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A DIVERSIDADE DO CRISTIANISMO NO BRASIL ATUAL(Prof. Dr. Antonio R. S.Mota S.J.

Seis horas da tarde. Cidade pequena. A praça principal abriga um coreto, o fórum municipal e
uma igreja com grandes torres. Repicam os sinos. Trabalhadores, donas de casa, jovens e até
crianças, todos rezam silenciosamente uma Ave-Maria. No domingo, todos se encontrarão na
missa, evento religioso e social importante na cidade.

É possível que, ao ler o parágrafo acima, várias pessoas reconheçam algo da realidade nele
retratada. Trata-se de uma narrativa cada vez mais distante no tempo. Hoje, a maior parte das
pessoas no Brasil mora em grandes cidades, com dezenas de praças. Mesmo nas cidades
menores, o templo católico nem sempre é conhecido ou reconhecido e há muitos templos,
com indicações bem diversas: Igreja Batista, Assembléia de Deus, Igreja Universal do Reino de
Deus, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e muitas outras. Os terreiros de
Umbanda e de Candomblé são um entre outras religiões diferentes, embora não se possa dizer
que o preconceito para com as religiões diferentes, embora não se possa dizer que o
preconceito para com as religiões afro-brasileiras esteja superado, ao contrário... Há também
sinagogas, mesquistas, centros espíritas, igrejas messiânicas, templos budistas...Outros se
dedicam ainda ao tarô ou ao horóscopo. Outros não freqüentam nenhum tipo de religião. E há
os que nem sequer crêem em Deus... Que diversidade!

O cristianismo é a religião dos que proclamam a fé em Jesus como Cristo, o Messias, o Filho
de Deus, e o seguem. Há duas ou três gerações ninguém duvidaria que o cristianismo,e, dentro
do cristianismo, o catolicismo, era a “religião brasileira”. É verdade que ela continua sendo a
religião majoritária (73,8%, segundo o Censo de 2000). Mas apesar de o catolicismo ser uma
das bases para se compreender a cultura brasileira, a realidade mudou. Hoje, o campo
religioso tem sofrido grandes transformações e vem se tornando cada vez mais diversificado.

O próprio catolicismo é diversificado em seu interior. Isso quer dizer, sua unidade é
multiforme. A unidade, fundamentada teologicamente na unidade do mistério de Cristo, é
expressa simbolicamente na existência de um único líder, o Papa. Mas há diversas formas de o
catolicismo existir. Para além do catolicismo oficial, proclamado pelas autoridades religiosas,
entramos o catolicismo popular, relido no horizonte cultural e no contexto vital populares.
Encontramos também o catolicismo vivido nas Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs,
pequenas comunidades entre os pobres , caracterizadas pelo maior inter-relacionamento
pessoal, estudo da Bíblia e acentuado compromisso com a família, com o trabalho
sociopolítico, com a comunidade local, com o bairro. Encontramos igualmente o catolicismo
vivido dentro de movimentos e grupos, dentre os quais se sobressaem a renovação
Carismática Católica – RCC e as novas comunidades que, com influências do pentecostalismo,
têm crescido bastante nas duas últimas décadas. A RCC modifica a experiência religiosa
tradicional através dos “grupos de oração” e do culto oficial, com novas expressões emocionais
e corporais. Utiliza a mídia e se configura em movimento de massa.

Dessa forma, dentro do catolicismo, encontramos desde as missas espetaculares e midiáticas


do Padre Marcelo Rossi até as missas afro, em que a liturgia busca assimilar elementos da
cultura afro-brasileira. Isso sem contar vários outros segmentos, grupos.
Nas duas últimas décadas, viu-se uma tendência significativa de queda do percentual dos
brasileiros que se declaram católicos. Se em 1980 havia 88% de católicos, em 1991 havia 83,8%
e, em 2000, 73,8%. É evidente que encontramos diferenças regionais. Por exemplo, a
porcentagem de católicos é mais alta na região Nordeste e em Minas Gerais, lugares
tradicionalmente católicos. E é mais baixa nos Estados do Rio de Janeiro, de Rondônia e do
Espírito Santo. Tudo indica que o catolicismo vem perdendo adeptos no contexto das
migrações e da urbanização, que favorecem a ruptura com os ambientes tradicionais de
origem.

Alguns especialistas observam que os que mais deixam o catolicismo são os chamados
católicos nominais (católicos só de nome, isto é, foram batizados mas não conhecem nem
praticam nada do catolicismo). Mas o fato é que ser católico por tradição familiar vai sendo
uma realidade cada vez mais difícil de ser encontrada. Na modernidade, a tradição vai cedendo
lugar à experiência e às convicções pessoais. Além disso, os migrantes e os novos moradores
das grandes cidades perdem suas referências religiosas de origem e nem sempre encontram,
em seu novo ambiente, uma nova referência católica.

Mas o cristianismo não é composto apenas pelo catolicismo. Os evangelhos, em sua vertente
protestante-histórica –luteranos, batistas, metodistas, presbiterianos, anglicanos,
congregacionaistas- , fazem parte do cenário brasileiro desde o século XIX. Embora
numericamente modesto (cerca de 3% da população), o pretestantismo está vivo e
desempenha importante papel no movimento ecumênico, que é um movimento organizado de
aproximação e diálogo entre as igrejas cristãs.

A novidade vem da entrada maciça dos evangélicos pentecostais no cenário religioso


brasileiro no século XX, com expressivo crescimento nas últimas décadas. Originário do
protestantismo, mais especificamente de grupos metodistas avivados e batistas dos Estados
Unidos, o pentecostalismo expandiu-se no Brasil e, hoje, estima-se que represente de 10 a
15% da população.

Mas, o que é mesmo pentecostalismo? Trata-se de um movimento religioso que traz


mudanças ao protestantismo. Enfatiza a manifestação do Espírito Santo através do falar em
línguas, do receber curas e do realizar exorcismos. O nome deriva de Pentecostes, a festa
cristã da efusão do Espírito Santo sobre os apóstolos, descrita na Bíblia no livro dos Atos dos
Apóstolos, capítulo 2, acontecimento esse que cria a comunidade cristã.

Segundo Paul Freston, é possível identificar três ondas de implantação de igrejas pentecostais
no Brasil.

A primeira se dá na década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã e da Assembleia


de Deus. Essa Última se expandiu mais, especialmente nos estados do Norte , com presença
nos pontos de migração. Enfatizam o batismo no Espirito Santo, certificado pelo falar em
línguas – a glossolalia.Atualmente, a Assembléia de Deus figura como a igreja pentecostal mais
numerosa e com dinamismo de crescimento.

A segunda onda acontece nas décadas de 1950 e 1960, com a chegada das igrejas
Quadrangular, Brasil para Cristo e Deus é amor, entre muitas outras. Expandem-se
principalmente no contexto paulista, com a urbanização e formação de sociedade de massas.
A ênfase dessas igrejas é a cura de diversos males.

A terceira onda é chamada de igrejas independentes por alguns autores, neopentecostalismo


por outros, ou também pós-pentecostalismo. Diferencia-se significativamente das anteriores,
tanto que é difícil reconhecer nela o espírito do protestantismo. Acontece no final dos anos
1970 e 1980 e tem como representante máxima a Igreja Universal do Reino de Deus (1977-
bispo Edir Macedo). Nasce no contexto carioca e expande-se para São Paulo, Bahia e todo o
Brasil. Cresce também no exterior. Outras denominações são a Igreja Internacional da Graça
de Deus e a Igreja da Nova Vida. Suas ênfases são o exorcismo e a busca da prosperidade.
Nelas, encontramos o enfrentamento com o Candomblé e a Umbanda, consideradas religiões
relacionadas com o mal e o maligno. Outra característica dessas igrejas é serem pautadas pela
teologia da prosperidade. O princípio básico dessa teologia é a doação financeira, investimento
intermediado pelos ministros, cujo resultado é a ação de Deus, com lucros. Segundo a teologia
da prosperidade, a fé faz melhorar de vida e a pobreza não seria o resultado da injustiça de
ordem estrutural, mas, sim, o resultado de falta de fé e ignorância. A Igreja Universal figura
como a segunda, em número de adeptos e crescimento, dentre as pentecostais.

Numericamente, as igrejas pentecostais vem se expandindo justamente onde se verifica um


decréscimo do catolicismo, ou seja, nas zonas de fronteira agrícola, especialmente nos estados
da região Norte do Brasil e nas periferias de todas as grandes cidades, cuja população é
caracterizada muitas vezes pelo isolamento, pela ausência da ação do Estado e pela ausência
da Igreja Católica.

Tendo recebido a diversidade dentro do cristianismo no Brasil, impõe-se dizer que se trata de
uma diversidade dinâmica, em que o pentecostalismo surge como alternativa religiosa,
especialmente para a população mais pobre e sociopoliticamente isolada.

Temos consciência de que faltaram as igrejas cristãs orientais (ortodoxa e católicas orientais)
e movimentos independentes, de inspiração cristã, mas não cristãos, como a Igreja de Jesus
Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons), a Adventista do Sétimo Dia, as Testemunhas de
Jeová, a Ciência cristã e o Racionalismo Cristão. Sobre estes , é possível pesquisar na
bibliografia proposta.

Bibliografia

FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: Nem anjos nem demônios:
Interpretações Sociológicas do Pentecostalismo. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes/CERIS, 1994,
p. 67-159.

JACOB, C. R.; HESS, R.; WANIEZ, P.; BRUSTLEIN, V.Religião e sociedade em capitais brasileiras.
São Paulo/Rio de Janeiro/Brasilia: Loyola/PUC –Rio/ CNBB, 2006.

KONINGS, Johan. Ser cristão: fé e prática. 4ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

MIRANDA, M. de França. Um catolicismo desafiado: Igreja e pluralismo religioso no Brasil. São


Paulo: Paulinas, 1996.p.9-23.
SANCHIS, P. (Org). Fiéis e Cidadãos: percursos de sincretismos no Brasil. Rio de Janeiro: UERJ,
2001.

Webliografia

http://latinoamericana.org/2003/textos/index.html Textos sobre a paz e as religiões.

http://www.vatican.va/special/assisi_20020124_po.html3.jpg . Informe e fotos sobre o


Encontro de Assis em 2002.

Reflexão pessoal

No Encontro de Assis (webliografia), mas de 200 representantes de uma dúzia de religiões de


todo o planeta foram até a cidade de Assis, berço de São Francisco, em janeiro de 2002, para
proclamar juntos que “a violência e o terrorismo são incompatíveis com o autêntico espírito
da religião “. Para demonstrar essa incompatibilidade, cristãos, judeus, muçulmanos, sikhs,
budistas, hinduístas, animistas, confucionistas, xiontoístas, etc. assinaram um Compromisso
Comum pela Paz. Perceba a ênfase de importantes líderes no fato de que a verdadeira
espiritualidade das religiões não é compatível com nenhum terrorismo ou violência.

Debate

Baseando-se nas suas leituras e pesquisas pessoais, comente como é a realidade do


cristianismo que você conhece na sua família e no seu bairro: Há muitos católicos? Como eles
vivem? Você conhece alguma CEB ou alguma pessoa que participa de uma CEB(Comundade
eclesial de base)? Você conhece muitas pessoas da RCC? Conhece também protestantes? Você
conhece muitos ex-católicos? O que eles fazem agora? Dê sua opinião, fundamentada, sobre o
crescimento do pentecostalismo: onde e como ele acontece? Para você, qual a importância da
experiência religiosa pessoal?

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