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É Deus e se assemelha a mim

(Jean-Paul Sartre)

A Virgem é tão pálida


quanto o menino.

Seria preciso pintar na sua


face, aquela admiração
preocupada que só transpareceu
uma vez numa expressão
humana. Porque o Cristo é seu
filho, é carne da sua carne e fruto
do seu ventre. Ela o carregou por
nove meses. A ele dará o seu seio
e o seu leite se tornará sangue de
Deus.

Em alguns momentos a
tentação é tão forte que ela se
esquece de que é o filho de Deus e o aperta em seus braços e lhe diz:
"meu filhinho".

Mas em outros momentos ela fica perplexa e pensativa: «Mas


ele é Deus», e é invadida por um religioso temor por este Deus mudo,
por esta criança que incute um certo senso de medo.

Todas as mães ficam pensativas por uns momentos, diante


deste fragmento rebelde da sua carne que é o próprio filho. E se
sentem exiladas diante dessa nova vida, que brotou de suas vidas,
mas habitada por pensamentos alheios. Porém, nenhum filho foi tão
cruel e rapidamente arrancado de sua mãe, porque é Deus e
ultrapassa tudo aquilo que ela poderia imaginar...

Mas eu penso que tiveram também outros momentos, rápidos


e repentinos, em que ela sentia que o Cristo é seu filho, o seu
menino, e que é Deus. Quando ela o fixava e pensava: «Ele é o meu
menino. Esta carne divina é a minha carne. Ele é feito de mim, tem os
meus olhos e a forma da sua boca é semelhante à minha. Ele me
assemelha. Ele é Deus e me assemelha».

E nenhuma mulher recebeu da sorte o seu Deus só para si. Um


Deus bem pequenino para abraçar e cobrir de beijos. Um Deus
quentinho, que sorri e respira. Um Deus que se pode tocar e que ri.
Se eu fosse um pintor, eu pintaria Maria nesses momentos.

PS: Escrito em 1940, num campo para prisioneiro de guerra na Alemanha.

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