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Janeiro 2011 Revista Adusp

Entrevista: ANDRÉ SINGER

Governo Dilma
tende
à continuidade e ao
equilíbrio, sem ruptura
Daniel Garcia

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Revista Adusp Janeiro 2011

Na avaliação do professor André Singer, do Departamento de Ciências Políticas da


Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH), o governo Dilma
Roussef tende, ao menos de início, a não afastar-se das linhas mestras do projeto político
liderado por Lula, que envolve “transformação dentro da ordem, sem ruptura”. Ou seja,
a seu ver, a continuidade, no sentido de ausência de radicalismo, deve prevalecer. Isso
porque, dentro da ampla coalizão que elegeu Dilma, as forças políticas ligadas ao capital
rejeitam medidas mais contundentes, tais como imposto sobre grandes fortunas ou redução
da jornada de trabalho para 40 horas semanais. Singer não descarta tais mudanças, mas
acredita que dependeriam de uma alteração na atual correlação de forças.

O professor da FFLCH chama atenção para a complexidade da situação: no


interior da composição vencedora, o antagonismo entre de um lado os trabalhadores
organizados, e de outro lado “o que restou do capital industrial nacional”, pode ser
superado quando se trata de combater a atual política cambial, com a finalidade de
preservar empregos e barrar a desindustrialização. “Mexer na política cambial significa
um confronto com o setor dominante do capital, que é o capital financeiro. Para
enfrentar este bloco é preciso reunir muita força e, portanto, vai haver necessidade de
unir esses setores, porque o poder do capital financeiro é muito grande”.

Na sua opinião, a vitória de Dilma confirma suas teses sobre o lulismo, fenômeno que
expressa um realinhamento do eleitorado e o advento de uma nova e duradoura agenda
política para o Brasil: “Existe uma nova maioria, articulada em torno da idéia de combate
à pobreza sem ruptura da ordem”. A nova maioria pode incluir interesses muito amplos:
desde os setores mais pobres até setores do próprio capital financeiro, “à medida que você
mantém, por exemplo, uma taxa de juros relativamente alta”. Contudo, o núcleo dessa vasta
composição social, precisa ele, “é formado pelos interessados no processo de distribuição de
renda por meio de maior intervenção estatal, que tem um sentido antineoliberal”.

O governo Lula, diz, mudou a agenda, que deixou de ser a diminuição do Estado
e ampliação do mercado, para ser uma agenda de combate à pobreza: “O que me
leva a achar que não está correto o diagnóstico de que o governo Lula aprofunda o
neoliberalismo”. Singer pensa que a oposição não tem como fugir da nova pauta fixada
pelo realinhamento, o que explica as promessas feitas pelo candidato José Serra no
segundo turno, tais como aumento do salário-mínimo e ampliação do Bolsa-Família.

A entrevista foi concedida a Pedro Estevam da Rocha Pomar e Kamila el Hage.

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Revista Adusp - Eleita Dilma
Roussef, que se pode esperar do no-
vo governo? Estão dadas as con-
“As propostas de imposto sobre grandes fortunas
dições, políticas e econômicas, de e redução da jornada não são consensuais na coalizão
avançar em determinadas políticas
e não serão levadas adiante, a menos que no percurso
sociais que caracterizaram o governo
Lula e garantiram o voto majoritário haja uma modificação da correlação de forças,
das camadas populares na candidata
o que nesse momento não está posto”
do Partido dos Trabalhadores?
André Singer - À primeira vista
a eleição indica uma continuidade. ter o mesmo tipo de equilíbrio que Digo isso porque me pareceu
Eu não saberia dizer no primeiro já havia. Desse ponto de vista, os significativo aquele momento da
momento se os resultados são pro- resultados são propícios sim para campanha eleitoral em que, por
pícios a um grande avanço, a uma uma continuidade. Não seria ca- uma razão ou por outra, foi regis-
mudança significativa em relação paz de afirmar nesse momento, da trado como programa da candidata
ao que nós já tivemos, sobretudo análise que eu tenho dos dados, Dilma aquele que havia sido o pro-
com relação ao segundo manda- que é preliminar, que ela indique grama proposto pelo IV Congresso
to do presidente Lula, no qual eu um avanço significativo. Nacional do PT, que ocorreu em
identifico uma certa inflexão com Revista Adusp - Será possível con- fevereiro. Nesse programa propos-
relação ao que aconteceu no pri- tinuar adotando medidas de distribui- to pelo PT, que era uma proposta
meiro. São sempre inflexões leves ção de renda e ampliação de progra- de programa que deveria ter sido
e às vezes passam desapercebidas mas como o Sistema Único de Saúde debatida com os demais partidos,
pelo próprio estilo de governo que sem realizar uma reforma tributária estavam incluídas duas propostas
tem a ver, no meu ponto de vista, de viés progressivo, que amplie os importantes, uma das quais era jus-
com o projeto político que está em impostos sobre grandes fortunas e tamente o imposto sobre grandes
curso, que é um projeto que envol- sobre o sistema financeiro, por exem- fortunas e a outra era a redução da
ve uma ausência de radicalização plo? Ou seja, tomando como ponto jornada de trabalho para 40 horas.
política. Uma das pedras basilares de partida esse pressuposto de que o Estas duas propostas são emblemá-
desse projeto, que é um projeto projeto não envolve uma radicaliza- ticas, porque elas são justamente
transformador, a meu ver, é que ção, não teríamos aí um dilema? típicas do que eu chamo de antigo
essa transformação se dá dentro da André Singer - É um dilema de PT. Ou seja, o PT tinha até 2002
ordem, sem ameaça à ordem esta- grau. A dificuldade de análise da uma configuração de partido de
belecida. É uma das características situação é saber em que grau esse classe, com elementos de radicalis-
estruturais do momento que a gen- dilema se coloca, porque a questão mo explícito. O que havia sido uma
te está vivendo. do Sistema Único de Saúde, que grande novidade no panorama par-
Então, voltando à sua pergunta você levanta, é fundamental. Nesses tidário brasileiro. De 2002 para cá,
inicial, a gente tem que esperar, primeiros momentos do pós-elei- o PT muda, sem, a meu ver, deixar
em um primeiro momento, con- ção, já surgiu no âmbito do futuro de ter dentro de si o que eu chamo
tinuidade no que diz respeito ao governo a hipótese de volta de um de primeiro PT. Essa aprovação no
próprio equilíbrio das forças, pois tributo do tipo CPMF. Entendo que IV Congresso dessas duas propos-
foi um governo de composição po- esse é o limite. Eu não acredito que tas típicas do primeiro PT mostra,
lítica e um governo de composição se vá além disso no sentido de uma confirma, a hipótese de que esse
social. Na verdade, é uma coalizão reforma tributária progressiva, mui- antigo PT ainda existe e ainda tem
de interesses muito ampla e eu di- to menos no que diz respeito a um relevância dentro do atual PT. No
ria que a tendência seria de man- imposto sobre grandes fortunas. entanto, uma vez registrado esse

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programa, como programa da can- porque o poder do capital financei-
didata, isso incitou uma polêmi- ro é muito grande.
ca pública nos meios de comuni- “Existem pontos de Para concluir, é um jogo de for-
cação. A decisão do comando da unidade fundamentais ças de coalizões móveis com con-
campanha foi retirar o programa, tradições internas, cujo desenho é
de tal forma que, explicitamente, entre o que restou do muito intrincado e as vezes é difícil
essas duas propostas ficaram de capital industrial nacional de entender, até porque esses pro-
fora. É verdade que, por razões cessos têm se dado dentro do Esta-
que eu desconheço, até o final da e os trabalhadores. do e não por meio de mobilizações
campanha, incluindo aí o segundo Ambos estão interessados da sociedade. Então, penso que por
turno, não foi registrado um novo vezes é difícil para a própria socie-
programa. De tal forma que fica-
em que a política cambial dade enxergar onde é que estão os
mos sem saber exatamente quais mude e impeça o Brasil pontos de unidade e de conflito.
são, oficialmente, os compromissos Revista Adusp - Seria uma apro-
de se desindustrializar”
que tivessem sido registrados. Sei ximação entre os setores organiza-
que foram divulgados pelo comitê dos da classe trabalhadora e, diga-
de campanha alguns pontos, mas presenta a classe trabalhadora e mos, a burguesia industrial, para
não foi registrado um programa em o segmento do capital, no que diz falar em termos clássicos.
substituição àquele. respeito por exemplo a essas duas André Singer - Entendo que
Voltando à questão, minha análi- questões (imposto sobre grandes tem um aspecto da situação atual
se sobre esse momento é a seguinte: fortunas e redução da jornada de que evidentemente coloca no mes-
por que essa proposta foi retirada, trabalho), por outro lado existem mo campo esses dois setores e ou-
especificamente nas duas questões, pontos de unidade fundamentais tros, porque nós poderíamos falar
impostos sobre grandes fortunas e entre pelo menos o que restou do dos agricultores, da agricultura fa-
redução da jornada de trabalho? capital industrial nacional e os tra- miliar, de conjunto, de setores que
Porque isso não é consensual na co- balhadores. Esta questão diz res- se contrapõem a essa política cam-
alizão de forças que sustenta a can- peito ao problema do câmbio. Quer bial que, por sua vez, está ligada
didatura Dilma. É evidente que en- dizer, esses dois setores estão inte- à política de juros, poque a gente
tre essas forças estão forças ligadas ressados em que haja uma mudança sabe que esse capital especulativo
ao capital. O PMDB se colocou na da política cambial que impeça o vem ao Brasil porque os juros são
posição de fazer a mediação com o Brasil de se desindustrializar e pos- muito altos. Seria necessário me-
capital, explicitamente dizendo que sibilite, segundo alguns economistas xer na política cambial e também
faria o diálogo com os empresários, que eu respeito têm afirmado, que na política de juros, que até agora
e eles rejeitam essas duas propostas. o Brasil entre em um período de não foi possível, o que mostra que
Então essas propostas não são con- reindustrialização. Porque já estaria o poder do setor dominante do
sensuais na coalizão e, por isso, elas em curso um processo de desindus- capital, que hoje é o financeiro,
não serão levadas adiante, a menos tralização. Para que isso aconteça é é muito grande. Então, tem pe-
que no percurso haja uma modifi- preciso mexer na política cambial, e lo menos um aspecto do conjunto
cação da correlação de forças, o que mexer na política cambial significa que coloca no mesmo campo for-
nesse momento não está posto. um confronto com o setor domi- ças que são em outros aspectos an-
A situação que nós estamos vi- nante do capital, que é o capital tagônicas nessa questão tributária.
vendo é, do ângulo da luta de clas- financeiro. Para você enfrentar este Por isso que, a meu ver, não have-
ses, bastante intrincada. Porque se bloco é preciso reunir muita força rá insistência nessa questão tribu-
de um lado existem divergências e portanto vai haver necessidade tária, porque ela divide um bloco
nítidas entre o segmento que re- efetivamente de unir esses setores, que tem que permanecer unido.

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expressão sui generis, mas eu diria
que não é essa aliança, é o próprio
“O sistema político brasileiro é muito singular. sistema político brasileiro que é sui
Um sistema presidencialista com um partido generis, é muito singular. Tem até
uma característica que não conheço
puramente parlamentar, que é o caso do PMDB,
em nenhum outro lugar: é um siste-
que não disputa eleição presidencial desde 1994, ma presidencialista com um partido
puramente parlamentar, que é o
mas é importante na formação dos governos”
caso do PMDB, significativo, repre-
sentativo. Quer dizer, um partido
Revista Adusp - Como você clas- outro lado tem um sistema parla- que não disputa eleição presiden-
sifica essa grande coalizão de forças, mentar muito fragmentado. Nós cial desde 1994, mas é importante
presente no governo Lula, e tam- tivemos na legislatura passada, que na formação dos governos. Uma si-
bém na candidatura da Dilma, e que termina agora ao final de 2010, 32 tuação inusitada. Tendo a achar que
vai da esquerda, passa pelo centro e partidos representados na Câmara no plano partidário essas alianças
tem inclusive agrupamentos e perso- dos Deputados. É verdade que uma são expressão dessa singularidade
nalidades marcadamente de direita, boa parte desses partidos não são do sistema político brasileiro.
que é uma aliança sui generis? expressivos do ponto de vista do No plano social, existe uma no-
André Singer - Tem que separar número de cadeiras. Os partidos va maioria, articulada em torno da
duas coisas: uma aliança no plano relevantes são seis ou sete. No en- idéia de combate à pobreza sem
partidário e uma outra coalizão, tanto, se para governar você precisa ruptura da ordem. Esta é a agenda
vamos chamar assim, de interesses de maioria ampla, no caso brasilei- desta nova maioria. E ela realmen-
sociais. No plano partidário, essas ro não tanto para aprovar projetos, te pode, num determinado mo-
alianças que são com partidos do mas para não ser, o governo, pres- mento, representar interesses mui-
campo da direita obedecem a uma sionado por interesses locais muito to amplos: desde os setores mais
lógica que é a seguinte: o sistema fortes, precisa ter uma maioria que pobres, que são os efetivamente
político brasileiro está tendendo lhe permita uma certa largueza. Pa- beneficiados pelos programas de
a se bipartidarizar, e essa tendên- ra conseguir isso você precisa ter transferência de renda, aumento
cia de bipartidarização corresponde uma base de apoio muito extensa. do salário mínimo, benefícios de
a um aspecto da lógica eleitoral. Então pelos dois lados, tanto do prestação continuada, “Luz para
Quando se tem sistema presiden- lado da eleição presidencial quanto Todos” e vários outros, até seto-
cialista com segundo turno, em que do lado do sistema parlamentar, res do próprio capital financeiro,
você obriga os partidos que qui- tem-se uma situação que obriga os à medida que você mantém, por
serem ser competitivos a formar partidos a buscarem apoio em se- exemplo, uma taxa de juros relati-
grandes maiorias, do contrários eles tores muito diversificados. Isso faz vamente alta. Ela vem caindo, mas
não têm chance de disputar, histo- com que já em 1994 o PSDB tenha ainda é relativamente alta. Então é
ricamente você estimula a bipar- começado esse sistema ao se aliar uma composição que pode repre-
tidarização, porque qualquer um ao PFL, o que na época foi uma sentar um arco muito grande de
que queira ter chances precisa se grande surpresa. O PSDB se apre- interesses. Mas eu diria que o nú-
agregar a uma das opções majoritá- sentava como um partido de cen- cleo dessa nova maioria é formado
rias, ou possivelmente majoritárias. tro-esquerda e fez uma aliança com pelos interessados no processo de
Você tende, na verdade, a produzir um partido do campo da direita. distribuição de renda por meio de
partidos que são guarda-chuva. En- Esse processo, iniciado pelo PSDB, maior intervenção estatal, que tem
tão, se de um lado você tem uma se tornou praticamente obrigató- um sentido antineoliberal, mas sem
tendência à bipartidarização, por rio. Concordo com você no uso da ruptura na ordem. Embora você

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“O Brasil deveria experimentar, com cautelas,


o financiamento público de campanha e a lista fechada.
Muitas vezes mudanças institucionais têm resultado
oposto ao esperado. Penso no exemplo italiano”

possa ter até o capital financeiro que as duas propostas


como parte desse arco, num deter- que você mencionou, fi-
minado momento, ele não está no nanciamento público de
centro dessa nova maioria. campanha e lista fecha-
Revista Adusp - O presidente da, o Brasil deveria ex-
Lula anunciou sua disposição de, perimentar, com caute-
após o final de seu mandato, envol- las. Que cautelas seriam
ver-se pessoalmente na chamada essas? Por exemplo, em
reforma política. O PT defende o relação à lista fechada
financiamento público das campa- deveriam ser pensadas
nhas e o voto em lista. O que você — não sou especialista
pensa dessas propostas? no tema, não quero me
André Singer - Este é um dos aventurar muito nisso —
pontos-chave para entender o que medidas que, junto com
vai acontecer no Brasil. O proble- a lista fechada, garantis-
ma da mudança das regras do jo- sem um maior controle
go político é que é preciso fazê-la da sociedade sobre as
com muito cuidado. Muitas vezes decisões no interior dos
mudanças institucionais têm um re- partidos. Porque, evi-
sultado oposto ao esperado. Sem- dentemente, ao tomar a
pre penso no exemplo italiano, de- decisão de fazer a eleição por lista se tomasse uma série de cautelas
pois da Operação Mãos Limpas. fechada você dá grande poder às no sentido de obrigar os partidos
No começo dos anos 1990, houve burocracias partidárias, porque são a fazer processos transparentes e
uma reforma política que preten- as burocracias partidárias que vão com verdadeira participação de ba-
dia resolver os problemas postos decidir a ordem na lista. E ao deci- se, o que é complicado, porque no
pela Operação Mãos Limpas. Qual direm a ordem na lista, praticamen- mundo todo os partidos políticos
foi o resultado? Desabou o siste- te se transfere dos eleitores para a estão sendo esvaziados do seu anti-
ma partidário anterior e ascendeu burocracia partidária a decisão de go caráter militante. Isto não é um
Berlusconi. O caso italiano é para- quem vai sentar no parlamento. É problema brasileiro, é geral. Todos
digmático de uma reforma políti- preciso tomar muito cuidado com os partidos estão deixando de ser
ca em que o tiro saiu pela culatra. isso, porque você pode simples- partidos de militância e passando a
Então, ao mudar as regras do jogo mente transferir um problema que ser máquinas eleitorais em si. Como
é preciso muito cuidado para que está ocorrendo no plano da eleição ter participação de base se não tem
o resultado não seja o oposto do para dentro da escolha das conven- mais base? É complicado. Isso leva,
esperado. Isto posto, tendo a achar ções partidárias. Eu sugeriria que por exemplo, ao que foi decidido

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na Argentina agora, que é obrigar programático de propostas. A can- para aquela, hoje pequena, parcela
os partidos a fazerem primárias, didatura tucana também não che- de eleitores que têm procurado ain-
que ao que parece seriam abertas, gou a apresentar um programa. A da se pautar por uma discussão de
qualquer eleitor pode participar. que você atribui esse fenômeno? natureza programática, faltou esse
Com relação ao financiamento André Singer - Tenho tomado elemento. Apesar disso tudo, quan-
público, sou a favor de que a gente uma posição, que é importante a do se assistia aos debates, para um
tente, mas sou sensível aos argu- gente ter na universidade, de crítica espectador mais atento era possível
mentos daqueles que dizem: “Você ao marketing eleitoral. O marke- perceber a natureza das propostas.
vai ter o financiamento público e ting eleitoral é algo que distorce o Mas reconheço que era preciso fa-
o financiamento privado vai conti- princípio democrático. O princípio zer bastante esforço e ter uma dose
nuar por baixo do pano”. É o pior democrático é que os eleitores pre- grande de informação prévia. Eu
dos dois mundos. A única coisa que cisam ter informação suficiente pa- gostaria muito de estimular a so-
eu enxergo é que juntamente com ra formar uma opinião esclarecida, ciedade a exigir que houvesse mais
o financiamento público você tem que o voto deveria ser o resultado compromisso programático nas
de fazer regras suficientemente de uma opinião esclarecida. O mar- campanhas. Isso já houve no Bra-
claras, explícitas, de tal forma que keting eleitoral, ao produzir pro- sil. O PT foi um partido onde esse
entregue à sociedade a possibilida- pagandas inspiradas nas técnicas traço programático foi muito forte.
de de controlar o uso do recurso. de propaganda comercial, distorce Aliás, como eu já disse no começo
Como é que seria isso? Por exem- esse princípio, porque tenta no fun- da entrevista, o PT produziu uma
plo, criando um teto de campanhas do induzir o eleitor a um comporta- proposta, o que faltou foi no caso
baratas, um financiamento públi- mento que não é o de alguém que a candidatura da Dilma tomar uma
co mas que está pressupondo cam- vá formar uma opinião esclarecida. decisão a respeito do que seria o
panhas baratas. A vantagem disso O marketing eleitoral é uma invasão seu programa oficial.
é que qualquer pessoa é capaz de do comércio na política, é uma co- Revista Adusp - A candidatura
identificar uma campanha que está mercialização da política. É o que Marina Silva foi o fator determi-
obviamente mais cara, e fazer uma Habermas chamaria, a meu ver, de nante para a realização do segundo
denúncia à campanha eleitoral. Isso colonização do que antigamente turno. Marina e o Partido Verde
vai depender de a sociedade estar foi a esfera pública por técnicas de são forças políticas em ascensão?
mobilizada para fazer essas denún- fundo comercial. Isto posto, é óbvio Em que ponto do espectro políti-
cias e pressionar. Um pouco o que que isso se tornou o abre-te Sésamo co tendem a situar-se, dentro da
está acontecendo no caso do Ficha de toda a política democrática. Não grande polarização entre blocos de
Limpa. O Ficha Limpa é o resulta- só no Brasil, no mundo todo. Todos esquerda e direita que caracteriza a
do de uma mobilização social. Esta os partidos usam essas técnicas de política brasileira?
mobilização social tem que conti- maneira extensa. Acho preocupan- André Singer - Sim, são forças
nuar. Tudo isso posto, eu diria: sou te, e muito negativo para o proces- políticas em ascensão, e a melhor
a favor, e se houver mobilização do so democrático, o fato de que os maneira de entendê-las é o que o
presidente Lula nesse sentido será dois principais candidatos não te- cientista político norte-americano
muito favorável, e, se tudo for bem nham registrado programas. Muito Ronald Inglehart chama de “as-
sucedido, pode representar um pas- negativo e muito preocupante. Para censão do pós-materialismo”. Na
so importante na melhora da quali- ser sincero, não sei a razão disso: se verdade a Marina representa mes-
dade da nossa democracia. houve dificuldades de um lado e de mo uma nova agenda, representa
Revista Adusp - No primeiro outro de tomar decisões, de defini- até uma nova ideologia, e uma mu-
turno, a campanha petista pareceu ções que criariam eventuais arestas dança cultural importante. Embora
ancorar-se mais no marketing elei- nas respectivas coalizões; se houve tenha sido a única que registrou
toral do que na defesa de um corpo cálculo eleitoral. Mas o fato é que programa, diante de quase todas

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dela, que é a classe média, quer se


colocar ao centro.
“Marina representa uma nova agenda, representa Revista Adusp - O candidato do
até uma nova ideologia, pós-materialista, PSDB obteve 44% dos votos, o que
dá à oposição conservadora um ca-
e uma mudança cultural. O fato de ter tido 20%
cife político muito expressivo. No
dos votos no primeiro turno mostra que tem chance discurso em que reconheceu a der-
rota, José Serra sinalizou que a tré-
de se tornar, a longo prazo, terceira força relevante”
gua será curta, ao proclamar que “a
luta continua”, e demonstrou a dis-
as questões o que ela dizia, ao lon- ce no longo prazo”? Porque, como posição de liderar a oposição. Qual
go da campanha, era algo do tipo: eu disse antes, o sistema brasileiro é o destino desse bloco de forças
“Não importa tanto o programa, o está tendendo a ser bipartidário, e políticas, PSDB e seu aliado desde
que importa é a maneira de imple- num sistema de tipo bipartidário é 1994, o DEM (antigo PFL), nos
mentar esse programa”. “Precisa- muito difícil a uma terceira força próximos quatro anos? Há diferen-
mos produzir uma mudança na for- emplacar, está visto o caso norte- ça significativa entre os projetos de
ma de fazer política, precisamos de americano: é muito difícil romper o Serra, de um lado, e Aécio Neves,
uma nova política”. O fato de ela sistema de dois partidos. Não será de outro lado?
ter tido 20% dos votos válidos no fácil a trajetória da Marina e do André Singer - O desempenho
primeiro turno indica que esse dis- Partido Verde. Vai depender muito eleitoral do PSDB foi positivo, mas
curso está falando para uma parte da capacidade e da vontade da Ma- não é algo inesperado. É só lembrar
da sociedade brasileira. Que parte rina de fazer um lento e persistente que Serra e Alckmin tiveram em
é essa? De classe média. E por que trabalho organizativo. Ela terá de 2002 e 2006, no segundo turno, em
necessariamente é de classe média? criar o Partido Verde. O Partido torno de 39% dos votos válidos. En-
Porque só quem tem a sobrevivên- Verde é um projeto, que para exis- tão houve um crescimento, de 39%
cia garantida pode priorizar outros tir vai depender de vontade de criar para 44%, significativo mas não ex-
valores. No caso, está priorizando diretórios em todos os municípios, plosivo. O que deverá caracterizar
uma nova forma de democracia, lançar candidatos para prefeito, ve- a oposição não creio que possa ser
mais avançada se você quiser, e que reador etc. até constituir uma base uma atitude de beligerância. Se o
combina bem com a idéia de um político-partidária semelhante ao discurso do ex-governador Serra
desenvolvimento sustentável. Aqui que foi o PT. Não sei se a Marina teve esse intuito, acredito que ele
há contradições importantes, por- tem disposição para isso. Ela tem não terá muito futuro. Porque essa
que, para os setores da sociedade capital político para um vôo de lon- eleição confirma a hipótese de que
que não têm a sua sobrevivência go prazo. O partido é um projeto. tivemos um realinhamento eleitoral
garantida, a questão ambiental é se- Se ela tiver vontade política, vai em 2002, que se completou em 2006
cundária. O fundamental é crescer, encontrar ressonância; agora, não com uma mudança na composição
gerar emprego e renda. Então você é algo de curto prazo, até porque social da nova maioria. Quanto vo-
tem aí diferenças de classe. Eu diria a maioria da sociedade brasileira cê tem eleição de realinhamento,
que o fato de a Marina ter tido 20% ainda está na agenda materialista, e como aconteceu em 2002, você tem
mostra que já existe na sociedade a agenda materialista divide mesmo a fixação de uma nova agenda, e o
brasileira isso que o Inglehart cha- de esquerda e de direita, e durante que caracteriza a fixação da nova
ma de tendência pós-materialista, muito tempo ainda será assim. O agenda é que os adversários não
e que ela tem chance, no longo pra- lugar que a Marina ocupa nesse ce- têm como sair dos marcos que essa
zo, de se tornar uma terceira força nário é de centro, nitidamente. Ela agenda estabelece. A campanha do
relevante. Por que digo “tem chan- se colocou ao centro e a base social Serra, quando propôs um aumento

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do salário-mínimo para 600 reais;
décimo-terceiro para o Bolsa-Fa-
mília; num determinado momento
“A presidenta Dilma foi eleita pelos eleitores
chegou a falar da duplicação do va- de renda mais baixa, tanto no 1º quanto no 2º turno.
lor total destinado ao Bolsa-família
Foi a sua base principal. Se dependesse dos outros
e do número de pessoas atendidas,
o que significa uma enorme propor- setores de renda, a eleição não teria tido o resultado
ção da população brasileira; propôs
nítido que teve, ou seria vencida por Serra”
aumento real das aposentadorias
acima do salário-mínimo...
Revista Adusp - Subordinando- caminhar se resolver retornar para existem estatísticas claras sobre is-
se portanto à nova agenda... a antiga agenda. Se fizer um movi- so, mas estamos falando de metade
André Singer - ...completamente mento desse tipo vai permanecer do eleitorado brasileiro. O proleta-
à nova agenda, e não tinha nenhu- como minoria. riado organizado está mais repre-
ma possibilidade de que não fosse Revista Adusp - Você se refe- sentado no PT do que no lulismo.
assim, se ele quisesse chegar onde re ao lulismo como um fenômeno O PT é mais o conduto político des-
chegou que são esses 44%, porque de massa, que expressa a adesão se segmento. Não há, de parte do
ele tem que dialogar com essa nova das camadas mais empobrecidas proletariado organizado, nenhuma
maioria, que é importante no país. da população brasileira à figura do rejeição ao lulismo. Até porque há
A oposição terá que fazer um tipo Lula ou ao seu projeto político. No um ponto que unifica inteiramente
de contraste com essa nova maioria entanto, tudo indica que também os o proletariado e o subproletariado,
que não saia dessa agenda, essa é trabalhadores organizados votaram que é o aumento do emprego, por-
a minha visão. Essa na verdade é maciçamente em Dilma. Como fica que à medida que você aumenta o
a grande mudança que houve no esta equação? Pode-se dizer que o emprego você melhora substantiva-
Brasil. O governo Lula mudou re- lulismo abarca os setores proletá- mente as condições de luta do pro-
almente a agenda. A agenda era rios assalariados, organizados? letariado organizado. O que quebra
de diminuição do Estado, de am- André Singer - O lulismo pro- a força sindical é o desemprego,
pliação do espaço do mercado, e priamente dito eu tenho dúvida. é mortal para o setor organizado
ela mudou para ser uma agenda de O lulismo é um movimento real, da classe trabalhadora. O aumento
combate e erradicação da pobre- não formalizado, que tem mais um do emprego, que é o resultado do
za. O que me leva a achar que não cunho eleitoral, e que sobretudo conjunto de políticas que o governo
está correto o diagnóstico de que diz respeito ao que eu chamo de adotou, é o interesse central des-
o governo Lula aprofunda o neoli- subproletariado, que se vê repre- sas duas categorias. Então não há
beralismo. Ele vai na direção con- sentado por uma política que é de nenhuma rejeição ao lulismo, mas
trária, embora sejam um governo e transferência de renda, de distribui- o proletariado organizado não é a
uma política sem radicalismo. De ção de renda sem confronto políti- base social do lulismo; o lulismo
tal maneira que o PSDB não tem co. Soma estas duas características criou uma nova base social, que é
nenhum risco de desintegração: é que falam ao coração do subprole- diferente da base social do PT.
o grande partido de oposição no tariado. Revista Adusp - Ainda nessa se-
Brasil, tem importantes governos Revista Adusp - Seriam os traba- ara: as eleições de 2010 foram um
de estado, está enraizado, tem uma lhadores informais, desempregados teste para o lulismo? Como explicar
força importante na classe média ou subempregados. o fato de uma parte significativa do
tradicional, abriu o diálogo com a André Singer - Isso. Uma parce- eleitorado pobre ter dado seu voto
chamada “nova classe C” durante o la que ainda existe, de trabalhado- ao PSDB, em especial nos Estados
processo eleitoral, mas não poderá res do campo etc. Exatamente. Não da região sul?

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André Singer - Foi um teste e menor do que na média, e bem me- Revista Adusp - A política ex-
continuará sendo assim, porque em nor do que teve entre os eleitores terna foi trabalhada arduamente
tese o lulismo é algo para durar de baixíssima renda. O que me leva pelo PT ao longo dos mandatos
algumas décadas. Na ciência polí- a pensar que surpreendentemente, de Lula. As associações com paí-
tica norte-americana, que formu- mas não tão surpreendentemente ses emergentes configuraram uma
lou essa teoria, a idéia de realinha- assim, eleitores que foram benefi- mudança de posição do Brasil, que
mento, eles dizem que dura de 32 ciados pelas políticas do governo deixou de subordinar-se aos Esta-
a 36 anos. É claro que isso é uma Lula nas regiões sudeste e sul vota- dos Unidos para se impor como
brincadeira, porque ninguém po- ram no PSDB. Eu não chamo esses país independente. Você acredita
de imaginar uma contabilidade tão eleitores de nova classe média, cha- que esse panorama já está conso-
exata dos fenômenos políticos, mas mo de novo proletariado, mas ele lidado ou Dilma terá dificuldades
é para dar uma ordem de grandeza. está se aproximando mais da classe para mantê-lo? Sabemos que não é
Foi o primeiro teste de uma longa média. E aparentemente uma parte sua especialidade, mas gostaríamos
série que virá pela frente. Saíram-se desse eleitorado quer votar como a de conhecer sua opinião.
bem no teste, a hipótese do lulis- classe à qual ele quer chegar, e não André Singer - Minha impres-
mo e o próprio lulismo, porque a como a classe de onde ele vem. Es- são é de que esse é um campo em
presidenta Dilma foi eleita pelos sa seria uma possível explicação pa- que se avançou bastante durante
eleitores de renda mais baixa, tan- ra esse fenômeno. Nesses estados, os dois mandatos do presidente
to no primeiro quanto no segundo havia uma unidade maior da classe Lula, de modo que de um cer-
turno. Essa foi a sua base principal. média em torno da candidatura do to ponto de vista o caminho está
Se dependesse dos outros setores PSDB e um poder de atração desta aplainado. Por outro lado, tal co-
de renda, a eleição ou não teria camada social mais forte. mo nos outros campos que a gen-
tido o resultado nítido que teve, ou Vale a pena mencionar o aspecto te abordou, vai haver conflitos,
seria vencida por Serra, se conside- regional: o lulismo está muito en- porque é uma coalizão de forças
rarmos os 20% do eleitorado que raizado no Nordeste, primeiro por- muito ampla e heterogênea, que
estão acima de 5 salários mínimos que lá o subproletariado é maior, se posiciona de maneira móvel em
de renda familiar mensal. Então ele e segundo porque o efeito regional relação a esses assuntos. Estamos
passou bem pelo primeiro teste. das políticas adotadas no Nordeste passando por um momento muito
A segunda parte da pergunta foi muito mais expressivo do que no especial no cenário internacional,
é muito interessante. Pela análise resto do país. Com recursos relati- porque a crise do capitalismo de
preliminar que fiz dos dados, re- vamente moderados, você é capaz 2008 produziu um desarranjo que
almente o PSDB conseguiu uma de ativar regiões deprimidas da eco- ninguém sabe muito bem onde vai
certa parcela de votos entre a cha- nomia, como é o caso do interior do dar. Tudo indica que ela consoli-
mada “nova classe C”. Não tenho Nordeste, a um custo menor do que da uma tendência de crescimento
condição de afirmar isso categori- você tem para resolver problemas da importância da China, porque
camente, porque não tem pesqui- nas periferias das grandes metró- a economia norte-americana es-
sas mostrando exatamente de onde poles do sudeste do país. Então, o tá periclitante, e portanto o peso
vieram esses votos, mas notei que a resultado das políticas do governo relativo da China aumentou ain-
diferença na faixa de renda de dois Lula provocou um efeito regional, da mais no cenário internacional.
a cinco salários mínimos, que é on- dentro do realinhamento. Isso faz Com isso você tem uma tendên-
de está a classe C, ela foi no final- com que no Nordeste você não te- cia maior de multipolaridade, e o
zinho do segundo turno 49% para nha um poder de atração tão gran- Brasil também cresce, até porque
a candidata Dilma e 43% para o de para a candidatura do PSDB, está associado à China, do ponto
candidato Serra, o que significa que por parte da chamada classe média de vista comercial: é para onde
ali então ela teve uma diferença já estabelecida. exportamos uma parte importante

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Janeiro 2011 Revista Adusp
das nossas commodities, e também ceiro venha, já nos últimos meses,
porque o Brasil soube aproveitar fazendo críticas ao BNDES, porque
muito bem o momento. É verda- “Não é casual que o BNDES está sendo um agente
deira a idéia de que o Brasil en- o setor que responde mais de promoção de uma política in-
trou por último e saiu primeiro dustrial. Veja como esse arranjo é
da crise. Tudo isso faz com que ao capital financeiro complicado. Em que medida esses
o Brasil tenha uma importância venha fazendo críticas conflitos vão se tornar mais agudos
relativa no cenário internacional vai depender de certos elementos
maior do que tinha antes. Isso ao BNDES, que está imponderáveis, porque no momen-
abre uma janela de oportunidade sendo um agente de to em que se deu uma asfixia do
para a gente tentar uma inserção crédito, o governo teve a capacida-
mais autônoma no arranjo econô- promoção de política de de se sobrepor ao capital finan-
mico internacional. Essa questão industrial. Em que ceiro, que estava paralisado. Tanto
se liga a esse problema que a gen- é que a atuação dos bancos públicos
te tocou antes, da reindustrializa-
medida esses conflitos vão foi decisiva, porque a natureza da
ção. Penso que está aberta uma se tornar mais agudos crise paralisou o capital financeiro,
janela de oportunidade para tran- então ele foi incapaz de opor uma
sitar na direção de um modelo de
depende do imponderável”
resistência. Nesse caso, foi possível
desenvolvimento que não seja de- avançar sem confronto, o confronto
sindustrializar. O que significará definiu — sem algum tipo de con- ficou subliminar. Se isso vai poder
investir fortemente em setores de flito distributivo, sem enfrentar se dar para a frente, vai depender
ponta, nos quais poderemos vir a alguns privilégios? Até que ponto muito da resposta a grandes ques-
ter um desempenho significativo. será possível manter esse, diga- tões para as quais hoje não se tem
Em função disso, talvez a gente mos, modelo, impedindo que ele resposta. Qual o horizonte do ca-
venha a ter desafios importantes, entre em colapso, na hipótese de pitalismo hoje? Ninguém sabe. Es-
porque há setores da sociedade haver uma diminuição expressiva tamos no meio de um período de
brasileira, como o capital finan- da arrecadação, problemas de na- transição, que ninguém sabe muito
ceiro, que não estão muito inte- tureza econômica? bem como é que vai se desenvol-
ressados nesse modelo. Por aí po- André Singer - Ninguém sabe ver. Uma parte do mundo se deu
de haver oposições que teriam de o que vai acontecer no panorama conta de que se não impuser algum
ser enfrentadas. econômico internacional. Você tem grau de regulamentação do setor fi-
Revista Adusp - Queria lhe razão em notar que havia uma ex- nanceiro, isso é uma bomba, vai de
fazer uma última pergunta, jus- pectativa de resolução da crise que novo para o mesmo cenário, que foi
tamente pegando esse gancho. neste momento está em suspenso. gravíssimo, foi contido a custas de
A crise chegou a parecer, num Aí vale a experiência recente pela quantidades enormes de dinheiro
determinado momento, que es- qual nós passamos: o governo foi público. Por outro lado, o capital
tava sob controle; agora de novo muito hábil, isso faz parte desse financeiro no plano internacional
vemos países da União Européia modelo de não confrontação, por- tem sido forte o suficiente para obs-
numa situação muito delicada. que usou a janela de oportunidade, tar esse avanço da regulamentação.
Trabalhando com um cenário pes- que o momento mais grave da cri- Em parte, o que vai acontecer no
simista, de agravamento da crise se produziu em setembro de 2008, Brasil depende de como este cená-
econômica, será possível manter para recuperar uma capacidade rio vai se desenvolver. Que grau de
esse arranjo capitaneado pelo Lu- indutora do Estado, por meio do confronto nós vamos ter vai depen-
la — de combate à pobreza sem BNDES. Não é casual que o setor der da natureza desse desenvolvi-
ruptura com a ordem, como você que responde mais ao capital finan- mento, que não está claro.

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