Por um lado, a
Na vigência de insuficiência tricúspide, durante percussão do segundo espaço intercostal junto ao
a contração ventricular, a pressão gerada pelo ventrí- esterno, tanto à direita como à esquerda, permite su-
culo direito é transmitida para o átrio e para o sistema gerir a presença de dilatação do tronco da artéria pul-
venoso, proximal ao coração. Essa transmissão de monar, quando o som claro pulmonar, habitualmente
pressão, durante a sístole ventricular, ocorre simulta- observado nesse local, é substituído pela observação
neamente à onda V, somando-se a ela, de modo a de- de um som submaciço à percussão. Além disso, quan-
terminar uma onda de maior amplitude. No exame fí- do à percussão da região paraesternal esquerda, junto
sico, observa-se que o segundo componente do pulso ao esterno, observa-se persistência de som claro, pul-
venoso é mais pronunciado. A concomitância da onda monar, junto ao terceiro, quarto e quinto espaços inter-
V mais pronunciada com o segundo ruído cardíaco costais, sugere-se a presença de ar, anteriormente ao
auxilia na sua identificação. coração, o que ocorre em doenças pulmonares, obs-
Distúrbios do ritmo cardíaco, principalmente os trutivas, especialmente no enfisema pulmonar.

238
Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão

PAZIN-FILHO A; SCHMIDT A & MACIEL BC. Cardiovascular examination: inspection, palpation and percussion.
Medicina, Ribeirão Preto, v. 37: 227-239, july/dec. 2004.

ABSTRACT: The inspection and palpation of the physical examination of the cardiovascular
system is emphatizated. The value of the analysis of the ictus cordis, periferic perfusion and
arterial and venous pulses for the systematic evaluation of the several cardiopathies is reinforced.

UNITERMS: Cardiovascular System. Semiology. Pulse.

REFERÊNCIAS 3 - BRAUNWALD E; ZIPES DP & LIBBY P. Heart disease: A


textbook of cardiovascular medicine. 6th ed. W. B. Saunders,
1 - CHIZNER MA. The diagnosis of heart disease by clinical as- Philadelphia, 2001.
sessment alone. Curr Probl Cardiol 26: 285-380, 2001.

2 - VLACHOPOULOS C & O’ROURKE M. Gênesis of the normal


and abnormal arterial pulse. Curr Probl Cardiol 25: 297-
368, 2000.

239

Você também pode gostar