Você está na página 1de 18

Reproduzimos a íntegra da entrevista com MIA COUTO

PARA A SÉRIE NOVA ÁFRICA, realizada em junho de


2009, realizada em São Paulo, SP, Brasil.
Notas: Conceição Oliveira

1. NOVA ÁFRICA: Moçambique independente, nação, é


ainda jovem, apenas 34 anos… o país conseguiu forjar
uma identidade nacional?

MIA COUTO: Sim e não. Quer dizer, há um tempo para


sabermos que caminho, que há um caminho, que há ali há um
caminho. Este caminho, claro, não começou em 25 de junho
de 1975, já começou antes, a coisa que foi forjada, o material
do passado que foi forjado e que é importante agora para
construir um futuro.

O que acho que é, como qualquer nação, Moçambique quando


se propõe nascer como uma entidade própria tem de saber, em
primeiro lugar, esquecer, escolher o que vai esquecer e esse
um... é alguma coisa que caminha junto com aquilo que
sabemos que vamos construir e é, portanto, uma nação que,
curiosamente, é feita agora mais de esquecimentos no plural
do que de memórias. Portanto, é preciso esquecer que este
passado é um passado que tem alguma coisa que ameaça
estilhaçar essa idéia de nação, de uma nação única, de uma
nação construída de uma maneira um pouco romântica como
se todos os moçambicanos fossem desde sempre irmãos
unidos debaixo de uma sombra de uma grande árvore, que é a
nação que se tem como sempre existente.
A idéia de que havia nações plurais, que havia uma
diversidade que é preciso tomar conta de alguma maneira,
mas por outro lado, é preciso fazer esquecer, por exemplo, os
heróis que são sempre uma espécie de mito fundador da
nação, esses heróis no nosso caso são heróis muito
regionalizados, são heróis que nunca personificaram essa idéia
de construtores de uma nação, estava longe deles essa idéia de
fazer Moçambique, não é? Então, é preciso esquecer isso e
reconstruir, digamos, é preciso retrabalhar o passado de
maneira que esse seja o primeiro chão a partir do qual nós
criamos uma idéia, um sentimento de sermos nação. Tá aqui
uma obra muito complicada que é, assim, uma obra de
apagamento e uma obra de ressurgimento daquilo que são
reescrita desse passado, dos mitos que nos interessam manter.

2. NOVA ÁFRICA: Há descompasso entre aquilo que se


vislumbrava para o futuro nesse período pré-
independência e o futuro que se dá hoje?

MIA COUTO: Há sim, há, há. Porque também depois da


Independência houve vários percursos de natureza política
muito diversa, não é? Nós nascemos numa revolução que
pretendia erguer uma sociedade radicalmente nova, não é? E
era uma sociedade socialista e depois tudo isso foi, foi... E
isso era muito curioso, era como se o futuro de Moçambique
fosse forjado, principalmente, por uma via política e não tanto
por via cultural, era uma via, era o político, era o elemento
político que fazia essa, digamos assim, esta demarcação.
Essa estrada era uma estrada principalmente política e houve
até uma hegemonia daquilo que era político. Todos heróis
foram sempre políticos de uma certa maneira até militares.
Eram apenas heróis os guerrilheiros que lutaram pela
libertação nacional, isso agora está sendo aberto, hoje já há
outros heróis, já há poetas que são heróis, já há outro tipo de
gente que vem da cultura, que vem do pensamento que são
também tidos como heróis.

Mas, portanto, houve esse primeiro momento de construção


do socialismo, de repente tudo ficou posto em causa, nós
tivemos uma guerra que nos fez é..., digamos assim, voltar à
estaca zero, de repente estávamos, pior que ser... pior que
estar no zero, é que nós não sabíamos onde estávamos, de
repente ficamos perdidos e quando nos reencontramos, de
repente estávamos em outro caminho, em outra senda, que era
a senda do capitalismo, a fazer nos esquecer aquilo que era
propósito da construção, uma coisa que era misturada a
construção do país, a construção da nação, a construção de um
Estado, somos muito uma nação que está a ser construída a
partir de um Estado. Então isso nos fez ficar em uma situação
um pouco confusa, um pouco misturada, há ali um discurso
que permanece ainda, uma certa réstia de um discurso com
uma preocupação social, um discurso que continua resgatando
do passado esta tentativa de mostrar que Moçambique sempre
existiu e a idéia de que sempre existirá.

3. REVISTA ÁFRICA: Quem é o Junhito de Terra


Sonâmbula hoje, quem é esse homem adulto que constrói,
que está trabalhando para construir a identidade deste
país?

MIA COUTO: O Junhito congrega esse conjunto de


conflitos. Por um lado ele tem o nome de junho; junho,
digamos, é o nosso mês mítico, o mês em que nasceu a nação,
mas ao mesmo tempo ele está domesticado, ele pensa que é
uma galinha, pensa que é um animal doméstico, e é assim
tratado pelos outros, portanto é como se houvesse aqui uma
espécie de uma metáfora daquilo que foi a domesticação de
um sonho, a utopia foi sendo reduzida aquilo que é possível,
essa é a imagem do Junhito.

4. REVISTA ÁFRICA: Neste processo de construção de


identidade, qual a influência das culturas estrangeiras, o
que inclui a brasileira. Qual o papel das TVs via satélite
em Moçambique?

MIA COUTO: É uma influencia, digamos assim, boa e má,


porque nós não podemos fugir disso, existe em Moçambique,
acho que os moçambicanos têm uma grande apetência para
serem do mundo, Moçambique é um bocadinho uma ilha,
quer dizer uma ilha no sentido histórico, ficou longe de tudo,
é um país de língua portuguesa rodeado por países de língua
inglesa e os moçambicanos têm esta coisa, este tique dos
ilhéus, ou seja, estão espreitando o mar a ver qual é o barco
que chega e onde é que eles podem partir, nem que seja partir
em sonho, não é?
Então, há um... isto é bom em certo sentido, quer dizer há um
lado bom nisso, quer dizer, o querer ser do mundo, eu acho
bem preferível isto do que querer ser fora do mundo, quer
dizer, ser fechado, ser uma cultura fechada, uma cultura
autista, não é? Então este lado é bom, mas claro que este é
feito sem juízo crítico, era preciso que ao mesmo tempo nós
tivéssemos uma auto-estima, um amor próprio, conhecimento
de nós mesmos, que está sendo construído ainda, que é muito
jovem, então há toda esta coisa, os jovens moçambicanos
querem: os rurais querem ser urbanos, os urbanos querem ser
americanos e há, portanto há esta tentação de viver... de viver
em projeção, em viagem, não é?

Portanto, quando chega a televisão, quando chega as novelas


brasileiras é extraordinário! Eu estive agora em uma pequena
cidade do Norte (de Moçambique) e no hotel onde eu estava
os moçambicanos nos cumprimentavam com aquela saudação
indiana “Namastê” que vinha desta novela da... Caminho das
Índias e, portanto, é muito rápida esta apropriação do que é...
do que são os sinais da modernidade, de uma outra maneira de
viver, com uma idéia muito ingênua do que é o mundo. Os
moçambicanos têm uma idéia de que o mundo,
principalmente a Europa, a America, o Brasil, porque o Brasil
que chega é o Brasil das novelas, são nações de prosperidade,
onde não existe pobreza onde não existe esta necessidade de
haver um esforço, um empenho para construir as coisas
básicas.

Me recordo de um episódio que me marcou muito, no período


de transição, em 1974, já tinha caído o fascismo em Portugal e
a Frelimo já tinha uma presença clandestina na cidade e eu fui
indigitado para mostrar cinema, na cidade onde eu vivia que
era a capital e nós apresentamos um documentário que era os
cantos de trabalho do norte de Portugal e de repente a sala
toda estava a rir, dando risadas e eu não percebia por quê.
Então, nós paramos a projeção e perguntamos estão se rindo
por quê? E era a primeira vez que aquela gente via brancos
trabalhando com uma enxada na terra e pensavam que aqueles
brancos estavam imitando os moçambicanos.Mas havia ali
uma diferença, porque a própria enxada era diferente, a
maneira de pegar a enxada... então eles diziam, eles estão
tentando imitar, mas não sabem fazer bem. E esta idéia de que
em nenhum lado do mundo os outros têm de fazer este
trabalho, que é um trabalho duro, um trabalho braçal, marca
um bocadinho esta idéia ingênua de que o mundo é diferente,
é completamente diferente de Moçambique.

5. REVISTA ÁFRICA: Aproveitando este ensejo, a raça...


biologicamente não existem raças, mas aqui no Brasil os
movimentos negros utilizam o termo como categoria
sociológica, mesmo porque os negros aqui sofrem racismo
e estão à margem da sociedade e é uma realidade diferente
da África. Qual a opinião do senhor a respeito disto?
MIA COUTO: Bom, eu sou biólogo e entendo que do ponto
de vista do discurso científico a raça não tem sentido para a
nossa espécie, mas do ponto de vista de cidadão eu acho que
também há aqui uma... quer dizer, o combate ao racismo não
pode ser feito desta maneira, anulando a idéia de que não
existe raça, portanto não, não... quer dizer, fazendo com que
isso não faça parte do nosso discurso, nosso discurso de
combate ao próprio racismo, não é?
De fato não foi a raça que criou o racismo, foi o inverso: o
racismo é que inventou a raça. E isso é muito presente no caso
de Moçambique que, por exemplo, há algumas zonas rurais
em que eu chego com colegas meus que são todos negros e as
pessoas dizem: ‘chegaram os brancos’ e dizem ‘uabuí a
valongo’ este termo valongo que é o plural de ‘molungo’,
‘molungo’ que significaria o branco, na verdade este termo,
‘molungo’ não quer dizer branco, não nomeia a cor da pele,
nomeia aquele que vem de fora, que é o estranho. E não existe
nenhum termo para dizer branco ou negro, está ausente.
Portanto, aquilo que define a identidade do outro passa,
também, pela cor da pele, é verdade, mas não é determinada
por isso. Eu se falar a língua local, se, se, se, se,... digamos
que se estiver casado com a cultura local, eu já transito de
identidade, já sou parte daqueles que são ‘mulande’, que são
os próprios, os da terra, vamos chamar assim.
Portanto, acho que a experiência moçambicana é uma
experiência muito curiosa neste aspecto, porque a luta da
Frelimo foi uma luta que tomou isso a peito, de repente o
discurso da Frelimo era um discurso não até racial, mas quase
a-racial, não é? E a Frelimo era composta por brancos, eu fiz
parte da Frelimo desde os meus 19/20 anos, por ‘mulatos’, por
indianos, por moçambicanos de diferentes ‘raças’, não é?
Mas, dentro da própria Frelimo isso não estava
completamente ausente, quer dizer, era uma briga que
internamente nunca ficou completamente resolvida. Os
brancos que se juntaram à luta de libertação eram bem aceitos,
mas nunca podiam pegar em armas, enquanto, por exemplo,
em Angola isso era uma coisa bem, bem resolvida, não é?
Havia guerrilheiros brancos no movimento do MPLA, na
guerrilha do MPLA, mas na guerrilha de Moçambique eles
não eram aceitos, como uma solução de conciliação, uma
espécie de negociação entre setores da FRELIMO que
continuavam a ver no branco, um outro a quem não se podia
confiar completamente.
Bom, o que quero dizer é assim, em Moçambique, a raça,
como eu acho que existe em todo lado mundo, não existe
nenhum lugar onde isso esteja completamente resolvido, mas
do ponto de vista daquilo que é a relação social dominante é
uma coisa bem resolvida, eu acho que Moçambique pode ter
orgulho nesse combate, nessa, digamos assim, confrontar de
uma coisa que se sabe que custa muito, que custa muito
resolver.
6. REVISTA ÁFRICA:Muitas vezes o seu combate à
manipulação política do conceito de raça é usado no
discurso conservador, aqui no Brasil , para combater a
luta do movimento negro por ações afirmativas.
Intelectuais e jornalistas conservadores usam a sua crítica
à manipulação oportunista do conceito de raça para dizer
que as ações afirmativas irão racializar o país, criar o
racismo, como se a nossa sociedade já não fosse
racializada e não fosse racista. Que recado o sr. poderia
dar para essas pessoas?
MIA COUTO:Sim, sim, sim, sim......
Nós temos uma certa... eu acho que nós angolanos,
moçambicanos, caboverdianos etc., tivemos um outro
percurso obviamente, quer dizer, assim, a nossa história é
completamente diferente, as nossas nações são diferentes.
Hoje, quem está no poder são os negros em Moçambique e eu
faço parte da minoria e a grande briga da FRELIMO foi que,
em Moçambique, não existissem minoria ou que pelo menos
elas não se representassem a si mesmo desta maneira. Então,
em todas as lutas da guerrilha não há brancos, não há mulatos,
não há negros somos todos moçambicanos.
Quando nós começamos a visitar o Brasil, depois da
independência, nós tínhamos dificuldade em perceber o
desenho desta luta no Brasil. Recordo em um congresso que
houve em Salvador do movimento negro em que alguns de
nós dizíamos, mas por que movimento, o que é isso, literatura
negra? Não existe. Esqueçam isto, porque, nós ficamos tão
desconfiados com esta denominação como se fôssemos
convidados para um congresso de literatura branca, não é?
Ficaríamos assustadíssimos. Portanto, nós não percebíamos
esta diferença de fato, tínhamos uma grande dificuldade.
Então, eu acho que é preciso algum diálogo, é preciso que se
troquem, que cada um de nós perceba que o outro vive em
outro contexto, em que as coisas tem de ser colocadas de uma
outra maneira. Mesmo a questão com as cotas, Moçambique
tem alguma dificuldade em compreender, porque que é
preciso reclamar cotas, não é? E achamos que temos um juízo
muito fácil sobre isso, não tem sentido, não é? Porque está a
fixar, está quase a se cristalizar esta idéia de raça como
argumento para, para, para,para reivindicar a igualdade,
quando toda a nossa história fazia assim, é preciso anular a
raça, é preciso desracializar o discurso. E eu próprio tenho de
me sintonizar aqui no Brasil, não é? Mas também os
brasileiros têm de saber compreender os outros também, não
é?
Eu notava que parte do movimento negro havia... inclusive,
uma vez disseram, de uma maneira muito simpática, mas
disseram... nós fomos convidados para falar em uma espécie
de uma pequena palestra e sugeriram que eu não fosse, que eu
não fizesse parte do grupo que ia.E os meus colegas, os dois,
os outros dois escritores que eram negros disseram: mas se ele
não vai, nós também não vamos. E disseram (referindo-se ao
grupo negro que não queria que Mia fosse à palestra): não,
nós queremos simplesmente dar uma idéia de que os negros
moçambicanos não precisam de... como se eu fosse uma
muleta, como se eu fosse ali...
Então, acho que tem de haver este esforço dos dois lados. Não
se pode pensar que nós temos de compreender os outros como
se os outros coitados não tivessem também capacidade e
obrigação de entender que há outras situações diversas no
mundo.
7. REVISTA ÁFRICA: Como é que hoje está se
desenhando o quadro político em Moçambique, o que as
siglas Frelimo e Renamo hoje significam?
MIA COUTO: Bem, as duas têm hoje um grande poder de
apelo, não é, para uma mobilização que me parece importante
manter com esta diversidade, não é?
Hoje, esta palavra FRELIMO é uma palavra que continua a
ser muito evocativa, não é? Porque é este nome que circulou a
independência, foram eles os autores da nação e acho que há
até um certo oportunismo depois da FRELIMO de hoje que se
esqueceu que a FRELIMO de ontem já não é a mesma coisa e
que continua a estar apegada a este poder do termo da palavra
FRELIMO.
A RENAMO é um movimento que poderia ser importante,
nasceu de um movimento militar, mas que depois se
converteu em uma força política e que poderia ser um
contraponto ao discurso dominante, muito importante e eu
espero que haja várias outras forças políticas, não é?
Mas eu acho que esta dualidade nasceu de uma coisa que não
é só política que é principalmente cultural. Dentro de
Moçambique há dois Moçambiques que digamos que foram,
um se acha mal amado, um se acha sempre excluído, não
é,que são as zonas que não foram tocadas pela colonização
portuguesa e que foram excluídas durante o tempo colonial e
que continuam a ser excluídas agora.
E essa África que é uma África, portanto, que esses africanos
que viveram nessa uma outra África, o mesmo aconteceu em
Angola, são aqueles que se aperceberam que estavam menos
preparadas para dominar o aparelho do Estado para continuar
a reproduzir aquilo que foi a administração da sociedade e,
portanto, tem este complexo de que nós fomos esquecidos.
E mais, portanto, do que propriamente um discurso político há
ali uma idéia de que é preciso atacar não só o Estado, mas o
tempo em que este Estado está sendo feito e que fez com que
se explicasse essa enorme violência com que a guerra de
repente se disseminou. A guerra não foi feita só por uma razão
militar ou política. De repente há todo um conjunto de pessoas
que acham que é preciso separar este processo, o processo de
criação do Estado moderno, porque mais uma vez nós vamos
ficar de fora e essa gente dá origem a RENAMO. E essa gente
do outro lado dá origem a UNITA (Mia refere-se ao contexto
angolano), não é?
E que é olhada tanto pela FRELIMO, esses outros são olhados
pela FRELIMO como pelo MPLA com um certo desprezo,
assim com um certo... esses são a tal África profunda que nós
nos envergonhamos de ser. Então, há aqui um confronto
desses que foram os assimilados, porque a colonização
portuguesa criou esta coisa, tardiamente, mas criou o grupo
dos assimilados que era o grupo, digamos, que podia ser, que
podia cair fora do racismo porque eles eram portugueses de
pele negra, portanto, eram iguais aos portugueses que tinham
direitos especiais. Curiosamente foram esses assimilados que
deram origem depois aos movimentos de libertação, porque
eles perceberam que de fato esse era um discurso que não
valia, que não era capaz de se impor.
Portanto, há todo esse conjunto de uma história que é feita de
conflitos e conflitos dentro dos próprios conflitos, não é, que
explica que estas guerras tenham acontecido em todas as
colônias portuguesas comexceção de São Tomé e Cabo Verde
que são nações pequeninas.
8. REVISTA ÁFRICA: No seu livro “O gato e o escuro”, o
senhor nos agracia com uma história sobre nossos medos e
sobre o universo infantil, que na verdade nada mais é que
o nosso próprio universo. Eu queria que o senhor falasse
para a gente sobre os grandes medos atuais desta nação,
quais são as sombras?
MIA COUTO: A primeira grande sombra eu acho que é a
guerra, não é? Porque foi alguma coisa que não foi resolvida
profundamente, intimamente, não é.
O que significa que as pessoas se aperceberam... se apercebem
ainda hoje que não vale a pena lembrar este passado imediato,
ou fariam uma operação fantástica que para mim foi de uma
amnésia coletiva, hoje ninguém... se vocês percorrerem... a
Conceição percorreu Moçambique, ninguém se lembra da
guerra, ninguém invoca nenhuma memória, é como se não
tivesse acontecido nada, não é?
E sempre fica, as pessoas se apercebem que há tensões que
não foram resolvidas estão lá ainda e que deram origem
aquela violência e, portanto, como se fosse uma caixa de
demônios, é preciso não tocar nela, é preciso não mexer nela.
Eu acho que isso é o maior medo, de tal maneira é presente
que nós aceitamos um regime político que seja discutível, que
seja polêmico em nome desta coisa que é a estabilidade que é
a negociação de uma situação de paz, acho que esse é um
grande medo.
Nós temos medo da... eu acho que nós temos medo do mundo
também, os moçambicanos tem um bocado, ao mesmo tempo
que temos fascínio enorme pelo mundo, vive em uma
condição de que foram ensinados a, digamos, desconfiar,
destes que vinham de fora, todos que vieram de fora tinham
sempre qualquer coisa que não era muito amigável, havia
um....
Eu me recordo que agora, que como biólogo, fui visitar um
lugar que vai ser uma futura albufeira, vai ficar submerso, e é
muito curioso que as pessoas nos receberam cantando e nós
pensávamos que estávamos sendo muito bem recebidos e
depois quando percebemos o que dizia a letra e a letra dizia:
mais uma vez chegaram os que nos vão tirar a terra.
Então este é um medo, um medo que está sendo, digamos
assim, sujeito a uma aprendizagem,agora, porque os de fora já
não são mais os que vêm de fora, mas são moçambicanos que
têm o poder, os poderosos, hoje, também chegam para tirar a
terra. O receio de ficar sem terra e sem terra não quer dizer
apenas ficar sem o recurso material é ficar sem este valor
simbólico que tem a terra, que é o lugar dos mortos que é esta,
digamos, a terra como categoria religiosa é um grande medo
que os moçambicanos têm.
9. REVISTA ÁFRICA: Há diferenças entre essa elite
moçambicana, as elites africanas e as elites estrangeiras,
portuguesas, européia e dentro de Moçambique a elite sul-
africana?
MIA COUTO: Não, claro que há diferenças, as elites
moçambicanas têm alguma dificuldade em ser elite ainda,
estão aprendendo a ser elite, mas aquilo que estão usando
como instrumento é aquilo que me parece que é a pior herança
que deixaram as outras elites. É uma herança do desprezo, de
violência de tentar anular o outro, mas por outro lado, eu acho
que esta elite vive um conflito dentro de si mesmo. É uma
elite que ainda é muito marcada por preconceito, por preceitos
religiosos, não por preconceitos, por preceitos de ética que
vem ainda da tradição moçambicana rural que impõe uma
moral de redistribuição e quem não redistribui para a sua
família para os próximos, está sujeito a ser punido pela
feitiçaria.
Os novos empresários, os novos ricos moçambicanos
continuam a ter um grande medo da feitiçariae isso é,
digamos, até mal do ponto de vista da construção de um
empresariado de sucesso, produtivo em Moçambique, porque
o empresário moçambicano quase que é obrigado a, digamos,
a redistribuir aquilo que é o lucro da sua empresa na forma
desses favores que presta a sua família que presta aos seus e
isso se choca com a lógica empresarial moderna, não é? Este é
um conflito que a elite moçambicana tem de, está a resolver,
mas que leva seu tempo.
10. REVISTA ÁFRICA: Vamos falar um pouco sobre
Beira, sua terra natal. Como era Beira antes da guerra
civil?

MIA COUTO: Eu saí da Beira em 1972. E tinha medo de


voltar, porque... tinha medo... Beira foi muito prejudicada pela
guerra, eu tinha medo de me confrontar com fantasmas no
lugar ou..Eu fabriquei a minha própria infância, onde eu vivi
uma infância muito feliz, uma espécie de encantamento total e
permanente, aquilo foi um lugar muito mágico para mim, de
maneira que eu tive de deixar passar alguns anos e fui com um
conjunto de amigos para fazer aquilo, não sozinho, né, com
alguma companhia.
Mas correu muito bem em alguns minutos eu já estava
reconciliado. Isso aconteceu por causa da língua, eu falava
Cisena uma das línguas da Beira, de repente ouvir aquela
música e tudo me regressou de uma maneira muito casada. Eu
não sei se eu respondi a sua pergunta, acho que a sua pergunta
era outra, eu estou falando sobre uma outra coisa.

11. REVISTA ÁFRICA: Das imagens, das imagens que


vem à sua cabeça...
MIA COUTO: Vêm imagens muito curiosas. A Beira era
assim, um lugar (...)
Sim, a Beira era um lugar que para mim tinha, quando eu me
lembro da Beira me lembro mais de água do que de terra.
Muitas vezes falo da Beira com se fosse ‘minha água natal’ e
não terra natal, porque a Beira foi mal escolhida, nasceu em
um pântano, sujeita às marés, está abaixo do nível das águas
do mar e isso impediu que aquela lógica, digamos assim, de
hierarquização do espaço colonial que fazia com que os
negros ficassem sempre para além dos subúrbios, a África era
puxada para fora do espaço urbano, que era o que existia em
Nampula, em Quelimane, Lourenço Marques que era o nome
de Maputo.

Na Beira não foi possível fazer isso, porque o pântano era


resgatado, assim, de uma maneira quase acidental, então havia
sempre a África do outro lado da rua, felizmente para mim
que nasci nessa dualidade: minha casa que era uma casa de
gente portuguesa, né, eu sou filho de portugueses e da rua que
ali estava a África e eu, e eu, do outro lado da rua, eu recebia
histórias, imaginário, eu era mergulhado num universo que
tinha pouco a ver com aquilo que era o meu de casa, não é?
Essa linha de fronteira para mim foi vital, eu hoje sou o que
sou porque, porque vivi, não num lugar, mas em uma espécie
de diálogos entre lugares.

12. REVISTA ÁFRICA: A lenta demolição do Grande


Hotel…qual a sua relação, quais os símbolos que este
processo de demolição carrega para nos contar sobre o
‘desfazimento’ da ordem colonial portuguesa?
Mia COUTO: A ordem colonial, a ordem colonial transita,
ela está lá, está lá presente, quer dizer assim, em estado de
ruína, em estado de destroço, mas é como se enterrássemos
um corpo, mas que esse corpo, nunca fosse conduzido para
um cemi... para um outro território, ela é enterrada em nosso
próprio território.
Nós vivemos numa condição ambígua em que, em que, mais
que num território temos de enterrar, temos de superar isso
entre nós, esse, esse passado está muito vivo ainda, eu acho
que está vivo em toda a gente. Não, exatamente, como uma
saudade, mas como qualquer coisa que terá que continuar a
ser nosso, aquilo foi um tempo que não podemos extirpar de
nós próprios.
Eu, não sei se eu posso falar em nome dos outros, claro que
não posso, mas no meu caso, eu lembro o Marcelino dos
Santos[1] dizendo que a... uma vez perguntou-me, como é que
pudeste, ah... como é que pudeste ter uma adolescência tão
feliz na Beira, numa condição colonial? E eu tive, de fato eu
tive, eu fui muito feliz por viver aquele tempo e penso que eu
era feliz também porque eu vivia contra este tempo. Vivia
contra um tempo e na altura era muito simples, um inimigo,
não é, que era erguido como inimigo estava muito bem
definido, hoje este inimigo é muito pouco, está muito diluído,
nós não sabemos identificar bem....
13. REVISTA ÁFRICA: Os colonialismos mundo a fora
caíram ….ou se reformularam?
MIA COUTO: Eu acho que o colonialismo não morreu, está
a ser gerido agora por mãos indígenas, quer dizer,
indigenizou-se, vamos dizer assim, e esse grupo de
assimilados que queria realmente erguer uma sociedade anti-
colonial falhou, não foi por culpa deles só, quer dizer, há
muitas razões que levaram a essa falha, não é, mas eu acho
que, os que sobreviveram como gestores estão fazendo muito
bem aquilo que foi, que era reprodução de um modelo do
passado, não é? Porque isso mudou, mudou a mão, mudou a
raça de quem fazia, mas na essência o que era feito está sendo
feito por igual.
Isso é importante dizer, porque toda a construção, a primeira
pergunta a que me colocou sobre como é que esta... esta... o
olhar do passado, como é que nós olhamos e refabricamos o
passado? Nós estamos construindo uma grande mentira, que é
essa idéia de que os dominadores são pessoas..., eram sempre
os outros e nós fomos sempre as vítimas dessa, dessa
dominação, quando aquilo que está a passar hoje é
continuação daquilo que houve no passado, a escravatura[2] foi
construída a duas mãos pela de fora e pela de dentro, a
colonização não foi feita só pelos de fora, houve
cumplicidades internas de elites que estavam muito bem como
estavam e hoje é a mesma coisa, é uma elite que se importa
pouco com os outros.
14. REVISTA ÁFRICA: Sobre as várias Moçambiques,
rural, urbana, quais as distâncias entre esses universos,
eles se conhecem, se conversam, se conectam...
MIA COUTO: Eles se falam muito pouco uns com os outros,
mas principalmente eles têm muito medo uns dos outros, não
é? Agora, eles vivem muito misturados e é muito difícil dizer
onde é que está a fronteira entre o rural e o urbano, mesmo
dentro da cidade, o rural ocupou a cidade e digeriu a cidade,
está, digamos assim, mastigando a cidadede maneira que o
rural impõe a sua lógica sobre um espaço que não foi feito
para o acomodar[3].
Uma coisa muito visível a quem chega de fora é a maneira
como as pessoas circulam na rua, as pessoas não ocupam o
passeio, as pessoas circulam na estrada, quer dizer, isto é, é a
idéia de que um espaço público não está presente, isso é uma
coisa que vem da condição de cidadania, não somos cidadãos,
essa foi a briga que fizemos para se ter um espaço que seja um
espaço da cidadania, é o espaço público, não é?
Para o rural, não isso é, todo passeio pertence à casa que está
anexa e, portanto, ele circula apenas na estrada, isto é um
exemplo, mas há todo um outro... exemplo, há uma espécie de
vingança, porque uma das condições de ser rural e de ter
posse da sua própria, da sua própria existência é ter o espaço
da machamba, que é a pequena horta, não é? O espaço da
machamba não interessa só por aquilo que ele produz, mas é
ali, principalmente que a mulher, faz, digamos assim, faz
exercer aquilo que é a sua pequena cidadania no, no, no
campo.
A cidade não foi feita pensando nisso, não há, não há lugar
para a machamba, não é? Então, ah... o que que fez o rural que
vive na cidade? Ele transfere essa esfera para fora da cidade,
portanto ele tem uma mulher, tem todo um universo que está
lá, na zona rural, e ele funciona como uma espécie de
negociante, ele é um empresário que troca, troca bens, troca
coisas materiais, mas também troca toda esta relação com o
religioso, com o simbólico que mora do outro lado.
15. REVISTA ÁFRICA:Nas feiras, nas ruas, nas
capulanas....
MIA COUTO: Sim, sim, sim, pois é, o espaço da oralidade,
por exemplo, que domina completamente a cidade, por
exemplo: nossa cidade são pouco urbanas, neste sentido são,
são, são... estão inventando a sua própria maneira de ser
urbanas, não?
16. REVISTA ÁFRICA: Sobre a manutenção das
tradições presente em sua literatura...
MIA COUTO: As tradições?Eu tenho muita desconfiança
sobre esta palavra tradição, porque ela ah! tem que ser bem...,
tem que ser bem, tem que ser bem olhada. Senão, quando
falamos tradição normalmente temos uma coisa que é do
passado, uma coisa que está ali congelada ah... Eu acho que
não há nada mais moderno que a tradição nesse sentido que
elas são completamente refabricadas, estão sendo sempre
traduzidas em qualquer outra coisa, hoje o curandeiro, o
feiticeiro tem telemóvel, faz consulta por telemóvel também,
não é? E isso, ah.. é.. é.. constante.
Agora ali há uma dificuldade em, em... quer dizer, quando se
quer erguer um retrato para o país, parece que os países têm
de ter bandeira, têm de ter retrato, tem de ter.. e.. isso deve ter
bem claro, ah... a idéia é há sempre uma tentação passadista,
não é, tradicionalista, “o verdadeiro” Moçambique é aquele
que mora na tradição, mesmo que não saibamos bem o que
que estamos a falar. Mas a idéia é a de que a tradição, por
exemplo, a tradição, na maneira de vestir é a capulana, né? E
nós esquecemos que a história diz outra coisa, a capulana não
é nossa, não é um elemento moçambicano, foi trazida pelos
árabes, veio da Indonésia, veio da Índia, ah.. e nós
incorporamos isso como uma coisa que hoje é tida como
genuinamente, autenticamente moçambicana, ou africana. Eu
falo muito nisso para que os próprios africanos,
moçambicanos, não fiquem prisioneiros desta idéia de colar a
sua identidade a uma tradição que é ela própria é dinâmica,
não é?
17. REVISTA ÁFRICA: Como o caju e a mandioca que
são americanos.....
MIA COUTO: Sim, na culinária é muito patente, se
perguntar quais são os pratos verdadeiramente moçambicanos,
não é? Vai se pegar na batata doce, no caju, no amendoim,
etc. Tudo isso veio de fora, né, tudo isso, já nasce de uma
certa globalização que é feita há quatrocentos anos,
quinhentos anos atrás.
18. REVISTA ÁFRICA: Eu gostaria de perguntar sobre o
universo feminino, assim como em ‘O Fio das missangas’,
em vários livros seus, você explora o universo feminino
como ninguém. Toca na alma da gente, como anda a alma
da mulher moçambicana hoje?
MIA COUTO: Eu acho, eu não sei se eu posso falar, apesar
de eu cometer a ousadia de falar em nome do meu lado
feminino, não é, e também eu não sei exatamente o que é o
lado feminino e o lado masculino, é como um pouco a
tradição, eu acho que construímos isso como uma coisa fácil
de definir, mas eu não sei, é até perigoso pensar que sabemos.
Eu, às vezes, pergunto o que que você acha que é o lado
feminino, o que constrói o lado feminino?Me dizem coisas
espantosas, as próprias mulheres dizem-me coisas que me
parecem que não ajudam muito nesta briga para nós,
principalmente em Moçambique construirmos um mundo que
é um mundo que não..., que é um mundo que, que, que
dignifica, que respeita a mulher.
Acho que não estamos bem deste ponto de vista social, do
lugar que a mulher ocupa em Moçambique há um percurso
muito válido, muito valioso, um esforço para, para, para dar as
mulheres moçambicanas instrumentos para elas entrarem na
briga. Mas, por um lado há uma certa relutância em admitir
que nos domínios da sexualidade, da intimidade, o espaço, o
espaço que ocupa no lar, na família isso, isso, nós estamos
muito, muito atrasados. Uma das razões daquilo que vocês
chamam a AIDS, né,a SIDA nós chamamos, é assim que se
chama, né, AIDS? Uma das razões tem a ver com esse lugar
subalterno que a mulher tem nesses domínios mais invisíveis,
mais ocultos. Sei lá, por exemplo, a idéia de que o homem se
purifica se ele está doente ou se está atingido por um mal estar
qualquer fazendo amor, quer dizer, violentando uma mulher
que não está “quente”, quer dizer uma mulher que é uma
menina no fundo, que ainda não é uma mulher, uma mulher
virgem. É terrível, é uma coisa de uma violência
extraordinária, e isso é pouco falado, é pouco comentado,
como se houvesse uma vergonha, um certo compadrio dos
homens que tem, que tem, que tem o poder. Eu não falei, não
respondi exatamente a sua pergunta, mas acho que toquei em
alguma coisa.
19. REVISTA ÁFRICA: Em termos literários, que autores
brasileiros o senhor aprecia?
MIA COUTO: Eu gosto, eu confesso que não estou muito
atualizado. De repente o Brasil deixou de ter contato com a
África[4] nesse... com a África de língua portuguesa...
Conhecia-se mais o que fazia no Brasil nos anos 70, 60, do
que se conhece agora, por isso aquilo que eu gosto está muito
marcado por esta visitação que o Brasil fazia a Moçambique e
gosto muito da poesia. Bom eu sou, eu estou muito marcado
pela poesia, eu sou um poeta que conta histórias e tive mestres
importantes como João Cabral de Melo e Neto, como
Drummond de Andrade é incontornável, né? Como Manuel
Bandeira, como Adélia Prado mais tarde, Manuel de Barros,
esses, esses são,são, são nomes que são importantes para mim.
Eu me esqueci de alguns, mas.... mas, mas há muito mais que
isto.
20. REVISTA ÁFRICA: Lembro-lhe de Guimarães Rosa
MIA COUTO: Ok, ok, Sim, Guimarães Rosa. Mas eu estava
a falar só dos poetas, mas eu acho que Guimarães também é
um poeta no fundo, é, é, é... é um poeta que se realizou na
prosa.
21. REVISTA ÁFRICA: Muitíssimo obrigada.
MIA COUTO: Obrigada Tatiana, Obrigada Conceição,
obrigada a vocês também (Padu e Markus), posso me
desligar?

[1] Marcelino dos Santos é um dos fundadores da FRELIMO, figura importante, muito homenageada em junho
de 2009 no 34º aniversário de independência de Moçambique. A equipe da Nova África o entrevistou em
Maputo.
[2] Mia é bastante crítico à elite africana atual. No entanto, do ponto de vista histórico sua imagem sobre a
escravidão no continente africano pode ser relativizada. De fato havia escravidão no continente africano, antes
da chegada dos portugueses e antes mesmo da chegada dos árabes no continente. Mas as diferentes práticas
escravistas estão muito longe do que se transformaram após a chegada dos portugueses e da implementação da
escravidão moderna, cujo centro era o tráfico transatlântico que mudou completamente as relações no
continente, mesmo entre dominantes e dominados, impérios, reinos etc.
[3] Esta fagocitação do urbano pelo rural é uma das imagens mais fortes e mais próximas da realidade que
podemos constatar na viagem.
[4] Talvez porque a via que foi quase sempre de os africanos lerem os escritores brasileiros tenha se invertido,
somo nós hoje que desejamos conhecer os africanos. Há muito mais interesse do governo, dos empresários e da
academia para com a temática africana, muita curiosidade para a África e tudo que lhe diz respeito, também na
literatura. A prova disso é que os escritores africanos que aumentaram em muito a sua produção estão
permanentemente no Brasil dando palestras, lançando e divulgando suas obras. Mia é um exemplo disso,
escritor de alcance mundial e apesar de tentarmos entrevistá-lo em Moçambique, só conseguimos realizar a
entrevista aqui, no Brasil.

Você também pode gostar