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DIRETRIZES SBD  2006

Tratamento
e acompanhamento do

Diabetes mellitus
Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes
2006 Diretrizes sbd

Apresentação
A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) tabeleceu-se um sistema de graus de reco-
há muitos anos vem publicando consensos mendação e força de evidência para se fazer
desenvolvidos a partir de discussões entre os a classificação e elaborar diretrizes. Assim,
mais renomados especialistas em diabetes e são atribuídos graus diferentes a estudos ex-
endocrinologia do país. Esses consensos ti- perimentais ou de observação de maior ou
nham como objetivo estabelecer padrões de menor consistência, relatos de casos (estudos
tratamento para que não só os especialistas, não-controlados), opinião desprovida de ava-
mas também clínicos que cuidam de diabéti- liação crítica baseada em consensos, estudos
cos, pudessem desenvolver seu trabalho com fisiológicos ou modelos animais. Mesmo as
mais segurança. recomendações com mais baixos níveis de
Os consensos foram publicados no órgão evidência podem ser igualmente importan-
oficial da SBD, a revista Arquivos Brasileiros de tes, desde que bem fundamentadas.
Endocrinologia e Metabologia, e disponibiliza- É essencial entender que as evidências
das no site da nossa entidade (www. diabetes. são apenas um componente a mais na toma-
org.br). Somente nos dois últimos anos foram da de decisão. Os médicos cuidam de pacien-
feitos cerca de 220 mil downloads, o que ates- tes, e não de populações, portanto as diretri-
ta a contribuição que vem trazendo. zes devem ser interpretadas de acordo com
Em 2006, no entanto, vamos publicar o as necessidades das pessoas com diabetes. As
que chamamos de diretrizes, que também re- circunstâncias individuais, as co-morbidades,
fletem o ponto de vista oficial da SBD, com o a idade, a educação, a inaptidão e, acima de
diferencial de serem baseadas em evidências. tudo, os valores individuais e as preferências
A medicina baseada em evidências visa a au- dos pacientes devem ser considerados.
xiliar o médico no processo de decisão. Se o paciente entender a forma pelas
Na prática clínica, é importante diagnos- quais as informações são geradas, como são
ticar, programar o tratamento, conhecer o interpretadas e aplicadas, tenderá a ser mais
prognóstico e tomar decisões. Para tanto se participativo e ativo no processo.
tornam necessários o acesso à informação e A decisão final deve ser fruto da integra-
à literatura, o conhecimento de vantagens e ção, das evidências, das vivências, da compe-
desvantagens de cada estudo e a compreen- tência e da ética.
são de métodos estatísticos e pesquisas. As O texto foi organizado por uma comissão
informações devem ser processadas e sinteti- editorial constituída pelo presidente da SBD,
zadas para serem transformadas em recomen- o Dr. Leão Zagury, pela vice-presidente, a Dra.
dações, isto é, em diretrizes clínicas (practical Marília Brito Gomes, e pelo primeiro-secretá-
guidelines), que devem servir de orientação rio, o Dr. Sergio Dib. Especialistas de reconhe-
na conduta. É importante que sejam atualiza- cido saber foram convidados a elaborar temas
das, divulgadas e, sobretudo, implementadas, analisados pela comissão e submetidos à dire-
pois, caso contrário, há risco de desperdício toria da nossa entidade.
de tempo, energia e dinheiro. As diretrizes estão organizadas de forma
No processo de tomada de decisão médi- que possam ser atualizadas anualmente, in-
ca devem ser consideradas as preferências do cluindo novos temas ou modificações basea-
paciente – que sempre deve ser esclarecido –, das no progresso do conhecimento.
as circunstâncias do atendimento, o estádio Na condição de presidente da SBD, agra-
da doença e os recursos disponíveis. A expe- deço aos colegas que generosamente em-
riência profissional é fundamental e faz muita prestaram seu conhecimento à produção des-
Dr. Leão Zagury diferença, moldando a decisão final e garan- se importante e útil trabalho, demonstrando,
Presidente da SBD - Gestão 2004/2005 tindo maior beneficio para o paciente. mais uma vez, espírito público e responsabili-
Desde que a SBD publicou seu primeiro dade social.
Dr. Marcos Tambascia consenso ocorreu considerável evolução na
Presidente da SBD - Gestão 2006/2007 forma de avaliar evidências científicas. Es- Saúde para todos!


Diretrizes sbd 2006

SBD
Sociedade Brasileira de Diabetes

Este trabalho, que se constitui na primeira diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), foi iniciado na gestão do professor Leão Zagury como
presidente da SBD, no biênio 2004-2005, e finalizado na gestão do Dr. Marcos Tambascia (2006-2007).

Elaboradas adotando o conceito da medicina baseada em evidências clínicas, as diretrizes seguem o modelo internacionalmente consagrado pela
American Diabetes Association (ADA) e serão atualizadas anualmente, com a inclusão de novos temas e/ou novas práticas fundamentadas no
progresso do conhecimento.

DIRETORIA

GESTÃO 2004/2005 GESTÃO 2006/2007


Presidente Presidente
Dr. Leão Zagury Dr. Marcos Antonio Tambascia

Vice-Presidentes Vice-Presidentes
Dra. Marília de Brito Gomes Dr. Balduíno Tschiedel
Dr. Balduíno Tschiedel Dra. Marília de Brito Gomes
Dra. Adriana Costa e Forti Dr. Ney Cavalcanti Albuquerque
Dr. Antonio Rodrigues Ferreira Dr. Saulo Cavalcanti da Silva
Dr. Marcos Antonio Tambascia Dr. Walter José Minicucci

Secretário-Geral Secretário-Geral
Dr. Sérgio Atala Dib Dr. Antonio Carlos Lerario

Segundo-Secretário Segunda-Secretária
Dr. Ruy Lyra da Silva Filho Dra. Sandra Roberta G. Ferreira

Primeiro-Tesoureiro Primeiro-Tesoureiro
Dr. Antonio Carlos Lerário Dr. Domingos Augusto Malerbi

Segundo-Tesoureiro Segundo-Tesoureiro
Dr. Ivan Ferraz Dr. Bruno Geloneze Neto

Conselho Fiscal Diretora para Relações Governamentais


Dr. Domingos Malerbi Dra. Adriana Costa e Forti
Dr. Bernardo Leo Wajchenberg
Dr. Adolpho Milech Diretor para Assuntos Internacionais e Sociais
Dr. Antonio Roberto Chacra
Suplente
Dr. Edgard D’Avila Niclewicz Conselho Fiscal
Dr. Marco Antonio Vivolo
Dr. Antonio Rodrigues Ferreira
Dr. Laércio Joel Franco

Suplente
Dr. Laerte Damaceno


2006 Diretrizes sbd

Editores Autores
Marília de Brito Gomes Adolpho Milech
Sérgio Atala Dib Adriana Costa e Forti
Airton Golbert
Ana Claudia Ramalho
Coordenadores Antonio Carlos Lerário
Antonio Carlos Pires
Antonio Carlos Lerário Antônio Ferreira
Domingos Malerbi Augusto Pimazoni Netto
Bruno Geloneze Neto Antonio Roberto Chacra
Balduíno Tschiedel
Marcos Antonio Tambascia
Bernardo Léo Wajchenberg
Marília Brito
Bruno Geloneze Neto
Sandra Roberta G. Ferreira
Claudia Pieper
Sérgio Dib Daniel Giannella Neto
Walter José Minicucci Durval Damiani
Edgard D. Avilla Niclewicz
Edson Stefanini
Emílio Montuori Neto
Geisa Macedo
Hermelinda C. Pedrosa
Ivan Ferraz
João Roberto de Sá
Jorge Luiz Gross
José Egídio Paulo de Oliveira
Josefina Bressan Monteiro
Laércio Joel Franco
Luís Henrique Canani
Marco Antonio Vivolo
Marcos Antonio Tambascia
Marcos Saad
Maria Luiza Caramori
Maria Teresa Zanella
Mauro Scharf Pinto
Milton César Foss
Mirela Jobim de Azevedo
Mônica Gabbay
Nelson Rassi
Paula Pascali
Paulo Henrique de Ávila Morales
Regina Célia Santiago Moyses
Renata Szundy Berardo
Ruy Lyra
Sandra Pinho Silveiro
Sandra Roberta G. Ferreira
Silmara A. Oliveira Leite
Themis Zelmanovitz
Walmir Coutinho
Walter José Minicucci


Diretrizes sbd 2006

sumário
Epidemiologia do diabetes mellitus.........................................................................................................................................................................................................8
Classificação etiológica do diabetes mellitus..................................................................................................................................................................................11
Métodos e critérios para o diagnóstico de diabetes mellitus....................................................................................................................................................14
Aspectos clínicos e laboratoriais da hemoglobina glicada........................................................................................................................................................... 16
Análise dos marcadores de resistência à insulina na clínica diária............................................................................................................................................ 19
Princípios para orientação nutricional no diabetes mellitus......................................................................................................................................................22
Como prescrever o exercício no tratamento do diabetes mellitus..........................................................................................................................................26
Medicamentos orais no tratamento do diabetes mellitus: como selecioná-los de acordo com as características clínicas dos pacientes...... 30
Uso da insulina no tratamento do diabetes mellitus tipo 2.......................................................................................................................................................... 35
Tratamento combinado: agentes orais e insulina no diabetes mellitus tipo 2....................................................................................................................... 39
Tratamento clínico da obesidade associada ao diabetes mellitus..........................................................................................................................................42
Diabetes mellitus tipo 2 no jovem.......................................................................................................................................................................................................... 45
Caracterização da síndrome metabólica associada ao diabetes mellitus................................................................................................................................ 49
Tratamento da hiperglicemia pós-prandial no diabetes mellitus tipo 2.................................................................................................................................. 54
Uso da insulina no tratamento do diabetes mellitus tipo 1.......................................................................................................................................................... 57
Tratamento de crianças e adolescentes com diabetes mellitus tipo 1...................................................................................................................................... 60
Alvos no controle clínico e metabólico de crianças e adolescentes com diabetes mellitus tipo 1................................................................................. 66
Métodos para monitorar o tratamento da hiperglicemia............................................................................................................................................................. 70
Tratamento da hipertensão arterial no diabetes mellitus.............................................................................................................................................................. 73
Tratamento da dislipidemia associada ao diabetes mellitus......................................................................................................................................................77
Uso de antiagregantes plaquetários no tratamento do diabetes mellitus............................................................................................................................80
Prevenção primária e secundária da doença macrovascular no paciente com diabetes mellitus.................................................................................. 83
Diagnóstico de isquemia miocárdica silenciosa no paciente diabético.................................................................................................................................. 85
Retinopatia diabética.................................................................................................................................................................................................................................. 90
Tratamento da nefropatia diabética...................................................................................................................................................................................................... 93
Neuropatia diabética.................................................................................................................................................................................................................................. 98
Diagnóstico precoce do pé diabético.................................................................................................................................................................................................102
Diabetes mellitus gestacional: diagnóstico, tratamento e acompanhamento pós-gestacional...................................................................................106
Tratamento do paciente idoso diabético..........................................................................................................................................................................................110
Crises hiperglicêmicas agudas no diabetes mellitus.....................................................................................................................................................................114
Diagnóstico, classificação e tratamento das hipoglicemias.......................................................................................................................................................118
Aplicação de insulina................................................................................................................................................................................................................................122
Tratamento com insulina em pacientes internados......................................................................................................................................................................126
Preparo pré e pós-operatório do paciente com diabetes mellitus...........................................................................................................................................128
Cirurgia bariátrica no paciente diabético..........................................................................................................................................................................................132
Transplante de pâncreas..........................................................................................................................................................................................................................136
Indicações e uso da bomba de infusão de insulina.......................................................................................................................................................................138
Educação do paciente com diabetes mellitus..................................................................................................................................................................................141
Transtornos alimentares no paciente diabético: diagnóstico e conduta...............................................................................................................................144
Colônia de férias educativa para jovens diabéticos......................................................................................................................................................................148

expediente
Editor: Newton Marins; Diretor de arte: Hélio Malka Y Negri; Coordenadora editorial: Jane Castelo; Revisora-chefe: Claudia Gouvêa; Revisão: Leila Dias e Jeová Pereira; Uma publicação de
Projeto gráfico e Diagramação: Ana Paula Pessoa; Jornalista responsável: Carlos Macêdo – Reg. 12.918. Registro no INPI em andamento. Toda correspondência
deve ser dirigida a: Av. Paulo de Frontin 707 • CEP 20261-241 • Rio de Janeiro-RJ • Telefax: (21) 2502-7405 • e-mail:editora@diagraphic.com.br • www.
diagraphic.com.br. As matérias assinadas, bem como suas respectivas fotos de conteúdo científico, são de responsabilidade dos autores, não
refletindo necessariamente a posição da editora, nem dos laboratórios patrocinadores. Distribuição exclusiva à classe médica.


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GRAUS DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA

A Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência

B Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência

C Relatos de casos (estudos não-controlados)

D Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos,


estudos fisiológicos ou modelos animais

NÍVEL DE EVIDÊNCIA CIENTÍFICA POR TIPO DE ESTUDO


Oxford Centre for Evidence-Based Medicine (maio 2001)
Projeto Diretrizes AMB-CFM
'RAU DE .ÓVEL DE 4RATAMENTOPREVENÎÍO n 0ROGNØSTICO $IAGNØSTICO $IAGNØSTICO DIFERENCIAL
RECOMENDAÎÍO EVIDÐNCIA ETIOLOGIA PREVALÐNCIA DE SINTOMAS

! 2EVISÍO SISTEMÈTICA 2EVISÍO SISTEMÈTICA COM HOMOGENEIDADE 2EVISÍO SISTEMÈTICA COM HOMOGENEIDADE 2EVISÍO SISTEMÈTICA COM
COM HOMOGENEIDADE DE COORTES DESDE O INÓCIO DA DOENÎA DE ESTUDOS DIAGNØSTICOS NÓVEL  HOMOGENEIDADE DE ESTUDO DE COORTE
DE ENSAIOS CLÓNICOS #RITÏRIO PROGNØSTICO VALIDADO #RITÏRIO DIAGNØSTICO DE ESTUDOS NÓVEL " CONTEMPORÉNEA OU PROSPECTIVA
CONTROLADOS E RANDOMIZADOS EM DIVERSAS POPULAÎÜES EM DIFERENTES CENTROS CLÓNICOS

! " %NSAIO CLÓNICO CONTROLADO E #OORTE DESDE O INÓCIO DA DOENÎA COM #OORTE VALIDADA COM BOM PADRÍO DE %STUDO DE COORTE CONTEMPORÉNEA OU
RANDOMIZADO COM INTERVALO PERDA   REFERÐNCIA PROSPECTIVA COM POUCAS PERDAS
DE CONFIANÎA ESTREITO #RITÏRIO PROGNØSTICO VALIDADO EM UMA #RITÏRIO DIAGNØSTICO TESTADO EM UM ÞNICO
ÞNICA POPULAÎÍO CENTRO CLÓNICO

# 2ESULTADOS TERAPÐUTICOS 3ÏRIE DE CASOS DO TIPO hTUDO OU NADAv 3ENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE PRØXIMAS 3ÏRIE DE CASOS DO TIPO hTUDO OU NADAv
DO TIPO hTUDO OU NADAv DE 

! 2EVISÍO SISTEMÈTICA 2EVISÍO SISTEMÈTICA COM HOMOGENEIDADE 2EVISÍO SISTEMÈTICA COM HOMOGENEIDADE 2EVISÍO SISTEMÈTICA COM
COM HOMOGENEIDADE DE COORTES HISTØRICAS RETROSPECTIVAS OU DE DE ESTUDOS DIAGNØSTICOS DE NÓVEL   HOMOGENEIDADE DE ESTUDOS SOBRE
DE ESTUDOS DE COORTE SEGUIMENTO DE CASOS NÍO TRATADOS DE GRUPO DIAGNØSTICO DIFERENCIAL DE NÓVEL  "
CONTROLE DE ENSAIO CLÓNICO RANDOMIZADO

" %STUDO DE COORTE INCLUINDO %STUDO DE COORTE HISTØRICA #OORTE EXPLORATØRIA COM BOM PADRÍO DE %STUDO DE COORTE HISTØRICA COORTE
ENSAIO CLÓNICO RANDOMIZADO 3EGUIMENTO DE PACIENTES NÍO TRATADOS DE REFERÐNCIA RETROSPECTIVA OU COM SEGUIMENTO
DE MENOR QUALIDADE GRUPO CONTROLE DE ENSAIO CLÓNICO RANDOMIZADO #RITÏRIO DIAGNØSTICO DERIVADO OU VALIDADO EM CASOS COMPROMETIDO NÞMERO
#RITÏRIO PROGNØSTICO DERIVADO OU VALIDADO AMOSTRAS FRAGMENTADAS OU BANCO DE DADOS GRANDE DE PERDAS
SOMENTE EM AMOSTRAS FRAGMENTADAS
" # /BSERVAÎÍO DE RESULTADOS /BSERVAÎÍO DE EVOLUÎÜES CLÓNICAS %STUDO ECOLØGICO
TERAPÐUTICOS OUTCOMES RESEARCH
OUTCOMES RESEARCH
%STUDO ECOLØGICO

! 2EVISÍO SISTEMÈTICA COM 2EVISÍO SISTEMÈTICA COM HOMOGENEIDADE 2EVISÍO SISTEMÈTICA COM
HOMOGENEIDADE DE DE ESTUDOS DIAGNØSTICOS DE NÓVEL  " HOMOGENEIDADE DE ESTUDOS
ESTUDOS CASO CONTROLE DE NÓVEL  "

" %STUDO CASO CONTROLE 3ELEÎÍO NÍO CONSECUTIVA DE CASOS OU #OORTE COM SELEÎÍO NÍO CONSECUTIVA
PADRÍO DE REFERÐNCIA APLICADO DE FORMA DE CASOS OU POPULAÎÍO DE ESTUDO
POUCO CONSISTENTE MUITO LIMITADA

 2ELATO DE CASOS INCLUINDO 3ÏRIE DE CASOS E COORTE PROGNØSTICA DE %STUDO CASO CONTROLE OU PADRÍO DE 3ÏRIE DE CASOS OU PADRÍO DE
# COORTE OU CASO CONTROLE DE MENOR QUALIDADE REFERÐNCIA POBRE OU NÍO INDEPENDENTE REFERÐNCIA SUPERADO
MENOR QUALIDADE

$  /PINIÍO DE ESPECIALISTA SEM AVALIAÎÍO CRÓTICA OU BASEADA EM MATÏRIAS BÈSICAS ESTUDO FISIOLØGICO OU ESTUDO COM ANIMAIS


Diretrizes sbd 2006

Epidemiologia do
diabetes mellitus

1. A magnitude do para Nauru, na Oceania, e para os índios Pima,


no Arizona, EUA, onde praticamente metade
problema da população adulta apresenta DM.
Outros aspectos a serem destacado são as
Uma epidemia de diabetes mellitus (DM) repercussões de mudanças no estilo de vida,
está em curso. Em 1985 estimava-se que exis-
em curto período de tempo, em grupos de
tissem 30 milhões de adultos com DM no mun-
migrantes. No Brasil, estudo realizado na co-
do; esse número cresceu para 135 milhões em
munidade nipo-brasileira mostrou aumento
1995, atingindo 173 milhões em 2002, com
vertiginoso na prevalência do DM, cuja taxa
projeção de chegar a 300 milhões no ano
passou de 18,3% em 1993 para 34,9% em
2030. Cerca de dois terços desses indivíduos
2000, evidenciando o impacto de alterações
com DM vivem nos países em desenvolvimen-
no estilo de vida, em particular do padrão ali-
to, onde a epidemia tem maior intensidade,
mentar, interagindo com uma provável susce-
com crescente proporção de pessoas afetadas
tibilidade genética(4)(B, 3).
em grupos etários mais jovens(1) (B, 3).
A incidência do DM tipo 2 (DM2) é difícil
O número de indivíduos diabéticos está
aumentando devido ao crescimento e ao en- de ser determinada em grandes populações,
velhecimento populacional, à maior urbani- pois envolve seguimento durante alguns
zação, à crescente prevalência de obesidade anos, com medições periódicas de glicemia.
e sedentarismo, bem como à maior sobrevida Os estudos de incidência são geralmente res-
do paciente com DM. Quantificar a prevalência tritos ao DM tipo 1 (DM1), pois suas manifesta-
de DM e o número de pessoas diabéticas, no ções iniciais tendem a ser bem características.
presente e no futuro, é importante para per- A incidência do DM1 demonstra acentuada
mitir uma forma racional de planejamento e variação geográfica, apresentando taxas por
alocação de recursos. 100 mil indivíduos com menos de 15 anos de
No Brasil, no final dos anos 1980, a preva- idade: de 38,4 na Finlândia, de 7,6 no Brasil e
lência de DM na população adulta foi estima- de 0,5 na Coréia, por exemplo. Atualmente
da em 7,6%(2); dados mais recentes apontam sabe-se que a incidência do DM1 vem aumen-
para taxas mais elevadas, como 12,1% no tando, particularmente na população infantil
estudo de Ribeirão Preto, SP(3). Estima-se que com menos de 5 anos de idade(5).
em 2005 existam em torno de 8 milhões de No mundo, o número de mortes atribuídas
indivíduos com DM no Brasil (B, 3). ao DM está em torno de 800 mil; entretanto é
A influência da idade na prevalência de fato bem estabelecido que essa quantidade de
DM e na tolerância à glicose diminuída foi óbitos é consideravelmente subestimada. Fre-
bem evidenciada pelo Estudo Multicêntrico qüentemente o DM não é mencionado na de-
sobre a Prevalência do Diabetes no Brasil(2), no claração de óbito pelo fato de serem suas com-
qual se observou variação de 2,7% para a faixa plicações, particularmente as cardiovasculares
etária de 30-59 anos e de 17,4% para a de 60- e cerebrovasculares, as causas da morte. E são
69 anos, ou seja, um aumento de 6,4 vezes. essas causas que figuram nas estatísticas de
Existem marcantes diferenças na preva- mortalidade. Uma figura mais realista sugere
lência do DM entre diversos países e grupos cerca de 4 milhões de óbitos anuais relaciona-
étnicos. As taxas mais elevadas foram descritas dos à presença dessa doença, com importante


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contribuição de complicações cardiovascula- suas famílias, e são difíceis de serem quanti- duos de maior risco para participar de ensaios
res. Isso corresponde a aproximadamente 9% ficados. clínicos é justificável. As intervenções propos-
do total mundial de mortes. A maioria desses Os custos diretos com DM variam entre tas têm se baseado em imunomodulação ou
óbitos é prematura, ocorrendo quando os in- 2,5% e 15% do orçamento anual da saúde, imunossupressão.
divíduos estão contribuindo economicamente dependendo de sua prevalência e do grau de Quanto ao DM2, no qual a maioria dos
para a sociedade. sofisticação do tratamento disponível. Esti- indivíduos também apresenta obesidade,
Dados brasileiros mostram que as taxas mativas do custo direto para o Brasil estão em hipertensão arterial e dislipidemia, e a hipe-
de mortalidade por DM (por 100 mil habitan- torno de 3,9 bilhões de dólares americanos, rinsulinemia seria o elo de ligação entre esses
tes) apresentam acentuado aumento com o em comparação com 0,8 bilhão para a Argen- distúrbios metabólicos há necessidade de in-
progredir da idade, variando de 0,58 para a tina e 2 bilhões para o México(8). tervenções abrangendo essas múltiplas anor-
faixa etária de 0-29 anos até 181,1 para a de 60 Inúmeros indivíduos diabéticos são inca- malidades metabólicas.
anos ou mais, ou seja, um gradiente superior pazes de continuar a trabalhar em decorrência Existem evidências de que as alterações
a 300 vezes. Na maioria dos países desenvolvi- das complicações crônicas, ou ficam com algu- no estilo de vida, com ênfase na alimentação
dos, quando se analisa apenas a causa básica ma limitação no seu desempenho profissional. e na redução da atividade física, estão asso-
do óbito, verifica-se que o DM, entre as princi- Estimar o custo social dessa perda de produ- ciadas ao acentuado aumento na prevalência
pais, figura entre a quarta e a oitava posição. tividade não é fácil. Entretanto, em algumas do DM2. Os programas de prevenção primária
Estudos brasileiros sobre mortalidade por situações nas quais essa estimativa tem sido do DM2 têm se baseado em intervenções na
DM, analisando as causas múltiplas de mor- feita, esses custos são equivalentes ou mesmo dieta e na prática da atividade física, visando
te, ou seja, quando existe menção ao DM na superiores aos diretos com a saúde. Por exem- a combater o excesso de peso. Os resultados
declaração de óbito, mostram que a taxa de plo, em 1997, as estimativas para os EUA dos do Diabetes Prevention Program (DPP)(9) de-
mortalidade por essa enfermidade aumenta custos diretos para o tratamento do DM foram monstraram redução de 58% na incidência de
até 6,4 vezes(6). Analisando a importância do de US$ 44 bilhões em comparação com US$ 54 casos de DM através do estímulo a uma dieta
DM como carga de doença, ou seja, o impac- bilhões para os custos indiretos. Combinando saudável e à prática de atividades físicas, sen-
to da mortalidade e dos problemas de saúde as estimativas para 25 países latino-america- do essa intervenção mais efetiva do que o uso
que afetam a qualidade de vida dos seus por- nos, pode-se inferir que os custos decorrentes de metformina. O Finnish Diabetes Prevention
tadores, através do Disability Adjusted Life of da perda de produção pela presença do DM Study (DPS)(10) mostrou que uma redução do
Years (DALY), anos de vida perdidos ajustados podem ser cinco vezes maiores do que os di- peso em torno de 3 a 4kg em quatro anos
por incapacidade, verifica-se que em 1999 o retos(8). Isso se deveria ao acesso limitado à boa reduziu a incidência do DM em 58%. Num
DM apresentava uma taxa de 12 por mil ha- assistência à saúde, com conseqüente elevada estudo longitudinal com 84.941 enfermeiras
bitantes, ocupando a oitava posição, sendo incidência de complicações, incapacitações e e seguimento de 16 anos, o controle de fato-
superado pelo grupo das doenças infecciosas morte prematura (B, 4). res de risco modificáveis, como dieta habitual,
e parasitárias, neuropsiquiátricas, cardiovas- atividade física, tabagismo e excesso de peso,
culares, respiratórias crônicas, do aparelho foi associado a redução de 91% na incidência
digestivo, neoplasias malignas e doenças 2. Prevenção de DM e de 88% nos casos com história fami-
musculoesqueléticas(7). Nessa comparação liar de DM(11) (B, 1).
deve-se levar em conta que o DM, como única Prevenção efetiva também significa mais Quanto à prevenção secundária, existem
entidade, está sendo comparado com grupos atenção à saúde de forma eficaz. Isso pode ser evidências de que o controle metabólico es-
de doenças e, mesmo assim, pode ser notada feito através da prevenção do início do DM trito tem papel importante na prevenção do
a sua importância (B, 4). (prevenção primária) ou de suas complicações surgimento ou da progressão de suas compli-
Sua natureza crônica, a gravidade de suas agudas ou crônicas (prevenção secundária). cações crônicas, conforme ficou demonstrado
complicações e os meios necessários para A prevenção primária protege indivíduos pelo Diabetes Control and Complications Trial
controlá-las tornam o DM uma doença mui- suscetíveis de desenvolverem o DM. Ela tem (DCCT)(12) para o DM1 e pelo United Kingdom
to onerosa, não apenas para os indivíduos impacto por reduzir ou retardar tanto a neces- Propective Diabetes Study (UKPDS)(13) para o
afetados e suas famílias, mas também para o sidade de atenção à saúde como a de tratar as DM2 (B, 1).
sistema de saúde. Os custos dos cuidados de complicações do DM. Outras medidas importantes na preven-
saúde para um indivíduo com DM nos EUA foi Atualmente, a prevenção primária do DM1 ção secundária(14) são:
estimado em duas a três vezes maior do que o não tem uma base racional que possa ser apli-  tratamento da hipertensão arterial e da dis-
de um sem a doença. cada a toda a população. As intervenções po- lipidemia, o que reduz substancialmente o
Os custos do DM afetam todos, porém pulacionais ainda são teóricas, necessitando risco de complicações do DM (B, 1);
não são apenas um problema econômico. de estudos que as confirmem. As proposições  prevenção de ulcerações nos pés e de ampu-
Os custos intangíveis (dor, ansiedade, in- mais aceitáveis baseiam-se no estímulo do tações de membros inferiores através de cuida-
conveniência e perda de qualidade de vida, aleitamento materno e em evitar a introdu- dos específicos que podem reduzir tanto a fre-
por exemplo) também apresentam grande ção do leite de vaca nos primeiros três meses qüência e a duração de hospitalizações como,
impacto na vida das pessoas com diabetes e de vida. Entretanto o recrutamento de indiví- em 50%, a incidência de amputações (B, 2);


Diretrizes sbd 2006

 rastreamento para diagnóstico e tratamen-  rastreamento para microalbuminúria  medidas para reduzir o consumo de cigarro
to precoce da retinopatia, que apresenta é um procedimento recomendável para também auxiliam no controle do DM, visto
grande vantagem do ponto de vista custo- prevenir ou retardar a progressão da in- que o tabagismo é associado a mau controle
efetivo, dada a importante repercussão nos suficiência renal, permitindo intervir mais do DM e intensamente associado causalmen-
custos diretos, indiretos e intangíveis da ce- precocemente no curso natural da doença te com hipertensão e doença cardiovascular
gueira (B, 2); renal (B, 3); em pessoas com ou sem DM(15)(A, 1).

Referências
bibliográficas
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10
2006 Diretrizes sbd

Classificação etiológica
do diabetes mellitus

1. Introdução Tabela 1 – Classificação etiológica do DM


DM1
O diabetes mellitus (DM) não é uma úni-
 Auto-imune
ca doença, mas um grupo heterogêneo de
distúrbios metabólicos que apresentam em  Idiopático
comum a hiperglicemia. Essa hiperglicemia é DM2
o resultado de defeitos na ação da insulina, na Outros tipos específicos de DM
secreção de insulina ou em ambos. Diabetes mellitus gestacional
A classificação atual do DM é baseada
na etiologia e não no tipo de tratamento,
portanto os termos diabetes mellitus insuli-
nodependente e diabetes mellitus insulinoin- mico (GAD 65) e antitirosina-fosfatases (IA2 e
dependente devem ser eliminados. A classifi- IA2B)(3-5). Esses anticorpos podem estar pre-
cação proposta pela Organização Mundial da sentes meses ou anos antes do diagnóstico
Saúde (OMS)(1) e pela Associação Americana clínico, ou seja, na fase pré-clínica da doença,
de Diabetes (ADA)(2) e aqui recomendada e em até 90% dos indivíduos quando a hiper-
inclui quatro classes clínicas: DM tipo 1, DM glicemia é detectada. Além do componente
tipo 2, outros tipos específicos de DM e dia- auto-imune, o DM1 apresenta forte associa-
betes mellitus gestacional (Tabela 1). Ainda ção com determinados genes do sistema antí-
existem duas categorias, referidas como pré- geno leucocitário humano (HLA), alelos esses
diabetes, que são a glicemia de jejum alterada que podem ser predisponentes ou protetores
e a tolerância à glicose diminuída. Essas cate- para o desenvolvimento da doença(6).
gorias não são entidades clínicas, mas fatores A taxa de destruição das células beta é
de risco para o desenvolvimento do DM e de variável, sendo em geral mais rápida entre as
doenças cardiovasculares (DCV). crianças. A forma lentamente progressiva ocor-
re geralmente em adultos e é referida como la-
tent autoimmune diabetes in adults (LADA).
2. Diabetes mellitus tipo 1 O DM1 idiopático corresponde a uma mi-
noria dos casos. Caracteriza-se pela ausência
O DM tipo 1 (DM1), forma presente em de marcadores de auto-imunidade contra as
5%-10% dos casos, é o resultado de uma células beta e não-associação com haplótipos
destruição das células beta pancreáticas com do sistema HLA. Os indivíduos com essa for-
conseqüente deficiência de insulina. Na maio- ma de DM podem desenvolver cetoacidose e
ria dos casos essa destruição das células beta é apresentam graus variáveis de deficiência de
mediada por auto-imunidade, porém existem insulina.
casos em que não há evidências de processo Como a avaliação dos auto-anticorpos
auto-imune, sendo, portanto, referida como não é disponível em todos os centros, a classi-
forma idiopática do DM1. Os marcadores de ficação etiológica do DM1 nas subcategorias
auto-imunidade são os auto-anticorpos: an- auto-imune e idiopático pode não ser sempre
tiinsulina, antidescarboxilase do ácido glutâ- possível.

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Diretrizes sbd 2006

3. Diabetes mellitus tipo 2 Tabela 2 – Outros tipos específicos de DM


Defeitos genéticos na função das células beta
O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é a forma  MODY 1 (defeitos no gene HNF-4 alfa)
presente em 90%-95% dos casos e caracte-
 MODY 2 (defeitos no gene da glicoquinase)
riza-se por defeitos na ação e na secreção da
insulina. Em geral ambos os defeitos estão pre-  MODY 3 (defeitos no gene HNF-1 alfa)
sentes quando a hiperglicemia se manifesta,  MODY 4 (defeitos no gene IPF-1)
porém pode haver predomínio de um deles. A  MODY 5 (defeitos no gene HNF-1 beta)
maioria dos pacientes com essa forma de DM  MODY 6 (defeitos no gene Neuro D1)
apresenta sobrepeso ou obesidade, e cetoa-  DM mitocondrial
cidose raramente desenvolve-se espontanea-
 Outros
mente, ocorrendo apenas quando associada a
outras condições como infecções. O DM2 pode Defeitos genéticos na ação da insulina
ocorrer em qualquer idade, mas é geralmente  Resistência à insulina tipo A
diagnosticado após os 40 anos. Os pacientes  Leprechaunismo
não são dependentes de insulina exógena  Síndrome de Rabson-Mendenhall
para sobrevivência, porém podem necessitar  DM lipoatrófico
de tratamento com insulina para a obtenção
 Outros
de um controle metabólico adequado.
Doenças do pâncreas exócrino
Diferentemente do DM1 auto-imune não
há indicadores específicos para o DM2. Existem  Pancreatite
provavelmente diferentes mecanismos que re-  Pancreatectomia ou trauma
sultam nessa forma de DM, e com a identificação  Neoplasia
futura de processos patogênicos específicos ou  Fibrose cística
defeitos genéticos, o número de pessoas com
 Pancreatopatia fibrocalculosa
essa forma de DM irá diminuir à custa de uma
 Outros
mudança para uma classificação mais definitiva
em outros tipos específicos de DM. Endocrinopatias
 Acromegalia
 Síndrome de Cushing
4. Outros tipos  Glucagonoma
 Feocromocitoma
específicos de DM
 Somatostinoma
Pertencem a essa classificação formas  Aldosteronoma
menos comuns de DM cujos defeitos ou  Outros
processos causadores podem ser identifi- Induzido por medicamentos ou agentes químicos
cados. A apresentação clínica desse grupo é  Determinadas toxinas
bastante variada e depende da alteração de
 Pentamidina
base. Estão incluídos nessa categoria defei-
tos genéticos na função das células beta, de-  Ácido nicotínico
feitos genéticos na ação da insulina, doen-  Glicocorticóides
ças do pâncreas exócrino e outras condições  Hormônio tireoidiano
listadas na Tabela 2.  Diazóxido
 Agonistas betadrenérgicos
 Tiazídicos
5. Diabetes MELLITUS  Interferon alfa
gestacional  Outros
Infecções
É qualquer intolerância à glicose, de mag-  Rubéola congênita
nitude variável, com inicio ou diagnóstico du-
 Citomegalovírus
rante a gestação. Não exclui a possibilidade
de a condição existir antes da gravidez, mas  Outros

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2006 Diretrizes sbd

Formas incomuns de DM auto-imune ser reavaliadas quatro a seis semanas após o


parto e reclassificadas como apresentando
 Síndrome stiff man
DM, glicemia de jejum alterada, tolerância
 Anticorpos anti-receptores de insulina à glicose diminuída ou normoglicemia. Na
 Outros maioria dos casos há reversão para a tolerân-
Outras síndromes genéticas por vezes associadas a DM cia normal após a gravidez, porém existe um
 Síndrome de Down risco de 17%-63% de desenvolvimento de
 Síndrome de Klinefelter DM2 dentro de 5-16 anos após o parto(9).
 Síndrome de Turner
 Síndrome de Wolfram
 Ataxia de Friedreich
6. Pré-diabetes
 Coréia de Huntington Refere-se a um estado intermediário en-
 Síndrome de Laurence-Moon-Biedl tre a homeostase normal da glicose e o DM. A
 Distrofia miotônica categoria glicemia de jejum alterada refere-se
 Síndrome de Prader Willi às concentrações de glicemia de jejum que
são inferiores ao critério diagnóstico para o
 Outros
DM, porém mais elevadas do que o valor de
MODY = maturity onset diabetes of the young.
referência normal. A tolerância à glicose dimi-
nuída representa uma anormalidade na regu-
lação da glicose no estado pós-sobrecarga,
não ter sido diagnosticada. Similar ao DM2, o em 1%-14% de todas as gestações, depen- que é diagnosticada através do teste oral de
DM gestacional é associado tanto a resistên- dendo da população estudada, e é associado tolerância à glicose (TOTG), que inclui a de-
cia à insulina quanto à diminuição da função a aumento de morbidade e mortalidade peri- terminação da glicemia de jejum e de 2 horas
das células beta(7). O DM gestacional ocorre natal(8). Pacientes com DM gestacional devem após a sobrecarga com 75g de glicose.

Referências
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13
Diretrizes sbd 2006

Métodos e critérios
para o diagnóstico de
diabetes mellitus

1. Introdução  sintomas de poliúria, polidipsia e perda


ponderal acrescidos de glicemia casual acima
A evolução para o diabetes mellitus tipo 2 de 200mg/dl. Compreende-se por glicemia
(DM2) ocorre ao longo de um período de tem- casual aquela realizada a qualquer hora do
po variável, passando por estágios intermediá- dia, independentemente do horário das refei-
rios que recebem a denominação de glicemia ções (A, 1)(1, 2);
de jejum alterada e tolerância à glicose dimi-  glicemia de jejum ≥ 126mg/dl (7 milimois).
nuída. Tais estágios seriam decorrentes de Em caso de pequenas elevações da glicemia,
uma combinação de resistência à ação insulí- o diagnóstico deve ser confirmado pela repe-
nica e disfunção de célula beta. Já no diabe- tição do teste em outro dia (A, 1)(1-2);
tes mellitus tipo 1 (DM1) o início geralmente é  glicemia de 2 horas pós-sobrecarga de 75g
abrupto, com sintomas indicando de maneira de glicose acima de 200mg/dl (A, 1)(1, 2).
sólida a presença da enfermidade(1, 2). O teste de tolerância à glicose deve ser efe-
O critério diagnóstico foi modificado, em tuado com os cuidados preconizados pela OMS,
1997, pela American Diabetes Association com colheita para diferenciação de glicemia em
(ADA), posteriormente aceito pela Organiza- jejum e 120 minutos após a ingestão de glicose.
ção Mundial da Saúde OMS) e pela Sociedade É reconhecido um grupo intermediário de
Brasileira de Diabetes (SBD)(1, 2). indivíduos em que os níveis de glicemia não
As modificações foram realizadas com preenchem os critérios para o diagnóstico de
a finalidade de prevenir de maneira eficaz DM. São, entretanto, muito elevados para se-
as complicações micro e mascrovasculares rem considerados normais(7). Nesses casos fo-
do DM(3-5). ram consideradas as categorias de glicemia de
Atualmente são três os critérios aceitos jejum alterada e tolerância à glicose diminuí-
para o diagnóstico de DM: da, cujos critérios são apresentado a seguir.

Tabela – Valores de glicose plasmática (em mg/dl) para diagnóstico de diabetes mellitus e seus
estágios pré-clínicos
Categoria Jejum* 2h após 75g Casual**
de glicose
Glicemia normal < 100 < 140
Tolerância à glicose > 100 a < 126 ≥ 140 a < 200
diminuída
Diabetes mellitus ≥ 126 ≥ 200 ≥ 200 (com sintomas clássicos)***
*O jejum é definido como a falta de ingestão calórica por no mínimo 8 horas; **glicemia plasmática casual é aquela
realizada a qualquer hora do dia, sem se observar o intervalo desde a última refeição; ***os sintomas clássicos de DM
incluem poliúria, polidipsia e perda não-explicada de peso.
Nota: O diagnóstico de DM deve sempre ser confirmado pela repetição do teste em outro dia, a menos que haja hiper-
glicemia inequívoca com descompensação metabólica aguda ou sintomas óbvios de DM.

14
2006 Diretrizes sbd

2. Glicemia de jejum O método preferencial para determina-  ingestão de pelo menos 150g de glicídios
ção da glicemia é sua aferição no plasma. O nos três dias anteriores à realização do teste;
alterada sangue deve ser coletado em um tubo com  atividade física normal;
fluoreto de sódio, centrifugado, com sepa-  comunicar a presença de infecções, inges-
 Glicemia de jejum acima de 100mg/dl e abaixo ração do plasma, que deverá ser congelado tão de medicamentos ou inatividade;
de 126mg/dl. Esse critério ainda não foi oficiali- para posterior utilização. Caso não se dispo-  utilizar 1,75g de glicose por quilograma
zado pela OMS, porém já existe uma recomen- nha desse reagente, a determinação da glice- de peso até o máximo de 75g(8).
dação da Federação Internacional de Diabetes mia deverá ser imediata ou o tubo mantido a A hemoglobina glicada mostrou-se in-
(IDF) acatando o ponto de corte para 100mg/dl. 4oC por, no máximo, 2 horas(8). ferior às glicemias de jejum e pós-prandial
 Tolerância à glicose diminuída – quando, Para a realização do teste de tolerância para o diagnóstico de diabetes mellitus(2).
após uma sobrecarga de 75g de glicose, o va- à glicose oral algumas considerações de- As fitas com reagentes não são tão precisas
lor de glicemia de 2 horas se situa entre 140 e vem ser levadas em conta: quanto as dosagens plasmáticas e não de-
199mg/dl (B, 2)(2-6).  período de jejum entre 10 e 16 horas; vem ser usadas para o diagnóstico.

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15
Diretrizes sbd 2006

Aspectos clínicos
e laboratoriais da
hemoglobina glicada

1. Conceito de zação do teste e, assim, tem grande utilidade


na avaliação do nível de controle glicêmico e
hemoglobina glicada da eficácia do tratamento vigente. Por outro
lado, os testes de glicemia refletem o nível
O termo genérico hemoglobina glicada re-
de glicose sangüínea no exato momento da
fere-se a um conjunto de substâncias formadas
realização do teste. Para uma avaliação mais
com base em reações entre a hemoglobina nor-
global e mais clinicamente fundamentada do
mal do adulto, a hemoglobina A (HbA) e alguns
controle glicêmico, ambos os métodos são
açúcares. Em termos de avaliação do controle
importantes, uma vez que as informações que
do diabetes mellitus (DM), a fração A1c é a mais
fornecem se complementam.
importante e a mais estudada, tendo sido refe-
rendada pelos dois estudos mais importantes A hemoglobina glicada deve ser medida
da atualidade: o Diabetes Control and Compli- rotineiramente em todos os pacientes com
cations Trial (DCCT) e o UK Prospective Diabe- DM para documentar o grau de controle gli-
tes Study (UKPDS). Dependendo do método de cêmico. As metas de tratamento devem ser
análise laboratorial, a fração A1c corresponde baseadas em resultados de estudos clínicos
a cerca de 3% a 6% da HbA total em pessoas prospectivos e randomizados, como o DCCT
normais, alcançando até 20% ou mais em indi- e o UKPDS. Esses estudos mostraram relação
víduos diabéticos muito mal controlados. No entre o controle glicêmico, quantificado por
indivíduo normal, a fração HbA1C representa determinações seriadas de hemoglobina
aproximadamente 80% da hemoglobina A1 glicada, e os riscos de desenvolvimento e
total (HbA1). Os outros 20% correspondem às progressão das complicações crônicas do
frações HbA1a1, HbA1a2 e HbA1b. A hemoglo- DM (A, 1).
bina glicada (que é o termo bioquimicamente
correto) também é conhecida como hemoglo-
bina glicada, glicoemoglobina ou simplesmen- 3. Correlação entre os
te A1C.
níveis de hemoglobina
glicada e os de glicemia
2. Utilidade clínica dos O controle glicêmico é mais bem avaliado
testes de hemoglobina pela combinação dos resultados da automoni-
glicada torização domiciliar da glicemia e dos níveis de
hemoglobina glicada. A Tabela 1 mostra a cor-
O nível de hemoglobina glicada reflete a relação entre o nível de hemoglobina glicada e
glicemia média de um indivíduo durante os os níveis médios de glicemia vigentes nos dois a
dois a três meses anteriores à data de reali- três meses anteriores ao teste.

16
2006 Diretrizes sbd

Tabela 1 – Correlação entre os níveis de hemoglobina glicada e os níveis médios de glicemia dos Por isso níveis mais rígidos de hemoglobina
últimos dois a três meses anteriores ao teste glicada (< 6%) podem estar perfeitamente
Nível de Glicemia média Nível de Glicemia média
adequados para gestantes diabéticas É im-
hemoglobina correspondente (mg/dl) hemoglobina correspondente (mg/dl) portante salientar que durante a gestação a
glicada (%) glicada (%) hemoglobina glicada não deve ser utilizada
5 100 9 240
como parâmetro de avaliação do controle gli-
cêmico, tendo-se em vista que a alteração dos
6 135 10 275
níveis de hemoglobina glicada pode demorar
7 170 11 310 dois meses ou mais para refletir a inadequa-
8 205 12 345 ção do controle glicêmico.

4. Freqüência recomendada para adultos diabéticos. Para crianças e ado- 7. Impacto do método
para a realização dos lescentes, por exemplo, os níveis recomen-
dados são: a) de até 8% na faixa pré-puberal; laboratorial utilizado
testes de hemoglobina
glicada b) < 8,5% na faixa puberal; c) < 7% na fase sobre a interpretação
final da puberdade e em adultos. Para os ido-
sos, o nível de hemoglobina glicada deve ser
do resultado do teste de
Os testes de hemoglobina glicada devem
ser realizados pelo menos duas vezes ao ano
individualizado de acordo com as condições HEMOGLOBINA GLICADA
clínicas de cada paciente. Um nível de hemo-
por todos os indivíduos diabéticos e quatro
globina glicada de 8% ou até superior pode A meta de se atingir um nível de hemo-
vezes por ano (a cada três meses) para pa-
ser aconselhado para idosos já fragilizados, globina glicada < 7% foi validada pelo mé-
cientes que se submeterem a alterações do
indivíduos com esperança de vida limitada todo utilizado nos estudos DCCT e UKPDS
esquema terapêutico ou que não estejam
e outros pacientes nos quais os riscos de um com base no método laboratorial de cromo-
atingindo os objetivos recomendados com o
controle glicêmico mais intensivo sejam maio- tografia líquida de alta eficiência (CLAE), cuja
tratamento vigente (A, 4).
res do que os benefícios potenciais do contro- denominação, em inglês, é high performance
le estrito. As gestantes com DM apresentam liquid chromatography (HPLC). A CLAE mede
risco aumentado de aborto espontâneo e de exatamente o conteúdo de hemoglobina
5. Níveis recomendados má-formação congênita fetal. A magnitude glicada, ao contrário de muitos métodos que
de Hemoglobina glicada desses riscos depende principalmente do mensuram a hemoglobina A1 total e/ou ou-
grau de controle do DM no período pré-con- tras frações que não a hemoglobina glicada.
Níveis de hemoglobina glicada acima cepção e no primeiro trimestre da gestação. Na realidade, entre os vários métodos labora-
de 7% estão associados a um risco progres-
sivamente maior de complicações crônicas. Tabela 2 – Recomendações e níveis de evidência sobre o controle da hemoglobina glicada em
Por isso o conceito atual de tratamento do pacientes diabéticos
DM por objetivos define 7% como o limite
Nível de evidência
superior recomendado, acima do qual está Recomendação da American Diabetes Association (2005)
indicada a revisão do esquema terapêutico ADA SBD
em vigor, principalmente em se considerando A dimunição dos níveis de hemoglobina glicada está associada a redução de A 1
que é a partir do nível de 7% que o risco de complicações microvasculares e neuropáticas do DM
retinopatia, nefropatia, neuropatia e microal- Desenvolver ou ajustar a estratégia de controle da glicemia para atingir o B 2
buminúria começa efetivamente a apresentar objetivo de hemoglobina glicada < 7%
progressão significativa. A Tabela 2 mostra as Metas mais rígidas (por exemplo, hemoglobina glicada < 6%) podem ser B 2
recomendações da American Diabetes Asso- consideradas em pacientes individuais e durante a gravidez
ciation (ADA) publicadas em janeiro de 2005. Um nível mais baixo de hemoglobina glicada está associado a menor risco B 2
de infarto do miocárdio e morte cardiovascular
O controle rígido da glicemia com insulina pode reduzir a morbidade em pa- B 2
6. Níveis recomendados de cientes com doenças agudas graves no período perioperatório, após infarto
do miocárdio e durante a gravidez
Hemoglobina glicada em
Objetivos de tratamento menos rígidos podem ser definidos para pacientes E 4
populações especiais com hipoglicemia intensa, expectativa de vida limitada, crianças muito jo-
vens ou adultos mais idosos e em indivíduos com condições co-mórbidas
Os níveis recomendados de hemoglobina Observação: os critérios da ADA para níveis de evidência (A, B, C e E) correspondem, respectivamente, aos níveis de
glicada podem ser distintos dos 7% indicados evidência da SBD (1, 2, 3 e 4).

17
Diretrizes sbd 2006

toriais disponíveis para a realização do teste ao DCCT, o interessado pode consultar, pela e hipoglicemia significativas, de tal forma que
de hemoglobina glicada, alguns são suficien- internet, o site dessa instituição (http://www. a glicemia média de um determinado período
temente específicos para poderem ser classi- missouri.edu/~diabetes/ngsp.html). acabe ficando dentro dos parâmetros normais,
ficados como rastreáveis ou comparáveis ao ou seja, apesar da predominância de períodos
método original de CLAE referendado pelos de hiper ou hipoglicemia, o nível de hemoglo-
estudos mencionados. Em princípio, os labo- bina glicada acaba se mantendo dentro de limi-
ratórios clínicos deveriam informar o método
8. Restrições do método e tes aceitáveis. Por isso é importante a avaliação
laboratorial utilizado e também se esse ele é interferências analíticas sistemática da glicemia em vários períodos do
ou não rastreável ao método designado como dia para se comprovar a validade da correlação
referência do DCCT. Na prática, entretanto, Como a hemoglobina glicada reflete a entre o nível de hemoglobina glicada e a real
isso não acontece; muitos laboratórios que média de glicemias num determinado período situação clínica do paciente. A Tabela 3 mos-
utilizam métodos não-rastreáveis sonegam de tempo, podem ocorrer situações em que o tra a relação de interferentes analíticos que
ao paciente e ao médico essa informação. paciente apresente, sistematicamente, perío- podem impactar a validade dos resultados dos
Para as técnicas não-rastreáveis ao DCCT, a dos contínuos e alternantes de hiperglicemia níveis de hemoglobina glicada.
meta recomendada de hemoglobina glicada
< 7% não se aplica, devendo ser substituída
Tabela 3 – Interferentes analíticos que podem alterar os resultados reais do teste de hemoglobina
pela recomendação de um limite máximo glicada
de 1% acima do valor máximo normal para
cada método. O National Glycohemoglobin Impacto sobre o nível
Situação clínica interferente
de hemoglobina glicada
Standardization Program (NGSP) mantém
uma relação permanentemente atualizada Anemia hemolítica ou estados hemorrágicos ⇓
das técnicas laboratoriais consideradas com Anemia por carência de ferro, vitamina B12 ou ácido fólico ⇑
rastreamento de desempenho analítico ao Presença de grandes quantidades de vitaminas C e E no sangue ⇓
método utilizado no DCCT. Para consultar ⇑
Aumento de triglicérides, bilirrubinas e uréia
se o método utilizado pelo laboratório é ou
não certificado pelo NGSP como rastreável Presença de hemoglobinas anormais ou variantes (hemoglobina S, C, etc.) ⇑ ou ⇓

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18
2006 Diretrizes sbd

Análise dos marcadores


de resistência à insulina
na clínica diária

1. Introdução 2. Critérios para definição


de resistência à insulina
A resistência à insulina, definida como
uma resposta biológica subnormal a uma Estudo recente realizado por Stern et al.(1)
determinada concentração desse hormô- utilizou a maior coleção de resultados de
nio, é uma condição fisiopatológica de clamp euglicêmico associando dados de
grande repercussão clínica. Estudos epi- diferentes populações. Permitiu o desenvol-
demiológicos demonstram que indivíduos vimento de critérios clinicamente viáveis e
que apresentam resistência à insulina têm rotineiros, tendo como base a definição de
chance maior de desenvolver diabetes resistência à insulina no método padrão-ouro
mellitus tipo 2 (DM2); alguns tipos de dis- (clamp euglicêmico). Foram avaliados 2.321
lipidemia; hipertensão arterial; esteato- resultados de clamp, sendo 2.138 em indiví-
hepatite não-alcoólica; doenças neurode- duos não-diabéticos. Os resultados práticos
generativas; algumas neoplasias, como de resumidos desse estudo definem resistência
mama, pâncreas e cólon; e um risco cardio- à insulina na prática clínica através de três
vascular aumentado em duas a quatro ve- modelos:
zes. Assim, tornou-se importante na prática
clínica estabelecer se um paciente tem ou Modelo 1 – utiliza índice de massa corporal
não resistência à insulina. (IMC) e/ou HOMA-IR
Os bons métodos utilizados para avaliar a a) IMC > 28,9kg/m2 ou
resistência à insulina são: b) HOMA-IR > 4,65 ou
 teste de infusão quádrupla; c) IMC > 27,5kg/m2 e HOMA-IR > 3,6.
 teste de tolerância endovenosa à glicose Esses critérios do modelo 1 têm sensibili-
(modelo mínimo de Bergman); dade de 84,9% e especificidade de 78,7%.
 teste de tolerância oral à glicose (TOTG);
 teste de tolerância à insulina (KITT); Modelo 2 – utiliza só critérios clínicos
 clamp de glicose (clamp euglicêmico a) IMC > 28,7kg/m2 ou
hiperinsulinêmico) b) IMC > 27kg/m2 e história familiar de DM.
Há métodos mais simples, que só usam a Os critérios do modelo 2 têm sensibilida-
dosagem basal de insulina e/ou glicose. Des- de de 78,7% e especificidade de 79,6%.
ses, o mais amplamente utilizado é o índice
homeostasis model assessment – insulin resis- Modelo 3 – utiliza variáveis clínicas e determi-
tance (HOMA-IR). É calculado através da fórmu- nações de lípides
la glicemia de jejum (mmol/l = mg/dl ÷ 18) × a) IMC > 28,7kg/m2 ou
insulinemia de jejum (μU/ml)/22,5. b) IMC > 27kg/m2 e história familiar de DM ou

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Diretrizes sbd 2006

c) história familiar de DM negativa, mas trigli- coronariana em dez anos) para doença car- Estudos recentes sugerem que é vantajo-
cérides (TG) > 2,44mmol/l. diovascular (DCV). PCR-as pode auxiliar a so utilizar marcadores de resistência à insuli-
Os critérios do modelo 3 têm sensibilida- avaliação seqüencial e o tratamento na pre- na (HOMA-IR) adicionalmente aos critérios de
de de 81,3% e especificidade de 76,3%. venção primária de DCV. Os benefícios da te- SM do NCEP para avaliar risco de DCV. Entre-
rapia baseada nessa estratégia permanecem tanto esses resultados precisam ser confirma-
Esse estudo certamente será um marco incertos (B, 2); dos em múltiplos estudos envolvendo gran-
na transição da pesquisa de resistência à in- 2. PCR-as é um marcador independente de de número de indivíduos.
sulina para a prática clínica por ter avaliado risco e pode ser usado como parte de avalia- O diagnóstico de SM com base nos crité-
diferentes populações, pelo grande número ção do risco coronariano global em adultos rios da OMS inclui:
de indivíduos analisados e principalmente sem DCV. Os benefícios dessa estratégia per- 1. em indivíduos com intolerância à glicose
por usar como parâmetro de definição, para manecem incertos (C, 2); (TOTG ou de jejum), presença de dois ou mais
efeitos de comparação, o clamp euglicêmico. 3. PCR-as pode ser usada para motivar os dos seguintes fatores de risco:
Os três modelos derivados desse estudo de- pacientes a melhorar o comportamento e o a) hipertrigliceridemia ≥ 150mg/dl;
vem ser difundidos como critérios para se de- estilo de vida. Os benefícios dessa estratégia b) HDL < 35mg/dl para homens e < 39mg/dl
finir resistência à insulina em estudos clínicos permanecem incertos (C, 2); para mulheres;
ou na prática médica (B, 1), mas o modelo 1 4. em pacientes com níveis de PCR-as persis- c) PA > 140/90mmHg ou uso de medicação
apresenta melhor sensibilidade e deve, sem- tentemente muito elevados (> 10mg/l) após anti-hipertensiva;
pre que possível, ser utilizado. testes repetidos é necessária a avaliação de d) relação cintura/quadril (RCR) > 0,9 (homens)
causas não-cardiovasculares (B, 2); ou > 0,85 (mulheres) ou IMC > 30kg/m2;
5. outros marcadores inflamatórios que não a e) microalbuminúria ≥ 20µg/min ou relação
3. Resistência à insulina e PCR-as (citocinas, outros marcadores de fase albumina/creatinina > 30mg/g;
risco cardiovascular aguda) não devem ser usados na determina- 2. em indivíduos sem intolerância à glicose,
ção do risco coronariano (C, 3). presença de dois dos critérios acima, associa-
Nos últimos anos, diversos estudos epi- Finalmente, merece destaque a síndro- dos a resistência à insulina (determinada pela
demiológicos e fisiopatológicos demons- me metabólica (SM), que tem como base insulina de jejum ou HOMA-IR).
traram que indivíduos com resistência à fisiopatológica a resistência à insulina, mas Como o critério da OMS utiliza intole-
insulina apresentam valores elevados de que não é obrigatoriamente sinônimo dessa rância à glicose e/ou resistência à insulina,
marcadores inflamatórios, destacando-se a resistência hormonal. A presença de SM con- em alguns estudos populacionais ele pare-
proteína C-reativa (PCR) como o mais usa- segue predizer o desenvolvimento futuro de ce predizer melhor o desenvolvimento de
do. Ainda não há consenso quanto ao uso DM2 e de doença coronariana. Há três defini- DM2 ou de doença coronariana que o do
desse marcador como medida adicional ções de SM, mas duas são mais utilizadas em NCEP.
para o diagnóstico de resistência à insulina, estudos clínicos: a do National Cholesterol
e a maioria dos estudos aponta vantagens, Education Program Adult Treatment Panel III
ainda que reduzidas, de se associar essa de- (NCEP-ATP III) e a da Organização Mundial da 4. Conclusão
terminação a outros critérios. Para a prática Saúde (OMS).
clínica, a utilização de PCR deve seguir as Com base nos critérios do NCEP-ATP III, Em resumo, podemos definir que um pa-
recomendações do Seminário de Marcado- tem SM quem apresenta três dos cinco fato- ciente tem resistência à insulina, na prática
res Inflamatórios dos Centros de Prevenção res de risco: clínica, quando ele se enquadra nos critérios
e Controle de Doenças, da American Heart a) circunferência abdominal > 102cm em ho- dos modelos 1, 2 ou 3 propostos por Stern
Association (AHA)(2), as quais, entretanto, não mens e > 88cm em mulheres; et al.(1).
são específicas para situações de resistência b) hipertrigliceridemia ≥ 150mg/dl; A SM, pelos critérios da OMS ou do NCEP,
à insulina. São as seguintes as recomenda- c) lipoproteína de alta densidade (HDL) possibilita predizer o aparecimento de DM2 e
ções para a prática clínica: < 40mg/dl para homens e < 50mg/dl para doença coronariana.
1. a PCR de alta sensibilidade (PCR-as) é um mulheres; A SM, definida pelos critérios do NCEP,
marcador independente de risco, que pode d) pressão arterial (PA) > 130/85mmHg ou prediz melhor o aparecimento de DCV quan-
ser usado na avaliação de pacientes em risco uso de medicação anti-hipertensiva; do associada a determinações de resistência
intermediário (10%-20% de risco de doença e) glicose plasmática de jejum > 110mg/dl. à insulina.

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2006 Diretrizes sbd

Referências
bibliográficas
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Diretrizes sbd 2006

Princípios para orientação


nutricional no
diabetes mellitus

1. Introdução diabéticos, a dieta deve ser hipocalórica,


com uma redução de 500kcal a 1.000kcal do
A orientação nutricional e o estabeleci- gasto energético total (GET) diário previsto
mento de dieta para controle de pacientes ou da anamnese alimentar, com o objetivo
com diabetes mellitus (DM) associados a de promover perdas ponderais de 0,5kg a
mudanças no estilo de vida, incluindo a ati- 1kg/semana. Um método prático para o cál-
vidade física, são considerados terapias de culo do GET é utilizar 20kcal a 25kcal/kg peso
primeira escolha (A, 1)(1, 3, 8, 16). atual/dia (A, 1). Não utilizar dietas inferiores a
Está comprovado que essa associação 800kcal, pois não são efetivas para a redução
provoca uma melhora na sensibilidade à de peso (C, 4)(1, 3, 16).
insulina, diminui os níveis plasmáticos de Em indivíduos resistentes à insulina, uma
glicose, reduz de forma expressiva a circun- redução na ingestão energética e perda mo-
ferência abdominal e a gordura visceral, me- derada de peso melhoram resistência à insuli-
lhorando o perfil metabólico com redução na e glicemia em curto prazo (A, 1)(1, 5, 7, 8, 16).
nos níveis de LDL-C e triglicerídeos e aumen- Programas estruturados que enfatizam
to do HDL-C(8, 12). mudanças no estilo de vida, incluindo educa-
Diversos estudos em pacientes com DM ção nutricional, redução de gorduras (menos
fundamentam as condutas referentes à tera- de 30% da ingestão energética) e ingestão
pia nutricional e ao exercício físico como tra- energética, atividade física regular e contato
tamento, que serão apresentadas a seguir. regular com profissionais, pode produzir per-
da de peso em longo prazo em torno de 5%-
7% do peso corporal (A, 1)(1, 8, 12, 16). Dessa forma,
2. Terapia nutricional exercícios e modificação comportamental são
muito úteis como adjuntos a outras estratégias
A adoção de um plano alimentar saudá- para perda e manutenção de peso (A, 1)(1, 3, 16).
vel é fundamental no tratamento do DM(1, 16). Dieta-padrão para redução de peso,
Para estabelecer as necessidades nutricionais quando feita de maneira isolada, é insufi-
do indivíduo, o primeiro passo é realizar uma ciente para produzir perda de peso em lon-
avaliação nutricional detalhada, incluindo a go prazo (A, 1)(1, 8, 16). As recomendações de
determinação de índice de massa corporal, ingestão de calorias e macronutrientes estão
circunferência abdominal. Além disso, a de- sumariadas na Tabela.
terminação do perfil metabólico é muito im-
portante para o estabelecimento da terapia
nutricional do DM. 2.1. Carboidratos
O plano alimentar deve ser individuali-
zado e fornecer um valor calórico total (VCT) A adoção do modelo dietético Dietary
compatível com a obtenção e/ou a manuten- Approaches to Stop Hypertension (DASH)
ção de peso corporal desejável. Para obesos associado a uma intervenção no estilo de

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2006 Diretrizes sbd

vida pode aumentar a sensibilidade à insu- Tabela – Composição do plano alimentar recomendado para indivíduos com diabetes mellitus
lina. Para os carboidratos, é recomendado
Macronutrientes Ingestão recomendada
o uso de hortaliças, leguminosas, grãos in-
tegrais e frutas, que devem ser consumidos Valor calórico total (VCT) De acordo com as necessidades do indivíduo
dentro do contexto de uma dieta saudável Carboidratos (CHO) 1
60% a 70% CHO + ácidos graxos monoinsaturados
(A, 1). O açúcar de mesa ou produtos con- (AGMI)
tendo açúcar (fonte de frutose) podem Sacarose Sem restrição
eventualmente ser ingeridos no contexto de Frutose Não se recomenda adição nos alimentos
um plano alimentar saudável (A, 4). Como a
Fibra alimentar2 Mínimo de 20g/dia
sacarose não aumenta a glicemia mais que
quantidades isocalóricas de amido, sacarose Gordura total (GT) 3
~ 30% do VCT ou 80% a 85% CHO + GT
e alimentos contendo sacarose não necessi- Ácidos graxos saturados (AGS)
4
< 10% das calorias totais
tam ser restringidos por pessoas com DM; Ácidos graxos poliinsaturados5 (AGPI) Até 10% das calorias totais
entretanto, deve ser substituída por outra AGMI 6
60% a 70% CHO + AGMI
fonte de carboidrato ou, se adicionada,
Colesterol 7
< 300mg/dia
deve ser compensada com doses adicionais
de insulina ou outro medicamento hipogli- Proteína8 15% a 20%
cemiante (A, 1). Adoçantes não-nutritivos 1
O total de porções diárias desse grupo de alimentos varia de acordo com o VCT do plano alimentar prescrito. Con-
siderando que uma porção de carboidratos corresponde a uma fatia de pão de forma, ou meio pão francês, ou uma
são seguros quando consumidos até o escumadeira rasa de arroz ou de macarrão, ou uma batata média, ou meia concha de feijão, por exemplo, mulheres
nível diário aceitável de ingestão, estabe- com IMC > 27kg/m2 e sedentárias poderão receber apenas seis porções/dia, enquanto homens ativos com peso nor-
lecido pela Food and Drug Administration mal poderão ingerir até 11 porções/dia; 2selecionar alimentos integrais ou minimamente processados com baixo índice
glicêmico; 3devem ser evitados alimentos gordurosos em geral, como carnes gordas, embutidos, laticínios integrais,
(FDA) (A, 1)(1, 3, 5, 6, 16). frituras, gordura de coco, molhos, cremes e doces ricos em gordura e alimentos refogados e temperados com excesso de
Em relação ao efeito do índice glicêmi- óleo ou gordura; 4incluem os ácidos graxos saturados (C8-C16) e os ácidos graxos trans. Recomendar até 7% se LDL-C for
co dos carboidratos, podemos afirmar que a > 100mg/dl; 5incluem os ácidos graxos ômega-3, que são encontrados em peixes como salmão, sardinha, cavala e aren-
que; 6o azeite de oliva possui 77% de AGMI e seu consumo é predominante na dieta mediterrânea; 7alguns indivíduos
quantidade do carboidrato na refeição ou lan- com LDL-C > 100mg/dl podem se beneficiar com uma ingestão diária de colesterol inferior a 200mg/dia; 8corresponde a
che é mais importante que a fonte ou tipo de duas porções pequenas de carne magra/dia, que podem ser substituídas pelas leguminosas (soja, grão de bico, feijões,
carboidrato (A, 1)(13). Embora dietas com baixo lentilha, etc.) e duas a três porções diárias de leite desnatado ou queijo magro. O consumo de peixes deve ser incentiva-
do por sua riqueza em ácidos graxos ômega-3. Os ovos também podem ser utilizados como substitutos da carne, respei-
índice glicêmico possam reduzir a glicemia tando-se o limite de duas gemas/semana, em função do teor de colesterol. Excessos protéicos devem ser evitados.
pós-prandial e o perfil lipídico, a capacidade
dos indivíduos para manter essas dietas em
longo prazo não está bem estabelecida. Não
são encontradas evidências suficientes para não é conhecido se a palatabilidade e os saturada para menos de 7% da ingestão
recomendar o uso de alimentos de baixo ín- efeitos gastrintestinais colaterais dessa energética diária (A, 1). Para reduzir o LDL-C,
dice glicêmico como estratégia primária no quantidade de fibras seriam aceitáveis pela a ingestão energética derivada de gorduras
plano alimentar (B, 2)(1, 3, 6, 16). população (A, 1). Assim, como para o públi- saturadas pode ser reduzida, quando a per-
Carboidrato e gordura monoinsaturada co em geral, o consumo de fibra da dieta da de peso é desejável, ou substituída por
juntos devem perfazer 60%-70% da inges- deve ser encorajado, entretanto não existe carboidrato ou gordura monoinsaturada,
tão energética(6). Entretanto o perfil meta- razão para recomendar que pessoas com quando perda de peso não é uma meta
bólico e a necessidade de perda de peso de- DM consumam uma maior quantidade de (B, 2)(1, 3, 4, 11, 14, 16).
vem ser considerados quando se determina fibra que outros indivíduos (A, 2)(1, 3, 16). A ingestão de colesterol deve ser
a quantidade de gordura monoinsaturada menor que 300mg/dia. Algumas pessoas
da dieta (B, 4)(1, 3, 4, 7, 11, 16). (indivíduos com LDL-C maior ou igual a
2.3. Gorduras 100mg/dl) podem se beneficiar reduzin-
do o colesterol da dieta para menos de
2.2. Fibras A ingestão de gordura é inversamente 200mg/dia (A, 1)(1, 3, 14, 16).
associada a grande sensibilidade insulínica, A ingestão de gordura polinsaturada
É recomendado o consumo de fibras de não somente pela relação positiva com o deve perfazer aproximadamente 10% da
no mínimo 20 gramas ao dia sob a forma peso corporal mas também pela qualidade ingestão energética diária (B, 3). Os ácidos
de hortaliças, leguminosas, grãos integrais da oferta de ácidos graxos (A, 1). Menos de graxos poliinsaturados ômega-3 podem ser
e frutas, que fornecem minerais, vitaminas 10% da ingestão energética diária deve ser benéficos em especial no tratamento da
e outros nutrientes essenciais para uma derivada de gorduras saturadas(1, 12, 14, 16). hipertrigliceridemia grave em pessoas com
dieta saudável. Embora altas quantidades Algumas pessoas (indivíduos com LDL-C diabetes mellitus tipo 2 (DM2) (A, 2). Duas
de fibras (50g/dia) mostrem efeitos bené- maior ou igual a 100mg/dl) podem se be- ou três porções de peixe/semana devem
ficos sobre o controle glicêmico e lipídico, neficiar reduzindo a ingestão de gordura ser recomendadas (B, 2)(1, 3, 16).

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Diretrizes sbd 2006

Em algumas situações, como na hipertri- do se essa perda de peso será mantida por um preparo dos alimentos, preferir os grelhados,
gliceridemia ou quando o HDL-C for inferior período mais prolongado de tempo. O efeito de assados, cozidos no vapor ou até mesmo crus.
ao desejável, pode ser aconselhável aumentar tais dietas no perfil de LDL-C plasmático é tam- Os alimentos diet e light podem ser indicados
a quantidade de gordura monoinsaturada, bém um ponto de interesse (B, 4)(1, 3, 16). no contexto do plano alimentar, e não utiliza-
reduzindo, nesse caso, a oferta de carboidra- dos de forma exclusiva. Devem-se respeitar as
tos(4, 11). Essa substituição deve acontecer, mas preferências individuais e o poder aquisitivo
deve-se atentar para a incorporação dos áci- 2.5. Vitaminas e minerais do paciente e da família (C, 4)(1, 16).
dos graxos monoinsaturados de forma aditiva
ao plano alimentar, pois pode promover o O plano alimentar deve prover a recomen-
aumento de peso. O uso de gordura em cotas dação para o consumo diário de duas a quatro 3. Situações especiais
inferiores a 15% do VCT pode diminuir o HDL- porções de frutas, sendo pelo menos uma rica
C e aumentar os níveis plasmáticos de glicose, em vitamina C (frutas cítricas) e de três a cinco 3.1. Crianças e adolescentes
insulina e triglicerídeos (B, 2)(1, 3-5, 16). porções de hortaliças cruas e cozidas. Reco-
Os ácidos graxos trans aumentam o LDL-C e menda-se, sempre que possível, dar preferên- Planos alimentares individualizados e
os triglicerídeos e reduzem a fração do HDL-C. A cia aos alimentos integrais. Não há evidência regimes intensivos de insulina podem forne-
maior contribuição desses ácidos graxos na die- clara do benefício do uso de suplementação cer flexibilidade para crianças e adolescentes
ta origina-se do consumo de óleos e gorduras de minerais e vitaminas em pessoas com DM com DM para acomodar o tempo e os horá-
hidrogenadas, margarinas duras e shortenings que não apresentem deficiências. Exceções rios de refeições irregulares, em situações de
(gorduras industriais presentes em sorvetes, são feitas ao folato, para prevenção de defei- variação de apetite e níveis de atividade físi-
chocolates, produtos de padaria, salgadinhos tos do nascimento, e ao cálcio, para prevenir ca (A, 4). As necessidades de nutrientes para
do tipo chips, molhos para saladas, maionese, doença óssea (C, 2). Suplementação de rotina crianças e adolescentes com DM tipos 1 e 2
cremes para sobremesas e óleos para fritura in- na dieta com antioxidantes não é aconselhada parecem ser similares às de outros indivíduos
dustrial) e, em menor quantidade, de produtos por causa das incertezas relacionadas a eficá- de mesma idade (B, 4)(1, 3, 16).
lácteos e carnes bovinas e caprinas. Seu consu- cia e segurança a longo prazo (C, 2)(1, 3, 16).
mo deve ser reduzido (A, 2)(1, 3, 16).
Dietas com quantidades reduzidas de 3.2. Gestação e lactação
lipídios, quando mantidas por longo tempo, 2.6. Sal de cozinha
contribuem com modesta perda de peso e As necessidades nutricionais durante a
melhora do perfil lipídico (A, 2)(1, 12,16). Deve ser limitado a 6g/dia. Devem ser evi- gestação e a lactação são similares para mu-
tados os alimentos processados, como embu- lheres com ou sem DM (A, 4). Assim, a terapia
tidos, conservas, enlatados, defumados e sal- nutricional para DM gestacional e para o pa-
2.4. Proteína gados de pacotes do tipo snacks. Ao contrário, ciente diabético grave foca-se em escolhas
temperos naturais como salsa, cebolinha e er- alimentares que garantam um apropriado
Recomenda-se uma ingestão diária de vas aromáticas são recomendados em vez de ganho de peso, normoglicemia e ausência de
proteínas de 15%-20% do VCT. Em indivíduos condimentos industrializados (A, 1)(1, 3, 16). corpos cetônicos (A, 4). Para algumas mulhe-
com DM2 controlado, a ingestão protéica res com DM gestacional, uma modesta res-
não aumenta a concentração de glicose plas- trição energética e de carboidratos pode ser
mática, embora a proteína seja um potente 2.7. Álcool benéfica (B, 4)(1, 10, 16).
estimulador da secreção de insulina tanto
quanto o carboidrato (A, 2). Para pessoas com Se o indivíduo opta por ingerir bebidas
DM, especialmente aquelas que não têm um alcoólicas, deve fazê-lo no limite de uma dose 3.3. Pessoas idosas
controle ótimo da glicose, a necessidade pro- para mulheres e duas para homens. Uma dose
téica pode ser maior que as preconizadas pela é definida como 360ml de cerveja, 150ml de As necessidades energéticas para pessoas
Recommended Dietary Allowance (RDA), mas vinho ou 45ml de bebida destilada (C, 2). Para idosas são menores do que para adultos jo-
nunca maior que a ingestão usual (B, 2)(1, 3, 5, 16). reduzir o risco de hipoglicemia, bebidas alco- vens (B, 1). A atividade física deve ser encora-
Para pessoas com DM, não existem evi- ólicas devem ser consumidas com alimentos jada (A, 1). Na idade avançada, a desnutrição é
dências que sugiram que a ingestão habitual (C, 2)(1, 3, 9, 16). mais comum que o excesso de peso, portanto
protéica (15% a 20% das necessidades diárias atenção deve ser dada quando forem prescri-
de energia) deva ser modificada caso a função tas dietas para perda de peso (B, 4)(1, 3, 16).
renal esteja normal (A, 4)(1, 3, 16). 2.8. Recomendações alimentares
Os efeitos a longo prazo de dietas com con- complementares
teúdo protéico elevado e baixo em carboidrato 3.4. Hipertensão
são desconhecidos. Embora tais dietas possam Recomenda-se que o plano alimentar
promover perda de peso a curto prazo e melho- seja fracionado em seis refeições, sendo três Uma modesta perda de peso afeta de
ra no perfil glicêmico, ainda não foi estabeleci- principais e três lanches. Quanto à forma de forma benéfica a pressão sangüínea (A, 1). A

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2006 Diretrizes sbd

meta deve ser uma redução na ingestão de de partículas pequenas e densas (síndrome atual ao dia, respectivamente, podem reduzir
sódio para 2.400mg ou de cloreto de sódio metabólica), melhora no controle glicêmico, a taxa de progressão da doença (B, 3)(1, 3, 15, 16).
para 6.000mg por dia (B, 4)(1, 3, 5, 16). perda de peso modesta, aumento de ativida-
de física, restrição de gorduras saturadas e in-
corporação de gorduras monoinsaturadas na 3.7. Doenças catabólicas
3.5. Dislipidemias dieta podem ser benéficas (B, 2)(1, 3, 5, 14, 16).
A energia necessária para a maioria dos
Para indivíduos com níveis plasmáticos de pacientes hospitalizados pode ser encontrada
LDL-C elevados, os ácidos graxos saturados e 3.6. Nefropatias quando fornecidas 25 a 30 calorias por quilo de
ácidos graxos saturados trans da dieta devem peso atual ao dia (A, 4). A necessidade protéica
ser limitados para menos de 10% e, talvez, Em indivíduos com microalbuminúria e encontra-se entre 1 e 1,5 grama por quilo de
para menos de 7% da ingestão energética nos nefropatas, uma redução de proteínas da peso corporal atual ao dia, sendo esse o limite
(B, 2). Para indivíduos com triglicerídeos plas- dieta de 0,8 a 1g/kg de peso corporal atual ao superior fornecido para os pacientes em esta-
máticos elevados e reduzidos HDL-C e LDL-C dia e uma diminuição para 0,8g/kg de peso do de maior estresse metabólico (A, 4)(1-3, 16).

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25
Diretrizes sbd 2006

Como prescrever o
exercício no tratamento
do diabetes mellitus

1. Recomendações de física, como, por exemplo, caminhar, correr,


exercício físico em andar de bicicleta, nadar, entre outros vários
diabetes mellitus tipo 2 esportes. Esses termos serão usados no texto
conforme a definição.
Existem evidências consistentes dos efei- Exercício de resistência corresponde a mo-
tos benéficos do exercício no diabetes mellitus vimentos que usam força muscular para movi-
tipo 2 (DM2): mentar um peso ou contra uma carga. Exemplos
1. melhora o controle glicêmico, reduzindo a incluem levantamento de pesos e exercícios
usando aparelhos com pesos.
hemoglobina glicada, independente da redu-
ção do peso corporal;
2. reduz o risco cardiovascular;
3. contribui para o programa de redução de peso;
3. Recomendação
4. melhora a auto-estima.
Em alguns pacientes com DM é necessária
Além disso, o exercício regular pode pre-
a realização de um teste de esforço antes do iní-
venir o aparecimento de DM2 em indivíduos cio de um programa de exercícios (Tabela 2).
de risco elevado (A, 1) (Tabela 1).

3.1. Tipo
2. Definições usadas neste
documento Exercício aeróbico, como, por exemplo,
caminhada, ciclismo, corrida, natação, dança,
Os termos exercício e atividade física em entre outros (A, 1). Exercício de resistência é
geral são usados de forma semelhante, po- eficaz na melhora do controle glicêmico em
rém têm definições diferentes, embora sejam DM2 (A, 1).
usados como a mesma situação. Atividade
física corresponde ao movimento do corpo
em atividades de rotina, enquanto exercício é 3.2. Freqüência
uma atividade planejada, estruturada, repeti-
da para melhorar ou manter a performance Três a cinco vezes por semana (A, 1).

Tabela 1 – Intensidade do exercício


Porcentagem da VO2máx Porcentagem da FCmáx
Moderado 40-60 50-70
Vigoroso > 60 > 70
VO2máx = consumo máximo de O2; FCmáx = freqüência cardíaca máxima, medida no teste ergométrico ou calculada
por 220 - idade.

26
2006 Diretrizes sbd

3.3. Duração Tabela 2 – Avaliação do paciente com DM antes do início do programa de exercício
Recomendações para teste de esforço em DM
Por dia, 30 a 60min ou 150min/semana
Sedentarismo com um dos seguintes fatores de risco:
contínuos (A, 1).
Idade > 35 anos com ou sem outros fatores de risco cardiovascular, além de DM
Idade > 25 anos e > 15 anos de DM1 ou > 10 anos de DM2
3.4. Intensidade Hipertensão arterial
Dislipidemia
Moderada (Tabela 1) (A, 1). O exercí- Tabagismo
cio com VO2máx de 50% a > 70% tem um Nefropatia, incluindo microalbuminúria ou insuficiência renal
efeito mais significativo na hemoglobina Retinopatia proliferativa e pré-proliferativa
glicada (A, 1), porém difícil e muitas vezes
Neuropatia autonômica
pouco seguro de ser alcançado em DM2.
Na ausência de contra-indicação, em todos os indivíduos com DM, para obtenção da FCmáx, determinar
Assim, recomenda-se atividade moderada
os objetivos de intensidade e a capacidade funcional (Sigal et al.) (grau B2, nível 4).
e considera-se a possibilidade de aumento
da intensidade para benefício adicional no
controle glicêmico. Tabela 3 – Fatores que influenciam a resposta ao exercício
Exercício: intensidade, duração e tipo

3.5. Prescrição de exercício de resistência Nível de performance


Horário e conteúdo da última refeição
Três vezes por semana, incluindo os gran- Fatores específicos do indivíduo:
des grupos musculares, progredindo para três Horário da última dose de insulina
séries de oito a dez repetições com peso que Tipo de insulina
não suporte mais do que tais repetições. In- Controle metabólico
tensidades mais leves dos exercícios são úteis, Presença de complicações
mas com menores efeitos metabólicos (Duns-
Fase do ciclo menstrual nas mulheres
tan DW et al.; Castaneda C et al.) (A, 1).

ca ao exercício dependerá de diversos fatores 1) reduzir a dose de insulina ultra-rápida (lis-


3.6. Exercício na prevenção de DM2 (Tabela 3). pro ou aspart) ou rápida (regular) da refeição
O maior risco na prática de exercício em anterior ao exercício (Tabela 4);
Incremento da atividade física e discre- DM1 é a hipoglicemia que pode ocorrer du- 2) reduzir a dose da insulina de ação inter-
ta perda de peso reduzem a incidência de rante, logo depois ou horas após o final do mediária ou prolongada (NPH, glargina ou
DM2 em indivíduos com tolerância reduzida exercício. A insulinização intensiva permite detemir), ou a basal da bomba posterior ao
à glicose. Estão indicados pelo menos 150 ajustes adequados do tratamento, viabili- exercício quando este tiver duração maior
minutos por semana de exercício comedido zando diversos níveis de exercício, inclusive que o habitual;
associado com dieta moderada em restrição o competitivo. A monitorização glicêmica é 3) usar insulinas ultra-rápidas para os bo-
energética para a prevenção do DM em indi- a base para a adaptação do tratamento ao los(7) (B, 3).
víduos de risco (A, 1). exercício, e deve ser conduzida antes, durante
(quando duração > 45 minutos) e após o exer-
cício. Através da monitorização da glicemia 5.2. Carboidrato
4. Recomendações de capilar algumas regras gerais podem auxiliar
exercício físico em diabetes na adaptação do tratamento. O tipo de carboidrato (CHO) indicado
mellitus tipo 1 (DM1) depende de fatores como duração e inten-
sidade do exercício e nível glicêmico antes
O efeito do exercício na melhora da he- 5. Adaptação do e durante o exercício. CHO simples (balas,
moglobina glicada em DM1 ainda é contro- tratamento sucos, refrigerantes, soluções isotônicas)
verso, porém ele deve ser indicado, pois reduz devem ser usados diante de uma excursão
a mortalidade cardiovascular e melhora a 5.1. Insulina glicêmica baixa e/ou hipoglicemia duran-
auto-estima (A, 1). É impossível estabelecer te o exercício. Se o paciente não apresenta
protocolos precisos de condutas para todos O percentual preciso de redução da dose nem hipoglicemia, nem uma tendência à
os pacientes com DM1 que iniciam um pro- de insulina varia de uma pessoa para outra. excursão glicêmica baixa, o CHO complexo,
grama de exercícios, pois a resposta metabóli- Como regra geral: rico em fibra, pode ser usado, como barras

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Diretrizes sbd 2006

Tabela 4 – Sugestão para redução da dose de insulina ultra-rápida da refeição pré-exercício em 6.4. Neuropatia periférica
relação a duração e intensidade do exercício
Porcentagem de redução da dose de insulina
Na presença de neuropatia com redução
da sensibilidade em membros inferiores, de-
Intensidade do exercício (% VO2máx) 30min de exercício 60min de exercício vem-se estimular atividades sem efeito da
25 25 50 gravidade, como nadar, andar de bicicleta ou
50 50 75 exercícios de membros superiores (B, 4)(13).
75 75 –
Fonte: Rabase Lhoret et al. (3).
6.5. Neuropatia autonômica

energéticas de cereais. Antes de eventos de 6.2. Exercício e hipoglicemia Pacientes com neuropatia autonômica
longa duração o atleta deve usar CHO para podem apresentar resposta cardíaca menor ao
evitar hipoglicemia e restaurar o glicogênio Se o paciente usa insulina ou secreta- exercício, alteração da termorregulação, com-
hepático e muscular (B, 4). gogo, deve repor carboidrato se a glicemia prometimento da sede e gastroparesia com re-
< 100mg/dl. Porém, se ele é tratado com dieta, tardo na absorção de nutrientes. Esses pacientes
metformina, inibidores da alfaglicosidase ou devem ser submetidos a avaliação cardíaca mais
6. Recomendações gerais tiazolidinediona sem insulina ou secretagogo, intensa com cintilografia miocárdica (B, 4)(12).
para DM1 e DM2 não é necessário suplementação de CHO (B, 4).

6.6. Microalbuminúria e nefropatia


6.1. Exercício e hiperglicemia 6.3. Retinopatia
Não existe restrição de exercícios espe-
Na ausência de insulinopenia, o exercício Está contra-indicado o exercício aeróbico cíficos para pacientes com alteração renal,
leve a moderado pode reduzir a glicemia. As- ou de resistência de alta intensidade na pre- podendo inclusive ser prescrito exercício de
sim, se o paciente sente-se bem e a cetonúria sença de retinopatia proliferativa pelo risco resistência. Porém, como microalbuminúria
é negativa, não é necessário retardar o exercí- de hemorragia vítrea ou descolamento de e proteinúria estão associadas a doença car-
cio pela hiperglicemia, mesmo se > 300mg/dl. retina. Após fotocoagulação recomenda-se diovascular, é importante a realização de teste
Se a glicemia for > 250mg/dl com cetose, o início ou reinício do exercício após três a seis de esforço antes do início de exercício mais in-
exercício deve ser evitado (B, 4). meses(1) (B, 4). tenso que o habitual (B, 4).

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Diretrizes sbd 2006

Medicamentos orais no
tratamento do diabetes
mellitus: como
selecioná-los de acordo
com as características
clínicas dos pacientes

1. Introdução Nesse caminho, os agentes antidiabéticos


devem ser indicados quando os valores glicê-
Quando o paciente com diabetes mellitus micos encontrados em jejum e/ou pós-pran-
tipo 2 (DM2) não responde ou deixa de res- dial estiverem acima dos requeridos para o
ponder adequadamente às medidas não-me- diagnóstico do DM(1-28, 30).
dicamentosas, devem ser indicados um ou
mais agentes antidiabéticos, com o objetivo de
controlar a glicemia e promover a queda da he- 2. Agentes antidiabéticos
moglobina glicada (B, 2)(1). Os mecanismos de
resistência à insulina (RI), a falência progressiva orais
da célula beta, os múltiplos transtornos meta-
bólicos (disglicemia, dislipidemia e inflamação São substâncias que, quando ingeridas,
vascular) e as repercussões micro e macrovas- têm finalidade de baixar a glicemia e mantê-
culares que acompanham a história natural do la normal (jejum < 100mg/dl e pós-prandial
DM2 também devem ser objetivos lembrados. < 140mg/dl)(4).
Estudos epidemiológicos sustentam a hipó- Sob esse conceito amplo, de acordo
tese de uma relação direta e independente en- com o mecanismo de ação principal, os an-
tre os níveis sangüíneos de glicose e a doença tidiabéticos orais podem ser separados em:
cardiovascular (DCV) (A, 1)(1-23). Nesse sentido, a medicamentos que incrementam a secreção
ausência de um limiar glicêmico em indivíduos pancreática de insulina (sulfoniluréias e gli-
diabéticos e a persistência dessa relação em nidas); reduzem a velocidade de absorção
não-diabéticos sugerem que a glicemia é uma de glicídios (inibidores das alfaglicosidases);
variável contínua de risco, da mesma forma diminuem a produção hepática de glicose
que outros fatores de risco cardiovascular (A, (biguanidas); e/ou aumentam a utilização pe-
1)(2-28, 30). Assim sendo, o tratamento tem como riférica de glicose (glitazonas).
meta a normoglicemia, devendo dispor de boas No entanto, com finalidade prática, os
estratégias para a sua manutenção em longo antidiabéticos orais podem ser classifica-
prazo. Em verdade, um dos objetivos essenciais dos em duas categorias principais: os que
no tratamento do DM2 deve ser a obtenção de aumentam a secreção de insulina (hipogli-
níveis glicêmicos tão próximos da normalidade cemiantes) e os que não aumentam (anti-hi-
quanto é possível alcançar na prática clínica(49). perglicemiantes).

30
2006 Diretrizes sbd

2.1. Agentes que aumentam a secreção de moglobina glicada de 1% com a nateglinida e desse grupo:
insulina de 1,5% a 2% com a repaglinida(1, 3-5, 36-38).  acarbose (inibidor da alfaglicosidase);
 metformina (biguanida);
São os secretagogos de insulina e com-  rosiglitazona e pioglitazona (tiazolidinedio-
preendem as sulfoniluréias, que desenvolvem 2.2. Agentes que não aumentam a nas ou glitazonas) (Tabela).
uma ação hipoglicemiante mais prolongada secreção de insulina A acarbose reduz a velocidade de absor-
durante todo o dia (clorpropamida, glibencla- ção intestinal de glicose; age, portanto, numa
mida, gliclazida, glipizida e glimepirida) e pro- Esses medicamentos, quando usados em fase mais precoce, ainda no tubo digestivo,
movem queda de 1,5% a 2% na hemoglobina monoterapia, em geral estão relacionados a predominantemente na glicemia pós-pran-
glicada; e as meglitinidas ou glinidas, com me- um risco bem reduzido de hipoglicemia. Por- dial (e, posteriormente, também na glicemia
nor tempo de ação, cobrindo principalmente tanto podem ser utilizados com segurança de jejum), com redução de 0,7% a 1% na he-
o período pós-prandial, com redução de he- desde o início da enfermidade. Fazem parte moglobina glicada(1, 3-5, 25-29, 33-35).

Tabela – Tratamento do DM 2 com agentes antidiabéticos(1, 3-5, 25-29, 31-40, 43)


Medicamentos (posologia Mecanismo de ação Redução da Redução Contra-indicação Efeitos colaterais Outros efeitos
em mg) glicemia de da HbA1c benéficos
jejum (mg/dl) (%)
Sulfoniluréias
Clorpropamida 125 a 500 Aumento da 60-70 1,5-2 Gravidez, Hipoglicemia e
Glibenclamida 2,5 a 20 secreção de insulina insuficiência renal ganho ponderal
Glipizida 2,5 a 20 ou hepática (clorpropamida
Gliclazida 40 a 320 favorece o aumento
Gliclazida MR 30 a 120 da pressão arterial e
Glimepirida 1 a 8 não protege contra
Uma a duas tomadas/dia retinopatia)
Metiglinidas
Repaglinida 0,5 a 16 Aumento da 20-30 0,7-1 Gravidez Hipoglicemia e ganho Redução do
Nateglinida 120 a 360 secreção de insulina ponderal discreto espessamento médio
Três tomadas/dia intimal carotídeo
(repaglinida)
Biguanidas
Metformina 1.000 a 2.550 Reduz a produção 60-70 1,5-2 Gravidez, Desconforto Diminuição de eventos
Duas tomadas/dia hepática de glicose insuficiências renal, abdominal, diarréia cardiovasculares
com menor ação hepática, cardíaca, Prevenção de DM2
sensibilizadora da pulmonar e acidose Mellhora do perfil
ação insulínica grave lipídico
Diminuição do peso
Inibidores da alfaglicosidase
Acarbose 50 a 300 Retardo da 20-30 0,7-1 Gravidez Meteorismo, flatulência Diminuição de eventos
Três tomadas/dia absorção de e diarréia cardiovasculares
carboidratos Prevenção de DM2
Redução do
espessamento médio
intimal carotídeo
Melhora do perfil
lipídico
Glitazonas
Rosiglitazona 4 a 8 Aumento da 35-65* 1-2,2* Insuficiência Edema, anemia e Prevenção de DM2
Pioglitazona 15 a 45 sensibilidade cardíaca classes ganho ponderal Redução do
Uma tomada/dia à insulina em III e IV espessamento médio
músculo, adipócito Insuficiência intimal carotídeo
e hepatócito hepática Melhora do perfil
(sensibilizadores da Gravidez lipídico
insulina) Redução da gordura
hepática
* Reduções médias da glicemia de jejum e da HbA1c para monoterapia. No caso de terapia combinada, pode ocorrer efeito sinérgico, com potencialização da
redução dos níveis glicêmicos.

31
Diretrizes sbd 2006

A metformina tem sua maior ação anti- da lipoproteína de alta densidade (HDL-C) bai- 3.3 Recomendações gerais práticas
hiperglicemiante diminuindo a produção xo, hipertensão arterial, entre outros estigmas
hepática de glicose, acompanhada de ação típicos da chamada síndrome metabólica. Esses Na prática, um paciente pode comparecer
sensibilizadora periférica mais discreta. Em estigmas indicam a presença de resistência à à primeira consulta, no início da evolução do
média, a metformina reduz a hemoglobina insulina e, nesse caso, são mais apropriados DM2, quando predomina a insulinorresistên-
glicada em 1,5% a 2%(1, 3-5, 31, 32). os medicamentos anti-hiperglicemiantes, que cia ou, então, com muitos anos de evolução
As glitazonas atuam predominantemente na melhorarão a atuação da insulina endógena, da enfermidade, em que a principal caracte-
insulinorresistência periférica em nível de múscu- com melhor controle metabólico, evitando rística é a insulinopenia. A melhor terapia de-
lo, adipócito e hepatócito, sensibilizando a ação ganho ponderal excessivo (A, 1)(1, 3-5,25-35). penderá muito da capacidade secretória do
da insulina produzida pelo próprio paciente. Em  A associação entre hiperglicemia e perda de seu pâncreas (Figuras 1 e 2).
teoria, como melhoram a performance da insu- peso sinaliza a deficiência de insulina e, via de Na fase 1, período inicial do DM2 carac-
lina endógena, sem necessariamente aumentar regra, um estágio mais avançado ou mais des- terizado por disglicemia discreta, obesidade
sua secreção, as glitazonas teriam o potencial de compensado da doença. Nessa circunstância, e insulinorresistência, a melhor indicação são
preservar a célula beta e de postergar a deterio- os medicamentos secretagogos costumam os medicamentos que não aumentam a se-
ração cardiovascular (embora tais evidências ain- ser os mais indicados (sulfoniluréias ou glini- creção de insulina.
da careçam de estudos com grandes amostras). das), em monoterapia ou em terapia combi- Na fase 2, com diminuição de secreção de
As glitazonas reduzem a hemoglobina glicada nada (D, 5)(1, 3-5, 36-38). insulina, é correta a indicação de um secre-
em 1% a 2,2%, em média(1, 3-5, 33-35,43-47).  Para aqueles pacientes com glicemia de jejum tagogo, possivelmente em combinação com
normal ou próxima do normal, mas com hemo- sensibilizadores insulínicos.
globina glicada (HbA1c) acima do normal, está Na fase 3, com a progressão da perda de se-
3. Escolha do agente indicado o uso de medicamentos anti-hiper- creção da insulina, via de regra após algumas dé-
antidiabético oral glicemiantes (metformina ou glitazonas)(44) ou cadas de evolução da doença, e já com perda de
aqueles que atuem mais na glicemia pós-pran- peso e/ou co-morbidades presentes, costuma
A escolha do medicamento deve levar em dial (acarbose ou glinidas) (A, 1)(1, 3-5, 25-29, 38). ser necessário associar, aos agentes orais, uma
conta:  Com os anos ou décadas de evolução do injeção de insulina de depósito antes de o pa-
 os valores das glicemias de jejum e pós- DM2, ocorre progressiva redução da capaci- ciente dormir (insulinização oportuna, bedtime).
prandial e da hemoglobina glicada; dade secretória de insulina pela célula beta, Na fase 4, enfim, quando predomina clara
 o peso e idade do paciente; e a monoterapia pode falhar na manutenção insulinopenia, o paciente deve receber uma
 a presença de complicações, outros trans- do bom controle metabólico(1, 3-5, 32, 36, 37, 39, 40). ou duas aplicações de insulina de depósito
tornos metabólicos e doenças associadas; Assim, há necessidade de combinar medica- (NPH ou análogos de ação prolongada), uma
 as possíveis interações com outros medica- mentos orais (idealmente, com mecanismos antes do desjejum e outra antes do jantar ou
mentos, reações adversas e as contra-indica- de ação diferentes) e, algumas vezes, há que ao dormir, isoladas ou combinadas com uma
ções. se acrescentar um terceiro medicamento oral. insulina rápida ou ultra-rápida(41, 42). Nessa fase
Nesse momento, é importante a análise do 4, um agente oral sensibilizador, combinado
custo/benefício do tratamento, já que a in- à insulinização, costuma reduzir as doses de
3.1. Recomendações gerais baseadas na trodução oportuna de insulina (que não será insulina e auxiliar na melhora do controle me-
glicemia tema deste artigo) pode ser também eficaz. tabólico(43).
 Com glicemia inferior a 150mg/dl, estão
indicados os medicamentos que não promo-
vam aumento na secreção de insulina, princi- Fases de secreção de insulina na evolução do
palmente se o paciente for obeso (D, 5)(1, 3-5). diabetes mellitus tipo 2: reflexos no tratamento
 Quando a glicemia de jejum for superior a
150mg/dl, mas inferior a 270mg/dl, a indica-
ção da monoterapia antidiabética oral depen-
FUNÇÃO DA CÉLULA

derá do predomínio entre insulinorresistência


ou insulinodeficiência/falência da célula beta FASE 1 FASE 2 FASE 3 FASE 4
(D, 5)(1, 3-5).
ANOS DE
DM-2
3.2. Recomendações gerais baseadas no
quadro clínico Metformina Combinações ou Combinação c/ Insulinização plena
Rosiglitazona monoterapia com insulina noturna opcional: manter
Pioglitazona sulfoniluréias sensibilizador de insulina
 Na maioria dos casos de DM2, o fenótipo clí- Acarbose repaglinida
nico se caracteriza, desde logo, pela presença nateglinida
de obesidade, hipertrigliceridemia, colesterol Figura 1 – Algoritmo terapêutico para o manejo do DM2 segundo a fase de evolução da doença

32
2006 Diretrizes sbd

Glicemia de jejum

< 110mg/dl 110-150 151-270 > 270


Sintomas Sintomas

HbA1c HbA1c Metformina Insulina


normal aumentada Metformina
ou glitazona ou glitazona +
+ sensibilizador de
sulfoniluréia insulina

Manter Metformina Resposta Resposta


conduta ou glitazona inadequada inadequada

Resposta Acrescentar 2º
inadequada Acrescentar 2º
sensibilizador sensibilizador
ou glinida
ou acarbose

Resposta
inadequada
Acarbose Resposta
ou glinida inadequada

Adicionar
sulfoniluréia

Resposta
inadequada

Adicionar
insulina

Figura 2 – Algoritmo terapêutico para o manejo do DM2 segundo a glicemia de jejum (SBD, 2005)

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2006 Diretrizes sbd

Uso da insulina no
tratamento do diabetes
mellitus tipo 2

1. Introdução possível exceção das glitazonas, que poderiam


induzir uma recuperação da célula beta(1). As-
O diabetes mellitus do tipo 2 (DM 2) se sim, a dificuldade em manter a hemoglobina
caracteriza por dois defeitos fisiopatológicos glicada no nível desejado no decorrer do tem-
principais: a resistência à insulina, resultando po poderia estar relacionada a diversos fatores
em aumento da produção hepática de glico- comportamentais (ex.: falta de aderência a
se e redução da sua utilização periférica, e o dieta, exercício, medicação prescrita), mas re-
comprometimento da função secretora da flete primariamente o declínio progressivo da
célula beta, basal e estimulada por substrato, função da célula beta(2).
particularmente a glicose. A perda da resposta
aguda a uma sobrecarga de glicose é o defeito
que ocorre precocemente na história natural 2. Insulinoterapia
da moléstia, geralmente quando a glicemia de
jejum chega a 115mg/dl, levando à hiperglice-
intensiva a curto prazo
mia pós-prandial. Quando a glicemia de jejum para tratamento do DM2
atinge um nível de 140mg/dl, cerca de 75% da recém-diagnosticado
função insular foram perdidos. A perda pro-
gressiva da função e do volume da célula beta Para DM2 recém-diagnosticados, com
está associada a um depósito de amilóide, um as glicemias elevadas, geralmente acima de
produto do polipeptídio amilóide co-secretado 250mg/dl, estaria indicada uma terapia intensi-
normalmente pela célula beta junto com a in- va com o emprego de insulina de ação rápida
sulina. Deve-se notar que a hiperglicemia, per (regular) ou ultra-rápida (lispro ou aspart) antes
se, quando existe cronicamente, compromete da cada refeição e insulina basal de ação inter-
a função da célula beta e acentua a resistência mediária (neutral protamine hagedorn [NPH])
à insulina, sendo referida como glicotoxicida- ou de ação prolongada (glargina) em uma ou
de, em oposição a efeitos similares dos eleva- mais doses por dia. A dose total de insulina para
dos valores dos ácidos graxos circulantes do inicio do tratamento, para esses pacientes pre-
DM, conhecidos como lipotoxicidade. viamente não-insulinizados, seria de 0,4U/kg
O DM2 pode estar presente nove a 12 de peso, sendo 50% basal e os restantes 50%
anos antes do diagnóstico, quando, com certa para as insulinas de ações rápida ou ultra-rá-
freqüência, já se perderam cerca de 50% da pida. A glicemia capilar (ponta de dedo) antes
função da célula beta, indicando o papel im- das refeições, particularmente antes do café
portante da sua disfunção, em conjunto com da manhã, deverá atingir valor menor do que
a resistência à insulina, na patogênese do DM2. 110mg/dl, e 2 horas após as refeições, menor
A perda progressiva da função insulínica com o do que 130-140mg/dl. A dose de NPH ou glar-
decorrer dos anos está associada à deteriora- gina deverá ser regulada pela glicemia capilar
ção glicêmica, ocorrendo independentemen- de jejum, aumentando ou reduzindo essa dose
te da terapêutica, inclusive a insulina, com a em 2-3U/dia, o mesmo se aplicando ao em-

35
Diretrizes sbd 2006

prego da regular ou ultra-rápida. Obviamente permanece acima do valor alvo máximo dese- da glicemia durante o dia, indicando uma
serão indicadas as demais medidas particular- jável(≥ 7%) apesar de o paciente estar rece- deficiência mais acentuada da insulina. Daí
mente dietéticas. Em duas ou três semanas, o bendo doses máximas da terapêutica oral de a necessidade de se prover insulina rápida
controle glicêmico deverá atingir e manter os dois ou três antidiabéticos orais, mostrando a (regular) ou ultra-rápida durante o dia para
valores desejados, podendo-se então suspen- sua ineficácia total ou parcial, deve-se iniciar cobrir as refeições, sendo então habitual des-
der a insulinoterapia. Em um estudo publicado o tratamento insulínico, mantendo-se a me- continuar o uso de secretagogos por via oral;
recentemente(3) utilizando o esquema acima dicação oral, pelo menos inicialmente, mais porém continuar com os sensibilizadores da
indicado e empregando apenas as insulinas precocemente do que se fazia habitualmente insulina em combinação com a insulinote-
NPH e regular, mostrou-se que o benefício do durante a evolução natural do diabetes, tão rapia poderá ser benéfico. Assim, a terapia
melhor controle glicêmico foi mantido pelo logo clinicamente constatado um nível mais combinada de insulina e metformina ou in-
menos por um ano com dieta apenas ou tam- acentuado de descontrole glicêmico, realizan- sulina e tiazolidinedionas (rosiglitazona ou
bém com hipoglicemiante oral, enquanto os do-se, assim, a insulinização dita oportuna(5). pioglitazona) tem permitido um controle gli-
níveis glicêmicos médios se mantiveram na cêmico efetivo com doses menores de insu-
faixa de 120mg/dl. É interessante indicar que os lina. Entretanto a terapêutica combinada de
autores observaram, na maioria dos pacientes 3.1. Antidiabéticos orais + insulina basal tiazolidinedionas e insulina está associada a
estudados (15/16), uma recuperação eviden- aumento do peso corporal e edema em com-
te da secreção de insulina durante a curva de O paciente deve continuar os agentes paração com insulina + metformina. O custo/
tolerância à glicose ao término do estudo, pro- orais na mesma dosagem (eventualmente benefício do melhor controle glicêmico ver-
vavelmente relacionada com a associação entre reduzida) e se prescreve uma única dose de sus ganho de peso deve ser considerado em
glico e lipotoxicidade, e ainda maior um ano insulina ao deitar (iniciar com cerca de 10 a base individual. Aumento de peso e edema
após o término da insulinoterapia intensiva. 15U ou 0,2U/kg nos mais obesos) de NPH ou têm sido associados com maior incidência de
Esse estudo, ainda que realizado em reduzido glargina. O ajuste da dose de insulina será fei- insuficiência cardíaca nos pacientes tratados
número de pacientes, poderia ser a base para to, de preferência pelo próprio paciente, em 2, com tiazolidinedionas e insulina, a ponto de
um bom controle glicêmico de longo prazo em 4 ou 6U (dependendo das glicemias capilares a Agência Européia para a Avaliação de Pro-
DM2 com níveis elevados de glicemia inicial. do jejum consistentemente maiores do que dutos Medicinais considerar a terapêutica in-
Podem-se também colocar os DM2 re- 120, 140 ou 160mg/dl, respectivamente) a sulínica uma contra-indicação para o uso das
cém-diagnosticados em bomba de infusão cada três dias até se atingir o alvo de glicemia tiazolidinedionas, embora não exista uma
contínua subcutânea de insulina, sendo as de jejum menor do que 110-120mg/dl, desde razão convincente para tal.
doses basais e bolos de insulina ajustados que não ocorra hipoglicemia noturna. Para os pacientes que necessitam de insu-
para que as glicemias capilares pré e pós- linas basal e prandial mas que não gostariam
prandiais estejam dentro dos limites acima in- de receber múltiplas injeções diárias de insu-
dicados, geralmente dentro de uma semana. 3.2. Insulinoterapia plena do DM2 lina, simulando a secreção fisiológica desta,
Foi observada melhora acentuada da função estariam indicadas as misturas de insulinas
da célula beta, particularmente redução da Quando a glicemia capilar de jejum de ação rápida (regular) ou ultra-rápida (aná-
pró-insulina (indicando melhora da qualidade atinge o valor de 120mg/dl ou menos logos da insulina: lispro ou aspart) com as de
da secreção de insulina) e queda significativa (100-110mg/dl) e o nível da glicemia pós- ação intermediária. As pré-misturas disponí-
da resistência ao hormônio endógeno. Nesse prandial, de 2 horas, persiste acima do alvo veis no mercado podem ser classificadas em
estudo, os pacientes que mantiveram o con- (> 180mg/dl, de acordo com a American Dia- dois grupos:
trole glicêmico sem terapêutica medicamen- betes Association [ADA], ou > 135mg/dl pela  B1 – pré-misturas de insulina humana NPH e
tosa por mais de um ano (grupo em remissão) nossa experiência na avaliação de um grande regular: as pré-misturas disponíveis no merca-
mostraram recuperação maior da função da número de indivíduos normais, jovens e não- do estão indicadas na Tabela 1;
célula beta dos que aqueles que não manti- obesos e concordante com a International  B2 – pré-misturas de análogos de ação ul-
veram euglicemia (grupo sem remissão, cerca Diabetes Federation [IDF]), é uma indicação tra-rápida ligados a protamina e análogos
de metade dos pacientes estudados) quando de que os medicamentos orais, mesmo em solúveis. Essas preparações estão indicadas
foram também avaliados após o término da doses máximas, não controlam os níveis na Tabela 2.
infusão contínua de insulina(4).

Tabela 1 – Combinações mais utilizadas de insulinas humanas NPH e regular pré-misturadas


3. Insulinoterapia no Tempo para administração Pico de atividade após a
Combinação
tratamento crônico do antes das refeições (min) administração (horas)
Novolin 70/30 (Novo Nordisk)
DM2 (70% NPH e 30% regular)
30 4,2 ± 0,39

Se a glicemia de jejum é persistentemente Humulin 70/30 (Lilly) 30-60 4,4 (1,5-16)


(70% NPH e 30% regular)
elevada (> 160mg/dl) e a hemoglobina glicada

36
2006 Diretrizes sbd

Tabela 2 – Combinações mais utilizadas de análogos de ação ultra-rápida ligados a protamina e de ação rápida ou ultra-rápida e a de ação
análogos solúveis pré-misturados intermediária, separadamente, a NPH em
Tempo para administração Pico de atividade após a
torno de 30-45 minutos e a lispro ou aspart
Combinação em torno de 15 minutos antes do início da
antes das refeições (min) administração (horas)
alimentação.
Novo Mix (Novo Nordisk) 10-20 2,2 (1-4)
(70% aspart/protamina e 30% aspart) Para simular a secreção fisiológica de in-
sulina, múltiplas aplicações diárias (≥ 3/dia)
Humalog Mix 25 (Lilly) 15 2,6 (1-6,5) com uma insulina de ação ultra-rápida antes
(75% lispro/protamina e 25% lispro)
das refeições e de ação intermediária (NPH)
ou de ação prolongada (glargina ou detemir,
esta última disponível no Brasil a partir de
Existe uma diferença essencial entre uma de ação ultra-rápida com insulina NPH, que, fevereiro deste ano), para a suplementação
pré-mistura com insulina humana (NPH + entretanto, não é geralmente recomendada, basal, poderão ser utilizadas, com melhora do
regular) e um análogo solúvel com o aná- a não ser que a mistura seja imediatamente controle glicêmico. Com efeito, o aumento do
logo protamina. Com efeito, na primeira, utilizada, pois, não sendo estável, há a ten- número de injeções poderá reduzir a incidên-
as ações dos dois componentes somam-se dência de haver a formação de diversas as- cia de hipoglicemias por fornecer um perfil
durante um período relativamente longo e, sociações entre os componentes. Entretanto mais fisiológico de insulina.
em conseqüência, a ação resultante da pré- existe a dificuldade em se conseguir a medi- Os diversos esquemas do emprego de
mistura não se apresenta como duas fases da exata dos volumes dos componentes da insulina basal e prandial, bem como das pré-
bem distintas, com seria de se desejar, ha- mistura a ser preparada, particularmente em misturas e as sugestões da sua distribuição
vendo simplesmente o prolongamento da pacientes idosos. Com a disponibilidade de em relação à dose total de insulina diária,
ação rápida pelas 6 horas iniciais. Por outro canetas, muito precisas, para a aplicação da estão indicados na Tabela 3. No tratamento
lado, nas misturas de análogos, as ações dos insulina, pode-se tentar fornecer as insulinas para se atingir o alvo da hemoglobina glicada
dois componentes se complementam. Pela
ação mais curta da lispro ou aspart, as ações
do componente rápido e lento mantêm-se Tabela 3 – Esquemas mais utilizados na insulinização do DM2 e doses iniciais de insulina basal
claramente separadas, resultando em uma e prandial
absorção realmente bifásica. Assim, o em- Antes do desjejum Antes do almoço Antes do jantar Ao deitar
prego de pré-misturas contendo análogos 1. R/Ur 2x/dia + NPH 2x/dia
de insulina de ação ultra-rápida (lispro ou 2/3 dose total 1/3 dose total
aspart) mostrou menores níveis de glicose
2/3 NPH – 1/2 R/Ur 1/2 NPH
pós-prandial e melhora do controle glicê-
1/3 R/Ur
mico global quando em comparação com
2. R/Ur 3x/dia + NPH 2x/dia
as pré-misturas contendo insulinas humana,
regular e NPH. As pré-misturas disponíveis, 1/2 dose total 1/2 dose total
de preferência análogos da insulina, podem 2/3 NPH 1/3 NPH
ser administradas duas ou três vezes ao dia, 1/3 R/Ur 1/3 R/Ur 1/3 R/Ur
antes do café da manhã e antes do jantar ou
3. R/Ur 3x/dia + NPH 3x/dia
antes das três refeições principais. No caso
de duas doses, se os níveis de glicose forem 1/3 NPH 1/3 NPH 1/3 NPH
elevados depois do almoço, pode-se fazer 1/3 R/Ur 1/3 R/Ur 1/3 R/Ur
a complementação com o análogo de ação 4. Regime basal – bolo com NPH
ultra-rápida antes dele. As combinações de 70% dose total 30% dose total
doses fixas de insulina nas pré-misturas são
30% R/Ur 20% R/Ur 20% R/Ur NPH
a maneira mais simples de prover as insuli-
nas basal e prandial, mas não permitem que 5. Regime basal – bolo com glargina
a dosagem de cada componente possa ser 50% dose total 50% dose total
ajustada separadamente. Nessas condições, 15% R/Ur 20% R/Ur 15% R/Ur Glargina
combinações variáveis de insulinas huma- 6. Pré-misturas com análogos de ação ultra-rápida 2x/dia
nas regular e intermediária (NPH) podem
50% dose total 50% dose total
ser misturadas na mesma seringa pelo pa-
ciente, assim permitindo melhor controle 7. Pré-misturas com análogos de ação ultra-rápida 3x/dia
dos níveis de glicemia pós-prandial. A outra 30% dose total 40% dose total 30% dose total
possibilidade é de se misturar um análogo R: insulina regular; Ur: análogo da insulina de ação ultra-rápida (lispro ou aspart).

37
Diretrizes sbd 2006

< 7% (idealmente < 6,5%), a dose de insulina manhã, como foi estabelecido no passado e rimenta hipoglicemia induzida por exercício
basal ao deitar tem variado de 0,4 a 0,5U/kg ainda em utilização por muitos médicos, po- ou necessidade de carboidrato suplementar,
por dia. Para o DM2, a dose diária total de deria induzir um risco de hipoglicemia antes que, se fornecido, poderá contrabalançar a
insulina tem variado de 0,5 a 1U/kg por dia, do almoço e, com freqüência, ao fim da tarde, tentativa de perda de peso.
dependendo do grau de resistência à insuli- necessitando da feitura de lanches em torno Em nossa experiência, quando se fornece
na, particularmente do grau de obesidade. O das 10 horas e à tarde, às 16-17 horas, resul- insulina prandial e o valor pós-prandial é ain-
ajuste das doses de insulina deve ser feito em tando em maior ingestão calórica e piora do da não-satisfatório, pode-se tentar associar a
bases individuais, dependendo da automoni- controle do diabetes. Quanto ao ajuste de insulina de ação rápida ou ultra-rápida com o
torização da glicemia capilar. dose da insulina para do DM 2 para a reali- fornecimento de acarbose na dose de 25mg,
Uma observação particularmente útil zação do exercício físico, infelizmente pouco aumentando progressivamente até o máximo
para o DM2 é de que o fornecimento da maior seguido por esse tipo de paciente, de uma de 100mg por vez, evitando os efeitos gas-
parte da dose da insulina intermediária pela maneira geral o indivíduo diabético não expe- trointestinais indesejáveis.

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38
2006 Diretrizes sbd

Tratamento combinado:
agentes orais e insulina
no diabetes mellitus
tipo 2

1. Introdução uma melhor e mais adequada disponibilidade


de insulina ao paciente, que continuaria a se
Inúmeras evidências têm demonstrado beneficiar das ações dos medicamentos orais.
que o bom controle glicêmico geralmente Do ponto de vista clínico, a justificativa racio-
previne o aparecimento das complicações nal para a combinação da insulinoterapia com
crônicas que constituem as principais cau- os ADOs se basearia na obtenção de melhor
sas de mortalidade, morbidade e piora da e adequado controle glicêmico, redução das
qualidade de vida do paciente com diabetes doses de insulina administradas, menor ganho
mellitus (DM) (A, 1)(1). Entretanto a manuten- de peso e menor incidência de hipoglicemias.
ção persistente da glicemia em níveis que Uma justificativa secundária teria como base
espelhem o fisio-lógico é de difícil obtenção, uma maior receptividade do paciente ao uso
pois requer mudanças no estilo de vida, inten- da insulina, tendo em vista ocorrerem barrei-
sificando o exercício físico, maiores disciplina ras a uma introdução mais precoce de insuli-
e atenção alimentar, perda e manutenção do noterapia em pacientes com DM tipo 2 (DM2).
peso corporal e um rigoroso controle diário Vários são os estudos randomizados e
das glicemias, que na maioria das vezes não prospectivos publicados na última década as-
é obtido e valorizado pelos pacientes e profis- sociando uma ou mais doses de insulina a sul-
sionais que o atendem em função da falta ou foniluréia, glitazonas, metformina e acarbose,
pequena sintomatologia associada a hipergli- demonstrando graus variáveis de melhoria do
cemia moderada. Apesar de muitos pacientes controle glicêmico, redução das doses e mes-
conseguirem manter por um longo tempo mo de aplicações de insulina, menor ganho
valores glicêmicos normais, ou próximos do de peso e de hipoglicemia (A, 1)(3-7). Entretanto
normal, seguindo dietas, aumentando o exer- faltam estudos avaliando o potencial benefício
cício e utilizando antidiabéticos orais (ADO), a dessa terapia combinada na prevenção das
grande maioria não consegue obter ou deixa doenças cardiovasculares. Selecionamos cinco
de manter o controle glicêmico com o maior trabalhos de revisão: os três primeiros, realiza-
tempo de doença, mesmo aumentando ou dos na década passada, somente analisaram
combinando vários ADOs em função da piora comparações do uso de insulina combinada
da capacidade secretória da célula beta que com sulfoniluréia ou placebo em pacientes
faria parte da história natural do DM (B, 1)(2). que já utilizavam insulina previamente ou na-
Nessa fase a introdução de insulina em com- queles em uso de sulfoniluréia com mau con-
binação com antidiabéticos orais permitiria trole glicêmico que necessitariam de insulina,

39
Diretrizes sbd 2006

os quais foram comparados com o uso isolado os ADOs combinados com uma dose única teca Cochrane(7) (B, 2), em 22 comparações (14
de insulina(3-5). Enquanto Peters(3) (B, 2) conclui noturna de insulina neutral protamine hage- estudos) não se demonstrou diferença estatís-
em seu trabalho que o tratamento combinado dorn (NPH). O estudo de Yki-Jarvinen(8) (B, 2), tica significativa da freqüência de hipoglicemia
(TC) apresenta apenas uma pequena melhora combinando insulina e metformina, observou entre o TC e a insulinoterapia isolada, exceto
no controle glicêmico, os outros dois auto- melhor controle glicêmico associado a redu- em uma comparação.
res(4, 5) o recomendam com sulfoniluréia por ção da dose diária de insulina. O TC resultou
se mostrar mais eficaz do que o isolado com em níveis significantemente menores de he-
insulina (B, 2). Por não analisarem outros anti- moglobina glicada quando em comparação 4. Ganho de peso
diabéticos orais e não apresentarem objetivos com monoterapia insulínica realizada uma vez
e critérios de estudo bem definidos, centramos ao dia. Quando comparado à terapia insulínica Yki-Jarvinen(6) (B, 2) observou redução do
nossa avaliação nos dados dos dois trabalhos que utilizou mais do que uma injeção ao dia, o ganho de peso em dois dos três grupos que
de metanálise mais recentemente publicados TC não mostrou redução dos níveis de hemo- utilizaram, no TC, a metformina; não-alteração
em que se analisaram os resultados somente globina glicada, e, dependendo do esquema do ganho de peso em 16 comparações de pa-
de estudos randomizados e com pelo menos isolado de múltiplas doses, mostrou-se mais cientes utilizando sulfoniluréia; e aumento do
dois meses de duração e que foram publicados eficaz em obter um melhor controle glicêmi- ganho de peso com melhora do controle do
com respeito a potencial vantagem da terapia co. De maneira geral, o TC se associou a uma peso nos três grupos que utilizaram glitazo-
combinada em relação a cada uma das variá- diminuição relativa de 46% do requerimento nas. No estudo de metanálise, Goudswaard(7)
veis acima citadas. diário de insulina em comparação com a mo- (B, 2) observou, em 13 comparações (dez es-
noterapia com insulina. Quando comparado tudos), que no TC houve um ganho de peso
aos regimes de NPH aplicada duas ou mais significantemente menor quando se utilizava
2. Controle glicêmico vezes ou dia, o efeito poupador de insulina do metformina isoladamente ou associada a sul-
e redução do TC da sulfoniluréia associada ou não a metfor- foniluréia. Nas demais comparações não fo-
requerimento de insulina mina se mostrou superior ao uso isolado de ram observadas diferenças quanto ao ganho
metformina. Por permitir um controle glicêmi- de peso entre a monoterapia insulínica e o TC.
co semelhante à insulinoterapia em uma dose
Em estudo de revisão, Yki-Jarvinen(6), diária, o TC com uma injeção de insulina NPH
comparando o uso isolado de insulina com ao deitar se mostra potencialmente útil do 5. Outros parâmetros
o TC em pacientes virgens do uso de insulina ponto de vista prático ao médico clínico que
(insulin naive [IN]) e nos que utilizavam pre- assiste o indivíduo com DM2 como uma forma Em todos os estudos com o TC, poucos
viamente insulina (IP), observou, nos primei- de vencer barreiras de resistência à introdução foram os pacientes que apresentaram algum
ros, que em 15 comparações (dez estudos) o da insulinoterapia. efeito adverso, não se tendo observado piora
controle glicêmico era similar na maioria das da qualidade de vida e alterações nos níveis
comparações (11/15) e com melhor controle de triglicérides e outros lípides e lipoproteí-
no grupo combinado em quatro comparações 3. Hipoglicemias nas. Faltam estudos que indiquem vantagens
(B, 2). Em todos os pacientes observou-se que no desenvolvimento de complicações macro
a dose diária de insulina era menor na terapia Em sua revisão, Yki-Jarvinen(6) observou, e microvasculares.
combinada em comparação com o uso isolado em cinco comparações de grupos de pacientes
de insulina. Em pacientes IP, a maioria com TC IN, uma menor freqüência de hipoglicemia,
(19/25), apresentou melhor controle glicêmi- apesar do melhor controle glicêmico, quan- 6. Conclusões
co. Todos os pacientes com uso prévio de in- do realizou o TC com metformina. Quando a
sulina tiveram seu controle glicêmico melho- metformina foi associada a sulfoniluréia no tra- O TC de insulina com ADO permite um con-
rado pelo uso combinado com glitazonas. Em tamento combinado, não se observou redução trole comparável ou superior ao uso isolado de
estudo de metanálise da Biblioteca Cochrane, da freqüência de hipoglicemia. O tratamento insulina, especialmente quando é realizado na
Goudswaard(7) (B, 2), avaliando 1.911 pacien- combinado somente com sulfoniluréias não forma de uma dose diária. Alguns estudos indi-
tes em 13 estudos controlados e randomiza- acusou diferença em cinco e mostrou hipo- cam que o tratamento combinado com metfor-
dos (21 comparações) entre o uso isolado de glicemia aumentada em sete comparações mina seria mais efetivo em obter um melhor
insulina e sulfoniluréias e/ou metformina, ob- quanto à freqüência. Em três grupos utilizando controle glicêmico associado a menor ganho
servou não haver um benefício significante do glitazonas, observou-se no TC maior freqüên- de peso e menor freqüência de hipoglicemia.
controle glicêmico com insulinoterapia (duas cia de hipoglicemias e melhora do controle Comparado com a monoterapia com insulina,
ou mais injeções diárias) em comparação com glicêmico. No estudo de metanálise da Biblio- o TC reduz o requerimento diário de insulina,

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2006 Diretrizes sbd

especialmente quando se utiliza sulfoniluréia tência do paciente ao uso da insulina. Apesar das para que se possam recomendar uma de-
ou glitazona. O TC com uma dose noturna de dos inúmeros estudos e potenciais vantagens terminada forma e um regime de tratamento
insulina pode auxiliar o clínico a vencer a resis- de seu emprego, faltam evidências mais sóli- baseado no TC de ADO com insulina.

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Diretrizes sbd 2006

Tratamento clínico da
obesidade associada
ao diabetes mellitus

1. Introdução 2. Indicação de fármacos


A obesidade e o ganho de peso estão en-
antiobesidade no
tre os principais fatores de risco para o diabetes tratamento do obeso com
mellitus tipo 2 (DM2)(1, 2), estimando-se que cada
quilograma de aumento de peso associe-se a
diabetes MELLITUS
uma elevação relativa de 9% na prevalência de
DM(3). Mais de 80% dos pacientes diabéticos do O tratamento farmacológico da obesida-
tipo 2 apresentam obesidade ou excesso de de está indicado quando falha a terapia anci-
peso(4), o que agrava a sua situação metabóli- lar (plano alimentar, atividade física e técnicas
ca, predispondo a dislipidemias e hipertensão cognitivo-comportamentais), na tentativa de
arterial(1, 4). promover uma redução sustentável do peso
O controle adequado do peso corporal deve corporal(8, 9, 12, 13).
estar sempre entre as prioridades no tratamen- Algumas diretrizes clínicas consideram o
to do paciente com DM2, já tendo sido demons- ponto de corte de índice de massa corporal
trado que pode melhorar o controle glicêmico, a (IMC) de 27kg/m2 para indicação de uso de
sensibilidade insulínica, o perfil lipídico, os níveis agentes antiobesidade no paciente com DM(8).
pressóricos e reduzir a mortalidade(1, 5, 6). O Consenso Latino-Americano recomenda
Diversos estudos demonstraram que in- sua utilização a partir de um ponto de corte
tervenções baseadas em mudanças dietéticas de 25kg/m2(13), principalmente em razão das
e comportamentais podem produzir razoável evidências de que populações de menor es-
perda de peso nos meses iniciais, mas que tatura média já apresentam, com níveis mais
uma grande parcela desses pacientes acaba baixos de IMC, excesso de gordura abdominal
recuperando todo o peso perdido(1, 7-10). visceral, acompanhado de aumento do risco
Em alguns estudos demonstrou-se que os
metabólico(14, 15).
obesos com DM perdem menos peso que os
não-diabéticos e tendem a recuperá-lo mais
rapidamente. Especula-se que essa dificulda-
de possa estar ligada a fatores relacionados 3. Agentes antiobesidade
com o próprio tratamento do DM, como o uso
de insulina e sulfoniluréias, por exemplo. Essa disponíveis
questão ainda não foi estudada, entretanto,
de forma sistemática(4, 11). Os medicamentos atualmente disponí-
Mesmo quando indicada a farmacoterapia veis para o tratamento da obesidade podem
para o tratamento da obesidade, a prescrição ser divididos em três grupos: o dos anorexíge-
de um plano alimentar adequado, a prática nos, o dos sacietógenos e o dos inibidores de
de atividades físicas e o uso de técnicas com- absorção de gordura(12, 13, 16, 17).
portamentais visando a esses objetivos são O grupo dos sacietógenos compreende
considerados indispensáveis para um manejo os medicamentos que apresentam como
adequado desses pacientes(8, 12, 13). principal mecanismo de ação o estímulo da

42
2006 Diretrizes sbd

Medicamento Dose mínima (mg) Dose máxima (mg) Grau de Nível de evidência Grau de Nível de evidência
recomendação (SBD) recomendação (AMB/CFM)
(SBD) (AMB/CFM)
Sibutramina 10 20 A 1 A 1A
Orlistat 360 360 A 1 A 1A
Dietilpropiona 40 120 B2 2 B 2B
Mazindol 1 3 B2 2 B 2B
Femproporex 20 50 B2 3 C 4
Fluoxetina 20 60 B1 1 A 1A
SBD: Sociedade Brasileira de Diabetes; AMB: Associação Médica Brasileira; CFM: Conselho Federal de Medicina.

saciedade. A sibutramina é o único entre eles recuperação significativa de peso após alguns cácia e segurança no tratamento do obeso com
considerado agente antiobesidade(8, 12), estan- meses de tratamento, mesmo mantendo-se o DM(36-40). Em revisão desses estudos, deparou-se
do a fluoxetina e a sertralina indicadas em si- uso do medicamento(34). Numa revisão, encon- com perda de peso média de 2,6kg (IC 95%, 2,1-
tuações particulares, principalmente quando trou-se perda de peso média de 3,4kg (IC 95%, 3,2kg), correspondendo a 2,6% do peso inicial
a obesidade está associada a depressão ou a 1,7-5,2kg) em estudos de oito a 16 semanas; em até 52 semanas(23).
compulsão alimentar(13). 5,1kg (IC 95%, 3,3-6,9kg) naqueles de 24 a 30 No grupo dos anorexígenos, três agentes
A sibutramina age através da inibição da semanas; e 5,8kg (IC 95%, 0,8-10,8kg) nos de estão disponíveis atualmente no Brasil: o fem-
recaptação de serotonina e noradrenalina. até 52 semanas(23). proporex, a dietilpropiona (anfepramona) e o
Suas eficácia e segurança no tratamento do Já a sertralina foi menos estudada no trata- mazindol. Eles agem por vias noradrenérgicas
obeso com DM foram avaliadas em diversos mento da obesidade, não sendo conhecida sua e podem apresentar como efeitos colaterais
estudos(19-22, 45). Em revisão sistemática desses eficácia em pessoas com diabetes. Em obesos mais freqüentes boca seca, insônia, ansieda-
estudos, encontrou-se uma perda de peso sem DM, há evidências também de perda de de, euforia, hipertensão arterial e arritmias.
média de 4,5kg (intervalo de confiança [IC] eficácia na fase de manutenção do peso(35). Pelo risco de dependência, ainda que
95%, 1,8-7,2kg), correspondendo a 3,3% do O único medicamento antiobesidade agin- pouco freqüente quando criteriosamente
peso inicial em até 26 semanas(23). do através da inibição da absorção de gorduras é prescritos, os fármacos anorexígenos estariam
Diversas pesquisas demonstraram a eficá- o orlistat. Ao lado da sibutramina, tem sido reco- recomendados para os pacientes que não po-
cia da fluoxetina na perda de peso em obesos mendado como uma das opções preferenciais dem ter acesso aos medicamentos com mais
com DM(24-33). Sua utilização mais ampla como para o tratamento da obesidade, acompanhada evidências científicas de eficácia e segurança,
agente antiobesidade fica limitada pela obser- ou não de DM(8, 12, 13). Diversos estudos clínicos ou que não tenham obtido bons resultados
vação de escape terapêutico, caracterizado por com a dose de 60mg já demonstraram sua efi- com seu uso(13).

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44
2006 Diretrizes sbd

Diabetes mellitus
tipo 2 no jovem

1. Introdução aumentando a rigidez dos vasos, demons-


trando que o DM2 de início precoce pode ser
O aumento da incidência do diabetes melli- mais agressivo do ponto de vista cardiovascu-
tus (DM) entre crianças e adolescentes é obser- lar do que em adultos(7, 8). As elevadas taxas
vado em diversas comunidades. Esforços são de obesidade na infância e na adolescência
empreendidos, em vários níveis, com o objeti- estão relacionadas ao sedentarismo cres-
vo de se detectarem fatores responsáveis pela cente e à mudança nos hábitos alimentares,
eclosão da doença nessa faixa etária passíveis freqüentemente com dietas hipercalóricas e
de correção ou intervenção. Paralelamente ao hipergordurosas(9).
número cada vez maior de casos, observam-se
citações de aparecimento de diabetes mellitus
tipo 2 (DM2) em jovens, inicialmente há duas 2. Fisiopatologia
décadas, num grupo homogêneo com sus-
cetibilidade à doença – índios americanos e O DM 2 clássico se caracteriza pela com-
canadenses –, e há dez anos envolvendo mi- binação de resistência à ação da insulina (RI)
norias étnicas, principalmente os americanos e à incapacidade da célula beta em manter
de origem hispânica, os afro-americanos e, pa- uma adequada secreção desse hormônio(10).
ralelamente, descrição do aumento em vinte Demonstra-se em pacientes jovens com DM2
vezes na incidência do DM2 na população de comprometimento tanto da sensibilidade in-
adolescentes japoneses. Mais recentemente sulínica como da função da célula beta, além
tem havido vários relatos da doença em jo- de aumento da produção da glicose hepática.
vens europeus(1). Atualmente acredita-se que o Em comparação com o grupo de adolescentes
DM2, até então considerado uma entidade rara obesos não-diabéticos, o prejuízo na função
nessa faixa etária, nos Estados Unidos já repre- da célula beta parece ser de maior magnitude
sente 8% a 45% dos novos casos de diabetes(2). relativamente à sensibilidade insulínica(11). A
No Brasil, entretanto, os estudos ainda relação de alguns fatores (genéticos, raciais,
são raros. Recentemente avaliamos um grupo puberdade, obesidade e peso ao nascimento)
de aproximadamente cem adolescentes com na expressão da RI é demonstrada pela pre-
antecedentes familiares para DM2 e outros sença de hiperinsulinemia em parentes de
fatores de risco para o desenvolvimento da primeiro grau, não-diabéticos, de pacientes
doença e não encontramos nenhum caso de com DM2 (fatores genéticos)(12); pela sensibi-
diabetes(3). lidade à insulina 30% menor em afro-america-
O aumento na prevalência da obesidade nos do que em caucasianos (fatores raciais)(13);
na adolescência registrado nos últimos anos pela idade média dos jovens ao diagnóstico
explicaria, em grande parte, o avanço do DM2 do DM2, de aproximadamente 13 anos, que
em populações jovens, assim como o desen- coincide com o período de RI relativa, em que
volvimento da síndrome metabólica, associa- há diminuição de aproximadamente 30% da
da a doenças cardiovasculares na maturida- ação da insulina (puberdade)(14); pela presen-
de(4-6). Estudos recentes em adolescentes DM2 ça de níveis aumentados de insulina de jejum
evidenciam o profundo efeito do diabetes e e resposta exagerada da insulina à glicose en-
da obesidade sobre complacência vascular, dovenosa (obesidade)(15); e pela presença de

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Diretrizes sbd 2006

baixo peso ao nascer, o que aumenta em sete ção cutânea de resistência à insulina que con- de 120mg/dl, para se afastar um possível efei-
vezes o risco de RI na vida adulta. Estudo efe- siste em hiperpigmentação de aspecto avelu- to glicotóxico sobre a célula beta.
tuado no Centro de Diabetes da Universidade dado com espessamento das regiões flexurais Assim, valores do peptídeo C no jejum
Federal de São Paulo (UNIFESP), em crianças do pescoço, axilas e região inguinal(19). maiores que 0,6ng/ml (0,2nmol/l) ou após
e adolescentes da Grande São Paulo, eviden- Desordens lipídicas, caracterizadas por sobrecarga com Sustacal® oral maior que
ciou elevação na resistência à ação da insu- aumento do colesterol total e do LDL-C, assim 1,5ng/ml (0,6nmol/l) demonstram reservas de
lina em portadores de excesso de peso com como dos triglicérides e da hipertensão arte- insulina significativas(22). Os auto-anticorpos
antecedentes familiares de diabetes do tipo rial sistêmica, também ocorrem nas crianças positivos contra insulina, descarboxilase do áci-
2, sugerindo que já nessa faixa etária, como com DM2 numa freqüência de 6% a 15%(20). do glutâmico (GAD) ou tirosina-fosfatase (IA2)
observado no adulto, a ação da insulina pode estão presentes em 85% a 98% pacientes com
ser dificultada pela obesidade(16), condição de DM1 de origem auto-imune. Já em obesos com
risco para o desenvolvimento do diabetes. O 4. Diagnóstico história sugestiva de DM2 que desenvolveram
antecedente familiar tem papel fundamental cetoacidose ao diagnóstico, a prevalência de
na ocorrência do DM2 nessa faixa etária. Os Na maioria dos pacientes, o diagnóstico auto-anticorpos (antiilhotas-ICA, anti-IA2 e
indivíduos afetados têm pelo menos um dos de DM2 poderá ser baseado na apresentação anti-GAD 65) é no máximo de 15%(23).
parentes de primeiro ou segundo grau afeta- clínica e no curso da doença. O diagnóstico de A freqüência de auto-anticorpos contra
dos, e 65% apresentam ao menos um familiar DM2 deve ser suspeito, sobretudo em pacien- células beta em crianças caucasianas saudá-
de primeiro grau com DM2(17). tes adolescentes, negros, obesos, muitas ve- veis é de 1% a 4%, de modo que a presença
zes sem queixas clínicas, com história familiar isolada de auto-anticorpos não é suficiente
positiva para a doença e apresentando hiper- para excluir o DM2 em jovens, ou afirmar o
3. Quadro clínico glicemia e/ou glicosúria em exame de rotina. diagnóstico de DM1.
Os indivíduos com maturity onset diabetes O diagnóstico de DM2 na infância deverá
A idade de maior incidência do DM2 no of the young (MODY) devem ser diferenciados ser feito levando-se em consideração critérios
jovem é próxima dos 13 anos, guardando do DM2 no jovem. No MODY, observa-se his- clínicos como idade e sexo do paciente, pre-
relação com o estádio III da classificação de tória familiar proeminente de DM, envolvendo sença de obesidade e história familiar positiva
Tanner, numa proporção de 2:1 nas meninas. três ou mais gerações consecutivas, o que é para DM2. Devido à alta miscigenação brasi-
As crianças com DM2 são geralmente assin- compatível com um padrão autossômico do- leira, não temos dados, até o momento, para
tomáticas ou oligossintomáticas por longos minante de transmissão hereditária. A forma considerar a cor como fator de risco.
períodos, sendo que 50% são referidos ao mais comum de apresentação é a hipergli- Após esses critérios, os casos duvidosos,
serviço especializado, devido à glicosúria ou cemia leve e assintomática em crianças ou principalmente aqueles com cetoacidose ini-
à hiperglicemia em exame de rotina. Trinta adolescentes não-obesos. Alguns pacientes cial, devem ser submetidos à pesquisa para
por cento dos pacientes apresentam poliúria, podem apresentar somente discretas hiper- avaliação da função da célula beta através
polidipsia leve e emagrecimento discreto. Al- glicemias de jejum durante anos, enquanto da dosagem do peptídeo C e da detecção de
gumas pacientes podem apresentar história outros exibem graus variáveis de intolerância marcadores do processo auto-imune a partir
de monilíase vaginal. à glicose por vários anos antes da eclosão do da pesquisa de auto-anticorpos antiilhota
Aproximadamente 33% dos pacientes diabetes. Estima-se que as variantes MODY (anti-GAD, anti-IA2, ICA e antiinsulina).
apresentam cetonúria no diagnóstico, e 5% correspondam a 1% a 5% de todas as formas Segundo o Consenso da Associação Ame-
a 25% podem evoluir para cetoacidose. Nes- de DM nos países industrializados(21). ricana de Diabetes (ADA), deverá submeter-se
ses casos, o diagnóstico diferencial com DM1 Num indivíduo com diabetes de início à triagem para DM2 na infância toda criança
pode ser realizado durante a história clínica ou abrupto, deve-se verificar a presença de obe- obesa (índice de massa corporal [IMC] maior
a evolução da doença, à medida que a necessi- sidade. É mais provável que o paciente com que o percentil 85 para idade e sexo, ou peso
dade diária de insulina diminui além do espe- início agudo, não-obeso e não-pertencente maior que 120% do ideal para estatura) que
rado no período de lua-de-mel habitual(18). a grupo étnico de risco seja diabético tipo 1. apresente dois ou mais dos fatores de risco a
A obesidade, conforme exposto, apresen- Quando ele for obeso, outros testes podem ser seguir: 1) história familiar positiva para DM2
ta-se de forma constante no DM2 do jovem. necessários, como a determinação do peptí- em parentes de primeiro ou segundo grau; 2)
Aproximadamente 70% a 90% dessas crianças deo C de jejum e, ocasionalmente, a dosagem grupo étnico de risco (índios americanos, afro-
são obesas, sendo que 38% apresentam obesi- de auto-anticorpos contra as células beta. Nos americanos, hispânicos, asiáticos/habitantes
dade mórbida. A obesidade e a história familiar jovens com DM2, geralmente os auto-anticor- de ilhas do pacífico); 3) sinais de RI ou con-
parecem ter efeito aditivo no risco de desenvol- pos não estão presentes, e os níveis de peptí- dições associadas à RI (acanthosis nigricans,
vimento da doença, uma vez que o impacto da deo C estão comumente normais ou elevados, hipertensão arterial, dislipidemia, síndrome
obesidade no risco do DM2 é maior em crianças apesar de não tão elevados como esperado dos ovários policísticos). A triagem deverá ser
com história familiar positiva para essa doença. para o grau de hiperglicemia. A dosagem do realizada, preferentemente, com a glicemia
A acanthosis nigricans (AN), presente em peptídeo C deve ser efetuada após a compen- de jejum, a cada dois anos, com início após os
quase 90% dessas crianças, é uma manifesta- sação clínica, com glicemia de jejum próxima dez anos de idade(18).

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2006 Diretrizes sbd

Os níveis para a glicemia de jejum, com à idade melhora a tolerância à glicose e a sen- pediátrico(26). Os efeitos colaterais encontra-
base nos critérios atualmente adotados para sibilidade insulínica, por diminuir a produção dos em até 25% dos jovens foram diarréia
o diagnóstico do DM2, são os mesmos para hepática de glicose. O exercício aumenta a e/ou dor abdominal no início do tratamento,
adultos ou crianças. sensibilidade periférica à insulina através da sendo reduzidos significantemente com o
Entretanto é interessante comunicar que diminuição da massa gorda. tempo e a diminuição das doses de metfor-
a classificação, em percentis, das glicemias de O sucesso do tratamento com dieta e mina. A acidose láctica é uma complicação
jejum obtidas em um grupo de 305 crianças exercício é atingido quando o paciente man- rara, porém grave, por isso a metformina é
e adolescentes normais da grande São Paulo tém um crescimento normal, com controle de contra-indicada a pacientes com diminuição
apenas 5% estão entre 106 e 108mg/dl(16). peso, glicemia de jejum próximo da normali- da função renal ou hepática e na presença de
dade (inferior a 120mg/dl) e uma hemoglobi- hipoxia ou infecção intensa.
na glicada próxima dos seus valores normais. As tiazolidinedionas, especialmente as
Quando as metas do tratamento não são
5. Tratamento atingidas apenas com as mudanças de estilo
rosiglitazonas, foram utilizadas recentemente
com sucesso em adolescentes obesos com
de vida, a terapia farmacológica deve ser in- DM1, diminuindo a RI e melhorando o contro-
As metas para o tratamento do DM2 no dicada. le metabólico(27). O medicamento atua melho-
jovem não diferem das propostas para o DM1, O tratamento medicamentoso do DM2 rando a sensibilidade insulínica periférica nos
como manter o jovem assintomático, prevenir em crianças e adolescentes é ainda alvo de
músculos e no tecido adiposo, agindo através
complicações agudas e crônicas da hiperglice- discussões. As condutas são baseadas, de
da ativação do receptor do receptor ativado
mia, tentando alcançar normoglicemia, sem maneira geral, na experiência obtida com o
pelo proliferador de peroxissomos (PPAR-
hipoglicemias freqüentes, e manter um ritmo tratamento de adultos e poucos trabalhos na
normal de crescimento e desenvolvimento, gama), e demonstra ser uma forte opção me-
faixa etária pediátrica.
além do controle do peso. Entretanto vários são dicamentosa nos pacientes com DM2 jovens,
Como os adolescentes com DM2 são
os desafios enfrentados no tratamento do jo- assim como já o é nos adultos diabéticos. A
hiperinsulinêmicos, a primeira escolha me-
vem com DM2. A natureza insidiosa da síndro- insulina deverá ser utilizada em todos os ca-
dicamentosa recai sobre a metformina(24, 25).
me, o atraso na procura pela assistência médica A metformina age através da diminuição da sos com quadro clínico muito sintomático
e o reconhecimento tardio da doença pelo pe- produção hepática de glicose, aumentando a nos quais houver, inicialmente, cetoacidose
diatra, ainda pouco familiarizado com a doen- sensibilidade do fígado à insulina e a captação e glicemias superiores a 300mg/dl. Após a
ça, estão entre os fatores considerados nesse de glicose no músculo, sem efeito direto nas caracterização do DM2 no jovem, a dose de
sentido. O adolescente, quando da eclosão da células beta pancreáticas. Esse medicamento insulina deve ser descontinuada progressiva-
doença, já possui um padrão de comportamen- tem a vantagem, sobre as sulfoniluréias, de mente à medida que o paciente permaneça
to estabelecido em relação à alimentação e à reduzir igualmente a hemoglobina glicada, euglicêmico, até a retirada completa, quando
atividade física. A resistência às mudanças de sem os riscos de hipoglicemia, e de contribuir então o paciente se manterá com a dieta e
hábitos, somada às características próprias da para a diminuição do peso ou, pelo menos, exercícios associados a metformina, se neces-
idade e, ainda, ao fato de esses indivíduos não para a sua manutenção. Além disso, favorece sário. É importante lembrar que recentemen-
se sentirem doentes o suficiente, concorre para a redução dos níveis de LDL-C e triglicérides e te foi demonstrado, numa população adulta
a baixa adesão ao tratamento. contribui para a normalização das alterações americana, que a intervenção na mudança
O ponto fundamental do tratamento é a ovulatórias em meninas com síndrome dos do estilo de vida (dieta associada aos exercí-
modificação do estilo de vida, incluindo mo- ovários policísticos. Em um estudo multicên- cios físicos) foi mais efetiva que o tratamento
dificações dietéticas e aumento da atividade trico, confirmaram-se a segurança e a efetivi- medicamentoso para reduzir a incidência de
física. A dieta com restrição calórica adequada dade da metformina no tratamento do DM2 diabetes(28).

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2006 Diretrizes sbd

Caracterização da
síndrome metabólica
associada ao diabetes
mellitus

1. Conceito e diagnóstico o que dificulta a comparação da prevalência


entre as diferentes populações (Tabela).
da síndrome metabólica Na análise de qual definição melhor pre-
diz o desenvolvimento de diabetes mellitus
O conceito de síndrome metabólica (SM) tipo 2 (DM2 ) e doença cardiovascular (DCV),
existe há mais de 80 anos, desde que, nos tem-se observado que a definição do NCEP-
anos de 1920, Kylin(1) descreveu a associação ATP III foi superior à da OMS no San Antonio
dos fatores de risco cardiovasculares: hiper- Study(9), enquanto a definição da OMS teve
tensão, hiperglicemia e gota. Já a associação melhor valor preditivo de DCV numa popula-
da obesidade do tipo andróide com as anor- ção masculina da Finlândia(10).
malidades metabólicas data de 1947(2). No No Hoorn Study(11) a definição do NCEP-ATP III
entanto, foi em 1988 que Reaven(3) descreveu foi associada a risco de DCV fatal duas vezes maior,
a síndrome X, quando associou a resistência ajustado para a idade, no homem e não-fatal na
insulínica a hiperglicemia, hipertensão, coles- mulher. Um risco menor foi encontrado para as
terol na lipoproteína de alta densidade (HDL), definições da OMS, do EGIR e da AACE.
colesterol baixo e triglicérides (TG) elevados. A definição do NCEP-ATP III é a recomen-
Entretanto, somente em 1998 houve uma dada pela I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e
definição da SM, de reconhecimento interna- Tratamento da Síndrome Metabólica(12).
cional, proposta pela Organização Mundial da
Saúde (OMS)(4).
Seguiram-se as definições do European
Group for the Study of Insulin Resistance 2. Importância da SM:
(EGIR), em 1999(5), do National Cholesterol
Education Program Adult Treatment prevenção de diabetes
Panel III (NCEP-ATP III), de 2001(6), da American mellitus e DCV
Association of Clinical Endocrinology (AACE),
de 2002(7), e a da Federação Internacional de A grande importância da SM no contex-
Diabetes (IDF), de 2004(8). to de saúde pública é a de identificar indiví-
Todas as definições incluem alterações duos em alto risco de desenvolver DM2(13) e
de tolerância à glicose e/ou resistência à in- DCV(14, 15), principalmente na criança(16, 17). O
sulina, obesidade (não incluída na definição aumento do número de pessoas com SM e
da AACE), hipertensão arterial (HA) e dislipi- o elevado risco de DM e DCV nos portadores
demia, diferindo em relação aos componen- de SM mostra a grande necessidade da iden-
tes essenciais, à combinação dos critérios e tificação da síndrome e da implementação
aos pontos de corte para cada componente, de estratégias de prevenção.

49
Diretrizes sbd 2006

Tabela – Diferentes propostas para caracterização da síndrome metabólica


Característica OMS NCEP-ATP III AACE EGIR IDF
Hipertensão PA > 140/90 mmHg Uso de anti- PA > 130/85 mmHg PA > 140/90 mmHg PA > 130/85 mmHg
hipertensivos ou
> 130/85 mmHg
Dislipidemia TG > 150mg/dl ou TG > 150 mg/dl TG >150 mg/dl TG > 150mg/dl TG > 150mg/dl
HDL-C (mg/dl) HDL-C (mg/dl) HDL-C< 40 HDL-C (mg/dl)
M < 35 M < 40 M < 40
F < 39 F < 50 F < 50
Obesidade IMC 30kg/m2 e/ou RCQ Cintura > 102 cm (M) e Cintura > 80 (F) 94 (M) A circunferência
> 0,9 (M) e > 0,85 (M) > 88 cm (F) depende da etnia
Hiperglicemia DM2 ou intolerância à Glicemia de jejum Glicemia de jejum Glicemia de jejum Glicemia de jejum
glicose no TOTG > 110 mg/dl 110-125 mg/d l ou TOTG > 110mg/dl > 100mg/dl ou DM2
> 140 mg/dl
Outros Microalbuminúria Hiperinsulinemia
(excreção de albumina
em amostra noturna)
> 20mcg/min
Condições necessárias DM2 ou intolerância à 3 fatores Não estabelece 1+2 Obesidade abdominal +
ao diagnóstico glicose ou RI + 2 fatores 2 fatores
OMS: Organização Mundial da Saúde; NCEP-ATP III: National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III; AACE: American College of Clinical Endocrinology; EGIR:
European Group for the Study of Insulin Resistance; IDF: Federação Internacional de Diabetes; PA: Pressão arterial; TG: triglicérides; HDL-C: colesterol na lipoproteína de alta densi-
dade; IMC: índice de massa corporal; RCQ: relação cintura/quadril; DM2: diabetes mellitus tipo 2; TOTG: teste oral de tolerância a 75 g de glicose anidra e glicemia 2h após; (M): sexo
masculino; (F): sexo feminino.
Adaptado de Passarelli Jr. O. et al., 2004(12).

As alterações metabólicas da SM ocorrem vamente, 2,96, 2,63, 2,27 e 1,8 vezes maior na lações da Finlândia e Suécia(20), na faixa etária
em um indivíduo mais freqüentemente do presença da SM na população escandinava de 35 a 70 anos, de acordo com os critérios
que as probabilidades que se supõem de sua num seguimento de 6,9 anos(23). da OMS, a prevalência de SM foi de 10% em
ocorrência(18, 19); portanto, a presença de qual- Em uma população jovem (< 45 anos) de mulheres e 15% em homens com tolerância
quer uma das condições deve implicar a pes- mulheres americanas com IAM não-fatal(24), à glicose normal; 42% das mulheres e 67%
quisa diagnóstica das outras enfermidades. após ajuste pelo peso, a chance de apresen- dos homens com intolerância à glicose (de
Além disso, a redução do risco cardiovascular tar SM foi 4,7 vezes maior do que a do gru- jejum ou pós-prandial ); e de 78% das mu-
pressupõe necessariamente a atuação global po-controle. A prevalência de SM (critérios lheres e 84% dos homens com DM2.
sobre todas essas condições patológicas. do NCEP-ATP III) foi de 58% em pacientes Na população com DM a presença de SM
Em muitos estudos a presença de SM com doença vascular periférica (DVP), 41% aumenta consideravelmente a prevalência
foi preditora de DCV. Em uma população nos com doença coronariana, 43% nos com de DCV. Quando se utilizaram os dados do
sem DM do estudo Diabetes Epidemiology: doença cerebrovascular e 47% nos pacien- NHANES III nos indivíduos com 50 anos ou
Collaborative Analysis of Diagnostic Crite- tes com aneurisma da aorta abdominal, em mais, a prevalência de DCV foi de 7,5% nos
ria in Europe (DECODE)(20) houve aumento amostra populacional da Holanda(25). pacientes com DM sem SM; 8,7% na popu-
de mortalidade (cardiovascular e por todas Vários estudos demonstram que a pre- lação sem critérios para SM ou DM; 13,9%
as causas) em pessoas com SM. No Verona sença de SM prediz o desenvolvimento de nos com SM, mas sem DM; e 19,2% naqueles
Diabetes Complications Study(21) o risco re- DM(26, 27). No San Antonio Heart Study(28), com as duas condições associadas(29).
lativo de eventos cardiovasculares variou entre 1.709 participantes não-diabéticos,
de dois a cinco em pessoas com SM. 195 desenvolveram DM em 7,5 anos. Nesse
Em 10.537 participantes do National Health mesmo período, 156 de 2.570 participantes
andNutritionExaminationSurveyIII (NHANES III), apresentaram um evento cardiovascular. A
aplicando os critérios do NCEP-ATP III(22), foi sensibilidade de predizer DM de acordo com
3. Resistência à insulina,
demonstrada uma associação entre a SM a presença de SM, segundo a definição do SM e DM
com infarto agudo do miocárdio (IAM) e com NCEP-ATP III, foi de 66%, e para predizer um
acidente vascular cerebral (AVC). O risco de evento cardiovascular, de 67%. A resistência à insulina é a hipótese fisio-
doença coronariana, IAM, AVC e morte por A prevalência de SM aumenta de acordo patológica mais aceita como causa da SM(30), à
qualquer causa cardiovascular foi, respecti- com o grau de tolerância à glicose. Em popu- semelhança do DM2. O excesso de ácidos gra-

50
2006 Diretrizes sbd

xos circulantes derivados do tecido adiposo 4. Aspectos terapêuticos hiperglicemia e são efetivos no tratamento
visceral, no fígado, levará ao aumento na pro- do DM2 e da RI(42). A metformina aumenta a
dução de glicose, TG e lipoproteína de muito A possibilidade de se prevenir o desen- sensibilidade à insulina nos tecidos hepáti-
baixa densidade (VLDL), associando-se a re- volvimento de um dos componentes da SM cos e periféricos, tendo efeito predominante
dução no HDL-C e elevação na lipoproteína através de mudanças de hábitos de vida é do- na diminuição da neoglicogênese hepáti-
de baixa densidade (LDL), principalmente a cumentada no Diabetes Prevention Program ca, responsável pela glicemia de jejum. As
partícula pequena e densa. A sensibilidade à (DPP)(35), onde a adoção de dietas hipocalórica TZD(43) (rosiglitazona e pioglitazona) atuam
insulina no tecido muscular também é redu- e hipolipídica, associadas a um programa de em receptores nucleares do fator ativado de
zida pelo excesso de ácidos graxos, inibindo caminhadas de pelo menos 150min/semana, proliferação para peroxissomos gama (PPAR-
a captação de glicose e a via não-oxidativa durante um período de três anos, determinou gama), melhorando a sensibilidade à insuli-
do metabolismo da glicose. A hiperglicemia na, aumentando a diferenciação das células
uma redução de 58% no risco de progressão
e o excesso de ácidos graxos resultam em hi- precursoras em adipócitos no tecido adiposo
de intolerância à glicose para o DM. O efeito da
perinsulinemia, o que aumenta a reabsorção subcutâneo e reduzindo a liberação de ácidos
mudança de hábitos de vida foi observado em
de sódio e a atividade do sistema simpático. graxos e citocinas do tecido adiposo, o que é
ambos os sexos, em todos os grupos étnicos e
Há também produção de interleucinas (IL), de grande importância na RI.
faixas etárias, indicando a viabilidade de sua im-
fatores de crescimento e outras citocinas A terapêutica com sensibilizadores de
plantação em larga escala. O Finnish Diabetes
pelo tecido adiposo. Todo esse processo está insulina diminui a glicemia de jejum, a glicoe-
Prevention Study (FDPS) também sugere que
relacionado ao desenvolvimento de altera- moglobina, a pressão arterial, os ácidos graxos
indivíduos com SM têm menor chance de de-
ções da tolerância à glicose, HA, dislipidemia, livres circulantes, os TG e o LDL-C (metformina)
senvolver DM modificando o estilo de vida(36).
estados pró-inflamatório e pró-trombótico e
Estudos também demonstraram que a e/ou a oxidação de LDL (TZD), com pequeno
disfunção endotelial. Outro mecanismo de
metformina e a as tiazolidinedionas (TZD) aumento no HDL-C. Tem sido demonstrada
resistência à insulina também tem sido iden-
também reduzem o risco de DM2 em pessoas diminuição da excreção urinária de albumina
tificado.
com glicemia de jejum alterada ou tolerância com as TZD, independente do seu efeito hipo-
Estudos em pessoas obesas, com DM2
à glicose diminuída(35, 37). Tem sido demons- glicemiante. Os sensibilizadores de insulina têm
e idosos com resistência insulínica(31, 32) têm
trado que inibidores da enzima conversora efeitos favoráveis sobre o inibidor do ativador
demonstrado um defeito na fosforilação
oxidativa mitocondrial relacionado ao acú- da angiotensina (IECA) e os antagonistas do do plasminogênio (PAI-1) e a função endotelial,
mulo de TG e outras moléculas lipídicas no receptor da angiotensina II podem diminuir a contribuindo para a redução do risco cardiovas-
músculo. incidência de DM2(38). cular. A metformina contribui também para a
Num estudo prospectivo em índios ameri- A estratégia de tratamento para pessoas redução do peso corporal, o que se deve a uma
canos, a hiperinsulinemia e o índice de massa com DM2 já considera o controle intensivo de perda maior de tecido adiposo visceral.
corporal (IMC) foram as variáveis com maior glicemia, pressão arterial (PA), lípides e peso Em indivíduos com DM2 obesos, o United
capacidade de prever o desenvolvimento da para reduzir o risco de complicações micro e Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS)
SM em 4,1 anos(33). A obesidade visceral e, macrovasculares. Além das modificações de demonstrou que o uso da metformina dimi-
conseqüentemente, o aumento da circunfe- estilo de vida, e considerando-se a presença nuiu a mortalidade por todas as causas em
rência abdominal têm sido relacionados com de RI e obesidade, as estratégias terapêuticas 36% e o risco de infarto em 39%(44).
elevado risco metabólico. podem incluir o uso de medicamentos sensi- Quando se considera a importância da
No seguimento da coorte do Insulin bilizadores de insulina e, quando necessário, prevenção cardiovascular em um paciente
Resistance and Atherosclerosis Study (IRAS)(34) antiobesidade. com DM2 (considerado de alto risco) e SM,
observou-se que o aumento do perímetro As modificações de estilo de vida (perda vários ensaios clínicos têm demonstrado o
abdominal foi a variável com maior poder de de peso e atividade física) são efetivas no trata- benefício de outros fármacos como estatinas,
prever o desenvolvimento futuro da SM. O mento da RI e do DM2(39, 40) e constituem a pri- anti-hipertensivos e antiplaquetários, mesmo
DM2, a SM e a DCV apresentam fatores de ris- meira linha terapêutica para prevenir a DCV(41). em pacientes sem elevação de colesterol ou
co em comum, como obesidade e resistência Os sensibilizadores de insulina metformi- sem hipertensão e/ou sem manifestações clí-
à insulina. na e TZD estão indicados para tratamento da nicas de aterosclerose(45).

51
Diretrizes sbd 2006

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Diretrizes sbd 2006

Tratamento da
hiperglicemia pós-prandial
no diabetes mellitus
tipo 2

As complicações macrovasculares do dia- células endoteliais dependem da exposição a


betes mellitus estão relacionadas ao estado ambientes com elevados níveis de glicose. Es-
hiperglicêmico pós-prandial(1). A relação entre sas ações incluem a diminuição da captação
as complicações microvasculares crônicas, de glicose e o aumento da taxa de apoptose.
como retinopatia, nefropatia e neuropatia, Em estudos in vivo foi demonstrado que a hi-
e o grau de controle metabólico já está bem perglicemia aguda resulta em síntese aumen-
estabelecida em inúmeros estudos clínicos e tada de ânions superóxido e diminuição de
dados epidemiológicos(2). A hiperglicemia, a óxido nítrico (ON)(5, 6). Essa falta de ON afeta os
dislipidemia e a hipertensão arterial têm sido processos de vasodilatação, tendo efeito de-
consideradas fatores de risco para a doença letério nos vasos. Esses achados podem expli-
cardiovascular (DCV). Está bem estabeleci- car como a hiperglicemia aguda afeta a célula
do que os valores médios da glicemia, assim endotelial e as células da camada muscular
como da hemoglobina glicada, podem predi- lisa, que estão espessadas em relação direta
zer o risco de doença coronariana isquêmica e aos níveis de hemoglobina glicada.
a taxa de mortalidade. O estudo de Honolulu(3) O tratamento do diabetes mellitus tipo 2
encontrou grande correlação entre glicemia (DM2) tem mudado muito ultimamente(7). As
e risco de cardiopatia coronariana. Essa as- metas para controle glicêmico foram estabe-
sociação, no entanto, foi bem estabelecida lecidas, a história natural da doença está mais
quando se analisou a hiperglicemia casual bem compreendida e novas opções medica-
de uma hora pós-refeição. Diversas linhas de mentosas foram introduzidas no mercado
evidência sugerem que a hiperglicemia no farmacêutico. A Associação Americana de
estado pós-prandial pode estar envolvida na Diabetes (ADA) recomenda que os níveis de
fisiopatologia das complicações macrovas- hemoglobina glicada estejam inferiores a 7%,
culares(4). Está demonstrado que várias pro- e outras entidades têm sugerido manter essas
teínas biologicamente ativas estão afetadas taxas dentro dos limites normais para pessoas
pela glicação. Nesse mecanismo, a glicose é não-portadoras de diabetes(8). Os valores da
covalentemente ligada às proteínas, e, como glicemia também estão bem estabelecidos e
afeta inúmeras proteínas, esse mecanismo as taxas de glicemia pré-refeição devem estar
pode ter um espectro de ação muito amplo entre 80 e 120mg/dl, assim como os valores
nos processos biológicos. As funções que po- no estado pós-prandial devem ser inferiores a
dem estar afetadas vão desde a acuidade vi- 140mg/dl. Diversos estudos têm demonstra-
sual e a integridade da membrana basal até a do que o DM2 apresenta uma fisiopatologia
ativação plaquetária, a formação de coágulos complexa e progressiva. A resistência insulí-
e a degradação de proteínas. Estudos in vitro nica é um achado extremamente freqüente
demonstraram que ações de fibroblastos e no DM2 com excesso de peso ou obesidade

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2006 Diretrizes sbd

abdominal e precede o diagnóstico da doen- ocorrendo a despolarização da membrana nais de potássio ATP-dependentes das células
ça. A disfunção da célula beta é o achado que celular e a entrada dos íons cálcio do exterior beta. Dois medicamentos dessa classe estão
desencadeia a instalação do quadro clínico para o citosol da célula beta. Esse aumento disponíveis para uso em clínica: a repaglinida,
da doença e se manifesta inicialmente por do cálcio no citosol causa uma migração dos derivada do ácido benzóico, e a nateglinida,
hiperglicemia no estado pós-prandial. Essa grânulos de insulina para a superfície celular, derivada da fenilalanina. As características
é a razão de se utilizar o teste de sobrecarga de onde são liberados por exocitose. Os ca- básicas dessa classe de medicamentos na ca-
oral à glicose como instrumento diagnóstico, nais de potássio ATP-dependentes são cons- pacidade de ligação aos receptores SUR1 são
particularmente no início da doença. Nos pri- tituídos por duas subunidades: uma, chama- o seu início rápido de ação e a alta capacidade
meiros anos de doença essa disfunção secre- da SUR, contém o sítio ligante à sulfoniluréia de desligamento, fazendo com que essas dro-
tora é responsável pela elevação da glicemia (receptor) e regula a abertura ou o fechamen- gas tenham também uma ação mais curta do
no estado pós-absortivo. Após um tempo to do canal. A segunda, chamada KIR, é o ca- que as sulfoniluréias.
começa também a ocorrer hiperglicemia de nal propriamente dito. Os canais de potássio Comparando as metiglinidas com as sul-
jejum, aqui evidenciando produção hepática ATP-dependentes somente são funcionantes foniluréias podemos dizer que, como as meti-
aumentada de glicose. quando as duas subunidades estão unidas. glinidas possuem ação mais curta, devem ser
O tratamento do DM2 começa sempre O receptor de sulfoniluréia está no espaço administradas às refeições, pois aumentam a
com esforços para mudar o estilo de vida, in- extracelular. A potência das sulfoniluréias de- secreção de insulina dependente da elevação
cluindo dieta com a finalidade de se atingir o pende da afinidade dessas pelos receptores da glicemia, permitindo assim um melhor
peso ideal ou ao menos diminuí-lo em 10%, SUR. Elas, então, agem aumentando a secre- controle da hiperglicemia no estado pós-pran-
além da recomendação de aumento da ati- ção de insulina dependente da glicose, assim dial. Como menos insulina é secretada após
vidade física. No entanto, no UK Prospective como a secreção basal de insulina. Outros algumas horas das refeições, haverá achado
Diabetes Study (UKPDS), a eficácia dessas tecidos apresentam canais de potássio ATP- clínico relevante, que é uma menor taxa de
medidas foi questionada, uma vez que menos dependentes e contêm receptores para sul- eventos hipoglicêmicos e, conseqüentemen-
de 15% dos pacientes recém-diagnosticados foniluréias. As células miocárdias e as muscu- te, menor ganho de peso. O efeito na redução
tiveram as metas de controle glicêmico atin- lares lisas vasculares apresentam esses canais da hemoglobina glicada é semelhante entre
gidas pela aplicação de tais medidas. A farma- sempre fechados, que abrem em situações a repaglinida e as sulfoniluréias. A nateglinida
coterapia, então, deve ser iniciada quando as de isquemia para permitir a saída de potássio tem um efeito mais discreto e, comparando-
providências não-farmacológicas forem insu- e a entrada de cálcio. Isso causa vasodilata- se as duas metiglinidas, a repaglinida tem
ficientes. Os medicamentos para controle do ção e melhora a função do miocárdio. Em es- ação mais prolongada, portanto apresenta
diabetes podem ser divididos entre os secre- tudos experimentais, as sulfoniluréias podem um efeito melhor na redução da glicemia de
tagogos, os sensibilizadores à ação da insulina prevenir a abertura dos canais de potássio e jejum e da hemoglobina glicada.
e os que retardam a absorção dos monossaca- interferir na vasodilatação e na adaptação do O esquema posológico preconizado para
rídeos. A classe dos secretagogos está dividida miocárdio à isquemia. Um outro efeito poten- a repaglinida é de 0,5 a 4mg em cada refei-
entre as sulfoniluréias e as metiglinidas. cial das sulfoniluréias no miocárdio é a pre- ção, embora a dose média seja de 1 a 2mg por
As sulfoniluréias têm sido utilizadas no venção da abertura dos canais de potássio, refeição. A meia-vida do medicamento é de
tratamento da hiperglicemia em pacientes o que poderia alterar o fluxo desse elemento 1 hora. Metabolizado pelo fígado, não apre-
com DM2 há mais de 50 anos. Seu mecanis- para proteger contra arritmias ventriculares. senta metabólito ativo e é excretado princi-
mo de ação é complexo, e esses medicamen- Não está ainda bem estabelecido se esses palmente por via fecal. A nateglinida deve ser
tos aumentam tanto a secreção de insulina efeitos podem ocorrer com doses farmacoló- administrada na dose de 60 a 120mg por re-
no estado basal quanto no pós-estímulo gicas durante o tratamento de pacientes com feição e seus metabólitos, também de origem
alimentar. O mecanismo bioquímico de ação sulfoniluréias(10). Essas subunidades de recep- hepática, são fracos e eliminados principal-
das sulfoniluréias envolve a regulação dos tores de sulfoniluréias das células endoteliais mente por via renal. A desvantagem desses
canais de potássio dependentes do trifosfato e das células musculares lisas são isoformas medicamentos, que é baseada exatamente
de adenosina (ATP) localizados na membrana diferentes das encontradas nas células beta, no seu mecanismo de ação, é a necessidade
plasmática das células beta. Em condições de que apresentam capacidade de ligação de várias administrações diárias, o que dificul-
jejum, a maioria dos canais de potássio está maior(11, 12). Embora esses dados possam ser ta a adesão ao tratamento crônico.
aberta e o íon potássio sai facilmente da cé- preocupantes, é importante assinalar que, Os candidatos ideais para a terapêutica
lula. Quando os níveis plasmáticos de glicose em estudos clínicos, pacientes usuários de com secretagogos de insulina são pacientes
se elevam, a glicose é transportada para den- sulfoniluréias não apresentam aumento de com DM2 que sejam significantemente de-
tro das células beta através da utilização dos desfechos cardiovasculares em relação aos ficientes da secreção de insulina, mas que
transportadores de glicose (GLUT2), sendo pacientes diabéticos não-usuários(13-15). ainda apresentem função de célula beta sufi-
então fosforiladas pela glicoquinase e meta- As metiglinidas são uma família de medi- ciente para que, quando estimulada por um
bolizadas nas mitocôndrias, gerando ATP(9). camentos secretagogos de insulina, e não sul- secretagogo, responda aumentando a secre-
Esses níveis elevados de ATP intracelular cau- foniluréias. Essas medicações se ligam a um ção de insulina para o controle metabólico
sam o fechamento dos canais de potássio, sítio diferente na subunidade SUR1 dos ca- adequado. A escolha de qual secretagogo

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Diretrizes sbd 2006

utilizar é determinada por suas características mais observadas na prescrição de um secre- (não excluem as metiglinidas) e predisposição
e pelo mecanismo fisiopatológico da doença tagogo para pacientes com DM2. à ocorrência de hipoglicemias graves, como
no paciente em particular. As atividades an- As contra-indicações dessa classe de me- na insuficiência renal ou hepática. Quando a
tidiabéticas intrínsecas dos medicamentos dicamentos são a ocorrência de um paciente meta glicêmica não for mais atingida com as
devem decidir sua escolha. Assim, a potência com diabetes mellitus tipo 1 (DM1), gestação, drogas orais, ou monoterapia ou associadas
de secreção de insulina, a rapidez e a duração pré, intra e pós-operatório de uma cirurgia aos sensibilizadores de insulina, está indicada
da ação, o modo de metabolização e os even- grande, presença de infecção ou trauma, a associação com insulina ou mesmo a sua
tuais eventos adversos são as características história de eventos adversos às sulfoniluréias substituição por insulinoterapia plena.

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2006 Diretrizes sbd

Uso da insulina no
tratamento do diabetes
mellitus tipo 1

1. Introdução O clássico estudo Diabetes Control and


Complications Trial (DCCT) provou que o tra-
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma tamento intensivo do DM1, com três ou mais
doença crônica caracterizada pela destruição doses de insulina de ações diferentes, é eficaz
parcial ou total das células beta das ilhotas de em diminuir a freqüência de complicações
Langerhans pancreáticas, resultando na incapa- crônicas do DM, pois encontrou uma diminui-
cidade progressiva em produzir insulina. Esse ção de 76% nos casos de retinopatia, 60% nos
processo pode levar meses ou anos, mas só de neuropatia e 39% nos de nefropatia na-
aparece clinicamente quando já houve a des- queles pacientes tratados intensivamente em
truição de pelo menos 80% da massa de ilhotas. relação aos tratados convencionalmente(1).
Há inúmeros fatores genéticos e ambientais que Como houve essa diferença no aparecimento
contribuem para que haja ativação imunológi- das complicações crônicas microangiopáticas
ca desencadeando esse processo destrutivo. do DM, isso foi interpretado como sendo cau-
Quem apresentar determinada genotipagem sado por um melhor controle metabólico, já
de antígenos leucocitários humanos (HLA) e que a hemoglobina glicada daqueles pacien-
pelo menos dois anticorpos específicos tem for- tes foi estatisticamente menor no grupo trata-
tes evidências de já estar no período pré-clínico do intensivamente (8,05%) do que no tratado
da doença, praticamente assintomático e de convencionalmente (9,76%).
duração indeterminada. No período clínico, os Por isso, no término do DCCT, foi sugerido
que todos eles continuassem em um outro es-
sinais e sintomas que antes eram praticamente
tudo, denominado Epidemiology of Diabetes
ausentes ou intermitentes, agora se manifestam
Interventions and Complications (EDIC). Nes-
de maneira constante. São eles poliúria, polidip-
se estudo, em que foi oferecido a todos tra-
sia, polifagia, astenia e perda de peso. O perío-
tamento intensivo, e especificamente no sub-
do de tempo para a determinação da doença
grupo de adolescentes (13 a 17 anos), o grau
normalmente oscila de uma a seis semanas, a
de controle metabólico não variou estatisti-
contar do início dos sintomas.
camente, fazendo-se uma comparação entre
Em pacientes com sinais e sintomas carac-
aqueles que foram tratados já intensivamente
terísticos, o diagnóstico é simples, sendo con-
no DCCT e os que receberam tratamento con-
firmado através de glicemia plasmática acima
vencional naquele estudo (8,38% vs. 8,45%).
de 200mg%, em qualquer hora do dia, ou gli-
Entretanto a freqüência de progressão de re-
cemia de jejum igual ou superior a 126mg%.
tinopatia e nefropatia diabéticas mostrou que
o grupo já tratado intensivamente há mais
tempo (desde o início do DCCT) permanecia
2. Tratamento insulínico com menor freqüência na progressão de re-
tinopatia e nefropatia diabéticas, sugerindo
A insulina é sempre necessária no trata- que as tentativas de alcançar um melhor con-
mento do DM1, devendo ser instituída assim trole glicêmico deveriam começar precoce-
que for feito o diagnóstico. mente no curso do DM(2).

57
Diretrizes sbd 2006

Esses dois estudos sugerem um nível de Um dos receios na implementação do entre as refeições, pois a regular atingirá seu
evidência 1, com grau de recomendação A, para tratamento intensivo é de que os episódios pico no horário em que a alimentação já foi
o tratamento intensivo com insulina no DM1. de hipoglicemia possam ter repercussão nas metabolizada.
Entretanto a limitação no alcance do funções cognitivas do paciente. Em um estu- Foi demonstrado que, quando a insulina
controle glicêmico ideal em DM1, excluídos do prospectivo, com sete anos de duração, regular é utilizada cinco minutos antes das
fatores de aderência ao tratamento e de mau foi demonstrado que crianças que haviam refeições, a hemoglobina glicada é superior
funcionamento familiar, permanece sendo a iniciado o DM antes dos 5 anos de idade à encontrada quando esta mesma insulina é
hipoglicemia. tinham um escore significativamente infe- aplicada 10 a 40 minutos antes das refeições(8).
Diversos estudos têm demonstrado que rior ao normal em habilidades motoras finas Esse mesmo autor (Bolli) foi responsável
a hipoglicemia noturna assintomática é um e tarefas de atenção contínua três e sete por demonstrar que a insulina NPH, quando
problema comum em pacientes com DM1, anos após o diagnóstico. Entretanto isso só utilizada três ou quatro vezes ao dia, permite
sendo sua prevalência de até 70% em crian- ocorreu no grupo que teve hipoglicemias atingir um melhor controle metabólico do
ças e 50% em adolescentes(3, 4). No DCCT, em intensas, com convulsão, sugerindo que que uma ou duas vezes. Por isso, e principal-
que foram usadas tanto insulina regular como episódios hipoglicêmicos de menor inten- mente em adolescentes que estejam com
de ação rápida, os pacientes em tratamento sidade não teriam repercussão nas funções dificuldade em conseguir um bom controle,
intensivo mostraram uma freqüência de hipo- cognitivas, mas também alertando para o sugere-se que a insulina NPH seja aplicada
glicemia intensa três vezes superior à daque- risco das hipoglicemias intensas em faixa antes do café da manhã, do almoço, do jantar
les em tratamento convencional, sendo que etária precoce(7). e antes de dormir (B). Além disso, se utilizar-
no grupo dos adolescentes, mesmo com ní- O tratamento intensivo pode ser feito mos insulina lispro em vez de regular, o nível
veis maiores de hemoglobina glicada, o risco com múltiplas doses de insulina, com seringa de hemoglobina glicada atingido será mais
de hipoglicemia intensa foi substancialmente ou caneta, ou através da bomba de insulina.
baixo(9).
maior que nos adultos (86 vs. 56 eventos/cem O tratamento com múltiplas doses de
Em relação ao análogo de insulina de
pacientes/ano). insulina tornou-se bastante prático, pois sur-
ação longa hoje existente no mercado (a
Em um estudo recente, com uso do giram as canetas, hoje existentes em vários
insulina glargina), os estudos têm demons-
sensor de glicose por três dias (CGMS), cujo modelos, inclusive com possibilidade de usar
trado menor freqüência de hipoglicemia em
desfecho era hipoglicemia (< 60mg% por doses de 0,5 unidade de insulina. Isso, para as
relação à insulina NPH, o que seria explicado
mais de 15 minutos), foi encontrada uma insulinas ultra-rápidas existentes atualmente,
pela ausência (ou diminuição) de pico dessa
freqüência de hipoglicemia de 10,1%, sendo torna-se útil, já que permite dosagens bem
insulina (B)(10-13). Essa insulina deve ser utiliza-
esta mais prevalente à noite (18,8% vs. 4,4%), individualizadas, específicas para cada mo-
da após os 6 anos de idade, conforme reco-
e com duração prolongada dos episódios no- mento do dia.
menda o fabricante, em dose única (antes do
turnos (média de 3,3 horas), sendo estes em O tratamento intensivo clássico é o
geral assintomáticos (91%)(5). que utiliza duas doses de neutral protamine café da manhã ou antes de dormir), em casos
Antes do advento dos análogos de insu- Hagedorn (NPH), antes do café da manhã e que apresentam hipoglicemia freqüente, ou
lina com ação ultra-rápida, as hipoglicemias antes de dormir, com três doses de insulina desejo de mudar, ou vontade de diminuir o
ocorriam em maior número, e isso certamen- regular (antes do café da manhã, do almoço e número de aplicações de NPH.
te contribuiu para um certo receio por parte do jantar). Entretanto, com o surgimento das A bomba de insulina parece ser, hoje,
dos pais, e mesmo dos profissionais de saú- insulinas ultra-rápidas (lispro e aspart) pode- o padrão-ouro no tratamento intensivo do
de, em implementar o tratamento intensivo. se, com vantagens, substituir a insulina regu- DM1, mas necessita de acompanhamento
Uma metanálise que avaliou oito estudos lar por esses análogos. Além disso, com um por equipe habilitada(14, 15).
randomizados, com 2.576 pacientes diabé- instrumento chamado contagem de carboi- Tratamento intensivo é igual a monitori-
ticos tipo 1 adultos, comparando insulina dratos, pode-se permitir que o paciente com zação intensiva. É necessário fazer no mínimo
regular com insulina lispro, e cujo desfecho DM tenha uma vida um pouco mais liberada três testes de verificação da glicemia capilar
principal era a freqüência de hipoglicemias no que diz respeito à alimentação, desde que ao dia(16). Para que isso seja de fato realizado
intensas (coma ou necessidade de glucagon saiba utilizar corretamente esse poderoso au- pelos pacientes, é imprescindível que esse
endovenoso [EV]), mostrou uma freqüência xiliar no tratamento. insumo lhes seja distribuído gratuitamente
significativamente menor desse problema Um aspecto a ser considerado quando se pelo poder público. O preconizado pela So-
nos indivíduos diabéticos que usaram lis- utiliza insulina regular é que ela demora em ciedade Brasileira de Diabetes (SBD) é que o
pro(6). Diversos outros estudos têm favorecido torno de 30 minutos para começar a agir, mas estado (ou município) forneça cem tiras re-
as insulinas de ação ultra-rápida em relação à os pacientes tendem a aplicá-la na hora da agentes por mês a todo paciente com DM1
regular, mostrando um nível de evidência 1, refeição. Isso contribui para hiperglicemias para que ele possa implementar realmente o
com grau de recomendação A. pós-prandiais e hipoglicemias no período tratamento.

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2006 Diretrizes sbd

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Diretrizes sbd 2006

Tratamento de crianças
e adolescentes com
diabetes mellitus tipo 1

1. Introdução Cerca de 30% a 50% dos pacientes com


DM1 fazem a apresentação do quadro em
Por muito tempo achou-se que as com- cetoacidose diabética (CAD) (D)(4), uma con-
plicações do diabetes mellitus (DM) fossem dição clínica de grave desarranjo metabólico
determinadas geneticamente, sem relação que deve ser tratada em ambiente hospitalar.
com o tipo e a qualidade do controle metabó- Neste trabalho não entraremos no tratamen-
lico instituído. Apenas há pouco mais de uma to da CAD (abordada em outro Consenso da
década, quando os resultados do Diabetes Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD]), mas
Control and Complications Trial (DCCT) vieram no tratamento do paciente já estabilizado.
a público, entendeu-se que grande parte das Um primeiro aspecto a ser discutido é se
complicações do paciente diabético devia-se o paciente que é diagnosticado como diabé-
a um mau controle metabólico (A)(1, 2). Além tico tipo 1 deve ser tratado em casa ou no
disso, num estudo pós-DCCT, verificou-se que hospital. A resposta a essa pergunta depende
os benefícios de um controle glicêmico mais da gravidade do quadro inicial (excluindo-se,
estrito se mantinham por mais tempo, esta- como já foi mencionado acima, a CAD, cuja
belecendo definitivamente a necessidade de gravidade recomenda sempre um tratamen-
se controlar, da melhor forma possível, desde to hospitalar), das possibilidades materiais de
o diagnóstico, os parâmetros glicêmicos de um tratamento domiciliar, do grau de com-
todo paciente diabético (A)(3). preensão por parte dos familiares e da facili-
O manuseio do paciente diabético pediá- dade de contato com a equipe médica. Uma
trico é diferente do que usualmente se faz em vez que se tenha condição de tratar o pacien-
adultos, mesmo para um mesmo grau de in- te em casa, várias são as vantagens: redução
sulinopenia. O crescimento físico e a matura- de reinternações, melhor controle glicêmico,
ção nessa fase da vida tendem a modificar as mais bem-estar e conforto para o paciente
respostas fisiopatológicas do diabetes, bem (D)(6). É evidente que, para implementar-se
como seu tratamento (D)(4). um tratamento domiciliar, um estreito e fácil
Como o DM tipo 1 (DM1) caracteriza-se contato com a equipe de saúde é essencial.
por insuficiente produção de insulina, o tra- Os que advogam a internação (e em alguns
tamento medicamentoso depende da reposi- serviços ela se prolonga por até três semanas)
ção desse hormônio, utilizando-se esquemas defendem que um período de treinamento
e preparações variadas e estabelecendo-se intensivo do paciente e de seus familiares aju-
alvos glicêmicos pré e pós-prandiais para se- da muito no controle posterior da doença. No
rem atingidos. Reino Unido, 96% das crianças diagnosticadas
Ao lado disso, planejamento alimentar e em 1988 foram internadas (B)(7), contrastando
programas de atividade física regular e edu- com a experiência de Cardiff, em que uma
cacional completam o elenco do tratamento, equipe composta de um endocrinologista pe-
sendo, para tal, imprescindível uma coopera- diátrico, duas enfermeiras especializadas em
ção muito estreita do trio equipe médica/fa- diabetes, um nutricionista pediátrico e um
miliares/paciente (D)(5). psicólogo clínico cobria uma área de 250 mi-

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2006 Diretrizes sbd

lhas quadradas, com uma população de 128 As bases do tratamento do DM repousam do DM. Nesse programa, as glicemias pós-
mil crianças e adolescentes (menores de 18 na tentativa de normalização do perfil meta- prandiais não deveriam exceder 180mg/dl, a
anos de idade). Os pacientes que não estavam bólico (através do uso de insulina no DM1), glicemia de jejum deveria estar em faixa de
em CAD começavam um esquema de duas no estímulo à atividade física regular e numa normalidade (80-120mg/dl) e as demais gli-
aplicações diárias de insulina, com o suporte orientação alimentar que faça frente aos arti- cemias pré-prandiais não deveriam exceder
da enfermeira especializada em diabetes. Um ficialismos da administração de insulina exó- 140mg/dl. O trabalho envolveu pacientes
programa de educação era ministrado, com gena. Refiro-me a artificialismos porque, por maiores de 13 anos de idade e, como poderia
visitas diárias da enfermagem. A orientação melhores que sejam as insulinas disponíveis se esperar, houve uma triplicação no número
alimentar era dada pelo nutricionista e havia (e hoje dispomos de preparações de insulina de eventos hipoglicêmicos (A)(1, 2). No entan-
facilidade de comunicação entre o paciente de altíssima qualidade), incorremos em vários to não se podem negar os efeitos benéficos
e/ou familiares e os membros da equipe (D)(6). equívocos ao tratar pacientes diabéticos com nas complicações do DM, particularmente as
reposição insulínica: o primeiro deles é o local oculares, mostrando claramente que são de-
de administração, periférico em relação ao fí- pendentes do nível de controle glicêmico que
2. Estratégias de gado, que faz com que a insulinemia sérica se obtém no tratamento.
seja atingida antes da insulinização hepática Em relação aos pacientes pediátricos dia-
tratamento do diabetes (não nos esqueçamos de que a insulina libe- béticos tipo 1 devemos ter em mente o bom
mellitus rada pelo pâncreas atinge o fígado em altas controle glicêmico vs. incidência de hipogli-
concentrações, insulinizando-o efetivamen- cemias. A criança, dependendo de sua idade,
Quando nos vemos diante de uma doença te e bloqueando sua produção glicêmica). pode apresentar variações importantes no
crônica como o DM e nos propomos a tratar o Além disso, ao invés de, como no indivíduo seu esquema alimentar, o que impõe dificul-
paciente por longo período de tempo, deve- não-diabético, a insulina ser liberada após dades adicionais para o ajuste adequado da
mos ter em mente uma estratégia, um plano a ingesta alimentar, no paciente diabético dose e do esquema de insulina, e podemos
de ação que deverá ser posto em prática e mo- programamos sua insulinização na suposição dizer que cada paciente terá um esquema
dificado sempre que evidências clínicas e/ou de que ele fará todas as suas refeições. Isso próprio de dose e de intervalo de administra-
laboratoriais o impuserem. Em primeiro lugar, se complica especialmente na criança, que ção de insulina, mas não devemos perder de
o tratamento deverá impedir que ocorram freqüentemente recusa o alimento e corre o vista a importância de perseguirmos um bom
descompensações agudas do tipo cetoacidose risco de hipoglicemias sérias. Os adolescen- controle, sob pena de termos um paciente de
diabética (característica, mas não exclusiva, do tes, que tipicamente apresentam esquemas pouca idade já sofrendo os temíveis efeitos
DM1). Ao lado disso, deveremos permitir que alimentares que fogem da rotina, também colaterais, particularmente microangiopáti-
nossos pacientes levem uma vida a mais pró- ficam sob risco de hipoglicemias graves se cos, do DM. A família e o próprio paciente, de-
xima possível à de uma pessoa não-diabética, não fizerem suas refeições em horários ade- pendendo de sua idade, devem estar cientes
sem correr riscos de descompensações. quados e se não tiverem grande motivação do que é uma hipoglicemia, quais seus sinais
Se esses objetivos forem atingidos, esta- e conhecimento para cientificar-se dos riscos e sintomas e como tratá-la eficientemente e
remos apenas iniciando a nossa estratégia de que tal comportamento pode acarretar. Os sem perda de tempo (glicose, glucagon). O
controle do DM, porque passamos a visar a locais de absorção de insulina oferecem di- medo excessivo de hipoglicemias leva a um
evitar complicações de longo prazo, tão temi- ferentes curvas absortivas, na dependência mau controle e conduz o paciente a complica-
das nesse tipo de doença. Como, em geral, es- da vascularização local, do grau de ativida- ções precocemente(8) (D). Nenhum médico, fa-
sas complicações ocorrem após alguns anos de muscular da região em que a insulina foi miliar ou, principalmente, paciente diabético
de DM, mesmo em pessoas mal controladas aplicada, de modo que cada paciente e cada gostam de hipoglicemia, mas ela acaba sendo
poderemos não tê-las e supor, erroneamente, local de aplicação pode apresentar um pico uma eventualidade potencialmente presente
que nosso tratamento esteja correto. Aqui insulinêmico em hora diversa da que supo- durante um tratamento que objetiva, tanto
surge a necessidade de algum tipo de moni- mos teoricamente. quanto possível, aproximar os níveis glicêmi-
torização que não se baseie exclusivamente De modo geral, pretende-se que o pacien- cos do paciente da normalidade.
na abordagem clínica, mas em algum parâ- te diabético esteja insulinizado todo o tempo,
metro mais sensível. Há pacientes que dizem o que bloqueia a lipólise e melhora sobre-
perceber seus níveis glicêmicos pelos seus maneira seu controle metabólico. Períodos 2.1. Início do tratamento
sintomas e nada é mais enganoso do que essa sem insulina efetiva são causa de oscilações
afirmação! Portanto a monitorização cons- glicêmicas amplas, acrescentando um fator Quando se inicia o tratamento do pacien-
tante dos níveis glicêmicos tem se mostrado de resistência à insulina que a própria hiper- te diabético que já saiu de seu quadro inicial
uma arma poderosa para que possamos fazer glicemia propicia. No estudo realizado pelo de CAD (25% dos pacientes a apresentam
correções de rumo no tratamento, ajustando DCCT, os objetivos glicêmicos pré e pós-pran- como primeira manifestação de seu DM), ou
doses de insulina e esquemas alimentares, diais eram muito rígidos, procurando-se fazer quando foi detectado por suspeita clínica,
com o objetivo maior de prevenir e mesmo com que não ocorressem grandes oscilações sem ter entrado em CAD, focamos basica-
reverter complicações. glicêmicas no chamado tratamento intensivo mente os seguintes aspectos:

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Diretrizes sbd 2006

 esclarecimento da doença ao paciente e a cedendo cada refeição. Em geral, para cada Numa fase inicial do DM, em que ainda há
seus familiares, tentando diminuir o forte im- 10g a 20g de carboidratos, administramos 1U reserva pancreática para produção de insuli-
pacto que um diagnóstico de DM causa sobre de insulina. Se utilizarmos as insulinas ultra- na, os esquemas de uma única administração
os pacientes: freqüentemente, ao se dizer que rápidas (lispro ou aspart), a dose total pode desse hormônio ao dia podem funcionar, mas
a criança tem DM, vem à mente a imagem de ser administrada imediatamente antes da acreditamos que tal procedimento acelere
alguém cego, em diálise e com um membro refeição (como veremos a seguir, em alguns a exaustão das ilhotas e que, desde o início,
amputado. Evidentemente essa carga nega- casos podemos administrá-la após a refeição), pelo menos duas administrações de insulina
tiva deve ser atenuada, pois, com um trata- ou, se dispusermos de insulina R, 30 minutos ao dia são recomendáveis. Na verdade, esse
mento adequado, sabemos que se reduzem antes da refeição; tem sido o tratamento padrão do DM há mui-
bastante as possibilidades dessas ocorrências.  programa regular de atividade física, que to tempo. Se a opção inicial for duas doses ao
Essa orientação inicial faz com que o paciente tanto auxilia no aspecto emocional como pro- dia, poderemos administrar a primeira dose
e seus familiares entendam os objetivos do picia bem-estar físico e melhora do equilíbrio de insulina N pela manhã, antes do desjejum,
tratamento, o que se pretende com os esque- metabólico. Durante a atividade física, um associada ou não a insulina R ou lispro/aspart,
mas propostos e como podemos monitorizar paciente adequadamente insulinizado reduz e a segunda dose antes de dormir, um esque-
os resultados obtidos. Essa primeira orienta- seus níveis glicêmicos graças à facilitação da ma conhecido e aplicado há bastante tempo
ção deve permitir que o paciente e/ou seus fa- entrada de glicose na célula muscular. No en- (D)(11, 12). Nesse aspecto, por muito tempo
miliares sejam capazes de administrar insulina tanto não devemos esquecer que exercício acreditou-se que a administração de insulina
adequadamente, monitorizar os níveis glicê- físico não substitui insulina, ou seja, se um N deveria ser feita antes do jantar, supondo-se
micos e/ou monitorar glicosúrias e cetonúrias, paciente diabético está com seu nível glicê- que o pico de insulinemia ocorreria no café da
reconhecer sinais e sintomas de hipoglicemia mico elevado, não adianta colocá-lo a praticar manhã. O que ocorre, no entanto, é que doses
e agir para normalizar a situação. Preencher atividade física porque, como ele não está de insulina N dadas antes do jantar freqüen-
esses requisitos é a condição para o tratamen- adequadamente insulinizado, sua glicemia temente fazem seu pico no meio da noite,
to domiciliar do DM; subirá ainda mais. A paciente mal controlado com risco de hipoglicemia, e, de certa forma,
 orientação alimentar – não há requisição desaconselha-se atividade física até que se estamos contrariando a fisiologia normal de
nutricional específica para a criança diabética, obtenha controle glicêmico mais adequado. produção de insulina, em que na primeira
a não ser aquela requerida para crescimento A Associação Americana de Diabetes (ADA) metade da noite os níveis de insulinemia são
e desenvolvimento adequados. Portanto a contra-indica atividade física a paciente dia- mais baixos, elevando-se na segunda metade
palavra dieta, que traz consigo um sentido bético de qualquer idade com glicemia supe- (fenômeno do alvorecer).
de proibição, deve ser abolida. O plano ali- rior a 250mg/dl (D)(9). Com relação às necessidades diárias de
mentar implica que se evitem açúcares refi- O exercício físico pode aumentar a inci- insulina, há variabilidade entre os pacientes,
nados, de absorção rápida, e se institua uma dência de hipoglicemia sem sintomas clíni- mas podemos tomar alguns dados como base
alimentação equilibrada do ponto de vista cos (hypoglycemia unawareness). Parece que de início da terapêutica e ajustá-la baseando-
de conteúdo de hidratos de carbono (50% a liberação de cortisol durante o exercício nos na monitorização glicêmica. No início do
a 60%), proteínas (15%) e gorduras (30%), o físico bloqueia a resposta neuroendócrina quadro de DM, a necessidade diária de insuli-
que acaba propiciando uma alimentação de à hipoglicemia (A)(10). Nesses casos, devido à na está em torno de 0,8U/kg. Após a estabili-
alta qualidade e que deveria ser consumida relativa imprevisibilidade da prática de exer- zação inicial, devido a uma produção residual
por todos, diabéticos ou não, já que é muito cícios físicos, o paciente deve ser orientado a de insulina pela célula beta pancreática, essa
mais saudável que a maioria dos esquemas reduzir sua dose de insulina antecedendo um necessidade pode reduzir-se a 0,4-0,6U/kg/
alimentares consumidos por nossas crianças programa de atividade física; dia. Ao final do primeiro ano de DM, em geral
não-diabéticas. A ingestão calórica segue a  insulinoterapia – vários têm sido os esque- estamos precisando de 1U/kg/dia e, na pu-
regra de Holiday: mas de administração de insulina, e cada um berdade, um novo aumento da necessidade,
– 100kcal/kg até 10kg de peso corpóreo; deles tem a sua lógica particular, de modo graças à ação de hormônios sexuais (con-
– 1.000 + (kg-10) x 50 em crianças com massa que faremos uma exposição do que conside- tra-reguladores e antagonistas da ação da
entre 10 e 20 kg; ramos básico para o controle, mas deixamos insulina), pode levar a dose diária a 1,5U/kg.
– 1.500+ (kg-20) x 20 em crianças com mais claro que os esquemas devem ser adaptados Passada a puberdade, novo declínio tende a
de 20kg. à vida do paciente, e não o oposto: adaptar o ocorrer (D)(13).
Um aumento de 10% a 20% no cálculo paciente ao nosso esquema preferido de ad-
calórico é justificado se a atividade física for ministração de insulina. Otimizar o controle
mais intensa. Estimula-se o consumo de fibras glicêmico através de um esquema aceitável 2.2. Esquema de múltiplas injeções diárias
através da ingestão de legumes, vegetais e para a criança e para a família, sem elevar em de insulina
frutas (D)(4). demasia os riscos de hipoglicemia e de ganho
A contagem de carboidratos oferece um de peso, constitui-se num notável desafio Nesse esquema, pode-se utilizar insulina
resultado bastante objetivo e facilita o cálculo para todos que lidam com crianças e adoles- R (regular) 30 minutos antes de cada refeição
da dose de insulina a ser administrada ante- centes diabéticos. ou lispro/aspart imediatamente antes e insu-

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2006 Diretrizes sbd

lina N à noite, antes de dormir, o que implica de insulina N por dia ou uma insulina do tipo única insulina utilizada é a ultra-rápida (lispro
quatro a cinco administrações ao dia. Por um glargina/detemir. ou aspart).
lado, esse esquema permite maior flexibilida- Com relação às curvas de absorção de Apesar de grandes variações individuais
de alimentar, mas, por outro, implica um nú- insulina, há uma notável variação individual, e da necessidade de ajustes, podemos supor
mero elevado de injeções, nem sempre com dependendo do local de aplicação, da dose que 50% da dose diária total de insulina sejam
boa aderência por parte do paciente. aplicada (doses maiores duram mais tempo) e necessários para o basal e os outros 50% são
Uma outra opção é o uso de duas doses do tipo de insulina utilizado. Se teoricamente divididos antes de cada refeição, constituin-
de N (manhã e ao dormir) e doses de R ou achamos que uma determinada preparação do-se nos bolos que visam a evitar as excur-
lispro/aspart antes do almoço e do jantar. insulínica dura 5 horas (insulina R), dependen- sões glicêmicas pós-prandiais.
Eventualmente, pode-se misturar R ou lispro/ do do local de aplicação e da atividade mus- Num estudo de Doyle et al. com 32 pa-
aspart com N no desjejum. Em certos casos, cular na região de aplicação, pode ocorrer que cientes DM1 de 8 a 21 anos de idade, glargina
pode-se aumentar o número de doses de N esse tempo seja muito modificado: o local de em uma administração diária + aspart antes
para três ou quatro ao dia, tentando dar um absorção mais rápida é o abdome, seguido de café da manhã, almoço e jantar foi compa-
basal mais constante de insulina. Deve-se ter por braço, coxa e nádegas. Uma injeção reali- rada à CSII. Houve redução de 8,1% para 7,2%
sempre presente, no entanto, que não é o nú- zada na coxa seguida de esforço físico que im- na hemoglobina glicada após 16 semanas de
mero de aplicações de insulina que determina plique os músculos da coxa (jogar futebol, por tratamento no grupo CSII, enquanto não hou-
um melhor ou pior controle metabólico, mas exemplo) fará com que a curva de absorção ve mudança estatisticamente significante no
a maneira como os dados são interpretados se abrevie e o pico ocorra em tempo anterior grupo glargina (B)(20).
e as correções são feitas nos esquemas ins- ao teórico, e a duração total de ação daquela Quando comparamos o esquema de MDI
tituídos. Nosso objetivo é um bom controle dose de insulina se encurta. Um programa de com CSII utilizando monitorização glicêmica
metabólico, e não um número cabalístico de rotação do local de aplicação pode manter as com sensor de glicose (continuous glucose
injeções de insulina ao dia. Há estudos mos- curvas de absorção mais constantes e permi- monitoring system [CGMS]), verificamos uma
trando que não há associação entre o número tir que conclusões mais seguras com relação à leve vantagem do CSII em atingir os alvos gli-
de injeções diárias de insulina e a hemoglobi- eficácia das doses sejam obtidas. Não injetar cêmicos, principalmente antes das refeições,
na glicada (B)(14). insulina em áreas cicatriciais, lembrar que a combinado a uma redução de hipoglicemias.
Com a disponibilidade de insulinas sem temperatura ambiente pode afetar a circu- Esse fato é altamente relevante, levando-se
pico (glargina/detemir), uma dose diária lação e, portanto, a absorção, manter uma em conta que, em crianças, a hipoglicemia
(eventualmente duas) constitui o basal de distância de pelo menos dois dedos (2,5cm) pode ser um fator limitante para o tratamento
insulina, com lipro/aspart antes de cada re- entre um sítio de injeção e outro são detalhes intensivo (A)(13, 21, 22).
feição ou, em caso de imprevisibilidade de que podem influenciar os resultados glicêmi- O uso de bombas de infusão de insulina
ingestão alimentar (comum em crianças), cos do paciente (D)(18). (CSII) tem se mostrado eficiente em crianças
imediatamente após a refeição. Apesar de as pré-escolares, escolares e em adolescentes.
insulinas glargina e detemir apresentarem Num estudo de crianças de 1 a 6 anos de ida-
curvas de absorção muito semelhantes, um 2.3. Tratamento intensivo do DM1 de procurou-se avaliar, em 15 crianças, quan-
pequeno detalhe deve ser lembrado: na dete- to era factível e o quanto havia de melhora
mir há uma cadeia lateral de ácido graxo que O tratamento intensivo do DM1 consiste nos controles glicêmicos com a CSII. Em todos
promove a formação de hexâmeros no sítio em múltiplas doses de insulina (MDI), com os pacientes, o uso de bomba melhorou a
de injeção, retardando a absorção. A ligação à monitorização freqüente dos níveis glicêmi- qualidade de vida e mostrou-se factível e se-
albumina fica aumentada, prolongando ainda cos e mudanças no esquema de acordo com guro, levando os autores a considerarem essa
mais a sua ação, mas resulta numa menor dis- os resultados da monitorização. Podemos modalidade terapêutica opcional para esse
ponibilidade molar, indicando que as doses instituir o tratamento intensivo com o uso grupo de pacientes (B)(23). Quanto aos resulta-
devem ser cerca de 20% superiores às de N de MDI, em geral associando uma insulina de dos, há estudos mostrando que os controles
usadas previamente (A)(15, 16). Por outro lado, ação intermediária (N ou L) a outra de ação ul- não são melhores do que o uso de múltiplas
parece haver menor variação intra-individual tra-rápida (lispro ou aspart) às refeições. Com doses de insulina, em pré-escolares, de modo
com o uso de detemir em comparação com a as insulinas sem pico (glargina e detemir), o que a indicação deve ser feita levando-se em
insulina glargina e a insulina N (A)(17). basal pode ser obtido com uma ou duas in- conta as preferências do paciente e da família,
Qualquer que seja o esquema escolhi- jeções diárias, sempre associadas ao uso de e não como um meio de melhorar os contro-
do, no entanto, deve ficar claro que o que se insulina ultra-rápida às refeições. Parece haver les glicêmicos (A)(24). Já em pacientes de mais
pretende é manter o paciente insulinizado o vantagem em se fazer o basal de insulina com idade, incluindo adolescentes, o uso de CSII
tempo todo. Quando se trabalha com insuli- uma preparação sem pico (tipo glargina) em melhorou os controles glicêmicos, reduziu
na lispro/aspart, a duração de ação é menor relação à N (A)(19). Alternativamente, podemos a freqüência de hipoglicemias e melhorou a
(3h), de modo que há maior probabilidade instituir o tratamento intensivo com o uso de qualidade de vida (B)(25).
de períodos de subinsulinização no caso de bombas de infusão de insulina (continuous Os alvos glicêmicos podem ser assim es-
não se fornecerem pelo menos duas doses subcutaneous insulin infusion [CSII]), em que a tabelecidos: 80-150mg/dl antes das refeições

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Diretrizes sbd 2006

e antes de dormir, e 2 horas após as refeições, ser avaliado individualmente e, muitas vezes, nível na forma de pré-mistura. Também há
de 120 a 180mg/dl (A)(22). Quanto à hemoglo- crianças muito imprevisíveis na sua alimenta- variações nas proporções utilizadas em cada
bina glicada, a Sociedade Internacional para ção beneficiam-se do uso pós-prandial. refeição, de modo que, em nosso serviço, da-
Diabetes Pediátrico e do Adolescente (ISPAD) mos preferência às misturas feitas na própria
recomenda que seja inferior a 7,6% (D)(21). seringa, utilizando a proporção desejada para
2.5. Pré-misturas: quando usar? aquele momento da administração.

2.4. Insulina ultra-rápida antes ou após a Quando temos um paciente diabético es-
refeição? tabilizado nas suas necessidades de insulina, 2.6. Insulina inalada: quando?
em que não há necessidade de grandes varia-
Especialmente em crianças pequenas, há ções nas proporções de insulinas de ação in- Já são disponíveis dados sobre o uso de
grande imprevisibilidade na quantidade de termediária (N ou L) e ultra-rápidas (lispro ou insulina inalada em adultos diabéticos, e não
alimento ingerido em cada refeição, o que aspart), o uso de pré-misturas passa a ser mais há diferença na hemoglobina glicada e nas ex-
torna o uso de insulinas de ação rápida no prático, havendo no mercado várias combina- cursões glicêmicas pós-prandiais quando em
pré-prandial motivo de preocupação sempre ções de misturas, sempre com a maior parte comparação com a insulina subcutânea (B)(27).
que a criança não consumir o que foi calcula- de N e a menor proporção de R (90:10; 80:20; No entanto a cinética pulmonar da insulina
do para aquela dose de insulina. Dessa forma, 70:30 e assim por diante). Há pré-misturas inalada em seres humanos precisa ser mais
em algumas situações é mais seguro adminis- utilizando as insulinas ultra-rápidas (Novomix bem conhecida (A)(28). O uso em crianças não
trar-se insulina ultra-rápida após a refeição, 30® – 30 unidades de aspart para 70 unidades está ainda autorizado, de modo que devemos
quando já sabemos efetivamente o quanto a de N; Humalog Mix 25® – 25 unidades de lis- aguardar mais resultados com a administração
criança ingeriu. Jovanovic estudou o perfil gli- pro para 75 unidades de N). em adultos para se ter a eventual perspectiva
cêmico quando a insulina aspart era dada an- No entanto não é incomum necessitar- de se poder reduzir o número de injeções nas
tes ou logo após a refeição e concluiu que era mos de combinações diversas das disponíveis nossas crianças diabéticas, o que seria extre-
melhor quando a administração era feita antes no mercado e, às vezes, usamos mais insulina mamente importante e muito facilitaria a ade-
da refeição (B)(26). No entanto cada caso deve ultra-rápida do que N, o que nem é dispo- rência aos esquemas terapêuticos.

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Diretrizes sbd 2006

Alvos no controle clínico


e metabólico de crianças
e adolescentes com
diabetes mellitus tipo 1

1. Introdução basearam-se na crença de que o período pré-


puberal seria uma época na qual os efeitos da-
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é a segun- nosos do DM não se fariam sentir na micro ou
da doença crônica mais freqüente da infância, na macrovasculatura. A grande preocupação
menos prevalente apenas que a asma(1). O consistia em evitar hipoglicemias, com exces-
desarranjo metabólico causado pela doença siva liberalidade no controle, o que levava a
e a complexidade do tratamento, incluindo prejuízo no crescimento e no desenvolvimen-
insulinização, plano alimentar, plano de exer- to. No entanto, mais recentemente, diversos
cícios, automonitorização e educação sobre a trabalhos vêm mostrando a importância do
doença, tornam-se desafios nessa faixa etária. controle nesse período, para evitar o surgi-
O impacto da doença sobre um organismo em mento de complicações precoces (B, 2)(5, 6).
formação deve ser levado em consideração O Diabetes Control and Complicatons
em todos os aspectos do tratamento. Os ob- Trial (DCCT)(6) demonstrou inequivocamente
jetivos não devem incluir apenas o bom con- a relação entre controle glicêmico e desen-
trole da doença, mas um plano que permita volvimento de complicações microvasculares,
tornando-se um marco que definiu mudanças
crescimento e desenvolvimento adequados,
nos objetivos de controle em adultos (A, 1).
evitando seqüelas neurológicas e proporcio-
No entanto, o DCCT não envolveu crianças,
nando um ambiente emocional saudável para
sendo o grupo mais jovem o de adolescentes
o amadurecimento das crianças(2).
entre 13 e 17 anos. Esse grupo apresentou
Crianças são habitualmente excluídas de
menor redução de hemoglobina glicada no
ensaios clínicos randomizados, e até agora
grupo de tratamento intensivo, quando com-
várias questões relacionadas ao tratamento
parado ao convencional, porém demonstrou
do DM1 nessa faixa etária carecem de evi-
uma redução no desenvolvimento de com-
dências claras para definição de diretrizes. A
plicações similar à dos adultos. Esse benefício
maioria das recomendações para tratamento
foi acompanhado por uma maior taxa de hi-
em crianças deriva de ensaios clínicos reali-
poglicemia nos adolescentes. A extrapolação
zados em adultos ou de consensos de espe-
dos dados do DCCT para crianças em idade
cialistas(3, 4).
pré-puberal esbarra em alguns problemas,
sendo o principal entrave para o controle o
grande risco de hipoglicemia em crianças e
2. Controle glicêmico suas possíveis conseqüências nas funções
neurocognitivas(7).
Por muito tempo os objetivos do trata- Portanto as recomendações atuais de
mento do DM1 em crianças e adolescentes controle glicêmico devem ser adequadas por

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2006 Diretrizes sbd

faixa etária, visando o melhor controle possí- Tabela – Objetivos glicêmicos e de hemoglobina glicada por idade
vel balanceado com o menor risco de hipo-
glicemia, conforme a Tabela(8). Os objetivos Idade Pré-prandial (mg/dl) Pós-prandial (mg/dl) Hemoglobina glicada (%)
devem ser ajustados individualmente, poden- < 6 anos 100-180 110-200 < 8,5 (> 7,5)
do ser aumentados em crianças com hipogli- 6-12 anos 90-180 100-180 <8
cemias recorrentes ou assintomáticas. As me-
didas pós-prandiais são indicadas quando há 13-19 anos 90-130 90-150 < 7-7,5
uma disparidade entre hemoglobina glicada
e controle pré-prandial (B, 3).
ou 150ml de refrigerante comum. Nos casos A adequação do plano alimentar deve ser
moderados a graves com cefaléia, dor abdo- feita em função do crescimento e do desen-
minal, agressividade, visão turva, confusão, volvimento acompanhados de peso e altura.
3. Hipoglicemia
tonteira, dificuldade para falar ou midríase De forma semelhante, ajustes devem ser fei-
deve-se oferecer imediatamente 30g de car- tos em função do índice de massa corporal
O limiar para definição de hipoglicemia
boidrato (açúcar ou glicose) por via oral. Se o (IMC), com restrição calórica se houver evolu-
varia bastante na literatura, mas em geral é
paciente estiver inconsciente ou apresentan- ção para sobrepeso(8).
utilizado o nível de 50mg/dl como número
consensual, visto que glicemias abaixo desse do convulsões o tratamento extra-hospitalar
valor estão associadas a sintomas de hipo- de escolha é o glucagon na dose de 0,5mg
glicemia e prejuízo da função cerebral(9). Em subcutâneo em menores de 5 anos, e 1mg em 5. Crescimento e
crianças a deterioração da função cerebral já maiores de 5 anos, podendo ser repetido em
dez minutos se não houver resposta. O trata- desenvolvimento
pode ser observada em valores menores que
60mg/dl(10). mento hospitalar consiste em infusão venosa
de glicose 0,3-0,5mg/kg, seguido por glicose Peso e altura devem ser avaliados em
Não há estudos bem controlados de- toda consulta, e seus valores, plotados nos
monstrando quais valores de glicemia ou qual IV de manutenção(16).
gráficos apropriados(21), bem como calculado
freqüência de episódios estariam associados o IMC. Diminuição do crescimento, apesar de
a seqüelas, mas todas essas alterações pare- controle metabólico satisfatório, deve indicar
cem estar relacionadas a episódios graves 4. Nutrição avaliação da função tireoidiana e rastreio de
com convulsão, ou repetidos, incidindo numa doença celíaca.
idade mais precoce. Pacientes de maior risco As recomendações nutricionais para
para comprometimento cognitivo são aque- crianças e adolescentes diabéticos seguem
les diagnosticados antes dos 6 anos de vida, as necessidades de crianças e adolescentes
que apresentam deficiências principalmente em geral(17). Não há estudos específicos para 6. Imunizações
em testes de memória verbal e visuoespa- pacientes diabéticos, mas o foco da alimenta-
cial. A performance acadêmica parece estar ção deve ser atingir os objetivos glicêmicos, Não há contra-indicação a nenhum tipo de
comprometida em pacientes pouco tempo evitando hipoglicemia. Há diversas recomen- vacina presente no calendário vacinal oficial.
depois do diagnóstico, com piora progressiva dações da Associação Americana de Diabetes Entre as vacinas especiais, a vacinação antiin-
do desempenho, parecendo atingir um platô (ADA) em relação à nutrição de pacientes dia- fluenza é recomendada para crianças diabéti-
na adolescência(11-15). Outros fatores de risco béticos em geral (B, 4)(18, 19). cas (B, 4)(22, 23).
para hipoglicemia, além da idade, são história Existem evidências em adultos de que a
prévia de hipoglicemia grave, doses mais altas quantidade de carboidrato ingerida numa
de insulina, níveis menores de hemoglobina refeição é mais importante do que a fonte 7. Perfil lipídico
glicada, maior duração da doença e sexo mas- ou o tipo de carboidrato na determinação
culino (B, 3)(10). da glicemia pós-prandial e, conseqüente- Existem poucos trabalhos estudando a
Diante de um paciente hipoglicêmico, a mente, na dose de insulina necessária, e relação entre níveis de colesterol em crianças
conduta vai depender da gravidade do epi- que há maior satisfação e melhor controle e desenvolvimento de doença cardiovascular
sódio. Hipoglicemias leves (caracterizadas glicêmico com o uso de dieta por contagem no futuro, mas há evidências epidemiológi-
por fome, tremor, nervosismo, ansiedade, de carboidratos e ajuste da dose de insulina cas e experimentais de que existe um risco
sudorese, palidez, taquicardia, déficit de aten- por refeição(19). Para crianças ainda não há alto(24). Diabetes é um fator de risco isolado
ção e comprometimento cognitivo leve) ou estudos semelhantes, mas a possibilidade de para desenvolvimento de doença coronaria-
assintomáticas devem ser tratadas com 15g adequar o apetite a ingestão de carboidratos na em adultos(25, 26) e contribui também para
de carboidrato, preferencialmente glicose. Se e dose de insulina flexibiliza o tratamento, aterosclerose precoce em crianças(27). Portan-
não houver disponibilidade dos tabletes de diminuindo os problemas habituais da irre- to recomendações da Academia Americana
glicose, pode-se utilizar uma colher de sopa gularidade alimentar comumente observada de Pediatria (AAP) para crianças em geral e da
de açúcar ou mel, ou 150ml de suco de laranja nessa faixa etária. Associação Americana de Diabetes (ADA) indi-

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Diretrizes sbd 2006

cam avaliação do lipidograma em crianças pré- lescentes é uma média de pressão sistólica ou  excreção de albumina de 20-200µg/minuto
puberais com mais de dois anos de DM, se a diastólica maior que o percentil 95 para idade em 12h noturnas;
história familiar para doença cardiovascular for e sexo, em três medidas distintas, uma vez  excreção de albumina de 30-300mg/24 ho-
positiva ou desconhecida, e em todas as crian- excluídas outras causas(30). O tratamento deve ras em urina de 24 horas;
ças púberes após controle glicêmico. Níveis incluir intervenção alimentar, exercício, con-  relação albumina/creatinina de 2,5-
limítrofes (LDL = 100-129mg/dl) ou anormais trole de peso. Se não houver eficácia em três 25mg/mmol (spot de urina);
(LDL > 130mg/dl) devem ser repetidos. Se os a seis meses, o tratamento farmacológico está  relação albumina/creatinina de 30-300mg/g
níveis forem normais, pode ser feita reavaliação indicado, sendo a classe de medicamentos de (spot de urina);
a cada cinco anos(27, 28). O tratamento recomen- escolha a dos inibidores da enzima converso-  concentração de albumina de 30-300mg/l
dado é basicamente nutricional, reduzindo gor- ra de angiotensina (IECA). O uso dos IECA é (coleta matinal).
duras saturadas para < 7% das calorias diárias e eficaz e seguro em crianças, mas não existem A avaliação da microalbuminúria deve ser
limitando a ingestão de colesterol a < 200mg/ estudos específicos em DM (B, 3)(7). feita anualmente a partir dos 10 anos de ida-
d. O tratamento medicamentoso está indicado de ou cinco anos de DM.
para níveis de LDL maiores que 160mg/dl. Os Se confirmada a albuminúria e afastadas
medicamentos empregados usualmente são a 9. RASTREAMENTO outras causas de doença renal, deve ser inicia-
colestiramina e o colestipol (B, 4). As estatinas do tratamento com IECA, mesmo com níveis
estão liberadas para uso em crianças maiores
de complicações
normais de pressão arterial (B, 4)(5, 8).
de 10 anos de idade e mostraram segurança e
9.1. Nefropatia
eficácia (A, 2)(29).
A detecção precoce de microalbuminúria 9.2. Retinopatia
visa reduzir a morbimortalidade associada a
8. Pressão arterial doença renal terminal em pacientes com DM. O screening oftalmológico deve ser realiza-
Um consenso de especialistas definiu micro- do anualmente (B, 3-4), porém a idade de início
A hipertensão arterial é uma co-morbida- albuminúria persistente em crianças e adoles- preconizada varia em diferentes recomenda-
de comum do DM, podendo contribuir tanto centes (em pelo menos duas de três amostras ções. A recomendação da ADA propõe rastreio
para lesões micro quanto macrovasculares. A colhidas em dias diferentes) segundo os crité- a partir dos 10 anos de idade ou três a cinco
definição de hipertensão em crianças e ado- rios a seguir(4): anos de DM(7, 8, 31).

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69
Diretrizes sbd 2006

Métodos para monitorar


o tratamento da
hiperglicemia

1. Automonitorização variados, desde a inconveniência do método


até por questões financeiras, a maioria dos
domiciliar das glicemias pacientes não aceita essa rigidez no controle
das glicemias. Talvez no futuro, com métodos
A automonitorização (AM) domiciliar das menos invasivos, a aderência seja bem maior.
glicemias hoje se constitui num procedimen- Como uma forma alternativa, principal-
to altamente eficaz no controle metabólico mente quando o controle do diabetes está
dos pacientes diabéticos. Tanto no diabetes estável, podemos utilizar AM apenas uma a
tipo 1 quanto no tipo 2, a AM é importante duas vezes ao dia, sempre variando os horá-
quando se visa ao bom controle metabólico. rios (oito horários alternativos) e, dessa forma,
Vários glicosímetros estão disponíveis no corrigir as doses de insulina UR e lenta até
mercado, todos altamente confiáveis. obter o controle metabólico desejado. Lem-
Quando usamos o esquema basal/bolo brar que as dosagens das glicemias pré e duas
no tratamento do indivíduo diabético tipo 1, horas pós-prandiais são importantes para que
com insulinas de ação lenta + insulinas ultra- o controle glicêmico seja feito durante todo o
rápidas (UR) pré-prandiais, idealmente seria período das 24 horas.
conveniente que a AM fosse realizada no Nos pacientes que estão sendo tratados
mínimo antes de cada refeição, para que o com bomba de infusão contínua, a AM é im-
paciente corrigisse sua glicemia calculando a prescindível para que haja um bom controle
dose da insulina ultra-rápida. Do ponto de vis- metabólico. Na grávida diabética, bem como
ta prático, cada unidade da insulina ultra-rápi- no diabetes gestacional, a AM se faz extrema-
da baixa a glicemia em torno de 40 a 50mg/dl. mente importante para se obter o bom con-
Nesse esquema basal/bolo, como regra geral trole e, conseqüentemente, evitar as compli-
o paciente toma sua insulina pré-prandial cações para a mãe e o feto.
com base em sua ingesta de carboidratos Os horários mais importantes para a AM
(contagem de carboidratos) + x unidades são jejum, 2 horas após o desjejum, antes do
para baixar sua insulina para 150mg/dl. almoço, 2 horas após o almoço, antes do jan-
Por exemplo, num almoço o paciente tar e duas horas após o jantar, ao deitar e oca-
vai ingerir quatro contagens de carboidrato sionalmente às 3 horas da madrugada para
(seriam quatro unidades da UR), e nesse mo- checar se o paciente não está fazendo hipo
mento sua glicemia se encontra em 250mg/dl ou hiperglicemia nesse horário.
(então ele vai adicionar mais 2Um de UR com A automonitorização no paciente diabéti-
o objetivo de baixar sua glicemia de 250 para co tipo 2 é tão importante quanto no tipo 1,
150mg/dl: 4Um + 2Um = 6Um). pois ela nos mostra o grau de controle das gli-
Infelizmente uma minoria das pessoas cemias pré e pós-prandiais e, ao mesmo tem-
diabéticas se automonitoriza dessa maneira, po, funciona como um fator educativo para o
que logicamente seria a ideal. Por motivos paciente, pois qualquer transgressão alimen-

70
2006 Diretrizes sbd

tar ou omissão de uma refeição se refletirá em Tabela


hiper ou hipoglicemia.
Hemoglobina glicada Glicemia (mg/dl)
O ajuste do tratamento farmacológico
com hipoglicemiantes orais ou insulina, ou 6 135
ambos, será baseado na automonitorização. 7 170
8 205
9 240
1.1. Qual o objetivo a ser alcançado?
10 275
Existem algumas divergências entre a 11 310
Associação Americana de Diabetes (ADA) e 12 345
outras associações, mas, do ponto de vista Figura 1
prático, o ideal é:
 glicemias de jejum entre 90 e 120mg/dl;
 glicemias pré-prandiais até 140mg/dl; 3. Sistema de tâneo, de forma semelhante a uma bomba de
insulina, que é conectado por um cabo a um
 glicemias pós-prandiais até 180mg/dl. monitoramento contínuo aparelho monitor, semelhante a um Holter.
É importante correlacionar a AM com o
aspecto clínico do paciente e com os níveis de da glicose (CGMS) Esse monitor tem a capacidade de gravar na
hemoglobina glicada, pois não é raro que os memória essas médias glicêmicas. O sensor
pacientes tentem burlar seu médico apresen- O CGMS é um sistema desenvolvido como dura em média três a quatro dias, mantendo,
tando glicemias sempre próximas ao normal. ferramenta diagnóstica de auxílio à monitori- nesse período, a capacidade de leitura das gli-
Vale a pena conferir em cada visita clínica, zação glicêmica. Foi aprovado para uso em cemias. Esses dados armazenados são então
além do seu diário, a memória do glicosíme- 1999 pela empresa Medtronic, sendo capaz transferidos para um computador a fim de se
tro, para afastar essa possibilidade. de realizar até 288 medições da glicemia em analisar retrospectivamente a curva glicêmica
Lembrar que em situações especiais, 24 horas (Figura 1). do período e suas relações com a alimenta-
como doenças infecciosas, gripe e fatores Ele funciona medindo a glicemia através ção, a insulinoterapia, o sono e a atividade
emocionais, a AM deverá ser feita mais amiú- da comparação de estímulos elétricos do te- física do paciente, dados esses anotados num
de para evitar descompensação metabólica. cido subcutâneo e sua correlação com a gli- diário pelo próprio paciente. É importante
Existem glicosímetros lançados no mer- cemia capilar da ponta de dedo, fazendo isso ressaltar que o aparelho não confere a medi-
cado cujo sangue pode ser coletado em qual- a cada 10 segundos e registrando uma média ção da glicemia em tempo real.
quer local do corpo (para poupar a ponta do glicêmica a cada 5 minutos, perfazendo, por- Esse método pode ser utilizado toda vez
dedo). Eles são úteis, mas trabalhos mostram tanto, 288 médias glicêmicas ao dia. que o médico sente a necessidade de um
que pode haver uma diferença de até 20% O sistema funciona através da implanta- controle intensivo da glicemia com a finalida-
entre a glicemia da polpa digital e a tirada de ção de um sensor oxidativo no tecido subcu- de de promover ajustes no tratamento e pro-
outro local do corpo como braço, perna, etc.
Figura 2

400
2. Hemoglobina glicada
Hiperglicemia Check
Ao realizarmos a hemoglobina glicada, noturna pós- prandial
300
estamos medindo a média das glicemias do
paciente nos últimos dois a três meses, ou seja, Almoço Jantar
o método testa a eficácia do tratamento. A he- Café da manhã tardio Deitar
moglobina glicada deve ser realizada de rotina 200

em todos os pacientes portadores de diabetes


mellitus desde o início da doença e no mínimo 180
a cada três a quatro meses para saber se o tra-
100
tamento está dentro dos objetivos propostos. xx

A hemoglobina glicada deve ser usada


não só para avaliar o controle dos últimos dois 0
a três meses, mas também para checar a acu-
rácia da automonitorização das glicemias (cor-
3:00 AM 6:00 AM 8:00 AM 12:30 PM 2:00 PM 8:00 PM 10:00 PM
relação entre hemoglobina glicada e glicemias
plasmáticas). Horário do dia

71
Diretrizes sbd 2006

mover adequação do controle glicêmico. Tem Notamos também, no gráfico, que durante demos realizar os ajustes de insulina a fim de
se mostrado útil principalmente em pessoas a madrugada esse paciente apresentava hi- melhorar o controle do paciente e prevenir
diabéticas com tipo 1, pacientes com hipogli- perglicemias seguidas de intensas hipoglice- episódios graves de hipoglicemia.
cemias freqüentes, gestantes e pacientes de mias após as 5 horas da manhã. As setas na Essa ferramenta está disponível no Bra-
difícil controle. Pode ser uma ferramenta útil base do gráfico representam as refeições do sil e pode ser considerada útil para o ajuste
também ao indivíduo diabético tipo 2 e àque- paciente e o símbolo ^, as aplicações de in- da terapia, desde que interpretada correta-
les com quadros hipoglicêmicos de outras sulina. Notamos também que ao não aplicar mente por um médico com experiência. Um
etiologias que não o diabetes (Figura 2). insulina no almoço, ele acabava por fazer hi- novo modelo, denominado Guardian CGMS,
O exemplo citado mostra um paciente perglicemias à tarde e à noite. A aplicação da traz a novidade de sinalizar sonoramente ao
com hemoglobina glicada elevada e apre- insulina do jantar gerava uma hipoglicemia paciente episódios de hipoglicemia e hiper-
sentando flutuações glicêmicas significativas antes de deitar, que obrigava o paciente a se glicemia em tempo real, permitindo a toma-
durante todo o dia. Ao observar o gráfico do alimentar e, com isso, induzir uma hipergli- da imediata de medidas. Esse novo sistema
CGMS, notamos uma nítida relação das hi- cemia durante a madrugada. estará em breve disponível para utilização
perglicemias com os períodos pós-prandiais. Após essas observações detalhadas, pu- no Brasil.

72
2006 Diretrizes sbd

Tratamento da
hipertensão arterial
no diabetes mellitus

1. Introdução respeito à proteção cardiovascular. Isso foi


demonstrado no Antihypertensive and Lipid
Hipertensão arterial e diabetes mellitus Lowering Treatment to Prevent Heart Attack
são condições clínicas que freqüentemente Trial (ALLHAT)(7), que comparou a ocorrência
se associam(1, 2). No diabetes tipo 1, existe evi- de eventos cardiovasculares em três grupos
dente relação entre hipertensão e desenvol- de pacientes tratados com três agentes anti-
vimento de nefropatia diabética, sendo que hipertensivos diferentes. O objetivo do trata-
a primeira raramente ocorre na ausência do mento consistia em reduzir a pressão arterial a
comprometimento renal. A pressão arterial níveis inferiores a 140/90mmHg. Os resultados
tipicamente começa a se elevar, mesmo den- mostraram que, de forma semelhante, tanto o
tro da faixa normal, cerca de três anos após o uso da clortalidona como o da anlodipina e do
início da microalbuminúria(3). Os achados dife- lisinopril resultaram em redução da mortalida-
rem em pacientes com diabetes tipo 2, sendo de por doença arterial coronariana (DAC) e da
que cerca de 40% já se encontram hiperten- ocorrência de infarto do miocárdio não-fatal
sos por ocasião do diagnóstico de diabetes(4). em pacientes diabéticos e não-diabéticos que
apresentavam hipertensão arterial associada a
outros fatores de risco para DCV. A clortalidona,
2. Tratamento entretanto, administrada em doses que varia-
ram de 12,5 até um máximo de 25mg, provo-
O tratamento da hipertensão arterial é cou pequenas alterações nos níveis circulantes
particularmente importante nos pacientes de glicose. Entre os pacientes não-diabéticos
diabéticos, tanto para a prevenção da doença houve uma elevação mais freqüente da glice-
cardiovascular (DCV) quanto para minimizar mia a níveis iguais ou superiores a 126mg no
a progressão da doença renal e da retinopatia grupo clortalidona (11,6%) do que nos grupos
anlodipina (9,8%) e lisinopril (8,1%). Esse efeito
diabética(4, 5). A terapêutica inicial inclui mé-
metabólico adverso não resultou em aumento
todos não-farmacológicos, como redução de
da mortalidade ou morbidade cardiovascular
peso, prática de exercícios físicos, moderação
durante o período de estudo, mas o impacto
no consumo de sal e álcool e abandono do
dessas alterações metabólicas sobre a freqüên-
fumo. Entretanto, por serem pacientes con-
cia de eventos cardiovasculares no longo prazo
siderados de alto risco para eventos cardio-
permanece desconhecido.
vasculares, todos os indivíduos diabéticos
com pressão arterial acima de 130/80mmHg
devem também iniciar o uso de medicação
anti-hipertensiva(6). 4. Inibidores da enzima
conversora da
3. Diuréticos angiotensina
A redução da pressão arterial com a uti- Embora não sejam suficientes como mo-
lização de pequenas doses de um diurético noterapia para controle da pressão arterial,
tiazídico tem se mostrado eficaz no que diz os inibidores da enzima conversora da angio-

73
Diretrizes sbd 2006

tensina (IECA) oferecem um certo número de cardiovascular, dos quais 1.105 eram também de complicações cardiovasculares com o
vantagens como anti-hipertensivos. Não apre- diabéticos(14, 15). O critério de admissão no uso de nisoldipina e anlodipina quando em
sentam efeitos adversos no que diz respeito estudo incluía ocorrência de hipertensão comparação com um IECA(18, 19). Entretanto
ao metabolismo de lípides, podem reduzir os arterial e evidência eletrocardiográfica de acredita-se que as diferenças observadas
níveis séricos de glicose por aumentar a sensi- hipertrofia ventricular esquerda. Nesse entre essas duas classes de agentes anti-
bilidade à insulina(8) e, assim, reduzir a incidên- estudo, em relação ao atenolol, o emprego hipertensivos tenham ocorrido em virtude
cia de desenvolvimento do tipo 2(9). Além disso, do losartan se associou à menor incidência de de maiores benefícios decorrentes do uso
reduzem a progressão da nefropatia diabética diabetes tipo 2 (6% vs. 8%)(14). dos IECA, e não de malefícios causados pela
em indivíduos diabéticos tipo 1(10), sendo pos- No subgrupo de pacientes diabéticos do utilização de BCC. De fato, dois outros ensaios
sível que exerçam o mesmo efeito renoprote- estudo LIFE, após um período médio de 4,7 clínicos de maior importância, o Hypertension
tor em pacientes com diabetes tipo 2. Como anos, o uso de losartan, quando comparado Optimal Treatment Study (HOT)(20) e o Systolic
demonstrado com o ramipril no estudo Heart ao de atenolol, se associou a maior redução Hypertension in Europe Trial (SYST-EUR)(21), não
Outcomes Prevention Evaluation (HOPE), os do desfecho composto, que se constituía na demonstraram evidências de efeitos deletérios
IECA ainda reduzem a incidência de eventos ocorrência de morte cardiovascular, infarto do decorrentes do uso de um diidropiridínico
cardiovasculares em pacientes diabéticos com miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC) de longa duração em pacientes diabéticos.
alto risco cardiovascular(11). Alto risco nesse es- e a redução das mortalidades cardiovascular e Além disso, no ALLHAT, que avaliou também
tudo foi definido como diabetes associado a total(15). Entretanto não existem evidências de pacientes diabéticos, o grupo que foi
pelo menos mais um fator de risco cardiovas- que os benefícios obtidos com o emprego dos tratado com anlodipina apresentou taxas
cular (colesterol sérico total acima de 200mg/ IECA ou dos AAII, observados nos estudos HOPE de mortalidade coronariana e infarto do
dl, HDL-C baixo, hipertensão arterial, microal- e LIFE, possam também ser detectados em miocárdio similares àquelas observadas nos
buminúria ou tabagismo). Embora cause tosse pacientes que não se encontrem em alto risco grupos em uso de clortalidona ou lisinopril(7).
e elevação nos níveis séricos de potássio em para a ocorrência de eventos cardiovasculares. Entretanto, quando foi feita a comparação
pacientes com hipercalemia de base ou insu- No United Kingdom Prospective Diabetes Study com clortalidona, o uso da anlodipina se
ficiência renal, os IECA não apresentam outros (UKPDS), o atenolol e o captopril se mostraram associou a maior taxa de insuficiência cardíaca
efeitos adversos. igualmente eficientes quanto à proteção contra em pacientes diabéticos e em não-diabéticos.
o desenvolvimento das complicações micro
e macrovasculares do diabetes(16), embora se
5. Antagonistas da saiba que o protocolo utilizado não confere 7. Betabloqueadores
ao estudo poder suficiente, do ponto de vista
angiotensina II estatístico, para estabelecer diferenças entre os Embora haja certa preocupação relativa à
dois agentes. possibilidade de mascarar episódios de hipo-
É possível que o uso dos antagonistas
glicemia ou de exacerbar a doença vascular
da angiotensina (AAII) resulte em benefícios
periférica, os betabloqueadores constituem
semelhantes àqueles obtidos com os IECA.
Dois grandes ensaios clínicos, o Ibersartan 6. Bloqueadores dos agentes eficazes para tratamento da hiper-
tensão em pacientes diabéticos. No UKPDS,
Diabetic Nephropathy Trial (IDNT) e o canais de cálcio (BCC) que incluía pacientes com diabetes tipo 2,
Reduction of Endpoints in Non-Insulin-
o atenolol se mostrou tão eficiente quanto
Dependent Diabetes Mellitus with the Os bloqueadores dos canais de cálcio
o captopril no que diz respeito à redução da
Angiotensin II Antagonist Losartan (RENAAL), (BCC) são bastante eficazes no que diz respei-
pressão arterial e à proteção contra o desen-
demonstraram evidente benefício em termos to à redução da pressão arterial e não provo-
volvimento de doença microvascular(4). No
de renoproteção com AAII em pacientes cam alterações no metabolismo de lípides ou
estudo LIFE, entretanto, no subgrupo de pa-
diabéticos tipo 2 com nefropatia(12, 13). Embora carboidratos. Isso se aplica tanto aos diidro-
cientes diabéticos, o uso do losartan resultou
os dois estudos tenham demonstrado redução piridínicos quanto aos não-diidropiridínicos
em maior proteção cardiovascular quando
no número de hospitalizações por insuficiência (diltiazem e verapamil), embora seus efeitos
em comparação com o do atenolol(15).
cardíaca, nenhum deles mostrou redução no longo prazo, quanto à progressão da ne-
significativa na mortalidade cardiovascular fropatia diabética, tenham ainda que ser de-
com o uso desses agentes. Por outro lado, no terminados(17).
Losartan Intervention for Endpoint Reduction Uma certa preocupação quanto ao uso
in Hypertension Study (LIFE), no qual a de BCC da classe dos diidropiridínicos em 8. Objetivos do tratamento
eficácia de um AAII, o losartan, foi comparada pacientes diabéticos surgiu após a realização anti-hipertensivo
à de um betabloqueador, o atenolol, foi de dois ensaios clínicos, o Appropriate Blood
demonstrada maior redução na morbidade e Pressure Control in Diabetes Trial (ABCD) e As evidências indicam que níveis pressó-
na mortalidade cardiovascular com o losartan o Fosinopril vs. Anlodipine Cardiovascular ricos mais baixos que os usuais precisam ser
em um grupo de 9.193 pacientes de alto risco Events Trial (FACET), que sugeriram aumento atingidos para que se obtenha máxima pro-

74
2006 Diretrizes sbd

teção contra o desenvolvimento da doença em pacientes com insuficiência renal e protei- em praticamente todos os pacientes com
cardiovascular e da progressão da nefropatia núria acima de 1 a 2g/dia deve se aproximar hipertensão e diabetes para que se possam
diabética(22-24). Os resultados do estudo HOT de 120/75mmHg(29). atingir os objetivos relativos aos níveis pres-
sugerem que níveis da pressão arterial dias- sóricos. Medicamentos anti-hipertensivos
tólica (PAD) abaixo de 80mmHg se associam usualmente utilizados em combinação nor-
a maior proteção cardiovascular em pacientes malizam os níveis da pressão arterial em
diabéticos e deve ser o objetivo a ser atingido 9. Recomendações mais de 80% dos pacientes(4, 20). Pessoas dia-
nesses pacientes(20). Assim, níveis da pressão béticas com pressão arterial de 130 a 139/80
arterial inferiores a 130/80mmHg devem ser A combinação de vários agentes anti- a 89mmHg em geral requerem também
atingidos em todos os indivíduos com diabe- hipertensivos, na maioria das vezes um diu- medicação anti-hipertensiva para atingir os
tes(4, 20, 25-28), enquanto o objetivo pressórico rético e um IECA ou um AAII, é necessária objetivos pressóricos recomendados.

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76
2006 Diretrizes sbd

Tratamento da
dislipidemia associada ao
diabetes mellitus

1. Prevalência da indivíduos diabéticos, o Heart Protection Study


(HPS)(1) e o Collaborative Atorvastatin Diabetes
Dislipidemia em Diabetes Study (CARDS)(2). O HPS envolveu pouco mais
tipo 2 de 5.960 indivíduos acima de 40 anos apresen-
tando níveis de colesterol total > 135mg/dl. Nos
Pacientes com diabetes tipo 2 (DM2) estão pacientes em uso de sinvastatina na dose de
sujeitos a duas a quatro vezes mais risco para 40mg/dia, houve redução de 22% na taxa de
doenças cardiovasculares (DCV) quando com- eventos vasculares maiores quando em compa-
parados a pacientes não-diabéticos. A doença ração com o grupo placebo, com significância
aterosclerótica, compreendendo doença arte- estatística. Essa redução ocorreu em todos os
rial coronariana (DAC), doença vascular perifé- pacientes diabéticos do grupo em uso de sin-
rica (DVP) e doença cerebrovascular, é respon- vastatina, mesmo naqueles com LDL-C basal
sável por três em cada quatro mortes entre < 116mg/dl e/ou sem doença vascular iden-
pessoas diabéticas tipo 2. As DCVs são respon- tificada. Já o CARDS envolveu pouco mais de
sáveis por 75% das mortes de indivíduos com 2.830 indivíduos diabéticos entre 40 e 75 anos
DM2, com pelo menos 50% por DAC. de idade e sem história de DCV, com níveis de
Pacientes com DM2 são freqüentemente LDL-C < 160mg/dl e triglicérides (TG) < 600mg/
portadores de uma série de fatores de risco dl, além de pelo menos um dos seguintes qua-
para as doenças aterotrombóticas, entre os dros: retinopatia, albuminúria, tabagismo ou
quais a dislipidemia provavelmente exerce o hipertensão. Esse estudo comparou a redução
papel mais importante. O perfil lipídico mais nos eventos macrovasculares em pessoas dia-
comum nesses pacientes consiste em hiper- béticas utilizando atorvastatina 10mg/dia versus
trigliceridemia e baixo HDL-C. A concentração placebo. O término desse estudo foi antecipado
média do LDL-C não apresenta diferenças em dois anos, uma vez que os pacientes em uso
quantitativas quando em comparação com da atorvastatina com seguimento médio de 3,9
pacientes não-diabéticos, no entanto, do pon- anos já apresentavam uma redução de 37% nos
to de vista qualitativo, se distingue por perfil eventos cardiovasculares maiores em relação ao
de elevada aterogenicidade através de maior grupo placebo, diferença estatisticamente signi-
proporção das partículas pequenas e densas ficativa. Vários outros estudos clínicos utilizando
da lipoproteína de baixa densidade (LDL). estatinas têm demonstrado reduções pronun-
ciadas nos eventos macrovasculares.
No tocante aos fibratos, dois estudos se des-
2. Estudos clínicos de tacam na população diabética. Um deles é o Ve-
terans Affairs High-Density Lipoprotein Choles-
redução lipídica em terol Intervention Trial (VA-HIT)(3). Nele, o uso de
pacientes diabéticos genfibrosil foi associado à redução significativa
de 24% nos eventos macrovasculares em pa-
Dois estudos recentes têm sugerido que a cientes diabéticos sem DCV prévia, baixo HDL-C
terapia com estatina pode ser apropriada para (< 40mg/dl) e discreta hipertrigliceridemia.

77
Diretrizes sbd 2006

3. Modificação das No tocante ao LDL-C, as estatinas são os ácido nicotínico e os fibratos podem ser uti-
medicamentos de eleição. De acordo com a lizados, uma vez que aumentam significativa-
lipoproteínas através ADA(8) e o III National Cholesterol Education mente os níveis de HDL-C.
de tratamento Program (NCEP)(9), a terapia farmacológica Em alguns casos a terapia lipídica pode
deve ser iniciada após a modificação compor- ser combinada. Várias opções são disponibi-
não-farmacológico lizadas, como estatina + fibratos, estatinas +
tamental ter sido implementada. Entretanto,
em pacientes diabéticos com DCV clínica e ácido nicotínico, etc., as quais podem de-
Embora existam poucas pesquisas clí-
LDL-C > 100mg/dl, a terapia farmacológica sencadear miosite, embora o risco seja pe-
nicas, estudos observacionais sugerem que
deve ser iniciada concomitantemente à com- queno.
pacientes utilizando dietas saudáveis e ati-
vidade física sistemática apresentam menor portamental. Para pacientes diabéticos sem
perspectiva para eventos cardiovasculares(4,5). DCV prévia, a abordagem farmacológica deve
Perda de peso e incremento de exercícios fí- ser instituída se o LDL-C no basal estiver aci- 5. Agentes redutores de
sicos levarão a redução de triglicérides (TG) e ma de 130mg/dl ou se o objetivo do trata-
mento (LDL-C < 100mg/dl) não for atingido lipídios
elevação do HDL-C.
No plano alimentar, deve-se reduzir a com o tratamento não-farmacológico. Após
o estudo CARDS(2) houve uma modificação A escolha da estatina deve depender do
ingesta de gordura saturada e recomendar julgamento do clínico, bem como de sua ca-
o uso de hidratos de carbono ou gordura no algoritmo estabelecido pela ADA(10), sendo
postuladas as seguintes recomendações: pacidade de levar o paciente diabético aos
monoinsaturada como compensação. Evi- níveis adequados de LDL-C. Deve ser desta-
dências sugerem que a modificação compor-  indivíduos com diabetes sem DCV
– permanece o objetivo primário de LDL-C cado que altas doses de estatinas têm uma
tamental (plano alimentar e atividade física capacidade moderada de reduzir os TGs, com
regular) adequada máxima reduz o LDL-C em < 100mg/dl;
 pessoas diabéticas com DCV prévia – o ob- isso diminuindo a necessidade de se instituir
15-25mg/dl(6). a terapia combinada.
jetivo do LDL-C permanece < 100mg/dl, ten-
do-se a opção de alvo terapêutico de LDL-C Mudanças na terapia devem ser baseadas
< 70mg/dl. em seguimento laboratorial entre quatro e 12
4. Objetivos de No tocante à hipertrigliceridemia, a perda semanas após iniciada a terapia.
tratamento para de peso, a atividade física regular, a redução
da ingesta de carboidratos e o consumo de
controle das
álcool, além da diminuição de consumo de 6. Tratamento de paciente
lipoproteínas e fármacos gorduras saturadas e maior uso de gorduras adulto com Diabetes
a serem utilizados monoinsaturadas, devem compor a terapia
inicial. Em caso de hipertrigliceridemia in- tipo 1
Após a introdução das medidas terapêu- tensa (TG > 100mg/dl), a redução da gordura
em associação com terapia farmacológica é Adultos diabéticos tipo 1 com bom con-
ticas, o perfil lipídico deve ser avaliado a in-
essencial para que se reduza o risco de pan- trole glicêmico tendem a ter níveis normais
tervalos mensais em pacientes com DCV até
se obter os níveis desejados de lipídios. Em creatite. O controle glicêmico rigoroso pode de lipoproteínas, a menos que estejam obe-
pacientes sem doença cardíaca, essa ava- reduzir os níveis de TGs. Depois de atingido sos ou com sobrepeso; nesse caso passando
liação pode ser realizada a cada três a seis o alvo glicêmico adequado e sem o controle a ter perfil lipídico similar aos pacientes com
meses. Uma vez atingidos os níveis deseja- efetivo dos TGs, pode-se considerar o uso de diabetes tipo 2. O perfil lipídico pode ser
dos de lipídios séricos, recomenda-se ana- fármacos. Em indivíduos com TGs entre 200 e anormal, entretanto não se sabe os efeitos em
lisar o perfil lipídico a cada seis a 12 meses. 400mg/dl, a decisão de se iniciar farmacotera- relação à DCV. Esses pacientes devem manter
Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes pia dependerá do julgamento do clínico. Al- como meta o LDL-C < 100mg/dl. O controle
(SBD)(7), o perfil lipídico alvo para a população tas doses de estatinas têm apenas moderada glicêmico adequado é de maior importância
diabética adulta é composto por colesterol capacidade de redução de TGs. Para aqueles no adulto diabético tipo 1 do que no de tipo 2
total < 200mg/dl, LDL-C < 100mg/dl, HDL-C com TGs > 400mg/dl, recomenda-se o seu no tocante à redução de risco para DCV.
> 45mg/dl e TG < 150mg/dl. controle em vista do risco de pancreatite. Os
Segundo recomendações da American medicamentos mais potentes e, portanto,
Diabetes Association (ADA)(8), a ordem de recomendados, são os fibratos e o ácido ni- 7. Recomendações
prioridades para o tratamento da dislipidemia cotínico.
diabética é: No caso de HDL-C, é tarefa difícil sua 7.1. Screening
 redução do LDL-C; elevação sem intervenção farmacológica.
 elevação do HDL-C; Modificações comportamentais, como perda Pacientes diabéticos adultos devem ava-
 diminuição dos TGs; de peso, suspensão do cigarro e incremento liar alterações lipídicas ao diagnóstico e a par-
 controle de hiperlipidemia combinada. da atividade física podem elevar o HDL-C. O tir daí anualmente. Caso necessário, pode-se

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2006 Diretrizes sbd

avaliar com maior freqüência até se atingirem adequado com as mudanças comportamen- usando altas doses de estatina são uma op-
os alvos lipídicos(4). tais devem utilizar o tratamento farmacológi- ção nos pacientes diabéticos com DCV prévia,
co (A, 1). portanto de alto risco (B, 2).
 Para pacientes diabéticos com mais de 40  TGs < 150mg/dl e HDL > 40mg/dl devem ser
7.2. Recomendações de tratamento e alvos anos e sem DCV, com LDL-C > 130mg/dl, a te- os alvos terapêuticos recomendados (B, 2)(2).
lipídicos rapia com estatina é recomendada. O objetivo  Redução de TGs e elevação de HDL-C com
primário é LDL-C < 100mg/dl (A, 1). fibratos estão associadas com diminuição
 Estabelecer modificações comportamen-  Em pacientes diabéticos com menos de 40 de eventos cardiovasculares em pacientes
tais, tais como redução de ingesta de gor- anos e sem DCV, mas com maior risco (presen- com DCV, baixo HDL-C e LDL-C quase normal
dura saturada e de colesterol, implemento ça de outros fatores de risco para DCV ou lon- (A, 1).
de atividade física sistemática, cessar o ga duração de diabetes), o objetivo primário é  Terapia combinada de estatinas + fibratos
cigarro, perda de peso (se indicado). Essas manter LDL-C < 100mg/dl (B, 2). ou estatinas + ácido nicotínico pode ser ne-
medidas se acompanham de melhora do  Pacientes diabéticos com DCV prévia de- cessária para se atingir alvo lipídico, embora
perfil lipídico (A, 1). vem ser tratados com estatina (A, 1). não existam estudos clínicos que comprovem
 Pacientes que não atingirem o perfil lipídico  Alvos menores para o LDL-C (< 70mg/dl) sua eficácia na redução de DCV(4).

Referências
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Diretrizes sbd 2006

Uso de antiagregantes
plaquetários no
tratamento do diabetes
mellitus

1. Introdução risco, como hipertensão, obesidade, dislipide-


mia, tabagismo, etc., como até somatório(4). Os
Embora o diabetes seja um distúrbio me- vários sistemas que mantêm a homeostase,
tabólico, atualmente também é considerado decorrente de um equilíbrio normal, assegu-
uma doença vascular. Trata-se, portanto, de rando uma delicada estabilidade entre fatores
uma síndrome dismetabólica cardiovascular(1). pró-trombóticos e mecanismos fibrinolíticos,
A doença arterial coronariana (DAC) é uma rompem-se no diabetes, atingindo a integrida-
causa importante de óbito nos EUA, e o dia- de e a funcionalidade dos vasos, favorecendo
betes ocupa lugar de destaque, visto que, em um acentuado estado pró-trombótico e le-
cerca de 25% dos pacientes diabéticos, a pri- vando à trombose vascular(5). A agregação es-
meira manifestação de DAC é o infarto de mio- pontânea das plaquetas (AEP) está ausente, ou
cárdio (IM) ou a morte súbita(2). Quando ocorre raramente é observada em indivíduos sadios,
o primeiro infarto, a sobrevida nos indivíduos enquanto está presente em adultos com angi-
diabéticos é bem menor. O diabetes é, pois, um na instável, infarto do miocárdio, diabetes, dis-
equivalente da DAC, pois confere um alto risco lipidemia, estresse emocional e em exercícios
para novo evento coronariano, dentro de dez físicos extenuantes. A aterosclerose acelerada
anos, em razão da freqüente associação com observada nas pessoas diabéticas é atribuída,
os múltiplos fatores de riscos cardiovasculares. em parte, à hiper-reatividade das plaquetas(6).
Além de incapacitação e morte prematura, pe-
las complicações decorrentes de aterosclerose
e trombose vascular, a doença cardiovascular 2. Tratamento
(DCV) no paciente diabético cursa com hos-
pitalização mais prolongada. Indivíduos com Vários ensaios clínicos têm demonstrado
diabetes tipos 1 e 2, homens ou mulheres, têm forte evidência da importância do tratamento
risco aumentado, de duas a quatro vezes, para precoce e agressivo dos múltiplos fatores de
DAC, acidente vascular cerebral (AVC) e doen- risco das DCVs, a fim de reduzir significante-
ça arterial periférica (DAP)(3). A presença de mente a morbidade e a mortalidade de pa-
DAP sintomática é um marcador para doença cientes diabéticos.
aterosclerótica sistêmica e para eventos coro- Além de um tratamento intensivo, visan-
narianos e cerebrovasculares. A prevalência de do à melhoria do estado glicêmico, da pres-
DAP nos pacientes diabéticos em comparação são arterial e dos lípides, recomenda-se o uso
com os não-diabéticos é muito alta, e no idoso de medicamentos que bloqueiam a agrega-
é ainda maior. O risco aumentado de complica- ção plaquetária. Vários agentes antiplaquetá-
ções cardiovasculares no indivíduo diabético rios avaliados são capazes de atuar no estado
não só é independente de outros fatores de pró-trombótico, tanto na prevenção primária

80
2006 Diretrizes sbd

como na secundária. Entretanto menos da tiveram IM, AVC, ataque isquêmico transitório acordo com os autores dos estudos colabo-
metade dos pacientes diabéticos vem tirando ou história de DCV (cirurgia vascular, angio- rativos, baixas doses de aspirina devem ser
proveito do emprego dos antiagregantes pla- plastia, angina, etc.). prescritas na prevenção secundária caso não
quetários, como tem sido recomendado. A redução de eventos vasculares foi de haja contra-indicações, e também na preven-
É geralmente aceito, segundo vários pes- 25% em homens e mulheres, e não menos im- ção primária em indivíduos que têm alto risco
quisadores, que as plaquetas, nos indivíduos portante foi a diminuição do risco em pessoas de eventos cardiovasculares (acima de 40 anos
diabéticos, desempenham importante papel, diabéticas em comparação com as não-diabé- ou com fatores de risco para doenças cardio-
pois são hipersensíveis in vitro aos agentes ticas. Neste estudo a dose de aspirina empre- vasculares)(12). A posição da ADA está resumida
agregantes. O mecanismo mais importante gada variou entre 75 a 325mg diariamente, nos seguintes tópicos:
é o aumento da produção de tromboxano A2 cuja eficácia foi igual à de altas doses(10). Num  apesar das provas da eficácia da aspirina,
(TXA2), que atua como poderoso agregante outro estudo randomizado, o Hypertension ela ainda é subutilizada em pacientes com
plaquetário e vasoconstritor. Alguns desses Optimal Treatment (HOT), o emprego de aspi- diabetes;
antiagregantes têm sido usados para bloquear rina em hipertensos confirma os achados do  riscos da terapia: os maiores riscos com o
a síntese de TXA2, e entre eles se destacam a APT. No estudo HOT, que incluiu indivíduos uso da aspirina são a agressão à mucosa gás-
aspirina, a ticlopidina e o clopidogrel(7). diabéticos, a aspirina reduziu significante- trica e a hemorragia gastrointestinal. A aspiri-
mente os eventos cardiovasculares em 15% e na aumenta o risco de sangramento, mesmo
o IM em 36%(10). em baixa dose. A desintegração entérica não
2.1. Aspirina Em um longo estudo, o Bezafibrate reduz o risco. Sangramentos menores (epista-
Infarction Prevention (BIP), compararam-se os xes, etc.) também estão aumentados. Os ris-
Alguns estudos avaliaram a eficácia da efeitos do tratamento com aspirina em 2.368 cos não dependem da dosagem;
aspirina, em eventos cardiovasculares, em pacientes diabéticos tipo 2 com doença coro-  as contra-indicações incluem alergia, ten-
indivíduos assintomáticos sem história prévia nariana com 8.586 não-diabéticos. Cerca de dência a hemorragias, terapia anticoagulante,
de doença vascular. O estudo randomizado 52% daqueles com diabetes e 56% dos não- sangramento gastrointestinal recente e doen-
para prevenção primária US Physician Health diabéticos usaram aspirina. ça hepática em atividade;
Study, que incluiu médicos com e sem diabe- Após cinco anos de seguimento verifi-  o ETDRS estabelece que a aspirina não foi
tes, teve como objetivo a prevenção primária. cou-se que os benefícios dos tratados com associada com aumento de risco para hemor-
No grupo dos pacientes não-diabéticos reve- aspirina mostrou-se maior em relação aos ragia de vítreo ou retina;
lou uma redução de 44% no risco de IM com o dos não-tratados nos seguintes percentuais:  a aspirina em baixas doses não exerce efeito
emprego de baixas doses de aspirina (325mg em relação à mortalidade entre os pacientes significativo sobre a função renal ou sobre a
em dias alternados) em comparação com o diabéticos e não-diabéticos tratados com as- pressão arterial;
grupo placebo. No subgrupo dos médicos pirina, foi, respectivamente, de 10,9% contra  visto que as plaquetas são altamente sen-
diabéticos houve redução de 4% nos tratados 15,9%. Levando-se em conta todas as causas síveis à ação da aspirina, baixas doses, como
com aspirina contra 10,1% no subgrupo pla- de morte, o percentual foi de 18,4% e 26,2%, 75mg, são tão efetivas quanto as altas na
cebo(8). respectivamente. Os autores concluíram inibição da síntese de tromboxano. Quando
O Early Treatment Diabetic Retinopathy que a significante redução de morte verifi- o turnover das plaquetas é rápido, como é o
Study (ETDRS), direcionado a prevenções pri- cada nos cardíacos e nos pacientes diabéti- caso da doença vascular no paciente diabéti-
mária e secundária nos indivíduos diabéticos cos tipo 2 com DAC está relacionada com o co, a concentração plasmática da aspirina teo-
tipos 1 e 2 entre homens e mulheres, com cerca emprego da aspirina. Os vários autores dos ricamente promove uma constante supressão
de 48% de história positiva para DCV, revelou ensaios clínicos realizados em larga escala em da síntese de tromboxano;
uma queda de 9,1% de eventos cardiovascula- pessoas com diabetes mantêm o ponto de  não há evidências de que a combinação da
res nos usuários de aspirina e de 12,3% nos de vista de que a terapia com aspirina em baixas aspirina com outros antiagregantes plaquetá-
placebo. Neste estudo randomizado, controla- doses, caso não haja contra-indicações, deve rios seja mais eficiente que a aspirina isolada.
do com placebo e de duração de cinco anos, ser prescrita como uma estratégia a ser segui- Como baixas doses de aspirina (75 a 162mg/
empregou-se aspirina na dose de 650mg dia- da tanto na prevenção secundária como na dia) são tão ou mais eficientes que grandes
riamente. Desses pacientes, 30% eram diabéti- primária em indivíduos que apresentam alto doses e têm menores riscos, recomendam-se
cos tipo 1; 84% estavam em uso de insulina e risco para eventos cardiovasculares(11). pequenas doses rotineiramente;
83% tinham diabetes com duração de mais de A Associação Americana de Diabetes  o benefício da aspirina é maior entre aqueles
dez anos. Os exames laboratoriais revelaram (ADA), em seu Position Statement sobre a te- com alto risco (indivíduos acima de 65 anos,
hemoglobina glicada acima de 10% em 42% rapia com aspirina, mostra-se de acordo com com hipertensão diastólica ou com diabetes).
dos pacientes e 36% com níveis de colesterol muitos estudos, entre eles os citados anterior- Estudos com controle mostraram que o uso
maior que 240mg/dl(9). mente, reafirmando que a aspirina bloqueia de uma a seis aspirinas por semana está asso-
Outro estudo importante em que se em- a síntese do tromboxano e deve ser usada ciado a redução de risco de IM em mulheres;
pregou a aspirina foi o Antiplatelet Trialist como estratégia nas prevenções primária e  o uso de aspirina como prevenção primária
Collaboration (APT). Este estudo com metaná- secundária dos eventos cardiovasculares em é recomendado a homens ou mulheres com
lise foi realizado em homens e mulheres que indivíduos não-diabéticos e diabéticos. De diabetes tipo 1, com risco cardiovascular au-

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Diretrizes sbd 2006

mentado, inclusive aqueles acima de 40 anos a ticlopidina houve redução significante em dos agonistas pelos receptores das plaquetas),
de idade ou com fatores de riscos adicionais, eventos vasculares. Em comparação com a que induz à agregação plaquetária. No estudo
como história familiar de DCV, hipertensão, aspirina, não ficou claro que ela seja superior Clopidogrel versus Aspirin in Patients at Risk of
tabagismo, dislipidemia e albuminúria. ou inferior nos seus efeitos. Como eventos co- Ischaemic Events (CAPRIE) (clopidogrel 75mg/
 a terapia com aspirina não deve ser reco- laterais gastrointestinais contam-se dispep- dia vs. Aspirina 325mg/dia), o clopidogrel mos-
mendada a pacientes com menos de 21 anos sia, flatulência, náuseas e vômitos, que são trou-se ligeiramente mais efetivo na redução
(aumento de risco de síndrome de Reye). leves e controláveis. O maior inconveniente de eventos cardíacos. Quanto ao emprego dos
Em casos de contra-indicação do uso da da ticlopidina é o risco de neutropenia, o que inibidores das glicoproteínas (GP IIb-IIIa) pla-
aspirina, outros antiplaquetários podem se obriga a um controle periódico pelo hemo- quetárias após a síndrome coronariana aguda
experimentados, como os a seguir descritos. grama. A dose mais usada é de 250mg duas (SCA) e a intervenção coronariana percutânea
vezes ao dia. (ICP), observou-se grande redução na incidên-
cia de eventos cardíacos adversos. Uma possí-
2.2. Ticlopidina (Plaquetar, Ticlid, vel explicação é que os antagonistas da GP IIb-
Ticlopidina) 2.3. Clopidogrel (Plavix, Iscovert) IIIa abciximab, tirofiban e eptifibatide inibam
a ligação do fibrinogênio nas plaquetas dos
Bloqueia o difosfato de adenosina (ADP), É considerado o substituto da aspirina em pacientes diabéticos(12). O emprego dos inibi-
que induz à agregação plaquetária. Na me- caso de alergia. Ele bloqueia a ativação das pla- dores (GPs), assim como de outras substâncias,
tanálise do estudo APT verificou-se que com quetas pelo ADP (através da inibição da ligação ainda está sendo discutido.

Referências
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82
2006 Diretrizes sbd

Prevenção primária e
secundária da doença
macrovascular no
paciente com diabetes
mellitus

A macroangiopatia diabética, ou doença família. Também mulheres que tenham dado


macrovascular do diabetes, nada mais é do que à luz recém-nascidos com peso igual ou maior
a própria doença aterosclerótica que incide que 4kg e pessoas com glicemia de jejum al-
numa população não-diabética. No paciente terada ou tolerância diminuída à glicose são
com diabetes, contudo, a aterosclerose é mais considerados de alto risco para desenvolver
precoce, mais freqüente e mais grave. A doen- diabetes e doença cardiovascular.
ça cardiovascular é a causa mais freqüente de A prevenção secundária significa o tra-
morbidade e mortalidade nesses pacientes. tamento e o controle adequado da hipergli-
Nos últimos anos o termo diabetes vascular cemia, seja com o uso de agentes orais, seja
tem sido introduzido, principalmente, com o com insulina. Nessa etapa continua sendo
objetivo de chamar a atenção do clínico para a também fundamental a mudança do estilo de
necessidade de, paralelamente ao tratamento vida: perda de peso através de dieta adequa-
da hiperglicemia, desenvolver estratégias de da e implementação da atividade física.
prevenção da doença cardiovascular. Na ver- Tanto na prevenção primária como na se-
dade o melhor tratamento da hiperglicemia é cundária é altamente necessária a cessação do
aquele que pode também propiciar benefícios fumo. Esse fato tem que ser altamente enfati-
na prevenção da doença macrovascular. O tra- zado pelo clínico e incorporado em qualquer
tamento do diabetes corre, portanto, paralelo plano de prevenção de doença cardiovascular.
à prevenção da doença cardiovascular. Recomenda-se o desenvolvimento e a imple-
A prevenção primária da doença macro- mentação de estratégias, tanto dirigidas para
vascular do diabetes implica a prevenção do o paciente durante a consulta médica (acon-
diabetes associada à dos outros fatores de selhamento, orientação e apoio psicológico),
risco de doença cardiovascular freqüente- como também dirigidas à população através
mente associados à doença, como hiperten- de campanhas de esclarecimento da relação
são, dislipidemia, obesidade e sedentarismo. do fumo com doença cardiovascular e outros
Pacientes com risco de desenvolver diabetes, malefícios relacionados.
ou a chamada síndrome metabólica, devem Além da intervenção na mudança do esti-
agressivamente ser orientados e disciplina- lo de vida, que seguramente é a principal me-
dos no sentido de mudança do estilo de vida. dida de prevenção da doença cardiovascular,
Consideram-se pacientes de risco indivíduos tem também sido preconizada a intervenção
acima de 40 anos, com excesso de peso, se- farmacológica. Entre os fármacos recomenda-
dentários e com antecedente de diabetes na dos a aspirina tem sido universalmente aceita.

83
Diretrizes sbd 2006

Diversos estudos encontram-se em an- intervenção precoce com glargina [ORIGIN] exemplo, esse risco o mesmo de uma pessoa
damento com o objetivo de observar se, a com a insulina glargina). Os indivíduos incluí- não-diabética que já tenha tido um evento
longo prazo, a introdução de determinados dos nesses estudos foram pacientes em fases cardíaco.
medicamentos normalmente utilizados para precoces do diabetes. Estudos já completa- Com o objetivo de prevenção de doença
o tratamento do diabetes pode também dos incluem o UK Prospective Diabetes Study macrovascular, o paciente com diabetes tem
prevenir ou diminuir eventos cardiovascu- (UKPDS), que mostrou certo benefício da que ter rigorosamente controlado os seus ní-
lares (Diabetes Reduction Approaches with metformina, e o Study to Prevent No Insulin veis de pressão arterial e de lípides, sendo que
Ramipril and Rosiglitazone Medications Dependent Diabetes Mellitus (STOP-NIDDM), os alvos a serem atingidos são mais exigentes
[DREAM] com a rosiglitazona; Nateglinide que mostrou também benefício da acarbose. que os do indivíduo não-diabético. Além disso,
and Valsartan in Impaired Glucose Tolerance Finalmente, convém salientar que o pa- a perda de peso acoplada à implementação da
Outcomes Research [NAVIGATOR] com a nate- ciente com diabetes possui risco maior em atividade física após avaliação cardiopulmonar
glinida; redução das conseqüências mediante desenvolver doença cardiovascular, sendo, por tem que ser sistematicamente enfatizada.

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2006 Diretrizes sbd

Diagnóstico de isquemia
miocárdica silenciosa no
paciente diabético

1. Diabetes e doença 2. Isquemia silenciosa


cardiovascular
A dor torácica é o sintoma mais im-
portante para o diagnóstico de isquemia
Está muito bem estabelecida a forte asso-
miocárdica, no entanto vários estudos têm
ciação entre diabetes e doença cardiovascular
demonstrado que muitos indivíduos por-
(DCV). Particularmente a doença arterial coro-
tadores de doença aterosclerótica, mesmo
nariana (DAC) tem sido considerada a princi-
quando muito extensa, comprometendo
pal causa de morte entre adultos diabéticos
múltiplas coronárias, não apresentam qua-
(65% a 80%)(1, 2).
dros anginosos(8). A importância prognóstica
O diabetes é considerado um importan-
e a real necessidade de tratamento específi-
te fator de risco para o desenvolvimento de
co desses episódios isquêmicos assintomáti-
doença aterosclerótica, incluindo coronariopa- cos têm sido objeto de muito debate na lite-
tia e doenças cerebrovascular e vascular peri- ratura há muitos anos(9, 10). Foi demonstrado
férica(3). O paciente diabético possui risco duas que a isquemia silenciosa detectada no tes-
a quatro vezes maior de desenvolver eventos te ergométrico ou através do Holter é fator
cardiovasculares do que os não-diabéticos(4). de mau prognóstico, com aumento de três
O diabetes tipo 2 está associado à chama- vezes na mortalidade cardíaca, em compa-
da síndrome metabólica (SM), que inclui, além ração com aqueles que não a apresentam(11).
de resistência à insulina com hiperglicemia, Outros autores mostraram incidência de
obesidade centrípeta, hipertensão arterial 10% a 15% de infartos que se apresentam
(HA), dislipidemia, hiperuricemia, estado de sem sintomas e, ainda, entre muitos sobre-
hipercoagulabilidade, hiper-homocisteine- viventes de parada cardíaca foi detectada
mia e outros distúrbios metabólicos que le- isquemia silenciosa no eletrocardiograma
vam a disfunção endotelial e progressão da (ECG) de esforço(12, 13).
aterosclerose. Alguns fatores prognósticos no A isquemia miocárdica assintomática tem
paciente diabético têm sido apontados como sido atribuída a alguns mecanismos: neuro-
preditores de coronariopatia, como a microal- patia autonômica, variações no limiar de dor,
buminúria e a disautonomia(5). níveis elevados de endorfinas e alteração no
A doença aterosclerótica no indivíduo processamento neural tanto no sistema ner-
diabético apresenta-se de forma mais difusa e voso central quanto no periférico(14).
mais agressiva, levando a pior prognóstico dos Particularmente no paciente diabético,
eventos isquêmicos nesses pacientes. O infarto a explicação mais aceita para a ausência de
agudo do miocárdio (IAM) no paciente diabé- dor anginosa tem sido a neuropatia autonô-
tico freqüentemente é mais extenso, ocasio- mica com prejuízo da percepção da dor em
nando taxas de sobrevida a médio prazo muito decorrência da denervação simpática. A neu-
mais baixas do que nos não-diabéticos(6, 7). ropatia autonômica relacionada ao coração

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Diretrizes sbd 2006

parece ter grande importância prognóstica ção atípica de coronariopatia. No estudo de gia não-cardíaca de maior porte ou cirurgia
nos indivíduos diabéticos, associada a maior Zellweger et al.(16), entre os pacientes com vascular; b) pré-transplante renal; c) avaliação
ocorrência de IAM, óbitos e necessidade de cintilografia miocárdica positiva para isque- cardiológica em indivíduos que vão realizar
revascularização miocárdica, participando mia, 45% deles apresentavam angina e 11% exercícios vigorosos. A investigação de isque-
isoladamente e, principalmente, quando as- respiração curta como único sintoma. mia silenciosa parece ser plenamente justifi-
sociada a isquemia silenciosa diagnosticada A evolução clínica ao longo do tempo cável nos pacientes diabéticos que apresen-
por métodos não-invasivos(5). está muito mais relacionada à presença de tam outros fatores de risco para DAC, como
isquemia ou seqüela de infarto na cintilogra- hipertensão arterial, tabagismo, dislipidemia
fia do que propriamente aos sintomas. A taxa e antecedentes de coronariopatia na família,
anual de eventos coronarianos é semelhante nos indivíduos com doença arterial periféri-
3. Isquemia silenciosa no entre os pacientes com ou sem angina, mas ca (DAP) e, particularmente, naqueles com
paciente diabético é mais alta entre aqueles que manifestam indicadores de doença aterosclerótica, como
desconforto respiratório (respiração curta), microalbuminúria, neuropatia autonômica e
Estudos realizados nas últimas quatro significando que os mesmos podem ter tido retinopatia(21).
décadas têm demonstrado que a ocorrência infartos silenciosos prévios(16).
de isquemia miocárdica assintomática ou
mesmo de IAM sem dor é maior entre os pa-
cientes diabéticos do que entre os não-diabé-
6. Métodos diagnósticos
ticos(12, 15).
5. Diagnóstico
Como não é possível a realização de cine-
A prevalência de isquemia silenciosa em
Pela grande incidência de doença arterial coronariografia em todos os indivíduos diabé-
pacientes diabéticos observada em diferentes
coronária (DAC) nos pacientes diabéticos e a ticos, os métodos não-invasivos de detecção
estudos é alta. As mais altas taxas ocorrem em
baixa freqüência de manifestações clínicas típi- de isquemia miocárdica constituem a forma
idosos, portadores de doença arterial periféri-
cas de isquemia miocárdica, justifica-se a busca mais adequada de diagnóstico de isquemia
ca, retinopatia, microalbuminúria e neuropa-
dessa enfermidade principalmente nos pacien- silenciosa nesse grupo de pacientes.
tia autonômica(16-18).
tes diabéticos tipo 1 de longa duração (além de Como em todo portador de fatores de ris-
Em virtude das diversas metodologias
15 anos) ou que tenham acima de 35 anos e, co para DAC, também no paciente diabético,
utilizadas e de diferentes populações nos
principalmente, nos com diabetes tipo 2 não- o ECG de repouso pode fornecer as primeiras
vários estudos realizados, os que usaram o
insulinodependentes, que constituem uma informações quanto ao diagnóstico de coro-
teste ergométrico ou mesmo os que acres-
população crescente nos dias atuais. nariopatia. Alterações de onda T ou no seg-
centaram o estudo da perfusão miocárdica,
Embora não esteja muito claro se a pre- mento ST podem revelar isquemia miocárdica
como a cintilografia, apresentaram taxas
sença de episódios isquêmicos assintomá- aguda ou crônica, assim como a presença de
muito variáveis de isquemia nos indivíduos
ticos possa ser preditora independente de onda QS ou Qr com onda T negativa revela se-
diabéticos assintomáticos, variando de 4% a
eventos cardíacos maiores, está muito bem qüela de infarto do miocárdio prévio. Assim,
57%(19). Uma das mais importantes diferenças
demonstrado que a isquemia silenciosa em um traçado eletrocardiográfico com as alte-
nas populações incluídas nos estudos que
coronariopatas está associada a maiores mor- rações citadas e que não eram encontradas
podem influir na incidência de isquemia si-
bidade e mortalidade, como citado anterior- em traçados anteriores permite que se faça o
lenciosa é o ECG de repouso. No estudo de
mente(11). Sabe-se também que o prognóstico diagnóstico clínico de DAC no paciente diabé-
Miller et al.(19) foram incluídos pacientes com
está muito mais relacionado à quantidade de tico, que pode ser confirmado pela realização
ECG mostrando ondas Q e alterações de seg-
miocárdio sob risco do que propriamente à de outros métodos não-invasivos ou mesmo
mento ST, enquanto no de Wackers et al. os
quantidade de sintomas. Assim, mesmo na da cinecoronariografia para melhor avaliação
pacientes eram assintomáticos e com ECG
ausência de sintomas, o diagnóstico de mio- da extensão da doença aterosclerótica e me-
totalmente normal. A incidência de isquemia
cárdio isquêmico constitui objetivo de grande lhor planejamento terapêutico.
silenciosa encontrada por Miller foi de 58,6%,
importância diagnóstica e terapêutica(14). O ECG, no entanto, tem utilidade limitada
e por Wackers, 20% a 27%(20).
Apesar de não estarmos certos de que a na DAC crônica, diferentemente do que ocor-
isquemia silenciosa no dia-a-dia do paciente re nas manifestações agudas de isquemia
diabético se constitui em fator de risco inde- miocárdica. No paciente diabético assintomá-
4. Aspectos prognósticos pendente para mortalidade, a pesquisa desse tico essas limitações têm importância ainda
fenômeno nessa população se justifica para maior. Alterações de repolarização não impli-
Tem sido demonstrado que, na presença estabelecer uma estratégia terapêutica de cam obrigatoriamente isquemia miocárdica,
de isquemia miocárdica, os indivíduos com revascularização com o objetivo de reduzir a podendo estar presentes na sobrecarga ven-
diabetes apresentam muito menos sintomas mortalidade e a morbidade(14). Em algumas tricular esquerda, nos distúrbios eletrolíticos
de angina do que os sem a doença. Por outro situações clínicas a pesquisa de isquemia e metabólicos, por ação de medicamentos,
lado, sintomas como desconforto respiratório miocárdica nas pessoas com diabetes parece além de outras situações clínicas. Por outro
ou respiração curta podem ser manifesta- ser indiscutível: a) no pré-operatório de cirur- lado, um traçado eletrocardiográfico normal

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não exclui a presença de lesões obstrutivas número de testes falso-positivos realizados tem variado de 48% a 59%(16, 17, 19). Zellweger
coronarianas(22). em mulheres(26). et al.(16) encontraram evidência de coronario-
Na ausência de alterações definitivas de A aplicabilidade do teste ergométrico patia utilizando a cintilografia de perfusão
coronariopatia no eletrocardiograma de re- para uma investigação inicial de isquemia si- miocárdica em 39% dos pacientes diabéticos
pouso, os testes provocativos de isquemia lenciosa nos indivíduos diabéticos assintomá- assintomáticos, em 51% dos que apresenta-
miocárdica, através do esforço físico ou sob a ticos com outros fatores de risco para DAC foi vam sintomas atípicos (respiração curta) e em
ação de agentes farmacológicos, trazem im- demonstrada por Bacci et al.(27). De um total de 44% dos que apresentavam angina. No estu-
portante contribuição para o diagnóstico de 206 pacientes, 141 (68%) realizaram um teste do de Miller et al., tanto entre os pacientes
isquemia silenciosa. ergométrico diagnóstico, sendo positivo em sintomáticos como entre os assintomáticos,
Podemos, portanto, com razoável segu- 27 deles (19%) e negativo em 114 (81%). Foi a cintilografia foi positiva em torno de 59%.
rança, estabelecer o diagnóstico de corona- realizada cinecoronariografia em 71 pacientes Essa taxa foi maior do que entre os pacientes
riopatia com isquemia silenciosa no paciente (27 com teste positivo e outros 44 seleciona- não-diabéticos com sintomas (46,2%) ou sem
diabético realizando métodos não-invasivos dos com teste negativo). O valor preditivo sintomas (44,4%), com p < 0,001(19).
que, além de fazerem o diagnóstico, podem positivo (79%) foi maior do que o encontrado A cintilografia de perfusão miocárdica
estabelecer o prognóstico em longo prazo em outros estudos. Um importante aspecto tem se mostrado útil não só para o diagnós-
desses pacientes. desse estudo é que aproximadamente 30% tico de isquemia em pessoas diabéticas assin-
dos pacientes não foram capazes de realizar tomáticas como também para a avaliação do
o teste de esforço, indicando a necessidade risco de eventos coronarianos. De Lorenzo et
7. Teste ergométrico de um método de imagem com estresse far- al.(28) demonstraram o valor da cintilografia de
macológico; e, ainda, a maioria daqueles com estresse com MIBI para detecção da isquemia
O ECG de esforço com esteira, por ser um teste falso-negativo apresentava DAP, por- e avaliação do risco de eventos cardíacos em
método de fácil execução, baixo custo, alta tanto com alta probabilidade de DAC, o que 180 pacientes assintomáticos. A cintilografia
reprodutibilidade e de interpretação relati- mostra a importância dos testes de esforço foi positiva em 26% deles, com maior ou me-
vamente fácil, é considerado de escolha para associados à cintilografia de perfusão miocár- nor extensão dos defeitos de perfusão mio-
investigação inicial de doença coronariana, dica ou ao ecocardiograma. cárdica. Diferentemente do que ocorreu com
não só para o diagnóstico como também para os dados clínicos e com os parâmetros do TE,
avaliação prognóstica e definição terapêu- defeitos de perfusão miocárdica na cintilogra-
tica(22, 23). Na ausência de alterações de onda 8. Métodos de imagem fia elevaram o risco de IAM e óbito em cinco
T e segmento ST no ECG de repouso, o teste vezes, sendo que defeitos de maior extensão
ergométrico (TE) apresenta sensibilidade e Não sendo possível a realização de um determinaram aumento de quase 19 vezes o
especificidade suficientemente satisfatórias teste ergométrico convencional por alteração risco de eventos no seguimento médio de três
para uma avaliação inicial no paciente com no ECG de repouso, a mulheres ou pacien- anos.
risco pelo menos intermediário de eventos tes com revascularização miocárdica prévia, Na impossibilidade de realização de es-
isquêmicos miocárdicos, como é o diabético. está indicado o teste de esforço associado à forço físico, a cintilografia de perfusão com
Algumas informações quanto ao diagnóstico cintilografia miocárdica com metoxiisobutil estresse farmacológico é uma excelente al-
e prognóstico desses pacientes incluem o isonitrila (MIBI) ou ao ecocardiograma(23). Na ternativa. Em estudo realizado recentemente
tempo total de exercício, o comportamento impossibilidade de o paciente realizar esforço em nosso meio, ficou bastante claro o valor
da pressão arterial, a freqüência cardíaca em físico, pode-se optar pelos testes de imagem da cintilografia com MIBI-dipiridamol no
resposta ao exercício, além das anormalida- sob estresse farmacológico: cintilografia de diagnóstico de DAC significativa em mulheres
des do segmento ST(23). perfusão miocárdica com MIBI e dipiridamol diabéticas assintomáticas, que constituem
Em algumas situações, a aplicação do TE ou o ecocardiograma com estresse pela do- um grande contingente da população que
é bastante limitada: pacientes submetidos a butamina, associada ou não à atropina. não consegue realizar um teste de esforço
revascularização miocárdica, alterações pré- adequado(29).
vias no ECG de repouso e/ou presença de No estudo de Zellweger et al., mais recen-
bloqueios de ramo. Particularmente em mu- te, que incluiu 1.737 indivíduos diabéticos,
lheres, o TE apresenta sensibilidade e especi-
9. Cintilografia 1.430 foram acompanhados entre um e 8,5
ficidade mais baixas, em torno de 60%(24, 25). miocárdica anos (em média dois anos), com o objetivo
As mulheres têm maior dificuldade para rea- de se verificar a incidência de IAM ou morte
lizar o esforço suficiente para a detecção de A cintilografia de perfusão miocárdi- cardíaca. Ocorreram nesse período 98 des-
isquemia, não atingindo a freqüência cardía- ca multiplanar por emissão de fóton único ses eventos críticos. A taxa anual de eventos
ca adequada para o teste. A DAP, muito fre- (SPECT) tem sido utilizada em diferentes estu- nos assintomáticos foi de 2,2%; naqueles que
qüente no paciente diabético, também é um dos para a detecção de isquemia em pacientes apresentavam angina, 3,2%; e entre os que
fator limitante da capacidade funcional para diabéticos com ou sem sintomas. A prevalên- apresentavam sintomas atípicos foi de 7,7%
um exercício mais efetivo. Há um expressivo cia de testes positivos entre os sintomáticos (p < 0,001). Entre os que apresentavam cin-

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Diretrizes sbd 2006

tilografia positiva, a taxa de eventos críticos cárdio permite a avaliação da viabilidade deveu à maior presença de fatores de risco ou
foi de 3,4% nos assintomáticos, 5,6% nos an- miocárdica e a extensão de um infarto do mesmo coronariopatia já estabelecida nessa
ginosos e 13,2% entre os que apresentavam miocárdio prévio com implicações terapêu- população(36).
sintomas atípicos (p ≤ 0,009)(16). A cintilografia ticas e prognósticas(31).
de perfusão miocárdica adicionou informa- A ecocardiografia bidimensional sob es-
ções à avaliação pré-teste quanto à evolução tresse é um método não-invasivo já muito 11. Considerações finais
dos pacientes. Ficou claro nesse estudo que bem estabelecido para diagnóstico e prog-
a incidência de coronariopatia, evidenciada nóstico de DAC em casos de pacientes assin- Numa população em que a doença ate-
pela presença de isquemia diagnosticada tomáticos com probabilidade intermediária rosclerótica é tão prevalente, parece bastante
pela cintilografia de perfusão miocárdica, é ou alta de serem portadores, sendo mais sen- clara a necessidade de se investigar de modo
igual nos pacientes diabéticos assintomáticos sível e específico que o teste ergométrico(32, 33).
seguro a possibilidade de coronariopatia en-
e naqueles com angina. O prognóstico desses O estresse cardiovascular leva à isquemia mio-
tre as pessoas diabéticas, mesmo quando as-
pacientes com ou sem angina também é o cárdica em regiões supridas por uma coro-
mesmo. No entanto, entre os que apresentam sintomáticos, além de estabelecer o potencial
nária com estenose significativa, causando
sintomas atípicos como desconforto respira- risco de eventos isquêmicos graves.
alteração transitória da contração segmentar.
tório ou respiração curta, é significativamen- Entre os indivíduos diabéticos portadores
O ecocardiograma (ECO) com estresse físico
te pior, com incidência de IAM ou morte até (esteira ou bicicleta ergométrica), ou através de outros fatores de risco para DAC, mesmo
três vezes maior. Nesse grupo a cintilografia de medicamentos (dobutamina, dipiridamol com ECG normal, é recomendável a realiza-
detecta áreas de infartos silenciosos prévios ou adenosina), permite a avaliação de todos ção de um teste não-invasivo provocador de
cicatrizados. os segmentos miocárdicos do ventrículo es- isquemia.
Em estudo também recente, Cosson querdo com grande resolução temporal e O teste ergométrico, pelo fácil acesso da
et al.(30) comparam o teste ergométrico isola- espacial, tornando-se ferramenta valiosa para população a esse tipo de exame, deve ser o
damente e associado à cintilografia em 262 a investigação de isquemia silenciosa no pa- método para investigação inicial de isquemia
indivíduos diabéticos assintomáticos. Naque- ciente diabético. silenciosa, desde que o paciente tenha condi-
les em que um dos testes foi positivo, foi rea- O ECO com estresse pela dobutamina tem ções físicas para realizá-lo e o ECG de repouso
lizada cinecoronariografia. O valor preditivo sido uma ótima opção para o diagnóstico de não apresente alterações que limitem sua in-
para presença de lesão coronariana obstrutiva DAC em pacientes que não apresentam con- terpretação.
crítica foi de 41,9% para o teste ergométrico, dições para realizar um TE ou quando este Nas situações em que não se pode defi-
muito semelhante ao da cintilografia (44,7%), não define adequadamente o diagnóstico. É nir com segurança a presença ou ausência de
subindo para 63,6% quando ambos os testes um método seguro, factível e com boa acurá- isquemia pelo TE, a associação com a cintilo-
foram positivos. Os autores ressaltam a im- cia diagnóstica tanto na população em geral grafia miocárdica de perfusão deve ser reco-
portância prognóstica da associação do TE como nos pacientes diabéticos(34). mendada, lembrando que esse método tem
com a cintilografia. Destaque-se ainda o alto Comparado à cintilografia de perfusão grande poder para a definição prognóstica da
valor preditivo negativo (97%) do TE nesse es- miocárdica com MIBI (SPECT), o ECO com
tudo para a ocorrência de eventos cardíacos, doença coronariana nesta população.
estresse pela dobutamina apresentou de- Aos pacientes que não têm condições
o que leva os autores a recomendar esse mé- sempenho semelhante para o diagnóstico de
todo como escolha inicial na investigação e físicas de realizar um teste de esforço são in-
isquemia em indivíduos diabéticos, com valor
avaliação de isquemia silenciosa no paciente dicados os métodos de imagem com estresse
preditivo positivo de 70%, enquanto que no
diabético. farmacológico (cintilografia de perfusão mio-
TE convencional foi de 60%(35). É importan-
cárdica com MIBI), dipiridamol ou o ECO com
te lembrar no entanto que, mesmo com um
estresse pela dobutamina.
ECO de estresse negativo, entre os pacientes
Confirmada a presença de isquemia silen-
10. Ecocardiograma diabéticos a incidência de eventos coronaria-
nos é maior do que entre os não-diabéticos. ciosa, a realização de uma cinecoronariografia
O ecocardiograma de repouso pode con- No estudo de Kamalesh et al., em 89 pacien- se impõe com o objetivo de se avaliar a exten-
tribuir para o diagnóstico de isquemia mio- tes diabéticos e 144 não-diabéticos com ECO são da doença aterosclerótica e estabelecer o
cárdica ou seqüela de infartos cicatrizados de estresse negativo, no seguimento de 25 melhor planejamento terapêutico.
pela visualização de alterações contráteis meses, o risco de eventos cardíacos foi duas É importante lembrar a necessidade de
regionais no ventrículo esquerdo. Contribui vezes maior, e de infarto não-fatal, quatro ve- uma reavaliação pelo menos anual desses pa-
ainda para a avaliação da função ventricu- zes maior entre os diabéticos do que entre os cientes, uma vez que é freqüente a ocorrência
lar, importante fator prognóstico na doença não-diabéticos. A pior evolução clínica entre de eventos isquêmicos miocárdicos silencio-
coronariana. A análise da espessura do mio- os indivíduos diabéticos provavelmente se sos entre eles.

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89
Diretrizes sbd 2006

Retinopatia diabética

1. Introdução ainda não estão presentes, e desde que o pa-


ciente tenha rápido acesso a tratamento.
A retinopatia diabética é a principal causa O exame periódico e o tratamento da reti-
de cegueira em pessoas em idade produtiva nopatia não eliminam todos os casos de per-
(16 a 64 anos). da visual, mas reduzem consideravelmente o
A doença possui fatores de risco conhe- número de pacientes cegos pela doença. Por
cidos, história natural estabelecida e um pe- essa razão o exame sistemático preventivo e
ríodo assintomático no qual o diagnóstico e o o rápido acesso ao tratamento são conside-
tratamento podem ser realizados. rados prevenção secundária às complicações
Essa complicação tardia é comum nos in- tardias do diabetes.
divíduos diabéticos, sendo encontrada após A classificação da retinopatia diabética
20 anos de doença em mais de 90% das pes- (Tabela 1) foi feita com base na observação
soas com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) e em direta da retina e agrupando as alterações
60% dos de tipo 2 (DM2), muitos com formas relacionadas a sua chance de evolução para
avançadas de retinopatia e ainda assintomá- cegueira. Essas classificações são complexas
ticos. e altamente preditivas em relação à evolução
O risco de perda visual e cegueira é subs- da doença. Elas são usadas em estudos e por
tancialmente reduzido com a detecção preco- especialistas em seu tratamento, sendo uma
ce, em que as alterações irreversíveis na retina nova classificação simplificada e relacionada

Tabela 1 – Classificação da retinopatia diabética


Classificação Significado
Sem retinopatia Não apresenta lesões e deve realizar acompanhamento anual com
oftalmologista
Retinopatia diabética Apresenta lesões com chance de evolução para cegueira baixa. Deve realizar
não-proliferativa leve acompanhamento anual com oftalmologista
Retinopatia diabética Apresenta lesões mais graves, sendo necessário acompanhamento
não-proliferativa oftalmológico com intervalo menor que um ano
moderada
Retinopatia diabética Alta chance de evolução para cegueira, e o tratamento com fotocoagulação
não-proliferativa deve ser considerado
intensa
Retinopatia diabética Alta chance de evolução para cegueira, e o paciente deve ser submetido a
proliferativa fotocoagulação
O estadiamento da maculopatia deve constar na classificação, sendo independente do grau de
retinopatia
Sem maculopatia Não apresenta lesões próximas à mácula. Não necessita de cuidado
adicional
Maculopatia Existem alterações próximas à mácula, mas que não aumentam a chance de
aparentemente perda visual. Não necessita de cuidado adicional
presente
Maculopatia presente As alterações estão próximas à mácula, e se não se realizar fotocoagulação,
independente do estágio da retinopatia, a chance de perda visual é grande

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2006 Diretrizes sbd

à conduta oftalmológica que a equipe mul- epidemiológica do UKPDS demonstrou que, a dilatação das pupilas, devido à miose causa-
tidisciplinar deve tomar, criada por consenso para cada decréscimo de 1% da hemoglobina da após o uso do flash. Tropicamida (0,5%-1%)
durante o Congresso Mundial de Oftalmolo- glicada e de 10mmHg da pressão arterial sis- é usada para esse fim, sendo segura e tendo
gia de 2002. tólica, havia uma diminuição, respectivamen- baixo nível de complicações nessa dosagem.
te, de 37% e 13% do risco de evolução para Estudos de preferências do paciente têm
qualquer complicação microvascular(6, 7). afirmado que a dilatação pupilar reduz a ade-
2. Cuidados gerais Em nenhum dos estudo foi possível es- são ao exame preventivo da retinopatia, devi-
tabelecer um valor de hemoglobina glicada do ao temporário incômodo visual, mas não
O risco de retinopatia diabética aumenta indicativo de ausência de risco de evolução há nenhum trabalho clínico demonstrando
com o mal controle glicêmico e o tempo da para retinopatia diabética. esse fato.
doença. Pessoas com DM1 têm maior risco Contudo indivíduos diabéticos com re- O exame de oftalmoscopia indireta asso-
de desenvolver retinopatia do que diabéticos gular controle glicêmico ainda assim podem ciada a biomicroscopia com lâmpada de fen-
tipo 2. desenvolver retinopatia diabética. O controle da realizado por profissional treinado pode
O controle glicêmico precoce é o maior fa- glicêmico abrupto causa um avanço na reti- ter sensibilidade igual ou superior ao exame
tor de risco isolado de proteção à visão em pa- nopatia em curto prazo, sendo largamente fotográfico, mas com utilidade restrita em lar-
cientes com diabetes. Em pacientes com DM1, compensado pelas benesses em longo prazo. ga escala.
o Diabetes Control and Complications Trial A pressão arterial sistêmica também in- A oftalmoscopia direta, devido à sua gran-
(DCCT) demonstrou que a instituição precoce fluencia na gravidade da retinopatia diabéti- de variação de efetividade, somente é usada
de terapia insulínica intensiva, com obtenção ca, em que o controle pressórico pode causar em casos específicos.
de controle glicêmico adequado, resultou uma diminuição de 13% do risco de cegueira O oftalmoscópio a laser de grande angular
em redução de 76% no risco de surgimento para cada 10mmHg de redução da pressão ainda possui pouca aplicabilidade clínica para
da retinopatia nos pacientes com tratamento sistólica (UKPDS). uso como método diagnóstico 202, apesar de
intensivo e sem sinais dessa complicação no Outros fatores de risco para retinopatia ser promissor para esse fim.
início do estudo, e de 54% nos pacientes que em pessoas com diabetes são microalbumi- Os testes para detecção de retinopatia,
já tinham sinais dessa complicação(1). De ma- assim como suas recomendações, encontram-
núria, proteinúria, níveis de colesterol e trigli-
se na Tabela 2.
neira geral, cada 10% de redução da hemoglo- cérides séricos, anemia e gravidez.
bina glicada correspondeu a uma diminuição
de risco de aparecimento da retinopatia de
35% e de progressão de 39%(2). A continuação
3. Testes de detecção de 4. Encaminhamentos
do DCCT através de um estudo de observação,
o Epidemiology of Diabetes Interventions retinopatia Por ser uma doença, em grande número
and Complications (EDIC), tem demonstrado de pacientes, assintomática até suas formas
persistência dos benefícios da obtenção do A fotografia da retina com dilatação pu- mais graves e pela necessidade de início de
controle glicêmico adequado e precoce na pilar é o mais eficaz método para detecção tratamento antes que alterações irreversíveis
progressão da retinopatia, com diminuição de de larga escala da retinopatia diabética, mas estejam presentes, o encaminhamento do
75% do risco após quatro anos nos pacientes em 3% a 14% das fotografias não é possível indivíduo com diabetes para terapêutica es-
alocados no grupo de terapia insulínica inten- graduar a retinopatia, obtendo-se melhores pecializada tem especial valor.
siva no DCCT. Esse fato foi observado apesar resultados com aparelhos digitais. Retinopatia diabética não-proliferativa
de não haver mais diferença entre os grupos Quanto ao número de campos necessá- grave foi descrita em pacientes com 3,5 anos
terapêuticos (intensivo e convencional) nos rios por exame, está indefinido. Mas, no caso de DM1 pós-puberdade e dois meses após o
níveis de hemoglobina glicada(3). de mais de um campo ser usado, é importante início desta.
Em pacientes com diabetes tipo 2, o UK
Prospective Diabetes Study (UKPDS) também
demonstrou a importância da obtenção de Tabela 2 – Testes de detecção de retinopatia
controle glicêmico adequado com a terapia Graduação Recomendação
intensiva na progressão da retinopatia, com
B2 Fotografia do fundo de olho é um bom método para diagnóstico da retinopatia
uma diminuição do risco de 21% após 12 anos
B2 Oftalmoscopia indireta e biomicroscopia da retina, realizadas por pessoa treinada, são
de seguimento(4).
métodos aceitáveis
Esse estudo também observou que o con-
B2 Dilatar as pupilas com tropicamida, se não houver contra-indicação
trole intensivo da pressão arterial diminiu o
risco de evolução da retinopatia em 47% após B2 Não há evidências que apontem o melhor método diagnóstico para a retinopatia
nove anos de acompanhamento(5). A análise diabética

91
Diretrizes sbd 2006

No caso do DM2, em locais com bom acesso A hemorragia vítrea e o descolamento de


a assistência à saúde, onde as pessoas diabéti- retina levam a baixa de visão súbita e evoluem
cas sobrevivam às complicações cardiovascula- para cegueira irreversível rapidamente.
res, estima-se que 38% dos diabéticos apresen-
tem retinopatia diabética ao diagnóstico.
Apesar desse consenso, os indivíduos com
Tabela 3 – Recomendações para o início do acompanhamento
diabetes sem retinopatia ou em suas formas ini-
Graduação Recomendação
ciais com bom controle glicêmico apresentam
baixo índice de evolução da doença. B2 Diabético tipo 1 deve iniciar o acompanhamento após a puberdade e 5 anos de
O retardo no tratamento com risco de ce- doença
gueira pela retinopatia por mais de dois anos A Diabético tipo 2 deve iniciar o exame dos olhos junto com o diagnóstico do diabetes
pode levar à perda irreversível da visão. Por B1 O intervalo entre os exames é anual, podendo ser menor, dependendo do grau de
essa razão o consenso é de que se realize o retinopatia encontrado, ou maior, de acordo com orientação do oftalmologista
acompanhamento anualmente (Tabela 3). B1 Durante a gravidez os exames devem ser trimestrais
Nas grávidas foi demonstrado que 77,5% B2 Pacientes com queixa de queda de visão devem ser encaminhados para um
delas apresentavam progressão da retino- oftalmologista com urgência
patia, sendo que em 22,5% foi necessário Tratamento com aspirina (Early Treatment of Diabetic Retinopathy Study [ETDRS]), 650mg/dia: não há evidências de que
realizar fotocoagulação. o uso de aspirina interfira na progressão da retinopatia.

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92
2006 Diretrizes sbd

Tratamento da nefropatia
diabética

1. Introdução lidade diária de excreção urinária de albumina


(EUA). A Tabela 1 descreve os pontos de corte
A nefropatia diabética (ND) é uma compli- adotados para caracterizar os estágios da ND
cação crônica do diabetes mellitus (DM) que de acordo com o tipo de coleta de urina.
está associada a importante aumento de mor- A estimativa da taxa de filtração glomeru-
talidade, principalmente relacionado a doen- lar (TFG) deve ser realizada de rotina junto com
ça cardiovascular(1). A ND é a principal causa a medida da albuminúria, pois alguns pacien-
de insuficiência renal crônica em pacientes in- tes com albuminúria normal podem apresen-
gressando em programas de diálise em países tar diminuição da TFG(5-7). Na prática clínica, a
desenvolvidos(2). concentração sérica da creatinina não deve
A presença de pequenas quantidades de ser usada como índice isolado de avaliação de
albumina na urina representa o estágio ini- função renal, e a National Kidney Foundation
cial da ND: microalbuminúria ou nefropatia recomenda a estimativa da TFG por equações
incipiente. O estágio mais avançado da ND é que incluam creatinina, sexo e idade, como na
denominado de macroalbuminúria, proteinú- fórmula disponível on-line: http://www.kidney.
ria ou nefropatia clínica. A prevalência de ma- org/kls/professionals/gfr_calculator.cfm.
croalbuminúria em pacientes com DM tipo 1
(DM1) pode chegar a 40%, e em pacientes com
DM tipo 2 (DM2), varia de 5% a 20%(3). 2. Tratamento da
O diagnóstico de ND pode ser feito utili-
zando-se diferentes tipos de coleta de urina, microalbuminúria e da
mas deve-se iniciar o rastreamento da ND pre- macroalbuminúria
ferencialmente pela medida de albumina em
amostra de urina, devido à acurácia diagnós- Os objetivos do tratamento da ND são
tica e à facilidade desse tipo de coleta(4). Todo promover remissão para normoalbuminúria,
teste de albuminúria anormal deve ser confir- evitar a evolução de microalbuminúria para
mado em duas de três amostras coletadas num macroalbuminúria, desacelerar o declínio da
intervalo de três a seis meses devido à variabi- TFG e prevenir a ocorrência de eventos car-

Tabela 1 – Estágios da nefropatia diabética: valores de albuminúria utilizados para o diagnóstico


de acordo com o tipo de coleta de urina(14, 26, 34, 40)
Tipo de coleta de urina
Estágio Urina com tempo Urina de 24h Amostra
marcado (µg/min) (mg/24h)
Albumina/ Concentração
creatinina (mg/l) (mg/g)

Normoalbuminúria < 20 < 30 < 30 < 17


Microalbuminúria 20 a 199 30 a 299 30 a 299 17 a 173
Macroalbuminúria ≥ 200 ≥ 300* ≥ 300 ≥ 174*
*Valor de proteína total correspondente neste estágio: ≥ 500mg/24h ou ≥ 430mg/l em amostra de urina.

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Diretrizes sbd 2006

diovasculares. As estratégias e metas do trata- tadas independente da TFG e parecem ser se- benéfico na queda da TFG(23-25). A adição de
mento estão descritas na Tabela 2. guras para uso em pacientes com diminuição IECA em pacientes DM1 proteinúricos(26) ou
da função renal. Entretanto, nessa fase da ND, ARA II nos DM2 macroalbuminúricos(27, 28) leva
a produção de insulina endógena é reduzida à diminuição da proteinúria e à perda de fun-
2.1.Controle glicêmico intensificado e em geral os pacientes com DM2 necessitam ção renal (A, 1).
usar insulina para melhorar o controle glicê- Alguns aspectos devem ser observados
O efeito do controle glicêmico intensi- mico. no uso de bloqueadores do SRA. O efeito
ficado sobre a progressão da micro para a antiproteinúrico dos ARA II ocorre precoce-
macroalbuminúria e sobre o declínio da fun- mente, já sete dias após o início do tratamen-
ção renal nos pacientes macroalbuminúrios é 2.2. Controle intensivo da pressão to, persistindo estável depois disso(29). Esse
ainda controverso(8-10). Entretanto, no presen- arterial e bloqueio do sistema efeito é independente da redução na pressão
te momento recomenda-se que ele deva ser renina-angiotensina arterial e é dose-dependente. A administra-
incluído na estratégia de tratamento desses ção de IECA a pacientes proteinúricos com
pacientes, pois alguns estudos evidenciam O tratamento da hipertensão arterial creatinina sérica > 1,4mg/dl pode elevá-la
benefícios (B, 2). De fato, o controle glicêmico sistêmica (HAS), independente do agente em até 30%-35%, estabilizando-se após dois
intensificado associado ao domínio da pres- utilizado, apresenta efeito benéfico sobre meses(30). Nessa situação, os IECA não devem
são arterial em pacientes com DM1 é capaz a progressão da microalbuminúria(17) (A, 1). ser suspensos, pois esse aumento é associado
de reduzir a progressão da ND(11). Também O bloqueio do sistema renina-angiotensina a uma preservação a longo prazo da função
em pacientes com DM2 tem sido demons- (SRA) com agentes inibidores da enzima con- renal. Entretanto maiores elevações de crea-
trado que o controle glicêmico intensificado versora da angiotensina (IECA) ou antago- tinina devem levantar a suspeita de estenose
reduz a conversão de micro para a macroal- nistas do receptor da angiotensina II (ARA II) de artéria renal. Finalmente, a inibição do SRA,
buminúria(12). confere benefício adicional sobre a função especialmente com os IECA, pode aumentar
os níveis de potássio sérico, principalmente
Na escolha do agente oral anti-hipergli- renal, independente da redução da pressão
na presença de insuficiência renal(31). Por essa
cêmico deve ser considerado o grau de fun- arterial(17, 18). Esses medicamentos diminuem a
razão, creatinina e potássio séricos devem ser
ção renal nos pacientes com proteinúria. A EUA e a progressão da microalbuminúria para
avaliados mensalmente nos primeiros dois a
metformina não deve ser utilizada com valo- estágios mais avançados da ND, podendo
três meses do início do uso de IECA ou ARA II.
res de creatinina sérica > 1,2mg/dl devido ao inclusive promover reversão para normoalbu-
Existe ainda a possibilidade do uso com-
risco de acidose lática(13). Sulfoniluréias e seus minúria(19-22). O uso de IECA ou ARA II é reco-
binado de IECA e ARA II (duplo bloqueio do
metabólitos, com exceção da glimepirida, mendado, portanto, para todos os pacientes
SRA), com o objetivo de um efeito aditivo
têm excreção renal e não devem ser utilizados com DM1 e 2 com microalbuminúria, mesmo
sobre a renoproteção. Essa associação parece
em pacientes com perda significativa de fun- que normotensos (A, 1)(4).
ser mais efetiva do que o uso isolado de cada
ção renal(14). A repaglinida(15) e a nateglinida(16) Em pacientes com DM1 proteinúricos, o
medicamento(21, 32). Esse efeito adicional não
apresentam curta duração de ação, são excre- tratamento agressivo da HAS apresenta efeito
foi confirmado em 12 meses durante um es-
tudo com pequeno número de pacientes(33).
Portanto mais estudos a longo prazo são ne-
Tabela 2 – Estratégias e metas para obtenção de proteção renal e cardiovascular em pacientes cessários para avaliar os benefícios da combi-
com nefropatia diabética
nação (B, 2).
Intervenção Metas
Microalbuminúria Macroalbuminúria
IECA e/ou ARA II e dieta Redução da EUA ou reversão Proteinúria o mais baixa 2.3. Estratégias no tratamento anti-
hipoprotéica (0,6-0,8g/kg/dia)* para normoalbuminúria possível ou < 0,5g/24h hipertensivo nos pacientes com ND
Estabilização da TFG Declínio da TFG < 2ml/min/ano
Controle pressórico PA < 130/80 ou < 125/75mm Hg** As recomendações genéricas para os pa-
Controle glicêmico Hemoglobina glicada < 7% cientes diabéticos hipertensos são aplicáveis
Estatinas LDL-C ≤ 100mg/dl# àqueles com ND. Para atingir o alvo de pressão
Ácido acetilsalicílico Prevenção de trombose
arterial recomendado de 130/80mmHg(34) e
125/75mmHg nos pacientes com proteinúria
Suspensão do fumo Prevenção da progressão da aterosclerose
> 1g e aumento da creatinina sérica(35), são
IECA = inibidores da enzima conversorada angiotensina; ARA II= antagonistas do receptor da angiotensina II; TFG =
usualmente necessários três a quatro agen-
taxa de filtração glomerular; PA = pressão arterial; LDL-C = colesterol da lipoproteína de baixa densidade.
*Não comprovado benefício a longo prazo em pacientes microalbuminúricos; **PA < 125/75mmHg: na presença de tes anti-hipertensivos. O tratamento deve ser
creatinina sérica elevada e proteinúria > 1,0g/24 h; #LDL-C < 70mg/dl na presença de doença cardiovascular. iniciado com IECA ou ARA II devido ao conhe-

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2006 Diretrizes sbd

cido efeito nefroprotetor desses fármacos. Os carne vermelha pela de frango na dieta ha- O seu uso não tem qualquer impacto ne-
pacientes com pressão arterial sistólica (PAS) bitual mostrou-se capaz de reduzir a EUA(40), gativo sobre a função renal em pacientes com
20mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) podendo vir a representar uma alternativa DM com micro e macroalbuminúria(46, 47).
10mmHg acima do alvo devem iniciar o tra- terapêutica no tratamento desses pacientes. As doses utilizadas na maioria dos ensaios
tamento com dois agentes anti-hipertensivos. No momento recomenda-se que todo pacien- clínicos variam de 75 a 325mg/dia(45). Entre-
Nesses casos, um IECA ou um ARA II associa- te com ND seja submetido a uma restrição tanto doses baixas de aspirina (100mg/dia)
do a diurético tiazídico em baixa dose (12,5 a protéica moderada (≤ 0,8g/kg/dia) e, se a TFG não parecem ser eficazes na redução de even-
25mg/dia) pode ser utilizado. Àqueles pacien- já estiver reduzida, essa restrição deve ser de tos cardiovasculares em pacientes com DM(48),
tes com a TFG < 30ml/min (creatinina sérica maior magnitude (0,6g/kg/dia) (B, 2)(4). sugerindo uma possível resistência ao medi-
de 2,5-3mg/dl) é indicado o uso de diurético camento nesses pacientes. Portanto suge-
de alça (furosemida)(36). Na presença de efeitos rem-se doses de aspirina > 100-150mg/dia ou
colaterais aos IECA, como tosse, os ARA II são 2.5. Dislipidemia a utilização de outros agentes antiplaquetá-
uma excelente alternativa, sendo os agentes rios, como o clopidogrel(3).
preferidos para os pacientes com DM2 com Nos pacientes com ND, assim como para
hipertrofia ventricular esquerda(36) e/ou micro indivíduos diabéticos em geral, o objetivo de-
ou macroalbuminúria(20, 27, 37). No caso de não sejado do LDL-C é < 100 mg/dl, e na presença 2.8. Intervenção multifatorial
ocorrer redução da albuminúria ou de não de doença cardiovascular (DCV), < 70mg/dl(41).
se alcançarem os níveis alvo de pressão arte- O efeito da diminuição dos lípides séricos Os pacientes com microalbuminúria fre-
rial, o IECA e o ARA II podem ser combinados. com medicamentos hipolipemiantes sobre qüentemente apresentam outros fatores de
Outros agentes anti-hipertensivos adicionais a progressão da ND não é bem conhecido. risco cardiovasculares. Um estudo em pacien-
devem ser utilizados conforme a necessidade. Entretanto existe evidência de que estatinas tes com DM2 demonstrou uma redução de
Os bloqueadores do canal de cálcio (BCC) têm possam reduzir em 25% o declínio da TFG e 66% no risco de desenvolver macroalbuminú-
um efeito adicional na redução dos níveis de eventos cardiovasculares em pacientes com ria e de 55% no risco de eventos cardiovascula-
pressão arterial, mas não podem ser utilizados DM (B, 2)(42). res com a adoção de intervenção multifatorial.
por pacientes com evento coronariano recen- Essa intervenção teve como objetivos valores
te. Os betabloqueadores são especialmente de pressão arterial abaixo de 130/80mmHg,
indicados a indivíduos com cardiopatia isquê- 2.6. Anemia níveis de colesterol total sérico < 175mg/dl,
mica por reduzirem eventos cardiovasculares valores de triglicérides séricos < 150mg/dl
e mortalidade nos pacientes com freqüência A anemia tem sido considerada um fator e valores de hemoglobina glicada < 6,5%, e
cardíaca > 84 batimentos por minuto(30). A de risco para a progressão da doença renal e adotou modificações de estilo de vida (dieta
combinação de betabloqueadores e BCC do pode estar presente nos pacientes com ND pobre em gordura, exercícios físicos leves a
tipo não-diidropiridínicos somente pode ser mesmo antes de apresentarem perda sig- moderados três a cinco vezes por semana e
utilizada com especial cuidado, por ambos nificativa de função renal (creatinina sérica suspensão de tabagismo) associadas a uso de
os agentes apresentarem efeito cronotrópico < 1,8mg/dl)(43). Sugere-se iniciar a reposição de IECA ou ARA II e aspirina(49).
negativo. eritropoetina quando os níveis de hemoglobi-
na estiverem < 11g/dl. Os níveis desejáveis de
hemoglobina devem ser 12-13g/dl (B, 3)(44). 3. Conclusões
2.4. Intervenção dietética Durante o tratamento com eritropoetina,
deve-se considerar o risco potencial de eleva- A detecção precoce da ND deve ser rea-
Em pacientes com DM1 a restrição de ção dos níveis pressóricos. lizada através da dosagem de albumina em
proteínas na dieta é capaz de retardar a pro- amostra de urina, devendo o diagnóstico ser
gressão da ND(38). Em um estudo prospectivo confirmado numa segunda medida. A adoção
de pacientes com DM1, uma dieta com mo- 2.7. Uso de aspirina de intervenções múltiplas, tendo como prio-
derada restrição protéica (0,9g/kg/dia) por ridade o tratamento da HAS e incluindo a uti-
quatro anos reduziu o risco de insuficiência Aspirina em baixa dose é recomendada lização de agentes com efeito nefroprotetor
renal crônica terminal ou morte em 76%, ape- para a prevenção primária e secundária de (IECA, ARA II), pode reduzir a progressão da
sar de não ter havido efeito sobre o declínio eventos cardiovasculares em adultos com doença renal e a mortalidade cardiovascular
da TFG(39). A curto prazo, a substituição da DM (A, 1)(45). associada à ND.

95
Diretrizes sbd 2006

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97
Diretrizes sbd 2006

Neuropatia diabética

1. Introdução diabético, envolvendo amplamente todo o


sistema nervoso periférico nos seus compo-
Neuropatia diabética é o distúrbio neuro- nentes sensório-motor e autonômico, com
lógico demonstrável clinicamente ou por mé- clínica característica e concordante com as hi-
todos laboratoriais em pacientes diabéticos, póteses patogênicas de natureza metabólica
excluindo-se outras causas de neuropatia. O e/ou microvascular. Nos estudos que se têm
acometimento patológico do sistema nervoso realizado com grupos de pacientes diabéticos
no diabetes mellitus (DM) é geralmente muito usando-se metodologia clínica rotineira, ve-
amplo e, muitas vezes, bastante grave. A pre- rifica-se predominância nítida da neuropatia
valência da neuropatia diabética atinge níveis sensório-motora; entretanto isso pode ser
elevados com a evolução temporal da doen- devido à metodologia empregada, já que os
ça, chegando geralmente a freqüências de testes de função autonômica são de empre-
50% de lesão neuropática em diferentes gru- go rotineiro mais difícil, envolvendo métodos
pos de pacientes analisados em nosso meio e e equipamentos mais sofisticados. Desse
no exterior. Entretanto essa prevalência pode modo, o quadro clínico da neuropatia pode
aumentar significativamente, chegando a variar amplamente, desde formas assintomá-
valores próximos a 100% de acometimento, ticas até a presença de muitas manifestações
quando se utilizam métodos diagnósticos de pouco específicas, somáticas e/ou autonô-
maior sensibilidade, como os eletrofisiológi- micas. Como já mencionado anteriormente,
cos. O distúrbio neurológico pode ser detec- o acometimento patológico na neuropatia
tado precocemente na evolução do DM do diabética geralmente é amplo no organismo,
tipo 2 (DM2), muitas vezes desde o momento apresentando-se de duas formas principais:
do diagnóstico, enquanto nos pacientes dia-  polineuropatia sensório-motora simétrica;
béticos do tipo 1 geralmente aparece cinco  neuropatia autonômica (cardiovascular, res-
ou mais anos após o diagnóstico. É notório, piratória, digestiva, geniturinária).
então, que o acometimento neuropático Menos freqüentemente, a lesão neuropática
de nossos pacientes é geralmente precoce é mais localizada, apresentando-se nas for-
e de alta prevalência, a maior da triopatia mas de:
diabética – oftalmo, nefro e neuropatia – e se  mononeuropatia focal (tibiais, medianos, pa-
constitui em importante problema de saúde, res cranianos III, IV, VI e VII);
trazendo morbidade e mortalidade e pioran-  neuropatia multifocal radicular (geralmente
do significativamente a qualidade de vida intercostal, toracoabdominal e lombar);
por incapacitação e diminuição de sobrevida.  neuropatia multifocal multiplexos (localiza-
Atualmente não temos dúvida de que o bom ção variada);
controle metabólico do diabetes diminui a fre-  plexopatia ou amiotrofia.
qüência e a intensidade da lesão neurológica, O diagnóstico das formas mais freqüentes
conforme foi definitivamente demonstrado de neuropatia diabética baseia-se na caracte-
em importantes estudos prospectivos, ulti- rização do quadro clínico com os sintomas e
mamente divulgados, envolvendo indivíduos sinais clínicos mais típicos e na realização de
diabéticos do tipo 1 (Diabetes Control and testes neurológicos. A principais manifesta-
Complications Trial [DCCT]) e do tipo 2 (UK ções clínicas de comprometimento somático
Prospective Diabetes Study [UKPDS]). são de dormência ou queimação em membros
A lesão neurológica nessa situação pa- inferiores, formigamento, pontadas, choques,
tológica é extensa no organismo humano agulhadas em pernas e pés, desconforto ou

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2006 Diretrizes sbd

dor ao toque de lençóis e cobertores, quei- neuropatia, tanto prevenindo o aparecimento 2.1.3. Tratamento dos sintomas e sinais de
xas de diminuição ou perda de sensibilidade de lesão como sua intensidade e extensão. Al- neuropatia autonômica
tátil, térmica ou dolorosa. Ainda que a predo- guns estudos (p. ex., DCCT) também sugerem
minância de sintomas e sinais se localize nos que o bom controle metabólico pode melho- 2.1.3.1. Disautonomia cardiovascular
membros inferiores, os membros superiores rar a neuropatia já estabelecida. Além disso,
(mãos e braços) podem também ser afetados. a indicação de outras medidas terapêuticas,  Hipotensão postural: evitar mudanças postu-
É importante destacar que a ausência de sin- como o uso de inibidores da aldose redutase rais bruscas, uso de meias ou calças compres-
tomas e sinais de parestesia anteriormente ou inibidores da enzima conversora de angio- sivas, elevação da cabeceira do leito (30cm)
mencionada não exclui a neuropatia, pois al- tensina (IECA), não tem efeitos benéficos bem e, quando necessário, uso de fludrocortisona
guns pacientes evoluem direto para a perda confirmados. (Florinefe) 0,1-0,4mg/dia por via oral.
total de sensibilidade. Os testes neurológicos
básicos envolvem a avaliação de sensibilidade,
pesquisa de reflexos tendinosos e medidas de 2.1.2. Tratamento dos sintomas e sinais 2.1.3.2. Disautonomia gastrointestinal
pressão arterial (deitado e em pé) e freqüência da neuropatia sensório-motora
cardíaca:  Gastresofagiana: metoclopramida, cisaprida
 avaliação de sensibilidade dolorosa (palito Especialmente da dor neuropática, as e domperidona;
ou agulha), tátil (algodão ou monofilamen- principais opções terapêuticas para as pa-  intestinal (diarréia/constipação): antibiótico
to de Semmes-Weistein 5.07 – 10g), térmica restesias e dores da neuropatia diabética de amplo espectro e loperamida e difenoxila-
(quente/frio) e vibratória (diapasão de 128Hz são: to; aumento da ingesta de fibra alimentar.
ou bioestesiômetro);  acunpuntura; Os medicamentos para o tratamento da disau-
 pesquisa de reflexos tendinosos (aquileu,  medicamentos antidepressivos tricícli- tonomia encontram-se na Tabela 2.
patelar e tricipital); cos: amitriptilina (25-150mg), imipramina
 medida de pressão arterial sistêmica em (25-150mg), nortriptilina (10-150mg) por
posição deitada e ortostática (hipotensão via oral/dia; 2.1.3.3. Disautonomia geniturinária
postural: queda da pressão arterial sistólica  medicamentos anticonvulsivantes: car-
> 20mmHg um minuto após assumir posição bamazepina (200-800mg), gabapentina  Bexiga neurogênica: treinamento para esva-
ortostática); (900-1.800mg) por via oral/dia; ziamento vesical programado (completo com
 freqüência cardíaca de repouso: sugestiva  neuroléptico – flufenazina (1-6mg, por via manobras de compressão abdominal e auto-
de disautonomia cardiovascular quando valor oral/dia); sondagem); antibioticoterapia nas infecções
acima de 100bpm.  capsaicina (0,075%) creme – uso tópico; urinárias e na sua prevenção, cloridrato de
Outros testes neurológicos mais complexos e  mexiletina (300-400mg, por via oral/dia); betanecol em caso de volume residual pós-
de difícil realização rotineira são confirmató-  clonidina (0,1-0,3mg/dia); miccional significativo (> 100ml).
rios de lesão neurológica:  duloxetina (60-120mg/dia).  Disfunção erétil: atualmente, a primeira
 avaliação de neurocondução, especialmente Os medicamentos utilizados no tratamento escolha inclui os medicamentos do grupo
em membros inferiores, ou testes sensoriais da neuropatia sensório-motora encontram- dos inibidores da fosfodiesterase (sildenafil,
quantitativos; se na Tabela 1. vardenafil e tadalafil). São também utilizadas
 testes da regulação autonômica cardiovas-
cular: medidas do intervalo RR, manobra de
Valsalva, teste postural passivo, arritmia sinu-
sal respiratória e esforço isométrico;
Tabela 1 – Drogas para tratamento da neuropatia sensório-motora
 cintilografia com metaiodobenzilguanidina
e tomografia por emissão de pósitrons (PET) Drogas antidepressivas Dose/dia Nome comercial
com 11-c-hidroxiefedrina: medidas diretas da Amitriptilina 25-150mg Tryptanol
integridade simpática cardíaca. Toframil
Imipramina 25-150mg
Imipra
Nortriptilina 10-150mg Pamelor
2. Tratamento da Drogas anticonvulsivantes
neuropatia diabética Carbamazepina 200-800mg Carbamazepina
Tegretol
Tegretol CR
2.1. Controle metabólico
Gabapentina 900-1.800mg Neurontin
O bom controle metabólico do diabetes Gabapentina
Progresse
é, sem dúvida, o principal fator preventivo da

99
Diretrizes sbd 2006

drogas de uso intracavernoso ou intra-uretral Tabela 2 – Drogas para tratamento da disautonomia gastrointestinal
(papaverina, fentolamina e prostaglandinas),
Dose Nome comercial Modo de utilização
prótese peniana e dispositivos a vácuo.
Metoclopramida 5-20mg Plasil 30min antes das refeições e à
Digeplus noite, ao deitar
2.2. Pé diabético Cisaprida 10-20mg Prepulsid 30min antes das refeições
Domperidona 10-20mg Motilium 30min antes das refeições e à
Úlceras neuropáticas e outras anorma- Peridona noite, ao deitar
lidades neurológicas (ver capítulo sobre pé Domperol
diabético). Loperamida 2mg Drasec 2 vezes ao dia
Enterosec
Imosec
Difenoxilato 2,5mg Lomotil 2 vezes ao dia

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101
Diretrizes sbd 2006

Diagnóstico precoce do
pé diabético

1. Introdução to da pressão plantar relaciona-se à limitação


da mobilidade articular (articulações do tor-
O pé diabético representa uma das mais nozelo, subtalar e metatarsofalangianas) e
mutilantes complicações crônicas do diabe- às deformidades (proeminências, dedos em
tes mellitus (DM) diante do impacto social e garra, dedos em martelo) (Figura 1). Segun-
econômico observado em todo o mundo, jus- do Boulton et al., 28% dos pacientes seguidos
tificando o elevado interesse no incremento prospectivamente desenvolveram lesões nos
das publicações: 0,7% (1980-1988) para 2,7% pés em um período de dois anos e meio(8).
nos últimos seis anos(1). Os dados epidemio- Traumas constituem outro fator importante,
lógicos ressentem-se da inexistência de estu- muitas vezes associados ao uso de calçados
dos populacionais apropriados, dificultando inadequados, quedas, micoses e cortes de
prevalência e incidência acuradas referentes a unhas errados. A DAP, que acomete duas ve-
essa complicação. Os mecanismos de afecção zes mais pacientes diabéticos do que não-dia-
dos membros inferiores, quais sejam neuro- béticos, é mais freqüente no segmento femo-
patia diabética (ND), doença arterial periférica ropoplíteo e pequenos vasos distais abaixo do
(DAP), ulceração ou amputação, afetam a po- joelho (tibiais e pediosos). Distúrbios intrínse-
pulação diabética duas vezes mais que a não- cos para cicatrização (função do colágeno e
diabética, atingindo 30% naqueles com mais metaloproteinases) e imunológicos (deficien-
de 40 anos de idade(2). Estima-se que 15% dos te defesa pelos polimorfonucleares) estão en-
indivíduos com DM desenvolverão uma lesão volvidos no processo de ulceração(9-12).
no pé ao longo da vida(3); no entanto, basean- As úlceras constituem a mais comum das
do-se na incidência anual populacional, que complicações diabéticas: afetam 68/mil pes-
varia de 1% a 4,1%, e de prevalência, entre 4% soas/ano nos EUA, precedem 85% das ampu-
e 10%, essa incidência atinge 25%(4). tações e tornam-se infectadas em 50% dos
O fator mais importante, inquestiona- casos. Grande parte das úlceras com infecção
velmente, para o surgimento de úlceras em é tratada em nível ambulatorial, mas o binô-
membros inferiores é a ND, que afeta 50% das mio úlcera/infecção constitui a causa mais
pessoas com DM com mais de 60 anos, pode comum de internações prolongadas, concor-
estar presente antes da detecção da perda da rendo para 25% das admissões hospitalares
sensibilidade protetora, resultando em maior nos EUA(1, 13). Esse cenário implica em custos
vulnerabilidade a traumas e acarretando um elevados: dados obtidos nos EUA (1999) foram
risco de ulceração de sete vezes(5-7). O aumen- de US$28 mil, enquanto na Suécia (2000) fo-

Figura 1 – Deformidades e áreas de maior pressão plantar (Consenso Internacional, 2001)*


*International Consensus on the Diabetic Foot, versão brasileira, SES-DF, 2001, com permissão.

102
2006 Diretrizes sbd

ram U$18 mil sem amputação e U$ 34 mil com bras finas. Métodos simples, de baixo custo, especificidade 63%); relação de probabilidade
amputação(14, 15). passíveis de serem utilizados em qualquer positiva (likelihood ratio) 2,2 (IC 95%; 1,8-2,5) e
Um dos grandes desafios para o diagnós- cenário de complexidade são mais recomen- negativa 0,27 (IC 95%; 0,14-0,48); negativa em
tico precoce de indivíduos diabéticos em risco dados, atendendo a critérios de sensibilidade um período de quatro anos(7).
de ulceração é a inadequada ou a não-reali- e especificidade.
zação de um simples exame dos pés. Relatos
mostram que 14% dos pacientes admitidos 3.3. Diapasões
em hospitais receberam cuidados prévios e 3. 1. Estesiômetro: monofilamento de
10%-19% com diagnóstico de DM têm seus nylon (Semmes-Weinstein) – 10g O mais utilizado é o de 128Hz, que iden-
pés examinados após a remoção de meias e tifica qualitativamente a alteração da sensibi-
sapatos(16, 17). Por outro lado, está bem estabe- Detecta a perda clínica de fibra grossa. Em lidade vibratória, quando o paciente percebe
lecido que 85% dos problemas decorrentes do três estudos prospectivos(18-20) observou-se o estímulo vibratório aplicado em uma super-
pé diabético são passíveis de prevenção a par- sensibilidade de 66%-91%, especificidade de fície óssea (hálux e maléolo). O diapasão gra-
tir de cuidados especializados(1). Dessa forma, 34%-86% e valor preditivo negativo de 94%- duado (Rydel-Seiffel), ao ser movido em uma
recomendações para prevenção e intervenção 95%. É importante ressaltar que tem havido escala de 0 a 8, detecta a perda dessa sensibili-
adequadas incluem o reconhecimento dos uma ampla confecção de monofilamentos, dade na interseção de dois triângulos virtuais
fatores de risco como ND, DAP, deformidades nem todos calibrados para 8g. Além disso, o e tem boa correlação com o bioestesiômetro,
estruturais durante a anamnese, inspeção, uso seu uso não deve ultrapassar dez pacientes mas ambos têm menos valor preditivo de ul-
de técnicas e instrumentos simples. sem um repouso de 24 horas, segundo relatos ceração do que o monofilamento(24).
recentes de Booth e Young(21). O número e a
quantidade de vezes para aplicação têm sido
motivo de debates. O Consenso Internacional(1) 3.4. Testes para fibras curtas/reflexos
2. Rastreamento:
recomenda três locais: hálux, primeiro e quin-
identificação dos to metatarsos. Testando-se além desses o ter- Testes com pinos (sensibilidade dolorosa),
pacientes em risco ceiro metatarso, podem-se identificar 90% dos cabo do diapasão 128Hz (sensibilidade ao
pacientes com risco de ulceração neuropática. frio), chumaço de algodão (sensibilidade tátil)
1) História de úlcera prévia; 2) história de Considerando-se os quatro locais insensíveis e martelo (pesquisa de reflexos aquileus) não
amputação prévia; 3) longa duração do DM; 4) confere sensibilidade de 90% e especificidade são recomendados para rastreamento de risco
pobre controle glicêmico; 5) visão deficiente; 6) de 80%(22). Solicitar que o paciente diga sim de ulceração, porém podem ser usados em sis-
deformidades (proeminências, dedos em mar- ou não durante o toque é igualmente eficaz e temas de escores para diagnóstico de ND(25).
telo, limitação de mobilidade articular, valgis- mais rápido do que inquirir sobre a identifica-
mo, pés cavos); 7) anormalidades não-ulcera- ção do local testado (Figuras 2 e 3)(23).
tivas (calosidades, pele seca, micose e fissuras). 3.5. Pressão plantar

3.2. Bioestesiômetro Há uma variação nos sistemas, desde sim-


ples plantígrafos sem escala de força (Harris
3. Testes neurológicos e É um instrumento que quantifica o limiar da mat) ou com escala de força (Pressure stat,
biomecânicos sensibilidade vibratória (LSV) através da aplica- Podotrack) a plataformas e palmilhas dota-
ção de uma haste de borracha dura na face dor- das de vários sensores que captam, através
Os testes de condução nervosa são consi- sal do hálux. O estímulo deve atingir 100 volts, da pisada, os pontos de pressão registrados
derados padrão para o diagnóstico de ND. Na obtendo-se a média de três leituras para deter- em software. Os pontos de corte indicativos
esfera clínica e para rastreamento, são pouco minação do LSV, cujo ponto de corte para indicar de pressão plantar elevada variam segundo
recomendados e não detectam perda de fi- risco de ulceração é 25 volts (sensibilidade 83%, os sistemas: 59-70-87,5N/cm2(23). Vale salientar
que esse método tem validade na presença
de ND, não sendo uma ferramenta indicativa
de rastreamento de ulceração(26, 27).

4. Doença arterial
periférica
Figuras 2 e 3 – Locais de aplicação do monofilamento e como aplicar o instrumento: uma simples força suficiente para A palpação dos pulsos é importante, mas
curvar o estesiômetro induz o estímulo desejado incorre em significativa variação interobserva-

103
Diretrizes sbd 2006

dor. Recomenda-se a tomada do índice torno- siva (educação do paciente, uso de calçados vezes mais chances de ulceração; com ND e
zelo/braço (ITB) com um ecodoppler manual adequados e acesso a cuidados regulares pela deformidades têm 12,1 vezes mais chances;
de transdutor 8-10MHz: afere-se a pressão sis- equipe multiprofissional) destinada a pacien- enquanto o histórico prévio de ulceração ou
tólica do tornozelo, relacionando-a à da arté- tes com risco elevado de ulceração é efetiva amputação eleva o risco para 36 vezes(33).
ria braquial. Os pontos de corte indicativos de se a incidência de úlcera e amputação for re-
isquemia e de falsa elevação por calcificações duzida em 25%(31).
ou shunts arteriovenosos são, respectivamen-
te, < 0,9 e > 1,1-1,4, segundo recomendações
O Consenso Internacional recomenda a 7. Úlcera ativa
implantação de serviços básicos na comuni-
do Consenso Internacional e da Associação dade (centros de saúde, postos), ambulatórios A classificação básica da úlcera baseia-se
Americana de Diabetes (ADA). O ITB consti- ligados a hospitais ou centros especializados no reconhecimento do fator causal: neuro-
tui um método fácil, objetivo e reproduzível de modo a se estabelecer, gradualmente, uma pática, isquêmica ou neuroisquêmica; além
para o rastreamento da DAP. Outros métodos rede integrada para atendimento aos indiví- do diagnóstico de infecção que, se presente,
incluem a medida da pressão transcutânea duos diabéticos com graus variados de pro- pode ser aplicado em qualquer nível de com-
de oxigênio: 30mmHg é indicativo de bom blemas nos pés(32), preferencialmente condu- plexidade. Há vários sistemas propostos de
prognóstico de cicatrização. No entanto, o zida por endocrinologistas ou diabetologistas classificação de lesões e na atualidade a mais
impedimento maior são o elevado custo e a (Tabela 1). utilizada em serviços de pé diabético, por ter
necessidade de pessoal técnico especializado Por outro lado, recomenda-se um se- sido validada, é a da Universidade do Texas(34).
para o seu manuseio(1, 28).
guimento de pacientes segundo a estratifi- O Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé
cação do risco. A Classificação do Consenso Diabético propôs um sistema para fins de
Internacional (Tabela 2), validada em estudo pesquisa (P: perfusão; E: extensão; D: profun-
5. Outras intervenções prospectivo, tem sido referendada em vá- didade; I: infecção; S: sensibilidade), mas não
rios documentos. Pacientes com ND têm 1,7 há ainda dados validados.
A educação de médicos tem se mostra-
do positiva e os registros de rastreamento e
avaliação do risco passaram de 38% a 62% em
nove meses, em um programa da ADA(29). Não Tabela 1 – Níveis de abordagem ao pé diabético
há ainda recomendação consensual quanto
1. Clínico geral, enfermeiro, auxiliar de enfermagem*
ao formato de educação para pacientes; tem-
se observado que a melhora do conhecimen- 2. Endocrinologista ou diabetologista ou clínico geral, cirurgião geral ou vascular ou ortopedista,
to acontece no curto prazo e reduz modes- enfermeiro**
tamente o risco de amputação e ulceração. 3. Centro especializado em pé diabético – nível de maior complexidade
Mesmo com essas limitações, a ênfase deve *Postos ou centros de saúde, equipes de ações básicas; **ambulatórios em hospitais.
ser dada aos pacientes categorizados como
risco 2 e 3, que devem ser agendados a cada
três meses para visitas clínicas. As calosidades
devem ser removidas, o que reduz a pressão Tabela 2 – Classificação do pé em risco (Grupo de Trabalho Internacional)
em 26%(30); não há critérios estabelecidos para
Grau 0 Neuropatia ausente Orientação sobre cuidados gerais; avaliação
cirurgias corretoras em deformidades e vários anual
estudos mostram dados conflitantes em rela-
Grau 1 Neuropatia presente, sem deformidades Calçados adequados (ex. tênis); avaliação
ção ao uso de calçados terapêuticos(23).
semestral
Grau 2 Neuropatia presente com deformidades Calçados especiais que acomodem as
(dedos em garra, dedos em martelo, deformidades, palmilhas ou outras órteses;
6. Organização de proeminências em antepé, Charcot) ou reavaliação trimestral
DAP
serviços
Grau 3 História de úlcera, amputação Calçados especiais que acomodem
Análises da Suécia (utilizando-se o mode- deformidades, palmilhas, órteses, próteses;
avaliação mensal ou trimestral
lo Markov) mostram que a prevenção inten-

104
2006 Diretrizes sbd

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105
Diretrizes sbd 2006

Diabetes mellitus
gestacional: diagnóstico,
tratamento e
acompanhamento
pós-gestacional

1. Introdução comendado o rastreamento em todas as ges-


tantes com a glicemia de jejum (Figura 1)(5).
Diabetes mellitus gestacional (DMG) é a in-
tolerância aos carboidratos diagnosticada pela
primeira vez durante a gestação, e que pode 1.2. Diagnóstico
ou não persistir após o parto(1-3). Na maior par-
te das vezes, representa o aparecimento do Gestantes com glicemia de jejum alterada
diabetes mellitus tipo 2 (DM2) durante a gravi- (rastreamento positivo) realizam o procedi-
dez e apresenta fatores de risco como: mento diagnóstico preconizado, ou seja, teste
 idade superior a 25 anos; de tolerância com sobrecarga oral de 75g de
 obesidade ou ganho excessivo de peso na glicose(1, 6, 7) entre 24 e 28 semanas de gestação
gravidez atual; (Figura 2). A maioria dos casos de diabetes
 deposição central excessiva de gordura cor- gestacional alcança apenas o critério de tole-
poral; rância à glicose diminuída fora da gravidez(5).
 história familiar de diabetes em parentes de Nos casos em que o rastreamento for positivo
primeiro grau no primeiro trimestre ou a gestante apresen-
 baixa estatura (< 1,5cm)(4); tar vários fatores de risco, esse teste pode ser
 crescimento fetal excessivo, poliidrâmnio,
hipertensão ou pré-eclâmpsia na gravidez
atual; Glicemia de jejum
1ª consulta
 antecedentes obstétricos de morte fetal ou
neonatal, de macrossomia ou de diabetes ges-
< 85mg/dl ≥ 85mg/dl
tacional.

Glicemia de jejum Rastreamento


1.1. Rastreamento após 20ª semana positivo

Existe controvérsia sobre a indicação do < 85mg/dl ≥ 85mg/dl


rastreamento do diabetes gestacional na lite-
ratura (B, 4). A maior parte das recomendações Rastreamento Rastreamento
advém de consensos de especialistas. Até que negativo positivo
recomendações baseadas em evidências pos- Figura 1 – Procedimento para o rastreamento do diabetes
sam substituir as condutas atuais, tem-se re- gestacional

106
2006 Diretrizes sbd

centese e avaliação da maturidade pulmonar


Rastreamento fetal com dosagem de fosfatidilglicerol e da
positivo relação entre lecitina e esfingomielina(27).
No parto programado, a gestante deve
permanecer em jejum, a insulina neutral pro-
85-109mg/dl ≥ 110mg/dl
tamine hagedorn (NPH) deve ser suspensa e
uma solução de glicose a 5% ou 10% deve ser
Repetir glicemia de infundida endovenosamente, com controle
Jejum < 110mg/dl Jejum ≥110mg/dl horário da glicemia capilar; se necessário, ad-
jejum prontamente
2h < 140mg/dl 2h ≥ 140mg/dl ministrar infusão contínua de insulina endove-
nosa com baixas doses (1 a 2 unidades/hora)
≥ 110mg/dl ou com insulina regular subcutânea, confor-
Teste Diabetes me as glicemias. Quando o parto for de início
negativo gestacional espontâneo e a insulina diária já tiver sido
Diabetes administrada, recomenda-se a manutenção
gestacional de um acesso venoso com infusão contínua
Figura 2 – Procedimento para o diagnóstico do diabetes gestacional de solução de glicose, além da monitorização
da glicemia capilar a cada hora. Durante o tra-
balho de parto, a glicemia deve ser mantida
realizado mais precocemente(1). A glicemia cunferência abdominal fetal maior ou igual ao em níveis próximos do normal(12, 28). É funda-
de jejum de 100mg/dl, valor considerado su- percentil 75 na ecografia entre 29 e 33 semanas mental a presença de neonatologista na sala
perior em adultos normais, não está validada também pode ser utilizado para indicar insuli- de parto.
para aplicação na gestação. noterapia (B, 2)(18).
A dose inicial de insulina de ação inter-
mediária deve ser em torno de 0,5U/kg, com 1.5. Pós-parto
1.3. Tratamento ajustes individualizados para cada paciente(19).
Pode-se associar insulinas de ação intermediá- Deve-se observar os níveis de glicemia
Evidência recente sugere que a interven- ria e rápida, dando-se preferência ao empre- nos primeiros dias após o parto e orientar a
ção em gestantes com diabetes gestacional go de insulina humana. O uso dos análogos manutenção de uma dieta saudável. A maior
pode diminuir a ocorrência de eventos adver- da insulina (glargina, detemir, aspart e lispro) parte das mulheres não mais requer o uso de
sos da gravidez (B, 2)(10). não está oficialmente recomendado, apesar insulina. O aleitamento natural deve ser esti-
O tratamento inicial do diabetes gestacio- de alguns estudos evidenciarem a possível mulado(29, 30), e, caso ocorra hiperglicemia du-
nal consiste em orientação alimentar que per- segurança das insulinas lispro(7, 20), glargina (33) e rante esse período, a insulina é o tratamento
mita ganho adequado(11). O cálculo do valor aspart (34) (grau de recomendação B para lispro indicado. Evitar a prescrição de dietas hipoca-
calórico total da dieta pode ser feito de acordo e C para aspart e glargina (B, 2)(35). lóricas durante o período de amamentação.
com as tabelas(12) e visa a permitir um ganho Um número pequeno de estudos, com A tolerância à glicose deverá ser reavalia-
de peso em torno de 300-400g por semana poucos pacientes, comprova a segurança do da a partir de seis semanas após o parto com
a partir do segundo trimestre da gravidez. uso, na gestação, de antidiabéticos orais, gli- glicemia de jejum(2, 9) ou o teste oral com 75g
Os adoçantes artificiais (aspartame, sacarina, benclamida (B, 2) e metformina (B, 3), porém de glicose(1), dependendo da gravidade do
acessulfame-K e neotame) podem ser utiliza- no momento não possibilitam a sua recomen- quadro metabólico apresentado na gravidez
dos com moderação(13, 14). dação(16, 22, 23). (B, 4). Nas revisões ginecológicas anuais é fun-
A prática de atividade física pode fazer damental recomendar a manutenção do peso
parte do tratamento do diabetes gestacional, adequado, revisando as orientações sobre
respeitando-se as contra-indicações obstétri- 1.4. Parto dieta e atividade física, e incluir a medida da
cas (B, 3)(15, 16). O controle glicêmico deve ser glicemia de jejum.
feito com uma glicemia de jejum e duas pós- As gestantes com ótimo controle metabó-
prandiais semanais, medidas em laboratório. lico e que não apresentam antecedentes obs-
A monitorização domiciliar pode ser realizada tétricos de morte perinatal ou macrossomia, 2. Diabetes
de três a sete vezes por dia, especialmente nas ou complicações associadas, como hiperten- pré-gestacional
gestantes que usam insulina. Se após duas se- são, podem aguardar a evolução espontânea
manas de dieta os níveis glicêmicos permane- para o parto até o termo(16, 25, 26). O diabetes Inclui os casos de gestação que ocorrem
cerem elevados (jejum ≥ 105 mg/dl e 2 horas gestacional não é indicação para cesariana, e em mulheres portadoras de diabetes tipo 1,
pós-prandiais ≥ 130 mg/dl), recomenda-se ini- a via do parto é uma decisão obstétrica. Se for tipo 2 ou outros.
ciar tratamento com insulina (B, 3)(6, 7). O critério programada a interrupção da gestação antes A gravidez deve ser programada para quan-
de crescimento fetal, através da medida da cir- de 39 semanas, é necessário realizar amnio- do o diabetes estiver bem compensado, com

107
Diretrizes sbd 2006

hemoglobina glicada normal ou até 1% acima 2.1. Tratamento 2.2. Parto e pós-parto
do valor máximo recomendado pelo labora-
tório (B, 2), para a prevenção de malformações O tratamento é feito com prescrição de die- A conduta no planejamento e no dia do
fetais, para as quais há maior risco nas primeiras ta alimentar, segundo orientações descritas para parto é semelhante à adotada para as mulhe-
semanas de gestação, quando o diabetes não o manejo do diabetes gestacional. Atividades fí- res com diabetes gestacional.
estiver idealmente compensado. A avaliação e sicas poderão ser mantidas durante a gravidez, Nos primeiros dias após o parto, a neces-
a estabilização das complicações crônicas do embora a presença de algumas complicações
sidade de insulina diminui, devendo ser admi-
diabetes devem ser feitas antes da concepção. crônicas possa representar contra-indicação(32).
nistrado um terço da dose usual pré-gravídica
Algumas complicações, como retinopatia, ne- Os esquemas de aplicação da insulina são
fropatia clínica e insuficiência renal, podem pio- intensificados. Nas gestantes que não a usa- ou fazer-se suplementação conforme monito-
rar com a gestação. A cardiopatia isquêmica, se vam, a dose inicial pode ser calculada como rização de glicemia capilar até a estabilização
não tratada, está associada a alta mortalidade. O 0,5U/kg/dia. Perfis glicêmicos domiciliares com do quadro metabólico. A partir daí deve-se
uso do ácido fólico está recomendado desde o ao menos três medidas devem ser realizados. readaptar a dose de acordo com os controles
período pré-concepcional até o fechamento do Não sendo possível, sugere-se a realização de glicêmicos, adequando dieta e insulina às de-
tubo neural (A, 1)(31). perfil glicêmico semanal em serviço de saúde. mandas da lactação.

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Diretrizes sbd 2006

Tratamento do paciente
idoso diabético

1. Introdução se insuficiente, o que, em associação ao déficit


de catecolaminas e cortisol, pode predispor à
Os princípios básicos no tratamento do hipoglicemia, com potencial lesão de órgãos
paciente idoso (acima dos 65 anos de idade) vitais, principalmente cérebro e coração.
não diferem daqueles estabelecidos aos in-
divíduos diabéticos mais jovens, incluindo
os critérios no diagnóstico, na classificação e 1.1.4. Catarata
nas metas de controle metabólico (glicêmico
e lipídico) e outros (pressão arterial e massa Maior freqüência na população diabética,
corpórea). Ressalta-se, entretanto, que essa e, quando associada a retinopatia diabética,
população possui particularidades que fazem poderá comprometer seriamente a acuidade
com que cuidados e considerações especiais visual, dificultando o uso de insulina ou mes-
devam ser enfatizados em capítulo próprio do mo de medicamentos orais.
nosso consenso brasileiro.

1.1.5. Enfermidades cardiovasculares


1.1. Problemas associados ao
envelhecimento que podem afetar o Doença arterial coronariana (DAC) e
tratamento doença cerebrovascular, freqüentemente as-
sociadas ao diabetes, nas quais episódios hi-
1.1.1. Envelhecimento cerebral poglicêmicos podem precipitar eventos agu-
dos. Nessas situações, as metas de controle
Alterações nas funções cognitivas ou glicêmico devem ser menos rígidas.
mesmo demência em qualquer grau poderão
influenciar os cuidados relacionados a dieta,
tratamento farmacológico e mesmo higiene 1.1.6. Redução do potencial de sobrevida
pessoal.
Indivíduos muito idosos, principalmente
aqueles com co-morbidades importantes que
1.1.2. Redução dos hormônios certamente comprometem a quantidade e
contra-regulatórios a qualidade de vida do paciente, devem ser
tratados menos agressivamente, incluindo
Principalmente catecolaminas e cortisol, dietas mais liberais, permitindo metas glicê-
levando à instabilidade do controle glicêmico micas flexíveis, como glicemia em qualquer
com maior risco de hipoglicemias sem aviso. momento abaixo de 180mg/dl.

1.1.3. Redução do glicogênio hepático 2. Tratamento


Em função de má nutrição e diminuição do O tratamento do diabetes no idoso obe-
apetite, a reserva de glicogênio hepático pode- dece aos mesmos princípios utilizados em fai-
rá ficar comprometida, ocorrendo glicogenóli- xas etárias mais jovens, entretanto o médico

110
2006 Diretrizes sbd

assistente deve estar atento a importantes farmacoterapia. Se tal conduta não lograr um te, por condicionamento físico, preferências,
particularidades, como dificuldade na dife- controle glicêmico adequado, considera-se habilidades, limitações, como osteoartroses,
renciação entre os tipos 1 e 2, diferença nas então o uso de medicamentos, iniciando-se artrites, tremores, seqüelas de AVC, DAC, etc.
metas de controle glicêmico e restrições ao com a menor dose possível e aumentando-a, A avaliação cardiovascular deve incluir teste
uso de vários dos antidiabéticos orais. lentamente, até a obtenção do controle dese- ergométrico, quando tolerado pelo paciente,
jado. Se este não for obtido, inicia-se então a para melhor programação da atividade física.
associação de agentes com dois, três ou mes- Para os pacientes fisicamente impossibilitados
2.1. Diabetes do idoso: tipo 1 ou tipo 2 mo quatro medicamentos, objetivando o bom de usar a esteira ou para aqueles com mais de
controle metabólico sem efeitos colaterais um fator de risco, além do diabetes, pode se
Uma das dificuldades enfrentadas pelo en- importantes. optar por ecodoppler ou cintilografia miocár-
docrinologista é a determinação precisa do tipo dica sob estresse farmacológico, realizada por
de diabetes, 1 ou 2, com óbvias implicações na especialistas da área.
escolha dos agentes terapêuticos. Aqueles com 2.4. Tratamento dietético
obesidade e outros estigmas da síndrome me-
tabólica (dislipidemia e hipertensão) deverão A orientação alimentar do idoso diabético 2.6. Medicamentos
ser catalogados como tipo 2 e tratados como segue os princípios básicos estabelecidos para
tal. Pacientes magros com início súbito de hi- o paciente diabético sem complicações: normo- Alguns princípios básicos na terapia me-
perglicemia importante (> 300mg/dl), perda calórica ou hipocalórica nos pacientes obesos dicamentosa devem ser ressaltados antes do
de peso e anticorpos positivos (principalmente (evitar perda substancial e rápida de peso); 55% seu início:
anti-GAD) deverão ser diagnosticados como a 60% de carboidratos (10% a 15% simples), a) a hipoglicemia no idoso é mais freqüen-
diabéticos do tipo 1 e tratados com insulina. 30% de gordura (igualmente distribuídos entre te e de maior gravidade do que nos indivíduos
gorduras saturadas, monoinsaturadas e poliin- mais novos, portanto controle glicêmico rígi-
saturadas) 10% a 15% de proteínas (0,8 a 1g/kg/ do que envolva esse risco deve ser evitado;
2.2. Metas do tratamento peso, dependendo da função renal); 300mg/dia b) o idoso freqüentemente é portador
de colesterol; 10 a 15 gramas de fibras; suple- de outras enfermidades como insuficiências
As principais sociedades científicas inter- mentação de cálcio, vitamina D, ferro, comple- renal, hepática, respiratória, circulatória e car-
nacionais (Associação Americana de Diabetes xo B, etc., quando indicado. Nos idosos com díaca, às vezes sem expressão clínica, limitan-
[ADA], Associação Européia para o Estudo do hipertensão arterial deve-se limitar a ingestão do a prescrição de alguns ou mesmo todos os
Diabetes [EASD]) não estabelecem metas gli- de sal em 6 gramas; naqueles com hipercoles- antidiabéticos orais, restando a insulina como
cêmicas específicas para a população idosa; terolemia a distribuição de ácidos graxos passa única opção terapêutica, o que comumente
entretanto a maioria dos autores recomenda a ser: ácidos graxos saturados, < 7%; poliinsa- desagrada o paciente e seus familiares.
a individualização dessas metas, levando-se turados, > 10%; monoinsaturados, > 10%. Esse
em consideração diferentes fatores, como esquema deve ser feito preferencialmente por
presença ou não de doenças que limitam a nutricionistas com experiência em diabetes. O 2.7. Metformina
qualidade e/ou a quantidade de potenciais esquema de contagem de carboidratos pode
anos de vida (câncer, miocardiopatia grave, ser recomendado nos ocasionais casos de insu- A metformina possui diferentes mecanis-
insuficiência renal, hepática ou pulmonar, linoterapia intensificada. mos de ação, sendo o principal deles a redução
seqüelas importantes de acidente vascular da produção hepática de glicose. A principal
cerebral [AVC], etc.), idade muito avançada, contra-indicação para o idoso é a insuficiência
na qual o tempo de hiperglicemia não seria 2.5. Atividade física renal, entretanto condições clínicas potenciais
suficiente para o desenvolvimento de com- ao desenvolvimento de acidose respiratória ou
plicações crônicas do diabetes, limitações Inúmeros estudos epidemiológicos e de metabólica, como doença pulmonar obstrutiva
econômicas, sociais ou familiares que invia- intervenção têm demonstrado o benefício da crônica (DPOC), insuficiência hepática e alcoo-
bilizariam esquemas terapêuticos complexos atividade física aeróbica no tratamento e na lismo crônico, constituem contra-indicação ao
necessários para um controle glicêmico ideal, prevenção do diabetes tipo 2. Pesquisas sobre uso da metformina. Deve ser ressaltado que em
etc. Nessas situações seriam aceitáveis valores os efeitos do exercício resistido no controle gli- idosos a dosagem de creatinina sérica é pouco
glicêmicos de jejum de até 150mg/dl e pós- cêmico são escassas e geralmente possuem im- sensível para o diagnóstico de insuficiência
prandiais inferiores a 180mg/dl. portante componente aeróbico, o que torna a renal. Preconiza-se que pacientes com creati-
atividade física de difícil tolerância para os ido- ninas séricas superiores a 0,8mg/dl devem ter
sos com vida sedentária. Entretanto atividades o teste de depuração da creatinina realizado,
2.3. Esquema terapêutico de alta intensidade e baixa resistência podem e valores inferiores a 60cc/minuto constituem
ser mais toleráveis, com capacidade de aumen- contra-indicação ao uso de metformina.
Recomenda-se que mudanças no estilo tar a massa muscular e a captação de glicose. É geralmente o primeiro medicamento de
de vida (dieta, atividade física e redução de A prescrição da atividade física deverá escolha em idosos diabéticos obesos ou com
peso) sejam utilizadas antes da introdução da ser guiada pelas condições gerais do pacien- outras evidências de resistência insulínica au-

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Diretrizes sbd 2006

mentada (aumento da relação cintura abdomi- sibilizadores insulínicos por aumentar a sensi- colaterais gastrintestinais, diminuindo ainda
nal/quadril, hipertensão arterial, hipertriglice- bilidade insulínica no músculo e no tecido adi- mais a sua aceitabilidade pelo paciente. Tem
ridemia, lipoproteína de alta densidade [HDL] poso através do efeito sinérgico nos receptores sido descrito aumento das transaminases he-
baixa). Metformina deve ser iniciada na dose ativados pelo proliferador de peroxissomos páticas em raras ocasiões, sendo, portanto,
de 500 a 850mg, uma vez ao dia, após o jantar, (PPAR-gama). A exemplo da metformina, po- prudente o monitoramento dessas enzimas
aumentando, se necessário, a cada duas sema- dem ser usadas como primeiro medicamento nos primeiros meses do tratamento.
nas, na dose máxima de 2.550mg/dia (divididos nos pacientes com resistência insulínica au-
em três doses), minimizando efeitos colaterais mentada, como monoterapia ou associados a
como diarréia e desconforto abdominal. metformina. Persistindo a hiperglicemia, pode 2.11. Glinidas
ser acrescentado um terceiro medicamento,
sulfoniluréia, glinidas ou acarbose. A principal Repaglinida e nateglinida são as duas
2.8. Sulfoniluréias contra-indicação ao uso das glitazona é a pre- principais glinidas a exercerem seus efeitos
sença de hepatopatia (exceção da esteatose biológicos de maneira semelhante à das sulfo-
Seu principal mecanismo de ação é au- hepática, para a qual alguns autores sugerem niluréias, estimulando a produção e a secreção
mentar os níveis de insulina circulante através que seja o medicamento de primeira escolha). de insulina pelas células beta. Entretanto a li-
de um efeito direto nas células beta, estimu- Também não devem ser usadas em pacientes gação das glinidas aos receptores das subuni-
lando a produção e a secreção de insulina e, com insuficiência cardíaca estágio III ou IV. Su- dades regulatórias (SUR) é mais tênue e rápida
também, atuando no fígado e diminuindo a gere-se cautela quando usadas em associação e, portanto, quando usadas no momento da
depuração hepática da insulina.
com insulina pelo maior risco de descompen- refeição, a secreção de insulina e o tempo de
As sulfoniluréias de primeira geração, hoje
sação miocárdica por sobrecarga de volume ação tendem a coincidir com a excursão glicê-
representadas apenas pela clorpropamida,
circulante. A rosiglitazona é usada em dose mica pós-prandial, sendo, por conseguinte, sua
devem ser evitadas nos pacientes idosos pelo
única que varia entre 15 e 45mg/dia (compri- principal indicação o tratamento das hipergli-
maior risco de hipoglicemia e hiponatremia,
midos de 15, 30 e 45mg), enquanto a dose de cemias pós-prandiais. A dosagem da nateglini-
preferindo-se as de última geração, glimepiri-
pioglitazona está entre 2 e 8mg (comprimidos da é de 120mg por refeição, enquanto que a da
da e gliclazida, por melhor tolerabilidade, me-
de 4 e 8mg), recomendando-se que doses repaglinida varia entre 0,5 e 4mg por refeição.
nor risco de hipoglicemia e menor interação
com os canais de cálcio na circulação corona- maiores sejam divididas em duas tomadas. As grandes vantagens do seu uso nos idosos
riana. Não devem, entretanto, ser utilizadas Transaminases séricas devem ser monitoradas diabéticos são a baixa prevalência de hipogli-
em pacientes com insuficiência renal e/ou he- e o medicamento, suspenso se seus valores cemia e a boa tolerabilidade, além de poderem
pática. Podem ser usadas como primeiro me- alcançarem níveis acima de três vezes o limite ser usadas em insuficiências renal ou hepática
dicamento em indivíduos com evidências de superior da normalidade. leves a moderadas.
falência parcial da produção de insulina pelas Existe também a associação fixa de rosigli-
células beta, geralmente pessoas magras, oli- tazona com metformina.
gossintomáticas, com hiperglicemias leves a 2.12. Insulina
moderadas (jejum < 300mg/dl).
Naqueles tratados com metformina na 2.10. Acarbose As dificuldades no seu manuseio, o receio
dose máxima e controle glicêmico ainda ina- de hipoglicemias e inúmeros falsos conceitos
dequado, a adição da sulfoniluréia constitui A acarbose é um inibidor da enzima alfa- fazem com que o seu uso seja freqüentemen-
uma ótima opção terapêutica. Inicia-se glime- glicosidase, cujo mecanismo de ação é o de te adiado. Pacientes com hiperglicemia aci-
pirida na dose de 1mg ao dia, aumentando-a atrasar a absorção pós-prandial da glicose, ma de 280mg/dl acompanhada de poliúria,
até a dose máxima de 6mg, uma vez ao dia, atenuando assim a hiperglicemia pós-pran- polidipsia, perda de peso e astenia devem
antes da principal refeição do dia. A gliclazida dial. Deve ser evitada em pacientes portado- imediatamente iniciar terapia insulínica. Inú-
pode também ser usada em dose única na sua res de doenças intestinais ou predispostos a meras vezes, com a normalização da glicemia,
forma de liberação lenta, inicialmente 30mg, obstrução intestinal, duas situações freqüen- haverá o desaparecimento da glicotoxicidade,
podendo alcançar 120mg ao dia em idosos hí- tes na população idosa. A sua tolerância tam- podendo então a insulina ser suspensa e a eu-
gidos. Também existe disponível a associação bém é reduzida devido aos freqüentes efeitos glicemia ser mantida com antidiabéticos orais.
metformina/glibenclamida em comprimidos colaterais, como flatulências, cólicas abdomi- Se nos pacientes tratados com associação de
únicos, com proporções variáveis dos dois nais, diarréia ou constipação, mais comum e dois ou três antidiabéticos orais houver, mes-
componentes. menos tolerada pelos pacientes mais velhos. mo assim, persistência de glicemias elevadas,
Sua principal indicação é o tratamento deve-se iniciar a insulinoterapia. O paciente e
da hiperglicemia pós-prandial, usada com as seus familiares devem ser orientados quanto
2.9. Glitazonas refeições nas doses de 50 a 100mg (uma, duas aos diferentes tipos de insulina, às técnicas de
ou três vezes ao dia). Raramente usada como aplicação (preferência por canetas e pré-mis-
A pioglitazona e a rosiglitazona possuem monoterapia, na maioria das vezes é associa- turas sempre que possível), aos sintomas de
perfis de ação semelhantes, denominados sen- da a metformina, que também possui efeitos hipoglicemias, suas causas, prevenção e trata-

112
2006 Diretrizes sbd

mento e ao monitoramento glicêmico capilar. a quatro dias, com base principalmente nos bom controle da glicemia de jejum, mas com
Inicia-se quase sempre com insulina de ação resultados das glicemias capilares e na pre- elevação das pós-prandiais, deve-se adicionar
intermediária (neutral protamine hagedorn sença de hipoglicemias. Na persistência de hi- insulina de ação rápida (regular) ou ultra-rápi-
[NPH]) ao deitar, ou com os análogos de ação perglicemia, uma segunda dose de NPH antes da (lispro ou aspart) antes das refeições. Rara-
prolongada (glargina ou detemir) pela ma- do café da manhã ou de detemir à noite deve mente haverá necessidade de esquemas mais
nhã, na dose de 10 a 20 unidades. O reajuste ser utilizada, e, no caso da glargina, a dose complexos envolvendo três ou mais injeções
das doses deve ser feito em intervalos de três matinal deve ser titulada. Nos pacientes com (esquema intensificado).

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113
Diretrizes sbd 2006

Crises hiperglicêmicas
agudas no diabetes
mellitus

1. Introdução agudo do miocárdio (IAM), traumas e uso de


drogas lícitas e ilícitas. Em jovens, distúrbios
A cetoacidose diabética (CAD) e o estado psiquiátricos acompanhados de irregularida-
hiperglicêmico hiperosmolar (EHH) são as des na condução da dieta ou no uso diário
duas complicações agudas mais graves que de insulina podem contribuir para episódios
podem ocorrer durante a evolução do dia- recorrentes de CAD. O uso crescente de com-
betes mellitus (DM) tipos 1 e 2. É importante postos denominados antipsicóticos atípicos,
salientar que durante muitos anos a CAD entre os quais a clozapina, a olanzapina e a
risperidona, podem desencadear quadros
foi considerada uma complicação específi-
de DM, inclusive com CAD. Atualmente, com
ca do DM tipo 1. Recentemente a literatura
o uso mais freqüente de bombas de infusão
tem demonstrado vários relatos de CAD em
contínua subcutânea de insulina ultra-rápida
indivíduos com DM tipo 2. Apesar de haver
tem-se observado incidência significante de
algumas diferenças significantes entre essas
CAD. Isso pode ocorrer devido à obstrução
duas complicações, como, por exemplo, de-
parcial ou total do cateter provocando redu-
sidratação mais acentuada, sódio com ten-
ção aguda de infusão de insulina. Vale lembrar
dência a elevação durante o tratamento, gli-
que em pacientes diabéticos do tipo 1 recém-
cemia mais elevada e leve cetonúria no EHH,
diagnosticados a descompensação costuma
a fisiopatologia, as manifestações clínicas e o ser mais prolongada e mais grave. Idosos dia-
tratamento são similares. Em centros de exce- béticos ou que desconhecem o diagnóstico
lência a taxa de mortalidade para CAD é < 5%, de DM, com processos infecciosos subclínicos
enquanto para o EHH ainda continua elevada, ou limitações do autocontrole podem evoluir
sendo ao redor de 15%. O prognóstico de mais facilmente com EHH(1, 10-20).
ambas depende das condições de base do
paciente, com piora sensível em idosos, ges-
tantes e portadores de doenças crônicas(1-9).
3. Patogênese
O processo de descompensação meta-
2. Fatores precipitantes bólica na CAD é mais bem compreendido do
que no EHH, embora os mecanismos básicos
Os estados infecciosos são as etiologias de ambas as situações sejam similares. Fun-
mais comuns de CAD e EHH. Entre as infec- damentalmente, o que ocorre é a redução na
ções, as mais freqüentes são as do trato respi- concentração efetiva de insulina circulante
ratório alto, as pneumonias e as infecções de associada à liberação excessiva de hormônios
vias urinárias. Além disso, na prática diária te- contra-reguladores, entre os quais o gluca-
mos que valorizar outros fatores importantes, gon, as catecolaminas, o cortisol e o hormô-
tais como acidente vascular cerebral (AVC), in- nio de crescimento (GH). Em resumo, essas
gesta excessiva de álcool, pancreatites, infarto alterações hormonais na CAD e no EHH de-

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2006 Diretrizes sbd

sencadeiam aumento da produção hepática tamento da acidose e da desidratação pode salicilatos e metformina e outras causas de
e renal de glicose e redução de sua captação evoluir com choque e morte(1, 23). acidose com ânion gap elevado, tais como na
nos tecidos periféricos insulinossensíveis, acidose láctica e na insuficiência renal crônica.
resultando assim em hiperglicemia e conse- Essas situações são facilmente confirmadas
qüente hiperosmolalidade no espaço extra- 4.2. Achados laboratoriais pela história clínica e pela glicose sérica(1, 24).
celular. Portanto, a hiperglicemia é resultan-
te de três mecanismos, ou seja: ativação da A avaliação laboratorial inicial de pacientes
gliconeogênese, ativação da glicogenólise e com CAD e com EHH deve incluir a determina- 5. Tratamento
redução da utilização periférica de glicose. ção de glicose plasmática, uréia/creatinina,
Ainda, a combinação de deficiência de insu- cetonemia, eletrólitos com ânion gap, osmo- As metas do tratamento das crises hi-
lina com o aumento de hormônios contra- lalidade, análise urinária, cetonúria, gasome- perglicêmicas agudas são: a) cuidados com
reguladores provoca a liberação excessiva de tria, hemograma e eletrocardiograma (ECG). as vias aéreas superiores e, em casos de vô-
ácidos graxos livres do tecido adiposo (lipóli- Quando necessário, solicitar RX de tórax e cul- mitos, indicação de sonda nasogástrica; b)
se), que no fígado serão oxidados em corpos turas de sangue e urina. Os critérios diagnós- correção da desidratação; c) correção dos
cetônicos (B-hidroxibutírico e acetoacético) ticos para CAD são: glicemia > 250mg/dl; pH distúrbios eletrolíticos e ácido-básicos; d)
resultando em cetonemia e acidose metabó- arterial < 7,3; bicarbonato sérico < 15mEq/l e redução da hiperglicemia e da osmolalidade;
lica. Por outro lado, no EHH a concentração graus variáveis de cetonemia e cetonúria. Para e) identificação e tratamento do fator preci-
de insulina que é inadequada para facilitar a o EHH são glicemia geralmente > 600mg/dl; pitante.
utilização de glicose nos tecidos periféricos osmolalidade sérica > 330mOsm/kg e ausên- Para a correção da desidratação, na au-
insulinossensíveis é suficiente para preve- cia de cetoacidose grave. Além disso, pH sérico sência de comprometimento das funções
nir a lipólise acentuada e a cetogênese que ≥ 7,3, bicarbonato > 18mEq/l e discretas ce- cardíaca e renal deve ser indicada solução
normalmente acontece na CAD. Finalmente, tonemia e cetonúria. A maioria dos pacientes salina isotônica (NaCl a 0,9%), em média 15
em ambas as situações, na CAD e no EHH, ob- com crises hiperglicêmicas agudas se apresen- a 20ml/kg/hora, buscando-se rapidamen-
servamos glicosúria de grau variável, diurese ta com leucocitose (20 e 30 mil células/mm3) te expansões intra e extracelular. A escolha
osmótica, perda de fluidos e eletrólitos, prin- devido à intensa atividade adrenocortical. O subseqüente de fluidos depende dos ele-
cipalmente sódio e potássio(1, 21, 22). sódio sérico geralmente é baixo na CAD pela trólitos séricos e da diurese. Quando o sódio
transferência osmótica de líquidos do intra está normal ou elevado (> 150mEq/l) deve-
para o extracelular, vômitos e perda renal as- se indicar solução salina hipotônica (NaCl
4. Diagnóstico sociada aos corpos cetônicos. No diagnóstico 0,45% em média 4 a 14ml/kg/hora). Com a
da CAD o potássio sérico pode estar elevado função renal normal deve-se iniciar infusão
4.1. História e exame físico (acidose), normal ou baixo, dependendo das de 10 a 15mEq de KCl/hora com o objetivo
reservas prévias intra e extracelulares e exige de manter o potássio sérico entre 4 e 5mEq/l.
Os quadros clínicos da CAD e do EHH re- muito cuidado durante o tratamento pelo risco É importante comentar que esses pacientes,
presentam evolução lenta e progressiva dos de arritmias ou até parada cardíaca. Os valores principalmente se evoluírem com falência
sinais e sintomas de diabetes descompensa- de fosfato podem estar normais ou elevados cardíaca ou renal, devem ser continuamente
do. Entre eles poliúria, polidipsia, perda de apesar da deficiência corporal total. Os níveis monitorados do ponto de vista hemodinâ-
peso, náuseas, vômitos, sonolência, torpor e elevados de uréia e creatinina refletem a deple- mico, para prevenir a sobrecarga de líquidos.
finalmente coma, ocorrência mais comum no ção de volume intravascular. Outros achados Para corrigir a hiperglicemia e a acidose ini-
EHH. Ao exame físico, na presença de acidose, comuns são a hipertrigliceridemia e a hipera- cia-se a reposição insulínica.
podemos observar a hiperpnéia, e em situa- milasemia, que quando acompanhadas de dor Os pontos de discussão em relação à
ções mais graves, a respiração de Kussmaul. abdominal podem sugerir o diagnóstico de insulinoterapia (insulina regular ou análo-
Também ocorrem desidratação com pele pancreatite aguda(1, 5, 7). gos ultra-rápidos) são as doses (altas versus
seca e fria, língua seca, hipotonia dos globos Cálculos bioquímicos: baixas) e a vias de administração: subcu-
oculares, extremidades frias, agitação, fácies  para ânion gap: [Na+ - (Cl- + HCO-3)] = tânea (SC), intramuscular (IM) ou infusão
hiperemiada, hipotonia muscular, pulso rápi- 7-9mEq/l; intravenosa contínua. Atualmente o uso de
do e pressão arterial variando do normal até  osmolalidade total: 2 x [Na+ (mEq/l)] + glico- baixas doses é consenso em todos os casos
o choque. A intensificação da desidratação se (mg/dl)/18 + uréia (mg/dl)/6 = 285 mOsm/ de CAD e EHH, e a via de escolha é a infusão
dificulta e torna doloroso o deslizamento dos kgH2O. intravenosa contínua de insulina regular ou
folhetos da pleura e do peritônio, podendo análogos ultra-rápidos com dose média de
se observar defesa muscular abdominal loca- 0,1U/kg/hora (5 a 7U/hora), embora vários
lizada ou generalizada, sugerindo o quadro 4.3. Diagnóstico diferencial estudos desde a década de 1970 demons-
de abdome agudo. Em alguns casos ocorre trem a mesma eficácia e segurança pelas vias
dilatação, atonia e estase gástrica agravando Cetose de jejum, cetoacidose alcoólica, SC ou IM/hora. A expectativa de queda da
o quadro de vômitos. O atraso no início do tra- acidose pelo uso de medicamentos como concentração de glicose com baixas doses

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Diretrizes sbd 2006

de insulina é em média de 50 a 75mg/dl/ ultra-rápidos a cada quatro horas. Os crité- associado a múltiplas injeções de insulina re-
hora. Quando a concentração de glicose na rios de controle da CAD incluem glicemias gular ou análogos ultra-rápidos. A utilização
CAD atingir 250mg/dl e no EHH, 300mg/dl, < 200mg/dl, bicarbonato sérico > 18mEq/l de bicarbonato na CAD é controversa, mas a
pode ser iniciado o esquema de insuliniza- e pH > 7,3. Assim que o paciente conseguir literatura considera prudente o uso em bai-
ção SC com insulina regular ou análogos se alimentar iniciar o uso de insulina basal xas doses quando o pH estiver < 7,1 (cálculo
sugerido: bicarbonato = peso corporal x 0,3 x
excesso de base/2). Em relação ao uso de fos-
fato na CAD, vários trabalhos prospectivos e
Tabela – Principais recomendações (graus) e níveis de evidências randomizados não conseguiram provar efei-
Recomendações Grau Nível de evidência to benéfico(1, 8, 25-31).
CAD/EHH grave (insulina intravenosa contínua é o tratamento de A 1
escolha)
CAD/EHH leve ou moderada (insulina IM ou SC h/h é o tratamento de es- A 1 6. Complicações
colha)
Uso de bicarbonato de sódio na CAD com pH > 7,1 C 2 As complicações mais comuns da CAD e
Uso de fosfato é recomendado na CAD/EHH B 2 do EHH são hipoglicemia, hipopotassemia e
edema cerebral, complicação rara no adulto
Correção gradual de glicemia e osmolalidade pode evitar edema cerebral B 3
mas que pode evoluir com herniação de tron-
Tratamento da desidratação da CAD com solução salina isotônica A 1 co cerebral e parada respiratória(1, 23, 32, 33).

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117
Diretrizes sbd 2006

Diagnóstico, classificação
e tratamento das
hipoglicemias

1. Diagnóstico  O teste oral de tolerância à glicose (TOTG)


de 2h ou 3h não é útil na investigação de hi-
1.1. Clínico poglicemia pós-absortiva.

 Suspeita diagnóstica em pacientes com:


– sintomas ou sinais sugestivos de hipoglice- 2.2. Hipoglicemia não-relacionada à
mia reversíveis após a alimentação ou admi- alimentação
nistração de glicose. A tríade de Whipple evi-
dencia que a origem dos sintomas é devida à  Determinação de glicemia na vigência de si-
hipoglicemia, sendo caracterizada pela rever- nais e sintomas de hipoglicemia: tem o obje-
são dos sintomas (confusão mental, alterações tivo de confirmar hipoglicemia, que pode ser
de personalidade, taquicardia, convulsão, es- definida como níveis < 45mg/dl no soro ou
tupor, coma, alterações visuais e sinais neuro- no plasma. Uma vez confirmada a existência
lógicos locais) após administração de glicose; de hipoglicemia, procede-se à investigação
– glicemia de jejum < 50mg/dl; descrita a seguir, que, além de confirmar a
– pacientes com suspeita de neoplasia endó- hipoglicemia, tem o objetivo de esclarecer a
crina múltipla (NEM) do tipo 1; etiologia.
– recém-nascido de gestante diabética ou  Determinação de glicose no soro ou no plas-
com sinais de hipoglicemia. ma e de insulina e peptídeo C no soro: colher
sangue em jejum de 12h ou na vigência de
sintomas e sinais sugestivos de hipoglicemia.
Se glicemia < 40mg/dl e insulinemia < 6μUI/ml
2. Investigação (radioimunoensaio [RIE]) ou < 3μUI/ml (imu-
laboratorial nofluorimetria [IFMA]), está confirmada a si-
tuação de hipoglicemia por hiperinsulinemia.
2.1. Hipoglicemia pós-absortiva (até 5h Nessa situação temos as seguintes possibili-
após as refeições) dades:
– hiperinsulinemia endógena: tumor de
 Determinar a glicemia na vigência dos sin- pâncreas produtor de insulina (insulinoma);
tomas ou, se não for possível, após refeição nesidioblastose; hiperplasia de células beta;
mista semelhante àquela que provoca os sin- administração de sulfoniluréia (hipoglicemia
tomas: factícia).
– se a glicemia plasmática for > 50mg/dl na – hipersinulinemia exógena:
vigência de sintomas, considerar esses sinto- a) administração de insulina (hipoglicemia
mas independentes da glicemia; factícia). Nessa circunstância, analisar o valor
– se a glicemia plasmática for < 50mg/dl, pros- do peptídeo C: se > 0,7ng/ml, há hiperinsuli-
seguir a investigação com o teste de jejum nemia endógena (pancreatopatia ou admi-
prolongado. nistração de sulfoniluréia). A administração

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2006 Diretrizes sbd

de sulfoniluréia só pode ser afastada pela de-  fazer a determinação de glicemia capilar a por insulina exógena. Durante a hipoglicemia,
terminação desses compostos no soro ou em cada 6h, até que os níveis glicêmicos sejam o peptídeo C deve ser < 0,7ng/dl.
seus metabólitos na urina. Quando isso não < 60mg/dl. A partir de então se inicia a de- No teste do glucagon, pacientes com in-
for possível, o diagnóstico é de exclusão; terminação de glicemia capilar com coleta de sulinoma têm elevação glicêmica > 25mg/dl.
b) presença de anticorpos antiinsulina ou seu sangue para determinação de glicemia sérica Tratando-se de pacientes com hipoglicemia
receptor: se glicemia < 40mg/dl e insulinemia a cada hora: após refeição mista e teste de jejum prolonga-
> 100μUI/ml com peptídeo C não-suprimido, – quando a glicemia capilar for < 40mg/dl do normal (72h), considerar o diagnóstico de
investigar anticorpos antiinsulina; se glicemia ou, também, o paciente estiver com sintomas síndrome de hipoglicemia pancreatogênica
< 40mg/dl e insulinemia > 6μUI/ml com pep- de hipoglicemia, interromper o teste após não-insulinoma (nesidioblastose) e proceder
tídeo C suprimido, investigar hipoglicemia in- colheita de duas amostras, ainda que em in- ao teste de estímulo de insulina através da
duzida por administração de insulina exógena tervalo de minutos; injeção arterial de cálcio (Ca).
ou pela presença de anticorpos anti-receptor – administrar glucagon (1mg por via endove-
de insulina (em geral o paciente apresenta nosa [EV]) e colher amostras para dosagem de
acantose nigricante ou outra doença imuno- glicemia nos tempos 10, 20 e 30min;
lógica associada);  ao interromper o teste, alimentar o paciente.
3. Investigação
c) hipoglicemia não-dependente de insulina: radiológica
se glicemia < 40mg/dl e insulina < 6μUI/ml
(RIE) ou < 3μUI/ml (IFMA), hipoglicemia com 2.3.2. Interpretação  Tomografia computadorizada (TC) ou resso-
hipoinsulinemia. Nessa situação consideram- nância nuclear magnética (RNM) de abdome
se as seguintes possibilidades: Mesmos valores de insulinemia (RIE: para avaliação de imagem pancreática.
– insuficiência renal ou hepática grave; < 6μUI/ml ou IFMA < 3μU/ml). Se a dosagem  Ultra-sonografia endoscópica transesofágica.
– deficiência de hormônio do crescimento de insulina não for elevada, dosar também a
(GH), hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pró-insulina. Observação: em pacientes com diagnós-
ou cortisol, isolados ou em associação (deter- A maior parte dos pacientes com insulino- tico de hipoglicemia dependente de insulina,
minar a concentração plasmática de cortisol, ma tem hipoglicemia nas primeiras 24h com investigar MEN 1 pela determinação de Ca,
GH e fator de crescimento semelhante à insu- cetonúria negativa. É necessária a dosagem fósforo (P), paratormônio (PTH), prolactina
lina [IGF-I]); de peptídeo C simultaneamente com a insu- (PRL), GH e IGF-I com avaliação radiológica da
– tumores extrapancreáticos produtores de linemia em suspeita de hipoglicemia induzida hipófise.
IGF-II (em geral são tumores grandes, mesen-
quimais, mais freqüentemente retroperitone-
ais, mas também podem estar presentes em
fígado, pleura, pericárdio, etc.). Determinar a Suspeita diagnóstica
concentração plasmática de GH, IGF-I, IGF-II e
suas proteínas transportadoras (IGFBPs). História
Se após jejum de 12h a glicemia > 40mg/dl,
deve-se realizar o teste de jejum prolongado.
Medicações/toxinas: Hipoglicemia de Hipoglicemia
• insulina jejum (adulto) pós-prandial
• sulfonilréias
2.3. Teste de jejum prolongado •álcool
• salicilatos
• etc. Teste jejum prolongado Excluir
É indicado quando o paciente não apre- (48-72h) com glicemia < 40mg/dL hipoglicemia de jejum
senta hipoglicemia espontânea. O teste do
jejum prolongado, com duração de até 72h,
pode desencadear resposta hipoglicêmica. Insulina
? peptídeo C ?
Teste com
Provável excluir: refeição-padrão
insulinoma • ICC
2.3.1. Procedimento • uremia
• sepsE
 Anotar o momento da última refeição; localização:
• neoplasia
 permitir a ingestão de líquidos não-calóri- • ct de abdome Teste com
cos, sem cafeína; • USG endoscópica (PAAF) hipoglicemia refeições freqüentes
• rm de abdome factícia pobres em cho simples
 no início do teste, coleta de sangue para de-
terminação de glicemia, insulina e peptídeo C.
Determinar a cetonúria; Figura – Fluxograma para avaliação de hipoglicemia

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Diretrizes sbd 2006

4. Tratamento ração dos linfonodos locais é importante na secreção insulínica em 50% dos casos com res-
avaliação da agressividade tumoral. O exame posta inversamente proporcional à elevação
O único tratamento efetivo para os insuli- histopatológico não se correlaciona com a de pró-insulina. O uso de diazóxido na dose de
nomas é sua extirpação cirúrgica. Os insulino- natureza biológica do tumor. Dez por cento 400-600mg/d pode ser extremamente útil pré-
mas são, geralmente, nódulos únicos (< 2cm dos insulinomas são malignos e sua caracte- operatoriamente ou em pacientes com risco ci-
de diâmetro), bem isolados e, algumas vezes, rização depende somente da comprovação rúrgico. Os efeitos colaterais incluem retenção
distribuídos pelo pâncreas. A cirurgia pan- de metástases hepáticas. Algumas vezes é hidroeletrolítica e intolerância gastrointestinal,
creática é associada a alta morbidade, prin- possível evidenciar linfonodos acometidos que podem ser minimizadas com a introdução
cipalmente se o ducto pancreático for com- localmente. Na ausência de metástases hepá- gradual da medicação. Os análogos da soma-
prometido. Por isso é essencial a localização ticas, a ressecção dos linfonodos envolvidos tostatina, com efetividade variável, são, ainda,
pré-operatória da afecção. é geralmente curativa. As metástases dos tu- considerados medicamentos de segunda esco-
A remoção cirúrgica do insulinoma é cura- mores de células beta comumente são pouco lha. Os análogos de somatostatina (SOM-230)
tiva em mais de 80% dos casos. Os tumores secretoras ou secretam hormônios diferentes com maior especificidade para a isoforma 5 do
na cauda do pâncreas podem necessitar de dos encontrados na lesão primária. receptor de somatostatina (SSTR5) poderiam
esplenectomia concomitante e imunização O tratamento clínico dos insulinomas li- ser úteis, uma vez que estes tumores parecem
antipneumocócica pré-operatória. A explo- mita-se ao uso de diazóxido, que pode inibir a expressar o SSTR5 em maior grau.

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121
Diretrizes sbd 2006

Aplicação de insulina

1. Introdução O refil aberto deverá permanecer na ca-


neta e não poderá ser guardado em refrigera-
A utilização da insulina exógena requer um ção, pois danificaria o instrumento. Também
aprendizado de vários aspectos, pois sua ação tem a validade de 30 dias.
está diretamente relacionada a fatores que en-
volvem desde sua compra até a aplicação efe-
tiva. O desenvolvimento de habilidades espe- 3.1. Armazenamento de seringas
cíficas deverá ser o foco principal do educador. preparadas

Quando a prescrição é de insulina NPH e/ou


pré-mistura de NPH + R existe a possibilidade de
2. Concentração preparo antecipado na seringa. Nessa situação
devemos observar a recomendação de mantê-
A concentração das insulinas no mercado la refrigerada na posição horizontal, ou com a
brasileiro é U-100, ou seja, 1ml = 100 unidades agulha voltada para cima, e utilizá-la no prazo
de insulina. Comercialmente elas se apresen- máximo de 30 dias. Dessa forma não ocorrerá
tam em frascos de 10ml (contendo 1.000 uni- obstrução causada pelas partículas em suspen-
dades) para utilização em seringas e em refis são. Antes da aplicação deve-se homogeneizar
de 3ml (contendo 300 unidades) para utiliza- levemente a solução (passo importante).
ção em canetas. Em qualquer outra preparação não se
pode utilizar tal procedimento.

3. Armazenamento
4. Transporte
De acordo com a recomendação do fabri-
cante os frascos fechados de insulina devem O transporte de insulina obedece às reco-
ser armazenados em geladeira (2° a 8°C), fora mendações do fabricante.
da embalagem térmica, na gaveta dos legu-
mes ou na primeira prateleira mais próxima 4.1. Transporte de curta duração (diário ou
desta. A porta do refrigerador não é uma op- até 24h)
ção adequada, uma vez que existe maior va-
riação de temperatura e mobilidade do frasco Deverá ser realizado em embalagem co-
a cada abertura. mum, respeitando-se os cuidados com luz so-
Quando observadas as recomendações lar direta, e sempre como bagagem de mão.
citadas, o prazo de expiração é de dois anos. Nunca deixar em porta-luvas, painel, baga-
O frasco aberto poderá ser mantido em geiro de carro ou ônibus; no avião deverá ser
refrigeração (2° a 8°C) ou em temperatura am- colocado embaixo do banco.
biente, entre 15° e 30°C. Em ambas as condições
o conteúdo deverá ser utilizado no período de
30 dias. Observa-se ainda que na primeira op- 4.2. Transporte comercial
ção o frasco deverá ser retirado da geladeira de
10 a 20 minutos antes da aplicação para garan- Embalagem térmica (caixa de isopor)
tir melhor conforto, reduzindo irritação no local. com gelo reciclável separado, por um isolante
Insulina gelada causa dor após a aplicação. (papelão ou placa de isopor), da insulina, que

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2006 Diretrizes sbd

deverá estar envolvida em saco plástico a fim brasileiro canetas descartáveis e reutilizáveis. A cada região atribui-se uma velocidade
de evitar o congelamento do produto, o que Os formatos da caneta e dos refis variam, as- de absorção, sendo esta maior no abdome,
motivaria a sua inutilização. sim cada refil de insulina deverá ser usado so- seguido de braços, coxas e nádegas.
mente em sua respectiva caneta. Atualmente A prática esportiva aumenta o fluxo san-
dispomos de refis em quase todas as formu- güíneo e, conseqüentemente, a absorção tor-
5. Instrumentos lações e em volume de 3ml equivalentes a na-se mais rápida, portanto é desaconselhá-
disponíveis para 300UI de insulina. Todas as canetas possuem vel a aplicação de insulina, naquele período,
aplicação um visor onde a dose de insulina prescrita é na região do corpo que será mais utilizada
selecionada através da rotação de um botão durante o exercício(4, 5).
Os aparelhos disponíveis para aplicação em incrementos de 0,5 ou 1 unidade. Vários A escolha do local de aplicação, assim como
de insulina são seringas, canetas injetoras e trabalhos associam o bom controle ao uso das a devida orientação do rodízio, contribui positi-
bombas de infusão. canetas injetoras, apontando conveniência na vamente para a absorção da insulina e deverá
aplicação, praticidade, precisão na dose, além ser discutida e acordada junto ao paciente.
da redução da hemoglobina glicada.
5.1. Seringas As misturas de insulinas não podem ser fei-
tas pelo próprio paciente nas canetas injetoras, 7. Técnica de aplicação de
Devem ter escalas adequadas à concen- de modo qua a utilização somente de caneta insulina com seringa
tração U-100. pode não diminuir o número de aplicação(3).
 Com agulha removível: possuem em sua  Agulha para caneta: as agulhas utilizadas Introdução de ar no frasco – deve-se in-
ponta um espaço morto contendo até 5UI de em canetas possuem formato próprio e a sua troduzir no frasco a mesma quantidade de ar
insulina que não é computada na escala numé- escolha segue as orientações já citadas. que a prescrita de insulina, antes da aspirá-
rica nem administrada ao paciente, mas a cada la. Isso impede a formação de vácuo, facilita
aplicação ocorre desperdício do produto. Essa a aspiração e promove a retirada correta da
seringa não pode ser utilizada caso a prescrição 5.3. Bomba de infusão de insulina dose(1, 4-6);
seja de mistura de insulina na mesma seringa,  prega cutânea – deve-se fazê-la antes de
pois ocorreria erro na dosagem(1). De acordo Essa opção para aplicação de insulina está introduzir a agulha e soltá-la antes de injetar
com a técnica de mistura ocorreria uma su- sendo apresentada em outro capítulo. a insulina. Na prática clínica não se observa
perdosagem de insulina R ou UR (aproximada- diferença de absorção mantendo-se a prega,
mente 5UI) e conseqüentemente, 5UI a menos desde que ela seja solta antes da retirada da
de insulina NPH. Nesse caso a opção é realizar 6. Local de aplicação agulha. Não deverá ser feita prega cutânea
duas aplicações, e a agulha é de 12,7 x 0,33. quando utilizadas agulhas de 5 e 6mm;
 Com agulha acoplada (fixa): tem apresentação As regiões mais recomendadas para apli-  tamanho da agulha – deverá ser avaliado
em volume diferenciado, isto é, 30 unidades, 50 cação de insulina subcutânea são(2): pelo profissional segundo o IMC do paciente,
unidades e 100 unidades para prescrição de até  abdome – regiões lateral direita e esquerda conforme descrito anteriormente;
30, 50 e 100 unidades por aplicação, respectiva- distantes 4-6cm da cicatriz umbilical;  ângulo de aplicação – deverá ser de 90
mente(2). Nas duas primeiras cada graduação re-  coxa – face anterior e lateral externa. Em graus quando utilizado o tamanho adequado
presenta uma unidade; na última, duas unidades. adultos compreende a região entre 12 e 15cm de agulha. Em alguns casos, após avaliação
Nessas apresentações há mais opções em tama- abaixo do grande trocanter e de 9-12cm acima criteriosa do profissional, faz-se necessária a
nho de agulhas: 12,7 x 0,33mm e 8 x 0,3mm(2). do joelho, numa faixa de 7 a 10cm de largura. utilização do ângulo de 45 graus (adultos e
Devemos observar o índice de massa cor- Em crianças a região é a mesma, respeitando- crianças muito magros)(7);
pórea (IMC = peso/altura2) ao definir o tama- se a proporcionalidade corporal;  aspiração após a introdução da agulha – é
nho da agulha a ser utilizada. Assim, crianças  braço – face posterior; desnecessária quando se utiliza equipamento
e adolescentes com qualquer IMC podem se  nádega – quadrante superior lateral externo adequado(7);
beneficiar com as agulhas curtas (8 x 0,3mm), da região glútea.  reutilização de seringas e agulhas – a Divisão
assim como os adultos com IMC < 25kg/m2. O rodízio nos locais de aplicação é mui- Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamen-
Adultos com IMC > 25kg/m2 deverão utilizar to importante na prevenção de lipodistrofia, tos (DIMED) no Brasil, através da portaria nº 3
agulhas de 12,7 x 0,33mm(2). além de garantir melhor absorção. de 7/2/86, proíbe qualquer prática de reutiliza-
Segundo as recomendações da Associa- ção descartável em serviço hospitalar público
ção Americana de Diabetes (ADA) de 2005, ou privado, porém nenhuma legislação vigen-
5.2. Canetas injetoras devemos esgotar as possibilidades de apli- te cita essa prática em nível doméstico. Alguns
cação em uma mesma região, distanciando estudos isolados mostram que, considerando-
São mais um instrumento que auxilia as aplicações aproximadamente 2cm uma se alguns critérios, nem todos os pacientes
o paciente em suas aplicações de insulina, da outra. O rodízio de forma indiscriminada apresentam problemas relacionados ao reúso.
principalmente com o uso de múltiplas doses causa variabilidade importante na absorção, A ADA descreve essa prática com base nos adi-
diárias (MDI). Encontram-se hoje no mercado dificultando o controle glicêmico(4, 5). tivos bacteriostáticos (fenol e metacresol) con-

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Diretrizes sbd 2006

tidos no frasco de insulina que inibem o cresci- não tocar a parte interna do êmbolo; Se a retirada foi maior que a necessária,
mento bacteriano no frasco, porém não existe  retirar o protetor da agulha e injetar o ar den- em hipótese alguma o excesso deve ser de-
normatização legal a respeito(1). Em situações tro do frasco de insulina, previamente desin- volvido ao frasco. Descartar as insulinas e rei-
de extrema necessidade, a técnica asséptica fetado, pressionando o êmbolo até o seu final; niciar o procedimento.
deverá ser rigorosamente observada: higiene  sem retirar a agulha, posicionar o frasco
correta das mãos, uso do álcool a 70% para de cabeça para baixo e puxar o êmbolo até
desinfecção da borracha do frasco e da pele a dose prescrita; tomando o cuidado de não
e acondicionamento da seringa reencapada, tocar a parte interna do êmbolo;
10. Técnica de aplicação
sem lavá-la em água corrente ou passar álcool,  se houver presença de bolhas de ar é pos- com canetas injetoras(3)
em local limpo e seco ao abrigo do sol; aspirar sível eliminá-las golpeando-as com as pontas
pequena quantidade de ar para evitar a obs- dos dedos e assim que as bolhas atingirem o  Retirar a tampa da caneta;
trução da agulha. Esses pacientes deverão ser bico da seringa empurrar o êmbolo novamen-  desrosquear a caneta, separando-a em duas
rigorosamente observados quanto à presença te e aspirar a quantidade de insulina que falta. partes (corpo e parte mecânica);
de rubor, calor e edema no local da aplicação(1). As pequenas bolhas de ar não são perigosas  girar o parafuso interno até ficar completa-
O profissional de saúde deverá enfatizar junto se injetadas, mas sua presença reduz a quan- mente dentro da parte mecânica;
ao paciente que o risco de infecção ao reutilizar tidade de insulina a ser administrada;  acomodar o refil de insulina no corpo da
a seringa é real e que tal situação instalada co-  retirar a agulha do frasco, protegendo-a até caneta;
laborará para episódios de hiperglicemias; o momento da aplicação.  rosquear de forma estanque a parte mecâni-
• descarte do material utilizado – o descarte de ca ao corpo da caneta;
material perfurocortante de forma inadequada  rosquearaagulhaparacanetanapontadorefil;
pode causar sérios transtornos às pessoas e ao  selecionar duas unidades e pressionar com-
meio ambiente. O depósito do material utiliza-
9. Técnica de aplicação:
pletamente o botão injetor, repetir a operação
do (seringas e agulhas) pode ser feito em reci- mistura de insulina(4, 6) até o aparecimento de uma gota de insulina
pientes industrializados apropriados e, na falta na ponta da agulha;
destes, um recipiente rígido, com boca larga e Para melhorar o perfil glicêmico de al-  selecionar o número de unidades de insuli-
tampa pode ser usado. Mesmo assim existe a in- guns pacientes a prática de misturas de dois na necessárias;
conveniência no momento da colocação no lixo tipos de insulina na mesma seringa é bas-
 introduzir a agulha no subcutâneo;
comum, o que faz esse material ir para os lixões tante comum. Existem no mercado as insuli-
 pressionar o botão injetor;
e mais uma vez oferecer riscos à população. Não nas pré-misturadas, porém muitas vezes em
 após a administração, aguardar cinco se-
existe nenhuma normatização governamental concentrações que não são adequadas para
gundos antes de retirar a agulha;
a respeito, ficando a critério do profissional de a necessidade.
 retirar a agulha, pressionar o local por mais
saúde e do usuário encontrar soluções para mi- Não são todas as formulações que po-
cinco segundos;
nimizar os riscos de contaminação e acidentes. dem ser associadas em uma mesma seringa,
 retirar e descartar a agulha utilizada;
e quando isso é possível devemos obedecer
 recolocar a tampa da caneta;
aos seguintes critérios:
• mistura de NPH + regular – pode ser utilizada  guardar a caneta em uso em temperatura
8. Técnica de aplicação: imediatamente ou armazenada em refrigera- ambiente (nunca poderá ser guardada no re-
aspectos práticos(4, 6-7) dor para uso em 30 dias; frigerador).
 mistura de NPH + ultra-rápida – deverá ser Observação: se a insulina for de aparência
 Lavar cuidadosamente as mãos; utilizada imediatamente após o preparo; leitosa deve-se homogeneizar a solução antes
 reunir todo o material necessário, ou seja,  mistura de regular + lenta – não tem indicação; da aplicação, fazendo movimentos de pêndu-
insulina prescrita, seringa com agulha e algo-  glargina ou detemir + qualquer outra insuli- lo suavemente.
dão embebido em álcool 70%; na – não tem indicação.
 homogeneizar a suspensão de insulina NPH Descreveremos a seguir a técnica correspon-
rolando o frasco com movimentos interpal- dente ao procedimento: 11. Conclusão
mares suaves, tomando o cuidado de não  injetar o ar correspondente à dose prescrita
agitar o frasco vigorosamente; de insulina NPH no frasco de insulina NPH; A fabricação de novas insulinas e instru-
 proceder à desinfecção da borracha do fras-  retirar a agulha do frasco sem aspirar a in- mentos facilitadores de aplicação vem auxiliar
co de insulina com algodão embebido em sulina NPH; de forma significativa a prescrição de múlti-
álcool 70%;  injetar o ar correspondente à dose prescrita de plas doses de insulina.
 retirar o protetor do êmbolo, mantendo o insulina R no frasco de insulina R e retirar a dose; O profissional de saúde envolvido deverá,
protetor da agulha;  introduzir novamente a agulha no frasco de diante de toda essa tecnologia, atualizar-se e
 puxar o êmbolo, por sua extremidade infe- insulina NPH, no qual o ar foi previamente inje- encontrar recursos educacionais adequados a
rior, até a graduação correspondente à dose tado, e puxar o êmbolo até a marca correspon- cada paciente, propiciando o entendimento e
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125
Diretrizes sbd 2006

Tratamento com insulina


em pacientes internados

1. Introdução cirurgia de revascularização e acidente vascu-


lar cerebral (AVC) sejam de cinco a seis vezes
Os custos para o paciente diabético in- mais altas quando a glicemia for maior que
ternado representam hoje cerca de 63% do 220mg/dl.
custo anual com a doença, e a maior parte A manutenção da hiperglicemia está
desse gasto é com pacientes com diagnós- associada com piora na evolução e diversos
tico secundário de diabetes. Assim, o trata- estudos mostram que a infusão de insulina
mento do paciente hospitalizado para doen- melhora a função fagocitária neutrofílica em
ça cardíaca, infecções, cirurgias, etc. constitui 75%, quando em comparação com 47% num
o principal problema de saúde pública em grupo controle. A manutenção dos valores de
diabetes atualmente. É estimado que o gas- glicemia inferiores a 200mg/dl reduz o risco
to na internação de pacientes com diabetes de infecções, e o uso de terapia agressiva
é o dobro do com as complicações crônicas, para a manutenção da normoglicemia redu-
e o período de hospitalização é de um a três ziu a mortalidade de pacientes diabéticos
dias mais longo do que para o não-diabético. em cirurgia de revascularização de miocárdio
Estima-se que 26% da população de pacien- para valores encontrados em não-diabéticos.
tes hospitalizados com diabetes não sabiam O estudo Diabetes Mellitus, Insulin Glucose
de seu diagnóstico anteriormente a essa in- Infusion in Acute Myocardial Infarction
ternação. (DIGAMI) tratou pacientes diabéticos com in-
Os principais fatores que influenciam o farto agudo do miocárdio (IAM) com infusão
controle da glicemia em pacientes hospitali- de insulina e glicose, diminuindo considera-
zados são o aumento dos hormônios contra- velmente a mortalidade aguda e, após um
reguladores, como catecolaminas, cortisol, ano, o evento cardiovascular.
hormônio do crescimento (GH) e glucagon,
que induzem resistência insulínica. Além
desses fatores ocorrem mudança do padrão
alimentar e do horário das refeições, eventual
2. Protocolo de
infusão de glicose intravenosa, falta de ativi- insulinização para o
dade física, mudança do horário das injeções paciente sem alimentação
de insulina e o eventual uso de medicação
com ação hiperglicemiante, como o uso de por via oral
corticosteróides e catecolaminas. Esses fato-
res fazem com que ocorram anormalidades O método preferencial de tratamento da
de fluidos e eletrólitos secundárias à diurese hiperglicemia do paciente diabético que não
osmótica, diminuição da função dos leucó- está com alimentação por via oral (VO) é a infu-
citos, redução do esvaziamento gástrico e são de insulina constante ou, alternativamente,
aumento das complicações cirúrgicas, como o uso de insulina glargina por via subcutânea. A
infecção na ferida e infecção hospitalar. técnica de insulinização contínua pode utilizar
Estudos epidemiológicos mostram que bomba de infusão ou via endovenosa usando
essas alterações fazem com que a morbidade gotejamento. O preferencial é a utilização de
e a mortalidade para infarto do miocárdio (IM), bomba de infusão, devendo obedecer a um

126
2006 Diretrizes sbd

planejamento do intervalo glicêmico desejável Tabela – Protocolo de Watts resumido


com a finalidade de minimizar hiper ou hipo-
glicemia. Deve também usar uma infusão de  Glicose a 5% com 20mEq de KCl por litro infundido na velocidade de 100ml/hora
glicose endovenosa para reduzir a probabilida-  Insulina regular ou ultra-rápida 1,5U/hora endovenosa
de de hipoglicemia e, ainda, usar um algoritmo  Avaliar glicemia a cada 2 horas e controlar conforme o esquema: se < 80mg/dl,
individualizado da velocidade de infusão. Um diminuir a insulina para 0,5U/hora e administrar 25ml de glicose a 50%; se entre 80 e 119,
protocolo bastante utilizado é o de Watts, resu- apenas diminuir a insulina para 0,5U/hora; se entre 120 e 180, não alterar; se entre 180 e 240,
mido na Tabela(1). aumentar a insulina em 0,5U/hora; e se > 240, aumentar em 0,5/hora e infundir 8U em bolo
Para casos mais simples e alimentação
À medida que o processo infeccioso se resolver as necessidades de insulina diminuirão,
parenteral poderá ser utilizado o esquema de
havendo então necessidade de reavaliar o esquema terapêutico a todo momento
insulinização com insulina glargina e eventual
acréscimo de regular ou ultra-rápida, confor-
me o perfil glicêmico realizado a cada 2 ou
4 horas.
muito utilizado é o de insulina intermediária 4. Tratamento de
(neutral protamine hagedorn [NPH] ou lenta)
em duas tomadas ao dia, e a dose deve ser
pacientes internados
ajustada pelas glicemias de jejum e pré-jan- que estavam em uso de
3. Protocolo de tar, utilizando-se as glicemias pré-desjejum antidiabéticos orais
insulinização para e pré-almoço e jantar para controlar a dose
da insulina de ação rápida ou ultra-rápida. O uso de antidiabéticos orais em geral
paciente em alimentação Usualmente usam-se 5U de insulina regular é substituído pelo de insulina quando da
por via oral pré-refeição. Se a glicemia se mantiver em internação de pacientes, pois os hábitos ali-
80-100mg/dl, diminuir em 1U. Se entre 101 mentares não são previsíveis e pode ocorrer
Para pacientes que já estavam em esque- e 150, não alterar a dose; se entre 151 e 200, períodos longos de jejum, alimentação pa-
ma de insulinização e estiverem bem controla- aumentar em 1U; se entre 201 e 250, aumen- renteral ou concomitância com fatores hiper-
dos pode ser mantido o esquema anterior. As glicemiantes. A metformina também deve ser
tar em 2U, se entre 251-300, aumentar em 3U;
necessidades insulínicas variam amplamente suspensa pela possibilidade de concomitân-
e se superior a 300, acrescentar 4U e avaliar
de paciente para paciente. Os indivíduos com cia com infecções, falência cardíaca, uso de
o nível de cetonemia. As glicemias de jejum
diabetes mellitus tipo 1 (DM1) são mais sen- contrastes radiológicos, situações essas asso-
síveis à insulina e utilizam doses menores, ao e pré-jantar devem ser aumentadas ou dimi-
ciadas com o risco de acidose láctica. O uso de
redor de 0,5 a 1U/kg/dia. Essas doses podem nuídas em 2-4U, conforme os valores encon- tiazolidinedionas também deve ser evitado
variar dependendo da concomitância com in- trados. Assim, enfatiza-se que apenas a mo- pela possibilidade de associação com falência
fecções, estresse, etc. nitorização contínua e a observância de um cardíaca e risco de retenção hídrica. Deve ser
Pacientes com diabetes mellitus tipo 2 protocolo estrito podem permitir o controle lembrado que os efeitos metabólicos desses
(DM2) são, por definição, insulinorresisten- de pacientes internados, ou seja, pacientes medicamentos podem levar semanas para
tes, e a dose em geral é bem superior à uti- sob situação de estresse cirúrgico ou infec- aparecer e também continuam agindo por
lizada para o diabetes tipo 1. Um esquema cioso(1). semanas após sua descontinuação(2, 3).

Referências
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127
Diretrizes sbd 2006

Preparo pré e
pós-operatório do
paciente com diabetes
MELLITUS

1. Introdução ocasionar outras condições, tais como dese-


quilíbrio hidroeletrolítico e distensão abdo-
Mais de 50% dos pacientes diabéticos minal, podendo inclusive sugerir a necessi-
têm chance de serem submetidos a alguma dade de nova intervenção.
cirurgia pelo menos uma vez na vida(1, 2). Por outro lado o risco de hipoglicemia,
Um grupo observou o risco de morta- em conseqüência do jejum prolongado ou
lidade 1,5 vez maior em pacientes diabéti- mesmo como complicação da insulinização
cos(3). Por outro lado, outros grupos mostra- intensiva, também é outra complicação
ram não haver diferença na mortalidade em possível.
pacientes diabéticos submetidos a cirurgia O diabetes mal controlado predispõe
de revascularização coronariana(4, 5). a uma pior resposta à infecção. A hipergli-
Avaliações mais recentes mostraram re- cemia altera a função leucocitária, espe-
dução da mortalidade em pacientes diabéti- cialmente a quimiotaxia e a fagocitose, au-
cos submetidos a cirurgia cardíaca quando menta o risco de sangramento e prejudica
em tratamento insulínico intensivo(6, 7, 8). os processos inflamatório e de cicatrização.
Tal observação também foi evidenciada Também induz estresse oxidativo e trom-
em outras séries: pacientes infartados, dia- bose(11, 12).
béticos ou não, submetidos a angioplastia As complicações anestésicas (arritmias, hi-
primária, em tratamento insulínico intensivo, potensão e depressão respiratória) e as cardía-
mostraram uma redução de cerca de 30% na cas (infarto agudo do miocárdio [IAM] e ede-
mortalidade(9). Resultados semelhantes foram ma agudo do pulmão [EAP]) merecem toda
encontrados por Van den Berghe, que avaliou a atenção durante o procedimento cirúrgico,
mais de 1.500 pacientes, diabéticos ou não, bem como no pós-operatório (Tabela 1).
internados em UTI, em sua grande maioria em
pós-operatório imediato e também submeti-
dos a esquema insulínico intensivo, com redu- 3. Alterações
ção significativa de morbimortalidade(10).
metabólicas
O trauma cirúrgico que se inicia na
2. Complicações indução anestésica acarreta efeitos meta-
cirúrgicas bólicos, como aumento dos hormônios da
contra-regulação, catecolaminas, cortisol,
O estresse cirúrgico pode desencadear glucagon e hormônio do crescimento (GH)
cetose e cetoacidose, que por sua vez pode (Tabela 2).

128
2006 Diretrizes sbd

Tabela l – Complicações cirúrgicas em diabéticos mais de 50% desses pacientes morrerão des-
sa complicação. Tal situação se agrava ainda
1. Metabólicas
mais com a idade e a duração do diabetes.
 Hiperglicemia Recomenda-se avaliação detalhada da fun-
 Cetoacidose ção cardiovascular nesse período pré-opera-
 Coma hiperosmolar tório (Tabela 2).

 Hipoglicemia
 Distúrbio eletrolítico 4.3. Avaliação neurológica
2. Anestésicas
Tem como objetivo principal detectar a
 Arritmia
presença de neuropatia autonômica, compli-
 Hipotensão (choque) cação comumente encontrada sobretudo em
 Depressão respiratória pacientes com longa duração de diabetes.
3. Cardíacas A presença de hipotensão postural e a
freqüência cardíaca fixa, tal como em trans-
 Infarto agudo do miocárdio plantados, são alguns sinais que podem
 Edema agudo de pulmão (hipervolemia) advertir quanto à presença do comprometi-
4. Renais mento nervoso do coração.
 Insuficiência renal aguda Atenção quanto à possibilidade da pre-
sença de gastroparesia e bexiga neurogêni-
- Choque
ca, evitando complicações durante eventos
- Sepses cirúrgicos.
5. Infecciosas

5. Cuidados
Tabela 2 – Rotina de exames cardiovasculares peroperatórios
 Exame físico Avaliação de hipotensão postural
Quando for instituída a insulinização
Pulsos periféricos
venosa atenção especial deve ser dada ao
 Eletrocardiograma (ECG) potássio. Avaliação da calemia a cada 2-4h
 Ecocardiograma é recomendável. Quando necessário repor,
 Teste ergométrico (caso haja alteração no ECG) fazê-lo com até 20mEq/l de cloreto de po-
tássio (KCl), à razão de 100ml/h, desde que a
 Cintilografia cardíaca (caso haja alteração no teste de esforço) função renal seja normal (Tabela 3).
 MAPA (portadores de hipertensão arterial mal controlados) Tão logo se restabeleça a alimentação
MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial. por via oral a infusão de insulina deve ser in-
terrompida. A interrupção deve ser precedi-
da pela aplicação de pequena dose de insu-
4. Cuidados béticos, quer sejam tipo 1 ou 2, avaliação da lina regular e seguida do restabelecimento
função renal se impõe nesse período pré- do tratamento prévio.
pré-operatórios operatório. Dosagem de uréia, creatinina e
eletrólitos (Na, K, Mg), além da urinálise, são
Avaliação das funções renal, cardiovas-
em geral suficientes. 6. Cirurgias ELETIVAS
cular e neurológica deve ser realizada no
período pré-operatório. Adicionalmente as Em pessoas com diabetes de longa evolu-
funções respiratória e hepática também ne- ção oportuna seria a realização do clearance
cessitam ser avaliadas. de creatinina com a urina de 24h. 6.1. Em pacientes diabéticos
insulinodependentes

4.1. Avaliação da função renal 4.2. Avaliação da função cardiovascular Para procedimentos de pequena du-
ração ou que não necessitem de anestesia
Como a nefropatia diabética está pre- A doença cardiovascular (DCV) é comu- geral, usar 1/3 ou 1/2 da dose habitual da
sente em grande número de pacientes dia- mente encontrada em pacientes diabéticos: insulina de depósito utilizada (Tabela 4).

129
Diretrizes sbd 2006

Monitorar glicemia capilar a cada 2-4h com Tabela 3 – Protocolo de insulinização venosa
reposição de insulina regular subcutânea (SC)
 Solução: 25 unidades de insulina regular
ou análogo ultra-rápido segundo o esquema:
Glicemia Insulina Adicionadas a 250ml de soro fisiológico (0,9%)
< 120 Não aplicar Em cada 10ml – 1U de insulina
120 a 160 1 unidade  Monitorização horária da glicemia (períodos per e pós-operatório)
161 a 200 2 unidades
 Dose inicial: 1U/h
201 a 250 4 unidades
251 a 300 6 unidades  Algoritmo:
> 301 Rever necessidade Glicemia Insulina (U/h)
de insulinização venosa < 70 0 (fazer 20ml de glicose a 50%)
70 a 100 0

6.2. Em pacientes diabéticos tipo 2 101 a 150 1


151 a 200 2
Suspender hipoglicemiante oral, qual- 201 a 250 4
quer que seja, 1 a 2 dias antes da cirurgia. 251 a 300 6
Manter dieta com rigor e monitorar a glice-
301 a 350 8
mia capilar. Se necessário, fazer insulina de
depósito e/ou insulina regular. > 401 Fazer bolo de 0 ,1U/kg
No dia da cirurgia poderá ser feito 1/3
ou 1/2 da dose da insulina de depósito, caso
tenha sido utilizada previamente.
No pós-operatório se recomenda a mo-
Tabela 4 – Recomendações para diabéticos durante cirurgia
nitorização da glicemia a cada 3-4h com
reposição de insulina regular ou análogo Metas gerais
ultra-rápido segundo o esquema: Prevenir hipoglicemia, cetoacidose e distúrbio hidroeletrolítico
Controlar hiperglicemia – ideal: 100 a 140mg/dl
Glicemia Insulina Agendar cirurgias eletivas pela manhã
< 120 Não aplicar
Reintroduzir alimentação por via oral tão logo quanto possível
120 a 160 2 unidades
161 a 200 4 unidades Controle glicêmico
201 a 250 6 unidades Usar insulina venosa durante a cirurgia
251 a 300 8 unidades 1. Para todos os diabéticos insulinodependentes
> 300 Rever necessidade 2. Para todos os procedimentos maiores
de insulinização venosa
3. Para todos os procedimentos que necessitem anestesia geral
4. Em cirurgias pequenas na presença de hiperglicemia ou cetose
Para diabéticos tipo 2
7. Cirurgias de
1. Suspender hipoglicemiantes orais: 48-72h antes
emergência
2. Monitorar glicemia capilar
A qualquer momento pacientes dia- 3. Se necessário usar insulina de depósito
béticos podem necessitar de cirurgia de 4. Insulina durante a cirurgia: IV ou SC dependendo da glicemia
emergência. Nessa circunstância, algumas
medidas práticas e rápidas, resumidas na
Tabela 5, devem ser tomadas.
Algumas situações especiais, como obesi- 8. Conclusões lares, oftalmológicas e vasculares periféricas).
dade, infecção intensa com sepses, uso de cor- Por outro lado a morbimortalidade vem
ticosteróides, transplantes e by-pass cardiopul- O número de procedimentos cirúrgicos reduzindo, certamente em razão dos cuida-
monar, necessitam de altas doses de insulina. em pacientes diabéticos vem aumentando, dos pré-operatórios, pela vigilância rigoro-
Alguns autores sugerem que a glicemia capilar provavelmente pelo aumento da sobrevida. sa da glicemia com utilização de insulina
seja realizada a cada 15 a 30 minutos nas cirur- Conseqüentemente, tais pacientes são passí- venosa, além dos cuidados pós-operatórios
gias de by-pass cardiopulmonar(2). veis de sofrer mais intervenções (cardiovascu- em unidades apropriadas.

130
2006 Diretrizes sbd

Tabela 5 – Diabetes e cirurgia de emergência


 Colher sangue para:
Hemograma, glicose, uréia, creatinina, eletrólitos (Na, K, Mg) e gasometria
 Colher urina para urinálise
 ECG
 Iniciar hidratação parenteral
 Em caso de choque:
- Acesso venoso profundo
- Solução salina
- Aminas
 Em caso de cetoacidose ou hiperglicemia
- Retardar temporariamente a cirurgia
- Iniciar infusão venosa de insulina*
 Monitorar glicemia horária
*Em geral são necessárias altas doses de insulina.

Referências
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131
Diretrizes sbd 2006

Cirurgia bariátrica no
paciente diabético

1. INTRODUÇÃO Alguns pontos devem ser acrescidos a essa


indicação: 1) presença de risco cirúrgico acei-
A epidemia mundial de sobrepeso e obe- tável; 2) esclarecimento do paciente quanto
sidade afeta aproximadamente 1,7 bilhão de ao seguimento de longo prazo e à manuten-
pessoas em todo o mundo. Nos Estados Uni- ção de terapias dietéticas e suplementação
dos, dois terços da população têm sobrepeso vitamínica durante toda a vida; 3) realização
e metade é obesa. No Brasil os números são do procedimento por cirurgião habilitado; 4)
mais modestos, mas estima-se em um terço o possibilidade de avaliação e seguimento com
número de obesos. Desse total, entre 1% e 2% equipe multidisciplinar das áreas clínicas (en-
da população adulta apresentam obesidade docrinologia), nutricional e psiquiátrica(1).
grau III ou mórbida (índice de massa corporal
[IMC] > 30kg/m²). Isso implica que pelo menos
1,5 milhão de pessoas no Brasil são obesos 2. Impacto metabólico da
mórbidos. Nos pacientes obesos mórbidos, a
prevalência de diabetes tipo 2 é de 20% a 30%,
cirurgia bariátrica no
ou seja, devemos ter, no Brasil, algo como 400 DM2
mil obesos mórbidos diabéticos tipo 2. Vale a
pena destacar outros dois pontos: 1) os demais A prevenção melhora, e mesmo a rever-
obesos mórbidos não-diabéticos apresentam são do DM é observada nas diversas modali-
alto risco de desenvolver DM durante a vigên- dades cirúrgicas bariátricas.
cia da obesidade e da resistência à insulina re- Uma das primeiras grandes séries de ci-
lacionada a ela; 2) existe um grupo duas vezes rurgias em pacientes diabéticos é o estudo de
maior de obesos grau II (IMC > 35kg/m2) com Greenville (EUA), no qual 165 indivíduos dia-
DM cuja morbidade pode indicar a discussão béticos foram operados pelo by-pass gástrico
da conduta cirúrgica bariátrica. e 83% permaneceram em remissão do DM em
O tratamento da obesidade com terapias 14 anos de follow-up(2). Outro importante estu-
comportamentais (dieta e exercícios) e com do é o Swedish Obesity Study (SOS), que com-
medicamentos apresenta resultados relati- para um grupo de pacientes operados com
vamente ineficazes na manutenção do peso outro de não-operados(3). Os dados do SOS
perdido. Na obesidade mórbida esses resulta- indicam prevalência de DM, após dois anos de
dos são ainda mais desapontadores. A partir seguimento, de 8% no grupo controle e 1% no
de 1991, várias sociedades médicas interna- grupo operado, e após dez anos, 24% no grupo
cionais estabeleceram como critério de reco- controle e apenas 7% no operado.
mendação da cirurgia bariátrica o insucesso Vários outros estudos demonstram remis-
do tratamento clínico em pacientes com IMC são entre 70% e 90% dos casos, sendo eviden-
> 40, ou > 35kg/m2 nos casos de co-morbi- tes as taxas menores nos pacientes usuários
dades graves associadas a possível reversão, de insulina, nos quais a capacidade funcional
com o emagrecimento induzido pela cirurgia. da célula beta pode estar muito comprometi-

132
2006 Diretrizes sbd

da. Por outro lado, a totalidade dos pacientes tical de Mason, uma técnica praticamente a altas taxas de complicações como desnu-
que utilizam hipoglicemiantes orais reverte o abandonada no Brasil devido ao reganho de trição, litíase renal e insuficiência hepática.
DM com a cirurgia. O problema desses estu- peso e por sua inferioridade de resultados Essa técnica foi abandonada. A versão atual e
dos observacionais é que nenhum deles foi ponderais e metabólicos quando compara- eficaz do método disabsortivo é representada
planejado para verificar especificamente o das ao by-pass gástrico. A versão atual da téc- pela cirurgia de derivação biliodigestiva, co-
efeito em indivíduos diabéticos(4). nica puramente restritiva é a banda gástrica. nhecida no Brasil como cirurgia de Scopinaro,
Não existem dados sobre o impacto da O mecanismo de ação dessa técnica sobre o cuja perda de peso média é de 80% sobre o
cirurgia nas complicações crônicas micro e diabetes resume-se a redução da resistência peso excessivo inicial, com reversão do diabe-
macrovasculares do DM. Da mesma forma, é à insulina decorrente da perda de peso em si tes em pelo menos 85% dos casos. O sucesso
ainda incerto se haverá aumento da longevi- (Figura 1). Embora existam trabalhos publi- dessa cirurgia em pacientes diabéticos é refle-
dade nos pacientes operados. Novamente, o cados mostrando resultados positivos sobre xo da disabsorção de lípides (provável redu-
estudo SOS deverá fornecer as respostas defi- a remissão do diabetes, isso não corresponde ção da lipotoxicidade) e da intensa melhora
nitivas para essas questões. à prática encontrada no Brasil. Além disso, da sensibilidade à insulina. A comparação
A cirurgia bariátrica apresenta resultados existe uma tendência natural à não-divulga- entre o by-pass gástrico (cirurgia de Capella)
favoráveis nos fatores de risco cardiovascula- ção/publicação dos resultados insatisfatórios e a cirurgia de Scopinaro sobre a resistência
res. Há nítida melhora do perfil lipídico, da hi- sobre a perda de peso e inferiores na melhora à insulina foi feita em conjunto pelo grupo de
pertensão arterial, da apnéia de sono, além de das co-morbidades. O estudo SOS demonstra cirurgia bariátrica da Universidade Estadual
redução da hipertrofia ventricular esquerda e perdas ponderais de 25% do peso corporal de Campinas (UNICAMP) e por um grupo ita-
espessamento da camada íntima media das após dez anos do by-pass gástrico contra 13% liano. Nesse trabalho foi demonstrado que a
carótidas após a cirurgia. na banda gástrica. A redução da insulinemia cirurgia de Scopinaro leva à melhora da sensi-
é de 54% e 25%, respectivamente, mais uma bilidade à insulina de forma mais intensa que
vez indicando a inferioridade das técnicas pu- a cirurgia de Capella(5). Isso, no entanto, não
ramente restritivas(1). confere superioridade à cirurgia disabsortiva,
3. Mecanismos de ação pois as complicações crônicas, em especial a
das técnicas cirúrgicas desnutrição, são mais intensas nessa cirurgia.
3.2. Cirurgias disabsortivas
sobre a fisiopatologia do Além disso, as taxas de remissão do diabetes
parecem ser maiores na cirurgia de Capella.
diabetes Os procedimentos disabsortivos são efi-
cazes na redução do peso e na melhora da
3.1. Cirurgias restritivas sensibilidade à insulina. O primeiro proce- 3.3. Cirurgias hormonoincretínicas
dimento bariátrico utilizado foi a derivação
As cirurgias puramente restritivas são jejunoileal, iniciada em 1954 e caracterizada A cirurgia de gastroplastia vertical com de-
representadas pela antiga gastroplastia ver- por perdas maciças de peso, mas associada rivação jejunoileal é vista como uma evolução
da gastroplastia vertical de Mason. Os resulta-
dos superiores foram inicialmente atribuídos à
característica restritiva da cirurgia associada a
uma disabsorção imposta pela derivação jeju-
noileal. Além disso, vários trabalhos de obser-
vação mostraram melhora do controle glicêmi-
co poucos dias após a cirurgia, não podendo
ser atribuído ao emagrecimento tampouco
à melhora da resistência à insulina(6). Na ver-
dade, a intensa redução da ingesta alimentar,
acompanhada da paradoxal redução do ape-
tite, é atribuída à diminuição da produção do
hormônio grelina (um orexígeno endógeno)
pela exclusão do fundo gástrico do trânsito ali-
mentar(7). A redução da grelina no seguimento
de pacientes diabéticos foi demonstrada pela
primeira vez no Brasil pelo nosso grupo(8). Essa
redução deve ser importante na prevenção do
reganho de peso no longo prazo. A reversão do
diabetes deve-se a um aumento da sensibilida-
Figura 1 de à insulina associado à melhora da função da

133
Diretrizes sbd 2006

célula beta, incluindo a recuperação da primei-


ra fase de secreção de insulina(9). Essa recupe-
ração deve-se ao aumento do hormônio gas-
trointestinal com ação incretínica, o glucagon
like peptide 1 (GLP-1), secundário a derivação
jejunoileal. Assim, a cirurgia de Capella pode
ser considerada um procedimento com resul-
tados positivos decorrentes da modulação de
hormônios e incretinas, e é a cirurgia padrão-
ouro para o paciente obeso mórbido diabético
(Figura 2).

4. Seleção de pacientes
O primeiro consenso de indicação da ci-
rurgia bariátrica foi desenvolvido em 1986. O
critério de IMC > 40kg/m2 foi acrescentado à
necessidade de um consentimento livre e infor- Figura 2
mado detalhando as complicações possíveis e
à exigência de atendimento e seguimento mul-
tidisciplinar de longo prazo. Em pacientes com
IMC > 35kg/m2, na presença de co-morbidades Tabela – Indicações e contra-indicações da cirurgia bariátrica ao paciente obeso diabético
significativas com possibilidade de melhora ou Indicação sugerida para pacientes diabéticos tipo 2
reversão, existe indicação de cirurgia bariátrica.
IMC > 35kg/m2
Esse critério se aplica aos pacientes diabéticos
tipo 2. Uma discussão em aberto refere-se a pa- Pacientes mais jovens (< 60 anos)
cientes diabéticos tipo 2 com IMC > 32kg/m2. Diagnóstico recente
Alguns autores advogam a indicação cirúrgica Falência de tratamentos clínicos para perda de peso
em casos selecionados. Um argumento favo-
Motivação elevada
rável a essa discussão é que alguns pacientes
mal controlados metabolicamente com IMC Outros componentes da síndrome metabólica
< 35kg/m2 irão atingir esses valores ao serem Risco anestésico/cirúrgico aceitável
mais bem controlados, por exemplo, com insu- Pacientes com cuidados especiais ou contra-indicações
lina, passando a preencher o critério vigente. A Doença arterial coronariana
decisão deve ser tomada por pacientes e mé-
Nefropatia avançada
dicos esclarecidos sobre os riscos e benefícios
potenciais. Na dúvida, o critério de seleção re- Compulsões alimentares
comendado deve ser seguido (Tabela). Alcoolismo e drogas
Embora a cirurgia seja segura, com taxas Baixa motivação
de mortalidade abaixo de 1% no período perio-
Suporte social inadequado
peratório, alguns pacientes apresentarão riscos
adicionais atribuíveis às complicações crônicas, Indicações a serem definidas
micro e macrovasculares. Atenção especial Obesidade grau I (IMC = 30-35kg/m2)
deve ser concentrada na avaliação do risco car- Obesidade do idoso (idade > 60 anos)
diovascular nesses pacientes. Diabetes tipo 2 no adolescente

5. Conclusões e Assim, o seu tratamento deve incluir abor- da doença e da possibilidade de intervenção
recomendações dagens de longo prazo. A aceitação do tra- duradoura sobre a obesidade. A cirurgia ba-
tamento cirúrgico do paciente diabético de- riátrica, que promove prevenção e reversão
A obesidade deve ser considerada uma pende da percepção de médicos e pacientes, de longo prazo da doença, pode alterar essa
doença neuroquímica, crônica e recidivante. da influência da obesidade na fisiopatologia percepção.

134
2006 Diretrizes sbd

A redução de 5% a 10% do peso corporal uma disfunção do eixo enteroinsular, a redu- estudos indicam melhora geral da qualidade de
tem sido apontada como eficaz em melhorar ção de peso deixa de ser o foco único, sendo vida mesmo diante de restrições dietéticas im-
o controle do diabetes ou promover uma re- acrescida da modulação da produção prandial postas pela cirurgia. A reversão ou melhora do
versão da doença nas suas fases iniciais. No de insulina. Essa modulação pode ser alcança- diabetes e as alterações metabólicas associadas
entanto esses dados referem-se aos pacientes da ao menos pela técnica de Capella. são acrescidas da melhora da aparência física e
com sobrepeso ou obesidade grau I. Nos ca- Da parte dos pacientes existem o medo e a das oportunidades sociais e econômicas.
sos de obesidade grau III e na superobesidade ansiedade gerados pela idéia de cirurgias cha- Em resumo, a potencial reversão do dia-
(IMC > 50kg/m2) essa redução, embora útil, é madas de radicais. Da parte dos diabetologistas, betes nesses pacientes faz com a que a cirur-
muito modesta para atingir os objetivos de não há dúvidas de que o diabetes é uma doen- gia bariátrica deva ser considerada uma op-
tratamento do diabetes. Além disso, se con- ça crônica que deve ser radicalmente tratada a ção terapêutica em todos os pacientes obesos
siderarmos o diabetes doença relacionada a fim de evitar suas complicações crônicas. Vários mórbidos diabéticos.

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135
Diretrizes sbd 2006

Transplante de pâncreas

O sucesso do transplante de pâncreas está bético insulinodependente com insuficiência


relacionado à melhora da qualidade de vida renal em nível dialítico ou na sua iminência.
dos pacientes, não só pela dieta mais flexível, Essa modalidade é que apresenta os melho-
como pela parada da utilização de insulina res resultados tanto em termos de sobrevida
exógena e das medidas diárias da glicemia do enxerto como do paciente. A melhora na
capilar. O paciente passa a apresentar uma qualidade de vida é marcante;
glicemia estável, sem as tão comuns e lesivas  o transplante de pâncreas após rim está in-
excursões glicêmicas. Esse benefício é maior dicado para os pacientes com DM1 submeti-
quanto mais difícil era o controle anterior ao dos a transplante renal, com sucesso, há pelo
transplante, como o verificado nos pacientes menos seis meses, com clearance de creatini-
com diabetes mellitus (DM) hiperlábil. na superior a 55 a 60ml/minuto e que apre-
Em relação às complicações crônicas, não sentem dificuldade na obtenção do controle
existem dados baseados em evidências, em glicêmico rígido, ou hipoglicemias assinto-
medicina, que comprovem a capacidade do máticas, apesar de estarem em tratamento in-
transplante em revertê-las. Entretanto vários tensivo individualizado e supervisionado por
trabalhos sugerem que a estabilização ou profissional com experiência nessa modalida-
mesmo a reversão destas complicações possa de de terapia. A perda da função renal após o
ocorrer, principalmente as relacionadas a neu- transplante de pâncreas é variável, mas é em
ropatia e microangiopatia. Não existem dados geral ao redor de 25% ou mais. A indicação do
na literatura para determinar se o transplante transplante devido à piora de complicações
realizado precocemente poderia prevenir es- crônicas existentes é utilizada em vários cen-
sas complicações. tros e tem como base a possibilidade de para-
Os pacientes transplantados necessitam da dessa progressão ou mesmo de reversão,
de imunossupressão contínua, o que pode principalmente neuropatia e retinopatia em
acarretar inúmeros efeitos colaterais. Portan- fase não-proliferativa. Não existem evidências
to deve-se avaliar seu benefício comparado à baseadas em medicina para essas indicações,
piora das complicações crônicas do diabetes embora vários trabalhos demonstrem melho-
ou da qualidade de vida do candidato ao pro- ra de complicações crônicas, da sobrevida e
cedimento. da qualidade de vida;
A taxa de mortalidade tende a diminuir  o transplante isolado de pâncreas está indi-
com a maior experiência dos centros transplan- cado aos DM1, ou insulinodependentes, com
tadores, e se comparada à dos centros de maior história de crises freqüentes de descompen-
experiência, deve ser inferior a 5% no primeiro sações em hipoglicemias e/ou hiperglicemias,
ano após o transplante. A morbidade ainda é apesar de orientação e tratamento intensivo
alta e principalmente relacionada a processos individualizado por profissionais de reconhe-
infecciosos e complicações cardiovasculares. cida experiência nessa modalidade de terapia.
O transplante de pâncreas deve ser prefe- A presença de hipoglicemias assintomáticas é
rencialmente realizado em centros terciários a principal indicação para o transplante isola-
que já apresentem experiência em transplan- do de pâncreas. Outra potencial indicação é
te renal. para pacientes que apresentem problemas
As indicações para o transplante de pân- clínicos e emocionais com a terapia exógena
creas são: de insulina que o tornem incapacitados para
 de pâncreas e rim simultaneamente está in- uma vida normal. Esses indivíduos devem
dicado no DM tipo 1 (DM1) ou ao paciente dia- apresentar clearance de creatinina superior

136
2006 Diretrizes sbd

a 70ml/min, devido ao esperado declínio na  transplante de ilhotas: apesar da melhora dos manda alta tecnologia para a purificação das
função renal associado à utilização de inibi- resultados, principalmente os obtidos pelo gru- ilhotas e geralmente há necessidade de duas
dores de calcineurina. As indicações relacio- po de Alberta, Canadá, essa modalidade é ain- ou mais infusões de ilhotas para a obtenção
nadas à piora das complicações crônicas do da uma terapia experimental. Está indicada a da insulino-independência. Após cinco anos
diabetes, tendo como base a possibilidade de pessoas com DM1, hiperlábeis, ou com quadros do transplante a taxa de pacientes livres da uti-
melhora ou mesmo de reversão destas após de hipoglicemia assintomática. Devido a pro- lização de insulina exógena é pouco inferior a
o transplante, não têm, até o momento, res- blemas técnicos, em geral esses pacientes apre- 11%. Estudos internacionais apontam que essa
paldo em medicina baseada em evidência e sentam peso normal ou baixo peso e não utili- modalidade é mais cara que o transplante de
devem ser pesadas em relação ao risco não- zam altas doses de insulina (< 0,7 unidades/kg). órgão total e que deverá ser mais uma opção
desprezível de mortalidade e do alto risco de Apesar de ser um método pouco invasivo em terapêutica, com indicação específica numa
morbidade; comparação ao transplante de órgão total, de- subpopulação de pacientes com DM1.

Referências
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137
Diretrizes sbd 2006

Indicações e uso da
bomba de infusão
de insulina

1. Introdução podendo ser constante ou variável, a cada hora


(geralmente de três a oito basais diferentes no
As bombas de insulina de uso externo co- dia), adaptando-se às diferentes necessidades
meçaram a ser usadas amplamente a partir do nos diferentes períodos do dia(6). A taxa basal
final dos anos 1970(1) como recurso para obter inicial é determinada da seguinte maneira:
e manter um controle rígido dos níveis glicê- soma-se o total de insulina usado no dia, des-
micos das pessoas com diabetes mellitus tipo 1 contam-se 20%, divide-se por dois e o total
obtido é distribuído pelas 24 horas.
(DM1)(2), simulando o que acontece na fisiolo-
O bolo de refeição (BR) são liberados pelo
gia normal, com liberação contínua de insulina
paciente de acordo com a quantidade de car-
e de pulsos (bolo) de insulina, no horário de
boidratos que será ingerida naquela refeição
refeições ou para correções da hiperglicemia.
e, em média, usa-se uma unidade de insulina
A bomba de insulina é um dispositivo me-
para cada 10 a 20 gramas de carboidrato inge-
cânico, com comando eletrônico, do tamanho
ridos.
de um cartão de crédito e de aproximadamen-
O bolo corretivo (BC) é usado para corrigir
te 3cm de espessura, que injeta insulina, conti- a hiperglicemia e leva em conta a sensibilidade
nuadamente, de um depósito para um cateter à insulina, que é individual. A sensibilidade à in-
inserido no subcutâneo, geralmente em abdo- sulina determina quantos mg% de glicose são
me ou nádegas. metabolizados por uma unidade de insulina.
Os análogos ultra-rápidos (lispro ou aspart)
ou a insulina regular(3) são as insulinas usadas,
sendo os primeiros preferidos(4, 5), pois causam
menos hipoglicemias do que a insulina R. 2. Vantagens da terapia
A bomba de insulina deve ser usada ao com bomba de infusão de
longo das 24 horas, não é à prova de água e
deve ser desconectada durante o banho. Seus
insulina
implementos são reservatório da insulina, ca- Entre as vantagens farmacocinéticas do
teter, cânula, conjunto de infusão (cateter + uso da bomba de insulina versus a terapia
cânula) e baterias. com múltiplas doses de insulina (MDI) desta-
O cateter é trocado a cada três dias; o con- camos o uso somente de análogos de insuli-
junto de infusão, a cada seis; e o reservatório na de ação ultra-rápida, causando absorção
de insulina deve ser substituído sempre que mais previsível que a das insulinas neutral
ela termina. protamine hagedorn (NPH)(7) e mesmo da glar-
As bombas de insulina permitem dois ti- gina(8); utilização de um só local de aplicação
pos de liberação de insulina: o da infusão basal a cada dois a três dias, reduzindo a variabili-
e os bolos (de refeição e corretivo). dade na absorção causada pela rotação dos
O basal é pré-programado pela equipe de locais de aplicação, além de sua programação
profissionais de saúde e geralmente represen- de entrega de insulina, simulando a função do
ta de 40% a 60 % da dose total de insulina/dia, pâncreas normal.

138
2006 Diretrizes sbd

Além das vantagens referidas anterior- Indicações para o uso de bomba de infusão de insulina
mente, as bombas de insulina são muito preci-
sas: elas liberam a quantidade exata programa- Para a pessoa motivada e intelectual e psiquicamente capaz a terapia de infusão contínua é
da, até mesmo doses muito pequenas, como indicada:
0,1U/hora, ou nenhuma insulina, por algumas  quando existir dificuldade para normalizar a glicemia mesmo com monitorização intensiva
horas. Assim é possível alcançar melhor con-  quando houver controle inadequado da glicemia
trole glicêmico, com menos hipoglicemia(9) e
menos hipoglicemias assintomáticas(10), com  quando ocorrerem grandes oscilações glicêmicas
conseqüente melhora da qualidade de vida.  ao paciente que apresentar fenômeno do alvorecer (dawn phenomenon)
 ao paciente que tiver hipoglicemia noturna freqüente
 ao paciente que apresentar hipoglicemias freqüentes e intensas(20)
3. Indicações para o uso
 ao paciente que sofrer hipoglicemia assintomática
da bomba de infusão de  a grávidas ou mulheres com diabetes que estejam planejando engravidar
insulina  a pessoas com grandes variações da rotina diária
Tanto a bomba de infusão de insulina  a pacientes que estiverem com dificuldades para manter esquemas de múltiplas aplicações
quanto a terapêutica de MDI são meios efe- ao dia ou que, mesmo usando esses esquemas, ainda não consigam controle adequado
tivos de implementar o manejo intensivo do  àqueles pacientes que desejam um estilo de vida menos rígido
diabetes, com o objetivo de chegar a níveis
glicêmicos quase normais e obter um estilo de
vida mais flexível(11).
A terapia com bomba de infusão de insu- Pickup julga que geralmente essa tera- pêutica deve ser considerada uma alternativa
lina é tão segura quanto a MDI(12) e tem vanta- pêutica deve ser reservada para aquelas pes- viável em crianças de qualquer idade(17).
gens sobre ela(2, 13, 14), sobretudo em pacientes soas com problemas específicos, como crises Outras indicações citadas para o uso da
com hipoglicemias freqüentes, com um fenô- imprevisíveis de hipoglicemia e fenômeno bomba de insulina são hipoglicemia assinto-
meno do alvorecer importante, com gastro- do alvorecer(16). Ao contrário, o mais recente mática(18), hipoglicemias freqüentes e inten-
paresia(15), na gravidez(16) e com um estilo de posicionamento da Associação Americana de sas, hipoglicemia noturna, dificuldade para
vida errático. Diabetes (ADA) sugere que todas as pessoas normalização da glicemia mesmo com mo-
Ademais, os pacientes em uso de bomba motivadas e com desejo de assumir respon- nitorização intensiva(19) e, também, pacientes
de infusão apresentam menores variações sabilidade pelo seu autocontrole devem ser com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) pobre-
glicêmicas ao longo do dia e uma redução na consideradas candidatas a usar a bomba de mente controlados com esquemas de duas
dose total de insulina diária de até 20%(2, 14, 15). insulina. Segundo Kaufman et al., essa tera- ou mais aplicações de insulina.

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140
2006 Diretrizes sbd

Educação do paciente
com diabetes mellitus

1. Introdução da de educação foi equivalente na melhora


do controle metabólico, porém o grupo foi
Os recentes avanços no conhecimento, na considerado o com melhor relação custo/be-
terapia e na tecnologia aumentaram a nossa nefício(3).
habilidade nos cuidados com o paciente dia- Segundo a Organização Mundial da Saú-
bético. Apesar desses avanços, pessoas com de (OMS), o diabetes tipo 1 é uma das mais
diabetes ainda apresentam controle glicê- importantes doenças crônicas da infância na
mico subótimo, com complicações agudas e esfera mundial. No Brasil, temos procurado,
crônicas(1). sem sucesso, por diabetes tipo 2 em crian-
Os profissionais da saúde freqüentemen- ças, pois a pesquisa tem se limitado à busca
te estão frustrados com a incapacidade dessas de crianças hiperglicêmicas, porém ela tem
que ser voltada para crianças obesas, disli-
pessoas em realizar a modificação comporta-
pidêmicas e hipertensas, com componentes
mental necessária para o controle efetivo e
da síndrome metabólica, que futuramente
global da doença. Os pacientes, por sua vez,
serão hiperglicêmicas. Estima-se que, dentro
queixam-se da falta de tempo com o profis-
dos próximos dez anos, o número de crianças
sional para discutir suas dificuldades. A chave
diabéticas tipo 2 aumentará dramaticamente.
para resolver esse impasse é a educação do
Pensar num programa de educação
paciente com diabetes como uma forma es-
em diabetes para crianças passa obrigatoria-
sencial de intervenção terapêutica.
mente pela organização dos serviços, priori-
zando a capacitação dos profissionais, a fim
de qualificar o atendimento a essa clientela,
2. Evidências da minimizar o impacto da doença na família e
efetividade da educação minorar o sofrimento das crianças e dos ado-
lescentes e dos próprios pais em relação ao
do paciente com diabetes diabetes(4).
O principal processo de aprendizado é
Existe vasta literatura sobre a efetividade aquele que treina o paciente diabético a fazer
da educação em diabetes, porém os estudos decisões efetivas no seu autocuidado e utili-
são heterogêneos quanto aos tipos de inter- zar o sistema de saúde como recurso quando
venção para populações específicas(2). As téc- for necessário(5).
nicas de educação são diversas, desde distri- A Associação Americana de Educadores
buição de material ilustrativo, apresentações em Diabetes (AADE) sugere a aplicação de oito
de aulas didáticas, até intervenções envolven- medidas de avaliação comportamental para
do a participação ativa do paciente. identificar a qualidade dos resultados obtidos
Rickheim et al. demonstraram que a edu- com um programa de educação efetivo(6):
cação realizada de forma individual (através  prática de exercício regular;
de consultas com nutricionistas e/ou enfer-  mudança de hábito alimentar;
meiras) comparada com o grupo de pacientes  boa adaptação psicossocial;
utilizando a mesma metodologia sistematiza-  adesão à posologia da medicação;

141
Diretrizes sbd 2006

 automonitorização da glicemia capilar; – intermediários: desenvolver atitudes que a apresentar filhos estressados e com grande
 redução dos riscos das complicações crônicas; levam a mudança de comportamento; labilidade do controle glicêmico.
 capacidade de corrigir hipo e hiperglice- – pós-intermediários: melhora clínica e meta- A inclusão dos pais nos programas de
mias; bólica; educação é fundamental para a melhora do
 automanejo nos dias de doenças rápidas, – longo prazo: melhora do estado de saúde e controle da criança, visto que mais de 70%
viagens e situações especiais. da qualidade de vida, reduzindo ou prevenin- das crianças aprendem o autocuidado com os
do as complicações crônicas. pais e podem receber informações inadequa-
 O processo deve ser contínuo para atingir das por vícios de erros.
3. Diretrizes todas as categorias de resultados.
A educação em diabetes na criança deve
estar voltada para três áreas específicas: auto- 3.3. Educação para a comunidade
As diretrizes da SBD têm como objetivo
sistematizar a implementação dos programas educação; educação para pais e provedores;
educação para a comunidade. A participação de escola, professores
de educação em diabetes, de acordo com a
e clubes de esporte é fundamental para o
padronização das organizações internacio-
suporte adequado à criança diabética. O de-
nais(7) (Federação Internacional de Diabetes
3.1. Auto-educação senvolvimento de programas educacionais
[IDF], Associação Americana de Diabetes
que envolvam material e cursos voltados à
[ADA], AADE).
Esse programa é dependente da idade comunidade escolar deve ser um objetivo
 O aprendizado ativo é preferido em to-
da criança. Indicativos demonstram que a constante do médico assistente e das socie-
das as situações, portanto o educador deve
transferência da responsabilidade é ideal a dades organizadas.
estabelecer as maiores necessidades do in-
divíduo antes de iniciar o processo de edu- partir dos 12 anos(10), porém a auto-aplicação
cação(8, 9). supervisionada e a automonitorização devem
 A prática da educação em diabetes deve ser incentivadas a partir da idade escolar. Reu- 4. Conclusão
integrar atendimento clínico, promoção de niões em grupo, curso individual e material
saúde, aconselhamento, manejo e pesquisa. educativo lúdico têm sido as ferramentas in- Um programa de educação em diabetes
 A educação deve ser multidisciplinar, cons- dicadas para o autocuidado. deve passar inicialmente pela organização
tituída no mínimo por um enfermeiro e um dos serviços de atendimento, onde a capa-
nutricionista, podendo também dela parti- citação dos profissionais deve ser o primeiro
cipar especialistas de exercício, psicólogas, 3.2. Educação para pais e provedores objetivo. O enfoque principal na escola é o de
farmacêuticos e médicos coletivamente qua- que a comunidade saiba reconhecer os sinto-
lificados para ensinar. A diversidade de problemas enfrentados mas e tratar rapidamente uma hipoglicemia
 O programa deve conter a documentação pelos pais está freqüentemente relacionada em pessoas com diabetes tipo 1 e, por outro
dos objetivos e a avaliação dos resultados ob- a aplicação de insulina e mudanças de do- lado, a melhora no fornecimento de lanches
tidos, de acordo com as seguintes categorias: ses, plano alimentar, automonitorização e saudáveis para prevenir o diabetes tipo 2 nos
– imediatos: aumentar o conhecimento; dinâmica familiar(11). Pais inseguros tendem adolescentes na próxima década.

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143
Diretrizes sbd 2006

Transtornos alimentares
no paciente diabético:
diagnóstico e conduta

1. Introdução presença de transtornos alimentares, ocorre o


mau controle metabólico (níveis mais altos de
Transtornos alimentares caracterizam- hemoglobina glicada, atrasos de crescimento
se por graves distúrbios no comportamento e puberal, cetoacidoses recorrentes e instala-
alimentar. São classificados, nas doenças psi- ção de complicações crônicas mais precoces,
quiátricas, segundo o Manual Diagnóstico e especialmente retinopatia diabética(9).
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) e
a Classificação Internacional de Doenças (CID),
como bulimia, anorexia e transtorno compul- 2. Anorexia
sivo alimentar periódico (TCAP)(1) (Tabela).
A prevalência de adolescentes com diabe- É representada por uma distorção da ima-
tes mellitus tipo 1 (DM1) e de jovens adultas gem corporal, onde ocorre um medo mórbido
que possuem transtornos é de cerca de 7% a de engordar e, muitas vezes, diminuição e/ou
11%(2, 3), e naqueles com tipo 2 (DM2), varia de seleção de alimentos. Há importante perda
6,5% a 9%. A bulimia e os transtornos alimen- de peso, geralmente maior que 15%, caracte-
tares não especificados (EDNOS), variedade rizando-se por um índice de massa corporal
compulsiva purgativa, são mais prevalentes (IMC) menor ou igual a 17,5kg/m². No sexo
nos indivíduos diabéticos tipo 1, e o TCAP, nos feminino, um sinal importante para o diag-
tipo 2 (cerca de 59,4%)(4, 5). nóstico é a presença de amenorréia durante
Co-morbidades psiquiátricas podem es- um período maior ou igual a três meses e, no
tar presentes, agravando o quadro clínico dos masculino, a diminuição da libido(1).
transtornos alimentares, como depressão, an- No paciente com DM1 com anorexia, a
siedade e distúrbios de personalidade(6). alimentação irregular ou períodos de jejum
As conseqüências dos transtornos ali- podem levar a quadros freqüentes e graves
mentares são graves, podendo levar inclusi- de hipoglicemia. A prática exagerada de exer-
ve ao óbito, e, no caso das pessoas de dia- cícios físicos também pode levar a episódios
béticas, podem ser a causa do mau controle hipoglicêmicos, nos quais deve ser observada
e do surgimento mais precoce de complica- a duração da atividade, já que a hipoglicemia
ções crônicas(7). pode ser tardia (4 a 5 horas após). Quando a
O Diabetes Control and Complications anorexia é do tipo purgativo, são realizadas
Trial (DCCT) mostrou evidências de que o formas de compensação como vômitos, uso
controle metabólico nos adolescentes diabé- de laxantes e diuréticos e, mais freqüente-
ticos tende a ser mais difícil de ser alcançado. mente, manipulação da insulina, como dimi-
Fatores relativos à própria puberdade, fami- nuição ou omissão da dose, o que pode cau-
liares e psicossociais estão envolvidos(8). Na sar cetoacidose diabética (CAD)(10, 11).

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2006 Diretrizes sbd

Quando os níveis de glicemia estão eleva- tória, apresentando grande sentimento de O tratamento deve ser feito com equipe
dos de forma crônica, também podem ocorrer culpa posteriormente(1). multiprofissional, sendo a presença da nutri-
períodos de amenorréia ou de alteração da Isso dificulta o controle do diabetes e a cionista fundamental no acompanhamento
menstruação. perda de peso, promovendo de forma mais do paciente e na reeducação sobre o alimen-
precoce o aparecimento de complicações to. Além disso, há a necessidade de psicotera-
agudas e crônicas, em que a cardiopatia é pia individual visando trabalhar a auto-estima
uma das principais responsáveis pela morte e a imagem corporal e estabelecer um apoio
3. Bulimia
de indivíduos com DM2. psicológico à família(14, 15).
A bulimia nervosa é o transtorno alimen- Na anorexia, a terapia envolve fases prin-
tar mais freqüente em pacientes diabéticos cipais como restituição do peso perdido, uti-
com DM1, podendo ocorrer em cerca de 30% 5. Alguns fatores lizando-se, quando necessário, suplementos
das jovens diabéticas (1% em meninas diabé- alimentares e reposição vitamínica, e também
propostos para o tratamento de distúrbios psicológicos como
ticas na faixa etária de 9 a 13 anos, 14% en-
tre 12 e 18 anos e 34% nas jovens de 16 a 22 desenvolvimento de distorção da imagem corporal, baixa auto-
estima e conflitos interpessoais. Orientação
anos)(1, 2, 8, 9). Na bulimia ocorre uma tentativa transtornos alimentares deve ser dada ao paciente e à família quanto
de compensação após a ingestão alimentar,
sendo dividida em: purgativa e não-purgati-
no DM1 à necessidade de reduzir ou parar a atividade
va. A purgativa caracteriza-se nos indivíduos física(14).
 Ganho de peso e conseqüente insatisfação Medicações antidepressivas devem ser
com DM1 pela alteração deliberada da dose
com o corpo, o que pode estar associado com evitadas na fase inicial do tratamento, pois
de insulina, diminuindo-a ou deixando de
insulinoterapia efetiva e intensiva no momen- a recuperação corporal também diminui os
usá-la visando à perda de peso. Pode ocorrer
to do diagnóstico. Durante períodos de mau sintomas de depressão. Quando necessário,
também a prática de vômitos, uso de laxantes,
controle metabólico, geralmente existe perda os indicados são os inibidores de recaptação
enemas e/ou diuréticos(9, 10).
de peso; para algumas meninas no período da serotonina(14-16).
A omissão de insulina está incluída como
pré-puberal ou puberal essa perda de peso Na bulimia, o primeiro objetivo do trata-
uso impróprio de medicamentos para a perda
pode ser plenamente desejável. A introdução mento consiste na redução dos comporta-
de peso no DSM IV para os critérios de bulimia
de insulina ou a melhora do controle metabó- mentos de compulsão alimentar e purgativos.
e EDNOS(1). A forma não-purgativa caracteri-
lico (glicêmico) leva ao ganho de peso, afetan- Psicoterapia individual, principalmente a cog-
za-se pela prática de atividade física excessiva,
do negativamente a adolescente(7, 8). nitivo-comportamental ou interpessoal, além
objetivando também conseguir perder peso.
Geralmente o paciente bulêmico apresen- da terapia familiar, estão indicadas como mais
 Manejo nutricional do diabetes: dietas efetivas no tratamento do quadro de bulimia.
ta um IMC normal ou até mesmo compatível
mais tradicionais para o controle do dia- Deve-se associar o tratamento psicoterápico
com sobrepeso.
betes baseadas em porções e quantidades ao medicamentoso para melhora do com-
Indivíduos diabéticos com bulimia apre-
restritas de alimentos, como também dietas portamento de compulsão/purgação. Os ini-
sentam freqüência maior de internações de-
mais flexíveis para o plano alimentar, como bidores da recaptação da serotonina, como
vido a complicações agudas, como episódios
a contagem de carboidratos, podem ser per- a fluoxetina, são úteis para o tratamento de
recorrentes de cetoacidose e hipoglicemias
cebidas por muitas jovens como uma forma depressão, ansiedade, obsessões e, em doses
graves e também de complicações crônicas,
de restrição(12). mais elevadas (60 a 80mg), são considerados
especialmente retinopatia(8, 9).
seguros e ajudam na redução da compulsão
 Omissão deliberada de insulina ou manipu- não só na bulimia, mas também nos quadros
lação da dose como fator para o controle de de TCAP(14, 15).
4. Transtorno compulsivo peso são fatores freqüentes como método de O topiramato, fármaco estabilizador do
alimentar periódico purgação entre as jovens diabéticas. De 15% humor, também tem sido utilizado como co-
a 39% omitem ou reduzem a dose de insulina adjuvante no tratamento do quadro de com-
O TCAP é mais comum em pacientes com como forma de perder peso(13). pulsão alimentar(15).
DM2, sendo que pode estar associado a qua- Indivíduos com transtornos alimentares
dro de sobrepeso ou obesidade, ou mesmo freqüentemente não reconhecem ou ad-
precedê-lo(5). O TCAP tem sido relatado em 6. Conduta terapêutica mitem que estão doentes. Isso é mais difícil
um terço daqueles que estão em tratamento ainda de ser percebido pelo paciente e pela
para o controle de peso, e a prevalência nos Quanto mais precocemente o transtorno própria família quando o diabetes também
indivíduos diabéticos estudada em vários alimentar for diagnosticado e tratado, melhor está presente. Como resultado podem ocor-
grupos é variável, de 30% a 59,4%(4). Os pa- o prognóstico de cura. Deve-se determinar, rer hipoglicemias e/ou quadros de CAD,
cientes com TCAP comem compulsivamente, no momento do diagnóstico, se existe risco dificuldades para um controle metabólico
mas não fazem nenhuma prática compensa- de vida e necessidade de hospitalização. adequado (hemoglobinas glicadas elevadas)

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Diretrizes sbd 2006

e instalação de complicações crônicas mais tidisciplinar que atende o paciente diabético e dentista) esteja atenta e apta para a suspeita
precoces. É fundamental que a equipe mul- (médico, nutricionista, enfermeira, psicóloga da presença de um transtorno alimentar.

Tabela – Critérios diagnósticos do DSM IV


Para de F50.0 - 307.1 – Anorexia nervosa
 Recusa a manter o peso corporal em um nível igual ou acima do mínimo normal adequado à idade e à altura (por ex. perda de peso levando à manutenção do
peso corporal abaixo de 85% do esperado; ou fracasso em ter o ganho de peso esperado durante o período de crescimento levando a um peso corporal menor
que 85% do esperado)
 Medo intenso de ganhar peso ou de se tornar gordo mesmo estando com peso abaixo do normal
 Perturbação no modo de vivenciar o peso ou a forma do corpo, influência indevida do peso ou da forma do corpo, sobre a auto-avaliação, ou negação do
baixo peso corporal atual
 Nas mulheres pós-menarca, amenorréia, isto é, ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos (considera-se que uma mulher tem amenorréia se
seus períodos ocorrem apenas após a administração de hormônio como por ex. estrógeno)
 Tipo restritivo: durante o episódio atual de anorexia nervosa o indivíduo não se envolveu regularmente em um comportamento de comer compulsivamente
ou de purgação (isto é auto-indução de vômito ou uso indevido de laxantes diuréticos ou enemas)
 Tipo compulsão periódica/purgativo: durante o episódio atual de anorexia nervosa o indivíduo envolveu-se regularmente em um comportamento de comer
compulsivamente ou de purgação (isto é auto-indução de vômito ou uso indevido de laxantes diuréticos ou enemas)
Para F50.2 - 307.51 – Bulimia nervosa
 Episódios recorrentes de compulsão periódica. Um episódio de compulsão periódica é caracterizado pelos seguintes aspectos:
– ingestão, em um período limitado de tempo (por ex. dentro de 2 horas), de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que a maioria das pessoas
consumiria durante um tempo similar e sob circunstâncias similares
– um sentimento de falta de controle sobre o comportamento alimentar durante o episódio (por ex. um sentimento de incapacidade de parar de comer ou de
controlar o que ou quanto está comendo)
 Comportamento compensatório inadequado e recorrente com o fim de prevenir o aumento de peso, como auto-indução de vômito, uso indevido de laxantes,
diuréticos, enemas ou outros medicamentos, jejuns ou exercícios excessivos
 A compulsão periódica e os comportamentos compensatórios inadequados ocorrem, em média, pelo menos duas vezes por semana por três meses
 A auto-avaliação é indevidamente influenciada pela forma e pelo peso do corpo
 O distúrbio não ocorre exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa
 Tipo purgativo: durante o episódio atual de bulimia nervosa o indivíduo envolveu-se regularmente na auto-indução de vômitos ou no uso indevido de laxan-
tes, diuréticos ou enemas
 Tipo sem purgação: durante o episódio atual de bulimia nervosa o indivíduo usou outros comportamentos compensatórios inadequados, como jejuns ou
exercícios excessivos, mas não se envolveu regularmente na auto-indução de vômitos ou no uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas
Para F50.9 - 307.50 – Transtorno alimentar sem outra especificação
A categoria transtorno alimentar sem outra especificação serve para transtornos da alimentação que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno
alimentar específico
Exemplos:
– mulheres nas quais se apresentam todos os critérios para anorexia nervosa, exceto irregularidade menstrual
– são satisfeitos todos os critérios para anorexia nervosa exceto que, apesar de uma perda de peso significativa, o peso atual do indivíduo está na faixa normal
– são satisfeitos todos os critérios para bulimia nervosa, mas a compulsão periódica e os mecanismos compensatórios inadequados ocorrem menos de duas
vezes por semana ou por menos de três meses
– uso regular de comportamento compensatório inadequado por indivíduo de peso corporal normal após consumir pequenas quantidades de alimento (por
ex. vômito auto-induzido após o consumo de dois biscoitos)
– mastigar e cuspir repetidamente sem engolir grandes quantidades de alimentos
– transtorno de compulsão periódica: episódios recorrentes de compulsão periódica na ausência do uso regular de comportamentos compensatórios inade-
quados, característicos de bulimia nervosa

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2006 Diretrizes sbd

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Diretrizes sbd 2006

Colônia de férias
educativa para jovens
diabéticos

1. Introdução os resultados das intervenções terapêuticas


estão prejudicados. O reconhecimento dessa
Quanto mais se sabe a respeito da comple- situação fez com que se constituíssem equipes
xidade do diabetes mellitus (DM) mais se reco- multiprofissionais de saúde na atenção ao indi-
nhece a necessidade do envolvimento do indi- víduo com DM. Diferentes tipos de abordagens
víduo diabético da sua família e de toda uma educacionais vêm sendo propostas; caracterís-
equipe de saúde para assegurar a estabilidade ticas regionais e disponibilidade de recursos
metabólica, indispensável para o seu bem-es- materiais, humanos e econômicos fizeram com
tar a curto e longo prazos. O arsenal terapêuti- que diferentes centros de atenção ao indivíduo
co para os tipos principais de DM não é de fácil diabético criassem programas específicos.
manejo nem completamente eficaz. A tera- Colônias de férias (CF) para jovens diabéti-
pêutica é ainda mais complicada na ausência cos acontecem nos EUA desde 1925, com pro-
de reserva endógena de insulina – como é o gressiva aceitação no país e difusão também
caso do DM tipo 1 –, quando se procura simu- na Europa e na Ásia(3-6). Na atualidade, ocorre
lar a complexa liberação hormonal fisiológica intercâmbio de jovens para participação em
por meio de simples injeções de um hormônio acampamentos internacionais para jovens
de obtenção dispendiosa, através de uma via diabéticos. No Brasil, as CF datam da década
inconveniente: a subcutânea. O DM tipo 1 tem de 1970 e, além do aspecto recreativo em am-
distribuição universal e incidência crescente. biente seguro, apresentam caráter fundamen-
Estudo de incidência de DM tipo 1 no Brasil, talmente educacional, sem fins lucrativos(7).
integrante do DIAMOND Study, revelou que Diante dos resultados favoráveis encon-
oito a cada 100 mil crianças até 15 anos se tor- trados a Sociedade Brasileira de Diabetes
nam diabéticas por ano(1). (SBD) propõe que essa modalidade educativa
Apesar de expectativas promissoras no seja desenvolvida. Ao mesmo tempo em que
campo da prevenção e do tratamento do DM, apresenta uma experiência em educação em
em termos individuais é inconcebível uma DM tipo 1 através de CF, aponta pré-requisitos
atitude contemplativa. É fundamental que que devem ser respeitados de modo a garan-
se atue na atenção ao indivíduo diabético, tir a segurança dos acampantes nessa ativi-
visando qualidade de vida e longevidade. O dade. As CF promovidas pela Associação de
sucesso dessa meta depende da educação em Diabetes Juvenil de São Paulo (ADJ/SP) e pelo
diabetes. Está estabelecido o papel do trata- Centro de Diabetes da Universidade Federal
mento intensivo para a obtenção de controle de São Paulo (UNIFESP) acontecem anual-
metabólico, capaz de prevenir as complicações mente desde 1981(8). Seu objetivo é promover
crônicas da doença(2). Sem integrar a educa- a educação de jovens diabéticos em ambien-
ção na abordagem do paciente com diabetes, te de lazer, mediante o convívio com equipe

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2006 Diretrizes sbd

multiprofissional de saúde. Paralelamente, educação física e recreacionistas, não-remu- para dar continuidade, no lar, ao trabalho edu-
oferece-se também aos profissionais de saú- nerados. Também são considerados parte da cativo iniciado com os jovens na CF.
de a oportunidade de adquirir conhecimento equipe funcionários da ADJ que participam Essa estratégia tem asegurado que as
e experiência no manejo do DM tipo 1, atra- de todas as etapas da organização da CF. É expectativas, especialmente por parte dos
vés da vivência em tempo integral com os jo- obrigatória a presença de especialistas no responsáveis pelos jovens, sejam atendidas.
vens diabéticos. A obtenção de dados clínicos manejo do DM tipo 1 que sejam referência Desse modo, justifica-se a sugestão de que na
e laboratoriais durante as CF tem contribuído para orientação dos demais profissionais organização de uma CF para jovens diabéticos
para a produção científica na área da saúde envolvidos. A proporção de médico ou en- haja o envolvimento de uma associação de
que reverte em benefícios diretos e indiretos fermeiro para acampante que tem resultado profissionais e pais que tenham ampla visão
para indivíduos com DM1(9). O relato dessa ex- em assistência-padrão e aprendizado ade- da problemática por trás da condição desses
periência não deve ser encarado como diretri- quado é de até 1:8. Nas CF da ADJ/UNIFESP, pacientes.
zes ou condições obrigatórias para realização os profissionais convivem com esse grupo de
de uma CF educativa para jovens diabéticos, jovens em tempo integral, sendo o alojamen- 2.2.2. Papel da equipe médica
mas como uma possível receita de sucesso de to e o refeitório conjuntos. Cada membro da É desejável que a equipe disponha de
educação em DM. Em linhas gerais, as CF da equipe tem seu papel bem definido. dois coordenadores compartilhando as res-
ADJ/UNIFESP seguem as recomendações da ponsabilidades inerentes à atividade em CF
Associação Americana de Diabetes (ADA)(10). 2.2.1. Papel da ADJ com jovens diabéticos. Cabe-lhes a função de
A inscrições são feitas na sede da ADJ. A compor uma equipe médica interessada em
seleção baseia-se na análise de formulários, promover educação e adquirir experiência no
2. Participantes levando em conta uma série de característi- manuseio diário do DM. O trabalho junto às
cas. Jovens sem participações anteriores têm indústrias farmacêuticas para doações de in-
2.1. Jovens com DM1 prioridade. Objetiva-se uma certa homoge- sulina, tiras reagentes, glicosímetros, seringas
neidade do grupo quanto a faixa etária e sexo. e demais materiais a serem consumidos na CF
É notável a demanda de jovens para par- Um total de 60 vagas (excluindo-se os moni- também é função dos coordenadores. No caso
ticipar de CF, decorrente da valorização da tores com DM) tem se mostrado satisfatório, da CF ADJ/UNIFESP, os médicos são, em geral,
educação em DM por parte da classe médica considerando ao mesmo tempo a demanda residentes e pós-graduandos em endocrino-
e do interesse dos próprios jovens diabéticos e a carga para as instituições doadoras de logia ou endocrinologistas e pediatras. Esses
e familiares. A faixa etária na qual se obtêm medicamentos e insumos. Um cronograma profissionais já devem ter sido capacitados
os maiores benefícios é a de 9 a 16 anos, de de entrevistas dos candidatos e de reuniões é para atendimento de urgências em geral, bem
ambos os sexos; após a idade-limite os jovens organizado pela ADJ. Um vídeo mostra as de- como para manuseio do DM. Os coordenado-
que se destacam pela liderança e por outras pendências do local; apresenta-se a composi- res devem promover encontros dos médicos e
qualidades poderão continuar a participar ção da equipe multiprofissional, esclarecendo dos outros componentes da equipe de saúde
dos eventos como monitores, assumindo os objetivos da CF (educação como meta, no período pré-CF, a fim de instruí-los sobre
responsabilidades perante o grupo. À seme- respeitando regras de convivência). Mantido suas atribuições e padronização de condutas.
lhança do que ocorre nas CF da ADJ/UNIFESP, o interesse em participar, outros formulários A ADA recomenda a existência de um manu-
jovens de qualquer classe socioeconômica, envolvendo aspectos de saúde, psicológicos al de políticas e procedimentos médicos que
provenientes de diferentes serviços, públicos e hábitos são preenchidos. Procede-se à infor- seja periodicamente revisado. Durante a CF,
ou privados, devem ser elegíveis. Integrantes matização dos dados, enviados aos médicos e a equipe médica encarrega-se da prescrição
de associações de leigos como a ADJ concen- nutricionistas responsáveis pela organização de insulina e outras medicações. Diante dos
tram qualidades para coordenar as inscrições da CF, a fim de programarem adequadamen- resultados da monitorização glicêmica realiza
e o processo de seleção dos interessados. A te as necessidades desses jovens no período. a orientação dos jovens quanto às suplemen-
participação dos jovens deve ser, na maior Definidas as necessidades de insulina, de in- tações e aos ajustes de doses de insulina. As
parte, patrocinada por fundos levantados pela sumos e o cardápio, são feitos contatos com metas de controle que devem ser seguidas são
associação junto a empresas privadas do ramo empresas do ramo para doações. as contidas no Consenso da SBD.
farmacêutico e contribuintes particulares. Uma reunião geral pré-acampamento
com a presença dos jovens, seus familiares, 2.2.3. Papel da equipe de enfermagem
coordenadores e a equipe multiprofissional é Essa equipe deve contar com um mínimo
2.2. Equipe multiprofissional recomendável para detalhar a participação dos de duas enfermeiras experientes no manejo
jovens na CF. No período da mesma recomen- do DM tipo 1. A CF da ADJ/UNIFESP conta com
Idealmente, essa equipe deve incluir mé- da-se a realização de outra reunião com os pais uma docente do Departamento de Enferma-
dicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, dos jovens participantes envolvendo profissio- gem da UNIFESP e pelo menos uma enfermeira
dentistas, assistentes sociais, professores de nais da saúde com a finalidade de prepará-los do Centro de Diabetes. Elas fazem a seleção de

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Diretrizes sbd 2006

graduandos que, após passarem por treina- se avalia o impacto da alimentação associada psicólogo atuar junto aos familiares, inicial-
mento no período pré-CF, exercerão atividades ao exercício sobre os controles glicêmicos. mente na reunião com os pais durante a es-
de enfermagem sob supervisão. No acam- tada dos jovens na CF. Geralmente a família
pamento essa equipe deve desenvolver não 2.2.5. Papel da equipe de psicologia experimenta sentimentos ruins com os quais
apenas atividades assistenciais, mas também A presença de equipe multiprofissional não consegue lidar. Se bem encaminhados,
educativas, administrativas e, eventualmente, em CF educativa para DM deve trazer se- o jovem diabético e seus familiares podem
de pesquisa. Na área assistencial deve garantir gurança e bem-estar físico e psíquico aos viver de forma mais saudável e integrada.
a adequada administração de insulina e outras participantes; nesse sentido, a presença do
prescrições médicas, atentando à técnica de psicólogo no acampamento é altamente
aplicação de insulina; também deve responder desejável. Este pode atuar também junto à 3. Metodologia
pela execução e/ou supervisão dos procedi- equipe profissional, propiciando um clima
mentos de monitorização dos jovens diabéti- de reflexão sobre sua própria atuação. Difi- A proposta de educação em DM da CF da
cos. É esperada sua participação no atendimen- culdades na forma de trabalho e no aspecto ADJ/UNIFESP é desenvolvida nas instalações
to das intercorrências, nas reuniões clínicas e afetivo-emocional, presentes nas relações de um acampamento de férias para crianças
na elaboração de relatórios. Na área adminis- profissional/paciente e às vezes imperceptí- cedidas durante o período. Além da infra-es-
trativa, as atividades são de previsão, organi- veis dado o seu caráter subjetivo, poderão trutura básica, o trabalho com jovens diabé-
zação e armazenamento dos medicamentos e ser abordadas. O psicólogo deve auxiliar a ticos exige que o local esteja preparado para
materiais de primeiros socorros e de urgência, equipe quando existirem dúvidas sobre o atendimento de urgência. Um período de
sob a supervisão da equipe médica. Além disso, comportamento dos jovens. O atendimento sete dias atinge nível de aprendizado bastan-
a equipe tem a oportunidade de sistematica- da criança, do adolescente e do adulto não te elevado. Oferece-se lazer programado com
mente colher dados para divulgações científi- deve seguir um padrão único, e o conheci- dieta adequada. As necessidades calóricas
cas, respeitando os princípios éticos. mento dessas fases pode facilitar o vínculo individuais são calculadas pela equipe de nu-
profissional com o jovem, facilitando a ade- trição, distribuídas em seis refeições. Ativida-
2.2.4. Papel da equipe de nutrição são ao tratamento. O fato de serem indiví- des físicas – na forma de esportes, gincanas,
Seu papel deve ser o de a ensinar a im- duos diabéticos altera consideravelmente passeios, atividades culturais – são realizadas
portância da alimentação para a estabilidade a dinâmica psicológica desses indivíduos. A nos três períodos do dia, sendo predominan-
glicêmica, garantir o crescimento e o desen- partir do diagnóstico, eles encontram-se em temente aeróbicas. Os ajustes de doses de
volvimento normais e a prevenção de compli- situação de irreversível perda de uma função insulina baseiam-se nas monitorizações com
cações. Recomenda-se que as atividades ini- orgânica que intensifica os impulsos destru- glicemia capilar, realizadas no mínimo quatro
ciem-se antes do acampamento, na elaboração tivos, situação contestada principalmente na vezes ao dia. As metas de controle baseiam-
do cardápio e na aquisição de alimentos. Essa adolescência. O jovem sofre ameaças cons- se nas recomendações da SBD. Cetonúria é
equipe deve assegurar que os jovens com DM tantes de novas perdas, reais ou fantasiosas, testada conforme a necessidade. Todo o ma-
recebam uma alimentação balanceada, varia- decorrentes das complicações do DM. A terial de controle, seringas e insulinas devem
da, contemplando os principais alimentos que presença do psicólogo deve garantir a com- chegar previamente ao local e ser conferidos
são ofertados no seu dia-a-dia e atendendo às preensão desses processos, que serve para pela equipe de enfermagem. Produtos de
recomendações nutricionais internacionais. dar sentido e nome a essas emoções, o que marcas variadas são oferecidos, permitindo
Uma equipe de cinco profissionais, incluin- proporciona melhor adequação do jovem e ao jovens conhecer as opções do mercado. Os
do um coordenador, atende ao propósito de aproveitamento das atividades oferecidas, ajustes da glicemia ocorrem sobre o esque-
personalizar as orientações aos acampantes. além de levar os profissionais a mudar suas ma insulínico empregado previamente à CF.
O estabelecimento inicial de uma boa relação estratégias de atendimento e sua visão des- As equipes médica e de enfermagem atuam
nutricionista/paciente é fundamental para o ses pacientes. A atuação primordial do psi- conjuntamente nesse momento, orientan-
alcance dos objetivos durante a CF. cólogo é ajudar os jovens a viverem uma ex- do o cálculo de doses, misturas de insulina e
Nas CF da ADJ/UNIFESP os jovens rece- periência emocional positiva. Os fenômenos cuidados na aplicação. É fundamental que na
bem orientações coletivas e individualiza- de grupo são bastante ricos, principalmente fase pré-CF tenha havido uma padronização
das durante o acompanhamento diário. Nos na adolescência. Alguns jovens apresentam sobre ajustes de doses, treinamento na con-
eventos mais recentes tem ocorrido a orienta- dificuldades decorrentes da desestruturação tagem de carboidratos das refeições, manipu-
ção quanto à contagem dos carboidratos para psíquica e da situação nova da CF, mesmo lação de bombas de infusão e condutas nas
adequar as doses de insulina ao consumo ali- diante de ambiente francamente favorável. hipoglicemias. No início e no final do acampa-
mentar. Nutricionistas e acampantes realizam O vínculo criado com o psicólogo, permea- mento são obtidas medidas antropométricas
seminário sobre noções de nutrição e dieta. do pela capacidade de continência (acolhi- e sinais vitais. Poderá haver coleta de material
Essa equipe participa das reuniões multipro- mento e contenção das necessidades e an- biológico conforme a necessidade; se for de
fissionais diárias de discussão dos casos, onde gústias), é muito positivo. Também cabe ao interesse científico, exige-se prévia aprovação

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2006 Diretrizes sbd

por comissão de ética e autorização dos res- No caso das CF da ADJ/UNIFESP, a maio- educação em DM deve ser amplamente
ponsáveis. Desse modo, ao lado do objetivo ria dos jovens as finaliza dominando as téc- fornecida, assim como a própria insulina,
fundamental de educação, as CF podem cons- nicas de monitorização e aplicação de insu- por meio de programas educacionais estru-
tituir fontes de dados para pesquisa na área. lina, conhecendo os tipos de insulina, suas turados, praticando-se, assim, a educação
Um questionário de avaliação de conheci- indicações e procedimentos de misturas. A terapêutica(18). A experiência mundial dos
mentos, aplicado no primeiro e no último dia correta interpretação dos testes e a capaci- centros de atendimento em DM tem mos-
de CF, fornece subsídios aos profissionais para dade de manipular as doses são limitadas a trado que a atenção ao indivíduo diabético é
atuarem junto aos jovens. Diariamente eles uma parcela. Considerando a situação socio- de fato incrementada quando a equipe mul-
participam de seminários coordenados pela econômica das famílias desses jovens, ainda tiprofissional e o paciente conscientizam-se
equipe multiprofissional, sendo que um ma- é a minoria capaz de manter a freqüência de da importância dos diversos aspectos envol-
terial didático fora previamente distribuído. monitorização glicêmica e o número de apli- vidos no controle da doença. A atuação de
Reuniões da equipe multiprofissional são cações diárias de insulina no retorno ao lar. múltiplos profissionais não é suficiente para
necessárias não apenas para discutir casos e Embora não constitua objetivo das CF, os jo- se obterem bons resultados em termos edu-
condutas, mas para a troca das experiências vens, como grupo, melhoram os níveis glicê- cacionais. A real educação em DM envolve
entre as equipes profissionais que se com- micos e pressóricos ao final do período, com mais do que a multiprofissionalidade, sendo
plementam na atenção ao jovem diabético. A queda na excreção urinária de albumina(13-15). fundamental a interdisciplinaridade, defini-
confraternização da equipe com acampantes Verifica-se que curto período de atividades da como o trabalho integrado da equipe de
ao final do período reforça os vínculos culti- físicas regulares é capaz de melhorar o perfil saúde, à semelhança do que ocorre durante
vados durante a CF. Relatórios são preenchi- lipídico do plasma, elevando a fração HDL do as CF para esses jovens. Esse último concei-
dos pela equipe médica e destinados aos colesterol(16). to é de suma importância para o sucesso do
familiares e ao profissional médico que con- programa de educação em DM. A oportuni-
tinuará o seguimento do jovem diabético ao dade de conviver em tempo integral com o
término da CF. 4.2. Em relação à equipe multiprofissional jovem diabético, sentindo suas necessidades
no manejo diário da doença, fornece subsí-
A oportunidade de conviver em tempo dios aos membros da equipe para atuar com
4. Resultados esperados integral com os jovens diabéticos permite maior eficácia na educação desses jovens. O
aos profissionais melhor avaliarem as difi- estreitamento da relação médico/paciente
4.1. Em relação aos jovens diabéticos culdades no manejo diário da doença. São adquirido durante as CF tem permitido que a
fornecidos subsídios para atuar com mais efi- posteriori, no consultório, o diálogo seja mais
As CF representam para esses jovens cácia na educação do jovem e para melhorar fácil, com resultados mais favoráveis em ter-
uma oportunidade de lazer e vida em comu- o relacionamento médico/paciente em nível mos de adesão às recomendações.
nidade, conscientizando-os da possibilidade ambulatorial. Essa convivência tem permiti- De imediato, os benefícios dessa modali-
de uma vida normal e melhorando sua auto- do aos membros recém-formados da equipe dade de educação são sentidos pelo jovem e
estima(11). Espera-se que haja ampliação dos adquirir experiência, aperfeiçoando conhe- pelos familiares, que derrubam preconceitos
conhecimentos, desenvolvimento de habili- cimentos teóricos e práticos na abordagem sobre a vida do indivíduo com DM. A melho-
dades no manejo diário do DM e que os jo- de seus pacientes. Reconhece-se a comple- ra da qualidade de vida, que passa a ser mais
vens assimilem a importância do bom con- xidade do tratamento do DM, a necessidade dinâmica, com mais autonomia e autocon-
trole em longo prazo, visando a prevenção de um trabalho integrado em que o envol- fiança, é relatada por ex-acampantes. Entre-
das complicações(12). Os participantes das vimento do próprio paciente e da família é tanto os efeitos dos programas educativos
CF observam os benefícios alcançados com indispensável para a obtenção de um bom em longo prazo são questionáveis, denotan-
a associação de alimentação adequada e controle metabólico. do a necessidade de um processo educativo
prática regular de atividade física no que diz A experiência adquirida nas CF da ADJ/ continuado, com reciclagem de conheci-
respeito ao nível glicêmico: redução na ne- UNIFESP por profissionais oriundos de outros mentos e criação de novas motivações para
cessidade de insulina e melhora na sensação estados do Brasil deve servir de estímulo à manter uma conduta positiva em relação à
de bem-estar. É evidente a menor oscilação criação de atividades semelhantes em outros doença(19, 20). Assumindo-se que o controle
glicêmica durante o período. Por outro lado, locais do país(17). metabólico é importante para a prevenção
vivenciam maior número de hipoglicemias, das complicações crônicas, pressupõe-se
mas aprendem a programar suas doses de que em longo prazo benefícios da educação
acordo com o exercício a ser realizado, iden- 5. Considerações finais nas CF possam ser detectados.
tificar os sintomas e tratar adequadamente Estudos na área da educação em DM
os episódios. A hipoglicemia tem sido a prin- O Programa de Ação da Declaração de não são uniformes quanto à metodologia,
cipal intercorrência das CF. St. Vincent ressalta a recomendação de que dificultando a comparação dos resultados

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de programas educacionais(21). De qualquer and Complications Trial (DCCT) confirmou fator limitante na manutenção de resultados
modo, os autores referem melhoria dos co- o potencial da educação juntamente com o favoráveis. O treinamento de profissionais
nhecimentos sobre DM e mostram redução controle intensivo em prevenir complicações capacitados, estimulando a formação de es-
no número de hospitalizações decorrentes neuro e microangiopáticas(2). pecialistas na área, como ocorre durante as
de complicações agudas e nos gastos indivi- As estratégias que vêm sendo emprega- CF, contribui para a melhoria da atenção a
duais desses pacientes com o seu controle. das em educação em DM devem ser cons- esse indivíduo.
Entretanto, os benefícios diretos da educa- tantemente revistas, e educadores devem Concluindo, o modelo proposto de edu-
ção sobre controle metabólico e prevenção ser treinados para executar suas funções, cação em DM através de CF é viável e eficaz,
de complicações crônicas não são sempre estando atentos ao nível intelectual e à ca- oferecendo cuidados-padrão ao jovem pa-
passíveis de demonstração. Menor incidên- pacidade de compreensão dos participantes ciente em ambiente agradável e seguro. Tem
cia de retinopatia e proteinúria foi observada do programa educacional(23, 24). Devem ser contribuído para a melhoria da qualidade de
por Laron et al. utilizando um programa edu- consideradas as condições econômicas do vida desse jovem, bem como para a formação
cativo ambulatorial(22); o Diabetes Control indivíduo, que não raramente constituem de profissionais na área do DM.

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