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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SEARA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA,


por seu Promotor de Justiça ao final assinado, com fundamento no artigo 129, inciso III,
da Constituição da República Federativa do Brasil, e artigos 1º, inciso I, e 4º, e 5º,
inciso I, todos da Lei n. º 7.347-85, no art. 6º, VI e X, do Código de Defesa do
Consumidor, com base no Procedimento Preparatório nº 06.2010.002179-4, propõe
AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de:

CASAN S.A. - COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E


SANEAMENTO, sociedade de economia mista, inscrita no CNPJ sob o nº
082.508.433/0001-17, com endereço na Avenida Getúlio Vargas, 990-S, Centro de
Chapecó.

1. Objetivo da ação

Esta ação civil pública tem por objetivo obter provimento jurisdicional
que constitua a Casan S.A. na obrigação de conceder abatimento nas faturas de água

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dos consumidores do Município de Seara, pela má-prestação do serviço de


fornecimento de água potável ocorrida em maio de 2010.

2. Síntese fática

Conforme compromisso assumido com o Ministério


Público de Santa Catarina, as unidades de Vigilância Sanitária
Municipal de Santa Catarina realizam mensalmente a coleta de
amostras da água fornecida aos consumidores locais.

Em maio de 2010, em duas datas diversas, as amostras


colhidas identificaram graves irregularidades no serviço prestado
pela Casan S.A.

Na coleta realizada em 15 de maio de 2010, das nove


amostras obtidas, oito continham coliformes e a bactéria
Echerichia coli. As amostras foram colhidas nos seguintes locais:

i.Avenida Anita Garibaldi

ii.Rua Sete de Setembro

iii.Rua Ermindo Zonta

iv.Rua Ferdinando Kirschner

v.Rua Santo Paludo, 261, onde também foi constada


turbidez acima do máximo permitido.

vi.Rua Arcângelo Garghetti, 52

vii.Rua "C"

viii.Rua Imigrantes, 1275

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Como se sabe, a bactéria Echerichia coli é responsável


por boa parte das intoxicações alimentares e está dentre as
principais causas das seguintes doenças1:

ix.Toxinfecção alimentar: é uma causa importante


de Gastroenterites.

x.Infecção do tracto urinário (ITU): é a mais frequente


(cerca de 80% dos casos) causa desta condição em
mulheres jovens, podendo complicar em pielonefrite.
Resultam da ascensão do organismo
do intestino pelo ânus até ao orificio urinário e invasão
da uretra, bexiga e ureteres. Frequentemente
causadas pelo serovar UPEC. Também conhecida
como cistite da lua de mel devido à propensão para
aparecer em mulheres sexualmente activas.

xi.Colecistite

xii.Apendicite

xiii.Peritonite: se perfurarem a parede intestinas ou do


tracto urinário. A mortalidade é alta.

xiv.Meningite: a maioria dos casos de meningite em


neonatos é causada pela E.coli.

xv.Infecções de feridas

xvi.Septicemia: causam 15% dos casos da multiplicação


sanguínea frequentemente fatal; contra 20%
por Staphylococcus aureus. É uma complicação de

1 Conforme http://pt.wikipedia.org/wiki/Escherichia_coli

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estágios avançados não tratados de doença nas vias


urinárias ou gastrointestinais. A mortalidade é
relativamente alta.

A Casan S.A. foi informada dos resultados da análise


laboratorial e se limitou a alegar que nas suas análises da água
realizadas na Estação de Tratamento de Água (ETA) não foi
constatado o problema. Informa também que, quando alguma
irregularidade é constatada, o procedimento é simplesmente
recoletar amostras, até que apresentem resultados
satisfatórios.

Em outras palavras, o problema é apenas corrigido, mas o


consumidor que recebeu a água imprópria para consumo, continua
com o produto em suas caixas d´água e nem sequer é alertado ou
indenizado pelo valor que pagou durante aquele mês pela água de
qualidade.

Numa segunda vistoria, em 31 de maio de 2010, 21 dias


depois da primeira coleta, a Vigilância Sanitária de Seara identificou
que nenhuma das nove amostras atendia aos padrões de
potabilidade do Ministério da Saúde.

Todas elas apresentavam turbidez excessiva. As


amostras, desta vez, foram colhidas nos seguintes locais:

xvii.Avenida Anita Garibaldi

xviii.Rua Sete de Setembro, 269

xix.Rua Ermindo Zonta

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xx.Rua Ferdinando Kirschner, 355

xxi.Rua Santo Paludo, 261

xxii.Rua Vitório Garghetti, 298

xxiii.Rua Arcângelo Garghetti, 52

xxiv.Rua C, Bairro São João

xxv.Rua Imigrantes, 1275

Diante da reiteração da irregularidade, o técnico de


laboratório da Casan Matheus Rodrigo Machado compareceu à
Estação de Tratamento de Seara e constatou que “devido ao
problema de turbidez e microbiológico, encontra-se a
necessidade de aplicar polímero no floculador um e dois na ETA com
uma concentração de 0,1% quando a turbidez da água bruta estiver
menor ou igual a 25 NTU, tendo assim uma boa eficiência na
floculação e decantação da água, e consequentemente atendendo
um dos itens estabelecidos pela Portaria 518/2004/MS, que são
turbidez menor ou igual a 1 NTU e ausência nas análises de
coliformes totais ou fecais na saído do tratamento ou sistema de
distribuição” (fl. 54).

Foi determinada também a realização de treinamento


com os funcionários da concessionária Lucimar Scussel, Oscar
Linhares de Moura, Clélio Bonetti e Gherly Andrei Ranzan.

Logo se vê, portanto, que a Casan S.A. reconheceu o erro


e inclusive a necessidade de (agora sim!) reforçar o treinamento de
seus funcionários e adequar o tratamento da água para alcançar os

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padrões mínimos aceitáveis. Todavia, não abateu da tarifa cobrada


do consumidor o valor correspondente ao serviço mal prestado.

Evidentemente, a simples correção do problema não


parece justa nem suficiente. Milhares de consumidores de Seara
receberam em suas casas água contaminada com coliformes fecais e
com turbidez acima do permitido, durante pelo menos2 todo o período
que intermediou a primeira coleta (10/5/0210) até a completa
solução do problema (1º/7/2010, fl. 52-59).

A correção do problema era a evidente obrigação da


requerida. Mas não a única. Era preciso garantir aos consumidores de
Seara o direito à reparação dos danos patrimoniais que tiveram.
Enfim, pagaram por um serviço de fornecimento de água de
qualidade e receberam água com COLIFORMES FECAIS e com
TURBIDEZ EXCESSIVA.

Para qualquer empresa minimamente séria isso seria


óbvio. Se presta um serviço inadequado, o preço final deve ser
abatido da diferença na qualidade do produto. Isso ocorre com toda a
sorte de prestadores de serviço, desde uma simples pintura até uma
complexa construção civil.

Para tanto, o Ministério Público propôs a assinatura de


compromisso de ajustamento de conduta em que a Casan se
comprometeria a conceder abono nas faturas de fornecimento de

2 O período pode ter sido maior se considerarmos a última coleta positiva


antes de 10/5/2010.

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água dos consumidores residenciais do Município de Seara, por uma


vez, como forma de indenizar pelo contrato não cumprido.

A Casan S.A. não aceitou os termos do TAC, dizendo


necessária a autorização do Governador do Estado para assinatura e
que está impedida pelo Decreto nº 1.035/2008 a conceder isenção
das tarifas.

Se houvesse vontade em cumprir o Código de Defesa do


Consumidor, certamente o presidente da Casan teria levado o TAC
para assinatura pelo Governador. Por outro lado, é evidente que o
Decreto nº 1.035/2008 trata de isenção sem causa, ou seja, de
isenção desmotivada. Qualquer fornecedor de serviço, como se verá
adiante, é obrigado a conceder abatimento do preço quando o
serviço tiver sido prestado de forma inadequada. Nem mesmo o
Código Civil ou lei complementar, e muito menos um decreto
estadual, poderia, sem incorrer em inconstitucionalidade, vedar o
abatimento do preço quando o serviço é inadequado, por infringir os
princípios mais básicos de direito.

2. Direito

O serviço de distribuição de água, como se sabe, é um


serviço público. Tal serviço é concedido à Casan S.A. no Município de
Seara.

Pelo Código de Defesa do Consumidor, é direito básico do


consumidor “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em
geral”. É também direito básico “a efetiva prevenção e reparação de

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danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (art. 6º,


X e VI).

Em se tratando de responsabilidade contratual, como é o


caso dos autos, em que se trata de contrato de adesão, a regra do
Código de Defesa do Consumidor é clara: “O fornecedor de serviços
responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao
consumo ou lhes diminuam o valor” (art. 20).

O mesmo dispositivo ainda esclarece que “São


impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins
que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não
atendam as normas regulamentares de prestabilidade” (§2º do art.
20).

No caso do fornecimento de água a Portaria nº 518/2004,


do Ministério da Saúde, atesta que não pode haver qualquer
quantidade de Escherichia coli ou coliformes em amostras de
até 100ml de água (art. 11).

E no caso da turbidez, o valor padrão é de no


máximo 5UT (tabela 6), valor que foi em muito extrapolado nas
amostras obtidas em Seara, que chegou a alcançar 8,84 UT (fl. 45).

A íntegra da Portaria nº 518/2004 consta às fls. 73 e


seguintes do ICP.

Registre-se ainda que o próprio Regulamento dos


Serviços de Água e Esgotos Sanitários da Casan a obriga a prestar os
“serviços de abastecimento de água na quantidade disponível e na

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qualidade preconizada pelo padrão de potabilidade definido na


legislação vigente”3.

Diante da constatação de vício de qualidade no produto,


o que está provado no caso dos autos, o consumidor tem direito ao
“abatimento proporcional do preço” (art. 20, III, do CDC).

É apenas isso que o Ministério Público quer, exercendo


aqui a defesa dos interesses e direitos dos consumidores vítimas da
conduta da requerida, na proteção de seus interesses e direitos
individuais homogêneos.

3. O valor do abatimento

O valor do abatimento deve ser estimado, já que não há


perícia capaz de identificar quanto da água imprópria a consumo
cada consumidor de Seara recebeu.

Entende adequado o Ministério Público considerar-se que


durante o período que intermediou entre uma e outra colega (21
dias), a água continuava imprópria para consumo. Isso parece
evidente, uma vez que as coletas foram realizadas em curto espaço
de tempo e pouca alteração houve nos resultados, fazendo-se
presumir que, de fato, o problema perdurou.

Tendo o mês de maio 31 dias, os 21 dias de água


imprópria para consumo representam 67,7% deste mês. Logo, o
abatimento proporcional, imposto pelo CDC, deve ser de 67,7% do
3 Art. 32, do Regulamento dos Serviços de Água e Esgotos Sanitários
da Casan, disponível em http://www.casan.com.br/docs/REGULAMETO
%20DOS %20SERVICOS%20%20DEC%202138%20DE%202009.pdf

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valor cobrado na fatura de maio de 2010.

Registre-se que o Ministério Público só propôs no TAC


encaminhado à Casan que o abatimento fosse de 30% do valor da
fatura mensal, já que se tratava de fase pré-processual, de acordo,
em que ambas as partes poderiam ceder em prol da celeridade.

Agora, com a negativa da requerida, não se vê outra


alternativa que não o abatimento proporcional aos dias em que,
comprovadamente, o serviço foi prestado com baixa qualidade.

Tal valor é ínfimo perto do patrimônio da empresa, que


em 2009 teve lucro de R$ 32 milhões e repartiu R$ 1,8 milhão entre
funcionários e diretores4.

4. Pedidos

Diante de tudo o que foi exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO


ESTADO DE SANTA CATARINA requer:

a) o recebimento e a autuação da presente ação;

b) a citação da requerida para, querendo, apresentar a defesa que


entender pertinente;

c) a produção de todos os meios de prova, inclusive testemunhal, pericial


e audiência pública no local dos fatos;

d) a condenação da requerida na obrigação de conceder abono de 67,7%


sobre o valor das faturas de maio de 2010 de todos os consumidores de Seara, em 30
dias, sob pena de multa de R$ 50.000,00 por dia de atraso.
4 http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jsp?
uf=2&local=18&newsID= a289284 5.htm&section=Economia

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e) a condenação da requerida em custas, despesas processuais e


honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do Decreto Estadual nº 2.666/04, em
favor do Fundo de Recuperação de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina5).

Dá-se à causa o valor de R$ 50.096,156.

Seara, 18 de fevereiro de 2011

Eduardo Sens dos Santos


Promotor de Justiça

5 CNPJ: 76.276.849/0001-54, Conta corrente: 63.000-4, Agência 3582-3, Banco do


Brasil.
6 Valor obtido = 67,7% do resultado da multiplicação do número de unidades
consumidoras de Seara (3.024) pela tarifa mínima de R$ 24,47. Este valor pode
aumentar de acordo com o consumo de cada unidade.

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