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Como todo bom filme, sua intencionalidade só é atingida quando incomoda e intriga, desde sua produção,
roteiro, imagens etc.. O filme revela uma realidade nua e crua do choque de civilizações que vai além das
fronteiras dos ditos países desenvolvidos e se aloja no cerne da Escola.
Globaliza-se tudo que possui valor. Por outro lado, globaliza-se também os efeitos perversos (fome, miséria, e
violência) de séculos de espoliações e usurpações imperialistas.
A sala de aula é, no entanto, lugar materializado do choque de culturas (Mali, Marrocos, Argélia, China, Antilhas,
Serra Leoa) e o professor visto como um colonizador incapaz e despreparado para uma variante cultural a beira
de uma explosão.
Logicamente, a falta de preparo foi fator disparador de tensões que leva ao clímax do filme.
Não estar preparado neste caso, é estar cego ao microcosmo da sala. Ou seja, ignorar que um aluno, filho de
imigrante (ou imigrante) possa ser capaz de ler um livro de Filosofia, ir a uma galeria, ou simplesmente
questionar a moralidade ou o conteúdo presente é sintoma de despreparo. Outro aspecto importante são as
atitudes quixotescas do professor em embrenhar-se por um campo de conflitos sem ter noção aparente.
Seria o filme, retrato, a nós referenciados? Certamente que sim, o fato de criticar a atitude de Marin, não nos
exime do dever empático. É um alerta que nos orienta para onde não ir ou de onde sair.
A realidade incomoda de maneira intencional. A câmera não pára em um ponto fixo (sem tripé), não absorve
outros planos e não há trilha sonora.
Na sala, as aulas de Francês são questionáveis. A linguagem culta expressa o colonizador. Todos são filhos da
língua francesa imposta pela colonização, daí o embate com o professor.
Nesse ambiente multiracial, o que une colonizador e colonizados são manifestações populares- rap, gótico,
futebol, gírias das periferias etc.
A palavra expulsar, causa indignação. Não é por menos! Ser expulso da escola é uma alusão ao sofrimento do
cotidiano do imigrante, fato também marcante no diálogo com o conselho. Os professores sensibilizam-se com o
chinês doutrinado e inteligente, ao malense e antilhano (selvagens e indolentes), a punição é expulsão.
Fazendo uma intertextualidade com “Escritores da Liberdade”, filme muito divulgado na rede estadual, há
algumas considerações a pontuar. Ambos retratam o sofrimento e angustia de uma adolescente- Anne Frank.
Porém, o filme “Entre os Muros da Escola” não romantiza a Escola, o Adolescente e o professor. É fato, é real e
atual.
A angustia profissional do professor em Escritores da Liberdade é brindada pela satisfação pessoal da
persistência, ou seja, o sistema cruel pode mudar pela ação individual e romântica. O filme é um produto
americano vendável que em seu enredo possui um happy and e equipara o docente a imagem angelical, dócil e
imune a qualquer tormenta.
Nas cenas finais de “Entre os Muros da Escola”, os alunos não fazem menção do que aprenderam com Marin
que perante aos colegas de profissão parecia se destacar. Os alunos destacam outros conteúdos assimilados
menos os das aulas de Francês. Uma jovem afirma não aprender nada e não quer curso profissionalizante como
orientação profissional. Talvez seria uma referência ao destino dos imigrantes pobres que com boas notas são
direcionados aos cursos profissionalizantes de baixa renda e de massa.
O filme é uma obra prima que se torna ímpar quando comparado a outros do gênero.
Crítica UOL
11/03/2009 - 06h30
"Entre os Muros da Escola" expõe a visão francesa do choque de civilizações
EDILSON SAÇASHIMA -Da Redação
Existe um fosso que separa o professor e os alunos que protagonizam o filme "Entre os Muros da Escola",
vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes do ano passado. No microcosmo de uma sala de aula, a
expressão "choque de civilizações" poderia ser usada para sintetizar a relação entre eles.
Há uma diferença cultural e social que gera incompreensão e atrito entre ambas as partes, em um retrato do que
seria a França contemporânea. Os muros da escola não são os únicos que revelam uma divisão e uma
impenetrabilidade entre dois lados. Há também outros muros invisíveis que estão sugeridos no filme.
Alunas reais atuaem em "Entre os Muros da Escola"; filme expõe visão do choque de civilizações
VEJA MAIS FOTOS DO FILME "ENTRE OS MUROS DA ESCOLA"
De um lado desse muro está François Marin, um professor de francês vivido por François Bégaudeau, que
também é o autor do livro homônimo no qual "Entre os Muros da Escola" é baseado. De outro, está um grupo de
alunos entre 13 e 15 anos composto por negros africanos, asiáticos latino-americanos e franceses.
François pode ser visto como um educador, em um primeiro momento, mas também como uma espécie de
colonizador. Seu sobrenome Marin, que pode ser traduzido ao português como marinheiro, sugere alguém que é
desbravador dos mares e de novas terras. Seu esforço em fazer com que seus alunos incorporem o idioma
francês pode ser interpretado como uma espécie de "processo civilizador" imposto a esses alunos de diferentes
etnias.
Professor na vida real, François Bégaudeau atua em filme inspirado em seu livro
A linguagem é o grande campo de batalha onde é travado esse conflito cultural. O filme se sustenta basicamente
apenas com longos diálogos, e muitos deles trazem o frescor do improviso. Sem um roteiro em mãos, os jovens
puderam criar seus próprios diálogos, o que dá a sensação de que a realidade daqueles garotos invadia a ficção
de "Entre Muros".
A invasão da realidade no filme também se dá através do nome dos personagens, que é a mesma dos jovens na
vida real. Porém, duas exceções merecem menção. Khoumba, vivida por Rachel Régulier, é uma aluna chamada
de insolente por se recusar a atender uma ordem do professor. Souleymane, interpretado por Franck Keïta, é o
garoto problemático que se indispõe com o professor e seus colegas.
São os dois personagens "rebeldes" e principais questionadores da autoridade de François. Apresentá-los como
personagens fictícios parece querer desvinculá-los do mundo real. É como se a visão deste filme francês fosse
apenas capaz de ver o "verdadeiro" outro como o "bom selvagem", aquele personagem de outra etnia que se
esforça a assimilar a cultura francesa. Talvez por isso, os professores lamentem a possibilidade de deportação
do chinês Wei, um aluno dedicado no estudo do francês e bom moço, mas se reúnam para discutir a expulsão
de Souleymane, um personagem que vemos falar um outro idioma.
O filme reforça uma visão colonizadora a partir do ponto de vista de alguém que se toma, mesmo que
inconscientemente, como a "civilização". Assim, o outro se torna o retrato da rebeldia que deve ser conquistado
através da assimilação da cultura da "civilização".
Para o público brasileiro, a imagem de alunos que questionam a autoridade do professor e até mesmo são
agressivos possibilita outra discussão. Trata-se de um retrato que talvez não seja diferente do que vemos em
escolas brasileiras, em que é comum o relato de desrespeito ao mestre. Mas a escola em si não parece ser o
principal foco do filme. Tanto que o título original se refere apenas aos muros. A menção à escola no título é uma
inclusão da distruibuidora do filme no Brasil.
01/2009 - 07h00
Diretor fala sobre 'Entre os Muros', filme indicado ao Oscar que retrata nova sociedade francesa
TAÍSSA STIVANIN
Colaboração para o UOL, de Paris
Manhã chuvosa, dia típico de inverno em Paris. A entrevista do UOL com o diretor francês Laurent Cantet,
agendada há um mês, está marcada em um café no centro da capital. A data não poderia ser mais oportuna: na
véspera, dia 22 de janeiro, a Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood confirmou a indicação de "Entre
os Muros da Escola" na categoria de Oscar de melhor filme estrangeiro - o último filme francês indicado foi "Feliz
Natal" (2005), de Christian Carion.
O diretor Laurent Cantet (de camisa preta à direita) conversa com atores de "Entre os Muros da Escola",
indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro
"Entre os Muros da Escola" coleciona prêmios. Já levou Palma de Ouro no Festival de Cannes e disputa o César
de melhor filme do ano. Baseado no livro homônimo de François Bégaudeau, que será lançado no Brasil pela
editora Martins Fontes, o filme retrata o cotidiano de uma classe de oitava série em uma escola pública do
subúrbio parisiense.
Bégaudeau, professor de francês na vida real, também é o ator principal do filme. Os alunos foram selecionados
em ateliês de improvisação realizados pelo diretor no colégio Françoise Dolto, onde também aconteceu a
filmagem. O resultado: um retrato da nova sociedade francesa, onde miscigenação, desigualdade social e
choque cultural confrontam os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Bem vindos à França, onde a Torre
Eiffel é só uma imagem de cartão postal.
Em tempo: a distribuidora brasileira do filme, Imovision, deve trazer Cantet e Bégaudeau para o lançamento do
filme em São Paulo, no dia 13 de março.
Professor na vida real, François Bégaudeau atua em filme inspirado em seu livro
"ENTRE OS MUROS" GANHA PALMA DE OURO
ASSISTA AO TRAILER
UOL - Como está a venda do filme? Antes mesmo de Cannes, já havia 43 países interessados.
Cantet - Hoje, segundo nossas projeções de mercado, já existem cerca de 60 países interessados na compra do
filme. Todos os países europeus, Canadá e Estados Unidos, Brasil, Argentina, China e México na América
Latina, Austrália, onde o filme entra em cartaz nesta semana, Índia...
UOL - Como as pessoas compreendem o filme? É difícil de entender a história sem conhecer um pouco a
sociedade francesa atual.
Cantet - Realizamos debates em vários países. As questões formuladas por jornalistas, ou professores, são as
mesmas da França. O tema abordado é universal, mesmo que haja problemas específicos do sistema escolar
francês. Mas a questão central é compreendida da mesma forma aqui ou em outros países.
UOL - Assistindo ao filme na versão original, parece complicado traduzir todas as gírias e expressões em várias
línguas...
Cantet - Isso foi um longo trabalho. Cuidamos da versão em inglês para o Festival de Cannes, e o tradutor
pesquisou muito para encontrar palavras e expressões equivalentes. Não é uma tradução, na verdade. Somos
obrigados a reescrever o texto para encontrar fórmulas com o mesmo sentido, que causem o mesmo efeito, nível
de linguagem, o mesmo tipo de registro. Este trabalho foi muito longo, do qual eu participei, fazendo perguntas e
sugestões ao tradutor. O que me tranqüiliza, agora que já assisti a várias projeções em diferentes línguas, é que
as pessoas riem nos mesmos momentos do que os franceses, o que me leva a crer que as legendas funcionam.
UOL - Como quando Esmeralda disse ter lido 'A República', de Platão...
Cantet - Por exemplo. Alguns professores ficaram com medo da imagem que reproduzimos da escola, e não se
identificaram com François, muito desajeitado, alguém que comete muitos erros, o que faz parte do cenário
original. Por isso é importante diferenciar um documentário de uma ficção: criamos o personagem dessa maneira
porque precisávamos que ele fosse dessa maneira. E também porque acredito que é preciso criar personagens
que representem seres humanos com suas fraquezas. Não tinha a menor vontade de criar um personagem,
professor, que fosse um exemplo de cultura, que tivesse sempre a boa reação, encontrasse sempre o bom
exemplo. O erro existe; talvez em relação a um professor seja mais sério do que em outras profissões, mas é
assim. O que não devemos dizer é o que acabamos dizendo. Algumas cenas, inspiradas no livro, aconteceram
mesmo.
Pelas salas e corredores de uma escola pública parisiense, circulam todos os conflitos sociais, étnicos e culturais
que envolvem o ensino básico na França e o mundo da educação, de forma genérica e universal. O que
inicialmente parece ser um pequeno drama banal, englobando alunos problemáticos e um professor empenhado,
logo se mostra um eloqüente e sincero exercício de imitação da vida. Em 2001, quando Laurent Cantet lançou A
Agenda, com Daniel Auteil, criou a expectativa de que, mais cedo ou mais tarde, ele voltaria a oferecer um
drama tão humanamente envolvente e verdadeiro quanto aquele. Era a angustiante história de um executivo
que, inesperadamente, se encontra desempregado. Até aí, nada de extraordinário, mas o gancho da trama é que
ele tenta esconder esse fato da família. Tardou um pouco até que ele retomasse o fio ascendente em sua
trajetória de criador, mas essa espera compensou, porque agora ele nos oferece um drama excepcional, não
somente pelas coisas que diz, mas pela maneira como foi construído.
O primeiro espanto vem com a avassaladora impressão de realidade: chega a transmitir tanto, ou mais verdade
que um documentário - modalidade de narrativa, aliás, da qual ele retira os elementos estilísticos básicos do
espetáculo: câmara fora do tripé; ausência de trilha sonora pontuando as variações de clima; som direto;
intérpretes amadores; montagem em continuidade; filmagem em locação, iluminação natural” etc. Mas, acima de
tudo, predomina uma linha de encenação que pretende parecer informal e, por isso, aparenta um falso descaso
nos figurinos e no encadeamento dos diálogos, escondendo o uso de maquiagem e de ensaios para preparar as
tomadas. Em primeiro lugar, o professor protagonista é interpretado pelo mesmo François Bégaudeau (na foto
abaixo), em cujo livro autobiográfico se baseia o roteiro. Ou seja, um civil (no sentido de alguém que não exerce
a profissão de ator e nem foi treinado para esse ofício) interpreta a si mesmo. Em coerência com esse
procedimento, todos os demais atores emprestam sua aparência e seus nomes verdadeiros aos personagens
que encarnam, levantando a suspeita de que alguns deles estejam “fazendo o papel” de si mesmos.
Quando isso acontece, o resultado caminha para a catástrofe, ampliando até a sugestão de artificialidade no
discurso: a pessoa que imita a si mesmo tende a se mostrar solene, empostada, ou inibida, mas nunca natural.
(veja-se Jogos de Cena, de Eduardo Coutinho) A não ser que esteja trabalhando com um diretor extremamente
criativo e habilidoso - uma coisa que Laurent Cantet não precisa mais provar a ninguém, uma vez que seu
trabalho recebeu o prêmio mais prestigiado do cinema mundial, que é a Palma de Ouro do Festival de Cannes.
Para o público brasileiro, porém, é preciso alertar de que não se trata aqui de mais um daqueles produtos
franceses “experimentais”, que às vezes só conseguem como resultado a geração de tédio em larga escala.
Apesar de se manter circunscrito ao universo de hui clos já expresso no título, o entrecho de Entre Os Muros da
Escola traz o mundo inteiro para dentro filme, recorrendo ao humor, ao suspense e principalmente à nossa
consciência de cidadãos.
Luciano Ramos
Crítico de cinema da Rádio Cultura, no programa CINEMA FALADO. Professor dos cursos de pós-graduação em
Crítica de Cinema e Jornalismo Cultural da Fundação Armando Álvares Penteado, São Paulo.
FONTE: http://programacinemafalado.blogspot.com/2009/03/entre-os-muros-da-escola-palma-de-ouro.html
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