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A deontologia do falante

Um dia, um filósofo de linguagem, Paul Grice (1913-1988), decidiu perguntar:


como é que os falantes captam tão eficazmente o sentido não literal dos enunciados? A
resposta a esta pergunta veio a constituir um dos fundamentos da Análise
Conversacional e da Pragmática Linguística. Todo o falante envolvido numa troca
verbal observa um princípio geral, o Princípio da Cooperação, que Grice formulou
mais ou menos nestes termos: «caro locutor: que a sua participação na conversação seja
conforme à finalidade comunicativa acordada, entre si e o seu interlocutor, para o
decurso do diálogo em que está envolvido.» Este princípio foi a seguir decomposto em
máximas, as Máximas Conversacionais: que o interlocutor (i) não dê nem mais nem
menos informação do que a necessária; (ii) que nunca afirme aquilo que crê que é falso;
(iii) que a sua participação seja pertinente; (iv) que a sua elocução seja ordenada,
evitando ser ambíguo, prolixo ou obscuro.
O interlocutor parte sempre do princípio de que o seu parceiro respeita estas
máximas, e mesmo quando aquilo que um diz é lacunar ou assaz enviesado, o outro faz
um esforço abnegado de atribuição de sentido ao enunciado.
Mas às vezes esforço nenhum consegue obter resultados. É o que nos acontece
quando ouvimos e lemos os discursos e as respostas de responsáveis políticos.
«Para o deputado bloquista [João Semedo] esta é uma medida que se justifica
perante “uma situação de crise que se vai prolongar mais do que o previsto e do
que o desejável”.» (Lusa, 1/04/09) Ora bem, se “a crise se prolonga mais do que o
desejável”, então é porque é, em alguma medida, por um qualquer período de tempo,
“desejável que a crise se prolongue”… Aí está uma visão da crise estranhamente
optimista, quase tão optimista como a do ministro brasileiro da Fazenda: «Talvez
tenhamos chegado ao fundo do poço e então acredito que o pior já passou». (Lusa,
15/04/09). Um optimismo que pode, inclusivamente, levá-los às nuvens e ver no espaço
aéreo «um local de poder estratégico e no céu um laboratório» (Severiano Teixeira,
nas celebrações do Centenário da Aviação em Portugal, Lusa, 22/05/09).
E se alguém lhes pergunta o que é que aquilo quer dizer ainda acham que a
intervenção é impertinente.

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