PRIMEIRO ATO
CENA I
Argan e Enfermeiras
ENFERMEIRA – Veja, seu ARGAN: Este mês, Sr. Flores, seu tão estimado farmacêutico, lhe cobrou
quase 20 dólares por uma aspirina e uma pesagem. É um roubo!
ENFERMEIRA – É ultrajante...
ARGAN – Ora, mas não posso culpar Sr. Flroes pelos remédios, pesagens, lavagens e verificações
de pressão caríssimos que me recomenda Dr. Purgan, meu médico de confiança. Também não
posso contrariar meu médico. É pro meu bem, já que estou muito doente. Veja: estou, hoje em dia,
com problemas nos meus intestinos, tenho um caso mal-resolvido com a minha bílis ruim, além de
estar com suspeitas de que eu posso pegar a gripe suína! Imagina, eu mais doente que já estou!
ENFERMEIRA – Que está muito doente, não podemos negar.
ENFERMEIRA – Isso não. Claro que não. Mas até que e o Sr. Flores poderia dar um desconto prum
estimado cliente.
ENFERMEIRA – Isso com certeza. Veja, seu Argan: mês passado ele lhe cobrou 31 por uma
lavagem e uma dose de um simples calmante. Este mês, lhe cobrou 40 pela mesma lavagem e pela
mesma dose do tal calmante.
ARGAN – Mas veja, estamos passando por uma época de doenças e mais doenças. E não quero ter
a tal da gripe suína, que essa só de comentar me dá arrepios!
ENFERMEIRA – Sim, mas mês passado não passávamos por essa crise, e mesmo assim, Sr. Flores
cobrou 50 por um pequeno clister para umedecer, amolecer e refrescar seus intestinos.
ENFERMEIRA – E cobrou, no mesmo mês, 70 por um simples xarope hepático. Mas nem hepatite o
senhor tem!
ARGAN – Como assim? Está querendo você contrariar o Dr. Purgan?
ENFERMEIRA – Não, senhor... Só quis dizer que... O senhor... Apesar de doente... Anda gastando
muito em remédios...
ARGAN – Ora, mas como não gastar?! Faço tudo pela saúde perfeita. E esta vem me dando golpes
ultimamente, me deixando assim, tão debilitado e doente. Mas saibam vocês que isso há de acabar.
ENFERMEIRA – Como assim, seu Argan?
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ARGAN – Ora, não é de sua conta, intrometida. Vamos, continuemos com os cálculos.
ENFERMEIRA – Muito bem, o senhor então gastou 40, 50, 60, 70, 80, 90... US$1.204,77 apenas no
mês passado.
ENFERMEIRA – E até o dia 25 deste mês que estamos o senhor gastou US$1.300,68 até agora.
Não é de se esperar que esteja tão bem este mês.
ARGAN – Nisso, vocês tem razão. Este mês tomei 23 lavagens. Mês passado tomei apenas 20. E já
sinto que minha bílis ruim já saiu quase toda por completo. A propósito, onde está minha bílis?
Cadê?
ENFERMEIRA – Por aqui no seu quarto não a vejo, seu Argan...
ENFERMEIRA – Eu também não a vejo...
ARGAN – Ora, vamos! Onde mais ela pode estar? Vamos, não querem que um doente como eu
procure, não?
ENFERMEIRA – Claro que não... Vamos. Vamos procurá-la pela casa. Vá por ali. Eu procuro na
cozinha. Eu tenho certeza que na cozinha ela está. É o lugar ideal para se guardar a bílis.
ARGAN – Vocês vão me deixar sozinho, é? Me deixaram... Hunfs... NIETA!!! Venha cá, cachorra,
não me deixe sozinho! Nieta! Venha cá, cretina que estou sozinho!!! VENHA CÁ NIETA, NÃO
QUERO TER GRIPE SUÍNA, VENHA, SUA SUÍNA!
CENA II
(NIETA e ARGAN)
CENA III
CENA IV
(Angélica e Nieta)
CENA V
ARGAN (Sentando na cadeira) – Ouça a novidade que eu tenho para contar, minha filha, Me
pediram você em casamento. Mas o que é, por que você está rindo? A palavra casamento é
engraçada mesmo. Não há nada mais divertido para as jovens. É, é a vida. Nem preciso, pelo que
posso ver, perguntar se quer ou não casar.
ANGÉLICA – Eu faço aquilo que meu pai mandar.
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ARGAN – Estou satisfeito de ter uma filha tão obediente. A coisa está, então, acertada: considere-se
comprometida.
ANGÉLICA – Como o senhor quiser. Aceito sem discussão.
ARGAN – Sua madrasta sonhava que você e Luisinha fossem religiosas! Sempre sonhou.
NIETA (Baixo) – A malandra tem suas razões.
ARGAN – Ela não queria nem mesmo consentir nesse casamento.Mas dei minha palavra, está
dada.
ANGÉLICA – Ah...papai, o senhor é tão bom.
NIETA – Meus cumprimentos, senhor, foi a coisa mais sensata que fez na vida.
ARGAN – Não conheço ainda o noivo, mas me disseram que eu ficaria contente e você também.
ANGÉLICA- Garanto que sim, papai.
ARGAN – Como você o conhece?
ANGÉLICA – O seu consentimento me autoriza a ser franca e não hesito em contar que, por acaso,
eu o conheci, faz seis dias, e que o pedido de casamento é resultado da atração que sentimos um
pelo outro, à primeira vista.
ARGAN – Ninguém me disse nada, mas estou contente de que tudo tenha se arranjado. Dizem que
é um jovem bem apessoado.
ANGÉLICA – É, papai.
ARGAN – Elegante.
ANGÉLICA – Sem dúvida.
ARGAN - Simpático.
ANGÉLICA- Se é.
ARGAN- Uma boa figura.
ANGÉLICA – Muito boa.
ARGAN- Inteligente e bem nascido.
ANGÉLICA – De fato.
ARGAN – Honesto.
ANGÉLICA – O mais honesto do mundo.
ARGAN – Fala latim e grego.
ANGÉLICA – Isso eu não sei.
ARGAN – Vai receber o diploma de médico em três dias.
ANGÉLICA – Ele, papai?
ARGAN - Não contou, não?
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ANGÉLICA- Não. Quem disse isso para o senhor?
ARGAN – Dr. Purgan.
ANGÉLICA – E ele o conhece?
ARGAN- Que pergunta. Pois é seu sobrinho.
ANGÉLICA – Cleanto? O sobrinho do Dr. Purgan?
ARGAN- Que Cleanto? Estamos falando do jovem que pediu você em casamento.
ANGÉLICA – Mas claro.
ARGAN- Então... é o sobrinho do Dr. Purgan, filho de seu cunhado, o médico, o Sra. Disafôrus. Ele
se chama Tomás Disafôrus, e não CLEANTO. Combinamos o casamento hoje de manhã, o Dr.
Purgan, O Sr. Flores e eu, e amanhã, meu futuro genro vem com o pai, aqui. O que há, ficou muda?
ANGÉLICA – Desculpe, meu pai, falávamos de pessoas diferentes.
NIETA- Pelo amor de Deus, Sr. Argan, com todo o dinheiro que tem, querer casar sua filha com um
médico?
ARGAN – Não se meta, sua atrevida. Sua besta ambulante.
NIETA- Calma, calminha. Não precisa xingar. A gente pode pensar juntos, sem gritar, de cabeça fria.
Qual é seu interesse nesse casamento, pode me dizer?
ARGAN – O meu interesse!Sendo eu tão doente quanto sou, quero ter um genro e parentes
médicos, para ser socorrido nas minhas crises, e ter sempre à mão consultas e receitas.
NIETA – É tão fácil falar tranquilamente, está vendo? Mas, patrão, ponha a mão na consciência: o
senhor é mesmo doente?
ARGAN- Como, eu? Sua cretina. Então não sabe que eu sou doente?
NIETA- Está bem, patrão, o senhor é doente e nós não vamos discutir por causa disso. O senhor é
muito doente, mais até do que imagina, pronto. Mas sua filha quer um marido e como ela não está
doente, não precisa de um médico.
ARGAN - O médico é para mim e uma boa filha deve ficar contente de casar com alguém que é útil
para a saúde de seu pai.
NIETA – Sinceramente, patrão, quer um conselho de amiga?
ARGAN- Qual?
NIETA – Não acredite nesse casamento.
ARGAN- Por quê?
NIETA – Sua filha não vai aceitar.
ARGAN - Não vai aceitar?
NIETA – Não.
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ARGAN – Minha filha?
NIETA – Sua filha. Ela vai dizer que não tem nada a ver com o Sra. Disafôrus, nem com o filho
Tomás, nem com nenhum Disafôrus do mundo.
ARGAN – Acontece que eu estou interessado, ele é melhor partido do que pensa. O Sra. Disafôrus
só tem esse filho como herdeiro e o Dr. Purgan não tem mulher nem filhos, e está disposto a dar
todos os seus bens de presente de casamento. E o Dr. Purgan é homem de excelente renda mensal.
NIETA – Deve ter matado muita gente para conseguir ser rico.
ARGAN – Fora a renda do próprio Sra. Disafôrus.
NIETA – Tudo isso, patrão, é bom e bonito, mas repito, aqui para nós, escolha outro marido para sua
filha. Ela não foi feita para ser senhora Disafôrus.
ARGAN – Eu quero que ela seja.
NIETA – Não diga isso.
ARGAN – Como?
NIETA – Não diga. Vão dizer que o senhor não sabe o que diz.
ARGAN – Digam o que quiserem, ela vai cumprir a palavra que eu dei.
NIETA – Juro que ela não vai.
ARGAN – Eu obrigo...
NIETA – Não adianta.
ARGAN – Eu a ponho num convento...
NIETA – O senhor?
ARGAN – Eu.
NIETA – Não vai nunca pôr sua filha num convento.
ARGAN – Não?
NIETA – Não.
ARGAN – Tem graça. Não ponho minha filha num convento, se eu quiser?
NIETA – Não, repito.
ARGAN – Quem vai impedir?
NIETA – O senhor mesmo.
ARGAN – Eu?
NIETA – É. Não é tão ruim assim.
ARGAN – Vou ser.
NIETA – Não brinque.
ARGAN – Não estou brincando.
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NIETA – O amor de pai vai impedir.
ARGAN – De maneira nenhuma.
NIETA – Uma ou duas lagriminhas, um abraço apertado, um “meu paizinho querido” bem carinhoso
é o suficiente para comovê-lo.
ARGAN – Nada me comove.
NIETA – Sei, sei.
ARGAN – Não vou mudar de idéia, já disse.
NIETA – Bobagem.
ARGAN – Não diga que é bobagem.
NIETA – Meu Deus, eu o conheço, senhor, sei que é bom.
ARGAN (gritando) – Eu não sou bom e posso ser péssimo quando quero.
NIETA – Calma, patrão, não se esqueça de que está doente.
ARGAN – Ela tem que se preparar para o marido que eu escolhi.
NIETA – E eu, eu a proíbo de fazer isso.
ARGAN – Onde é que nós estamos! Uma sem-vergonha de uma empregada ter o atrevimento de
falar assim diante do patrão.
NIETA – Quando o patrão não sabe o que faz, uma empregada sensata tem o direito de adverti-lo.
ARGAN (Aproximando-se de Nieta) – Sua insolente. Eu acabo com sua raça.
NIETA (se safando dele) – É meu dever ser contra coisas que possam desonrar o patrão.
ARGAN (Colérico, corre atrás dela em volta da cadeira, bengala na mão) – Venha cá, venha, que eu
te ensino a falar.
NIETA (correndo e se esquivando) – Eu só quero que o patrão não faça loucuras.
ARGAN – Cachorra.
NIETA – Não vou permitir esse casamento.
ARGAN – Cretina.
NIETA – Eu não quero que ela case com esse Tomás Disafôrus. E ela vai obedecer mais a mim do
que ao senhor.
ARGAN – ANGÉLICA, pare essa safada para mim.
ANGÉLICA – Ah, papai, você pode até ficar pior.
ARGAN – Se você não a parar, eu a amaldiçôo.
NIETA – E eu a deserdo, se ela desobedecer.
ARGAN (se jogando na cadeira exausto) – Ai, não aguento mais. Vou acabar morrendo.
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CENA VI
CENA VII
ARGAN – Aproxime-se, senhor Boafé, e sente-se, por favor. Minha mulher me disse que é homem
sério, além de ser amigo dela, por isso pedi que o chamasse para o testamento que eu quero fazer.
BELINHA – Eu sou incapaz de tocar nesses assuntos.
TABELIÃ – Ela me explicou suas intenções, mas devo dizer que não há nada que possa deixar para
sua mulher em testamento.
ARGAN – Como?
TABELIÃ – Vai contra o costume. Se estivéssemos num país de Direito escrito, isso poderia ser
resolvido, mas em Paris e em vários outros lugares sua disposição seria nula. Todo o bem que um
homem e uma mulher, unidos pelo casamento, se podem dar deve ser através de uma doação
mútua, entre vivos, desde que não haja filhos, seja dos dois conjugues ou de apenas um deles.
ARGAN – Eis um costume impertinente esse de um marido não poder deixar nada para uma mulher
que tanto ama e que cuida tão bem dele. Eu gostaria de consultar meu advogado para saber que
providência tomar.
TABELIÃ – Não é aos advogados que se deve consultar, pois são, em geral, muito severos sobre o
assunto e imaginam ser crime qualquer tentativa de burlar a lei. São criadores de dificuldades e
ignoram os meandros da consciência. Há outras pessoas, mais flexíveis, que conhecem certos
expedientes, que encontram meios indiretos para contornar os problemas. Senão, o que seria de
nós? É preciso facilitar as coisas, do contrário não teríamos profissão, nem poderíamos cobrar coisa
nenhuma.
ARGAN – Minha mulher falou muito bem de sua habilidade e retidão. Como posso, então, dar meus
bens para ela em vez de deixar para minhas filhas?
TABELIÃ – Quer saber o que fazer? O senhor pode, calmamente, escolher um amigo íntimo de sua
mulher e dar a ele o que desejar e esse amigo, depois, passa tudo para ela. O senhor pode, ainda,
contrair um grande número de dívidas não suspeitas, em favor de diversos credores nas mãos de
quem deixariam uma declaração de que fizeram isso para lhe serem agradáveis. E pode, também,
enquanto estiver vivo, dar-lhe dinheiro ou promissórias pagáveis ao portador.
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BELINHA – Não se atormente com isso, meu Deus. Se você morrer, não quero mais ficar neste
mundo.
ARGAN – Querida.
BELINHA – Se eu tiver a infelicidade de perder você...
ARGAN – Minha mulherzinha.
BELINHA – Viver será inútil.
ARGAN – Meu amor.
BELINHA – Morro junto para que saiba o carinho que tenho por você.
ARGAN – Você me parte o coração, amor. Não chore, por favor.
TABELIÃ – As lágrimas estão fora de hora, as coisas ainda não estão neste ponto.
BELINHA – Ah... não sabe o que é ter um marido a quem se ama tanto.
ARGAN – Só lamento, se eu morrer, é de não ter tido um filho seu, querida. DR. PURGAN me
prometeu que ele me faria lhe ter um.
TABELIÃ – Isso ainda pode acontecer.
ARGAN – Quero fazer o testamento, meu amor, do jeito que a Tabeliã diz; mas, por precaução, vou
lhe dar vinte barras de ouro que eu escondi no forro do meu quarto, e duas promissórias ao portador,
uma do Sr. Damon e outra do Sr. Geronte.
BELINHA – Não, não. Não me interessa nada. Ai de mim. Quanto você disse que tinha no quarto?
ARGAN – Vinte barras, amor.
BELINHA – Não me fale mais nisso, eu te peço. E de quanto são as promissórias?
ARGAN – Uma de quatro e outra de seis, querida.
BELINHA – Todo o dinheiro do mundo, querido, é nada perto de ter você. Tem mais barras
escondidas?
TABELIÃ – Quer que façamos o testamento?
ARGAN – Sim, senhor. Vamos ao meu escritório. Me leve, meu amor.
BELINHA – Vamos, queridinho.
CENA VIII
Angélica e Nieta
NIETA – Eles estão lá, com uma Tabeliã, e eu ouvi falar em testamento. Sua madrasta não dorme
no ponto e, sem dúvida, faz alguma conspiração contra você.
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ANGÉLICA – Contanto que não disponha dos meus sentimentos, ele pode dispor dos meus bens
como quiser. Você está vendo a pressão violenta que ele sofre. Não me abandone agora, Nietinha,
por favor.
NIETA – Eu? Abandonar você? Prefiro morrer. Sua madrasta resolveu me fazer confidências e me
colocar ao lado dela, mas eu não aceito e tomo sempre seu partido, Angélica. Deixe tudo comigo,
que eu faço tudo que estiver ao meu alcance. Mas para que dê certo, tenho que mudar de tática,
esconder que estou do seu lado e fingir que concordo com seu pai e sua madrasta.
ANGÉLICA – Certo. Você me faz o favor de avisar Cleanto desse casamento que resolveram?
NIETA – Não posso encarregar ninguém disso a não ser o Polichinelo e isso me custará algumas
palavras de carinho, mas eu não ligo de gastá-las com você. Hoje, passou da hora, mas amanhã ele
vai procurar Cleanto e...
BELINHA – Nieta!
NIETA – Estão me chamando. Boa noite. Confie em mim.
Entrada da Amiga
(A campainha é tocada freneticamente, como para chamar atenção. Angélica corre para atendê-la)
CENA I
Nieta e Cleanto.
CENA II
ARGAN – O Dr. Purgan mandou que eu andasse no quarto de manhã, doze idas e doze vindas, mas
esqueci de perguntar se é na largura ou no comprimento.
NIETA – Patrão, está aí um...
ARGAN – Fale baixo, sua bruxa. Quase me estoura os miolos! Não sabe que não se fala tão alto
com doentes?
NIETA – Eu queria dizer que...
ARGAN – Fale baixo.
NIETA – Patrão... (ela finge que fala)
ARGAN – Hem?
NIETA – Eu disse que... (Finge de novo)
ARGAN – Que é que está dizendo?
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NIETA – Eu disse que está aqui um homem que quer falar com o senhor.
ARGAN – Mande entrar.
(Nieta faz sinal para Cleanto entrar)
CLEANTO – Senhor.
NIETA (Ralhando) – Não fale alto para não estourar os miolos do patrão.
CLEANTO – Estou satisfeito de encontrá-lo melhor e de pé.
NIETA (Fingindo estar zangada) – Como, melhor! Absolutamente. O patrão está sempre mal.
CLEANTO – Ouvi dizer que o senhor estava melhor, e o encontro com muito bom aspecto.
NIETA – O que quer dizer com muito bom aspecto? O patrão está mal, e esses que disseram que
ele estava melhor são uns impertinentes. Ele nunca esteve tão indisposto.
ARGAN – Ela tem razão.
NIETA – Ele anda, come e bebe como os outros, mas isso não impede que ele esteja doente.
ARGAN – Pura verdade.
CLEANTO – Venho da parte de professor de canto de sua filha, senhor. Ele teve de ir para o interior
por alguns dias, e como sou amigo íntimo, me enviou no lugar dele para continuar as lições, com
medo de que, interrompendo as aulas, ela esqueça tudo que já sabe.
ARGAN – Muito bem, chame Angélica.
NIETA – Eu acho, patrão, que seria bom levar o professor ao quarto dela.
ARGAN – Não, ela que venha.
NIETA Ele não vai conseguir dar em público uma aula que é particular.
ARGAN – Consegue, sim.
NIETA – Patrão, essas aulas são de enlouquecer, e não convém ao senhor, no seu estado, se agitar
e estourar os miolos.
ARGAN – Não discuta. Gosto de música e vou ficar muito à vontade... Aí está ela. Você, Nieta, veja
se minha mulher já está pronta.
CENA III
ARGAN – Venha, minha filha, seu professor de música foi para o interior e enviou alguém para te
dar aula.
ANGÉLICA - Ai, meu Deus.
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ARGAN - Que foi?Que surpresa é essa?
ANGÉLICA- É que...
ARGAN - O quê?
ANGÉLICA - Uma coincidência surpreendente acontece aqui.
ARGAN - Qual?
ANGÉLICA- Sonhei, a noite passada, que eu estava com o pior problema do mundo, e que pedi
socorro a uma pessoa parecida com esse senhor, e ele me salvou.Minha surpresa foi exatamente
essa, a de ver, sem esperar, a pessoa com quem eu sonhei a noite toda.
CLEANTO - Estou contente de ocupar seus pensamentos, seja dormindo ou acordada, e não há
nada que eu não faria para livrá-la de algum problema.
CENA IV
NIETA (Caçoando) – Palavra, patrão, acredito no senhor, agora, e desdigo tudo o que eu disse
ontem.O Sra. Disafôrus e seu filho chegaram para fazer uma visita.O senhor vai ter um genro
daqueles, o mais bonito, o mais espirituoso.Ele me disse apenas duas palavras, mas fiquei satisfeita
e sua filha vai cair de amores por ele.
ARGAN (A Cleanto, que faz menção de sair) – Fique, meu caro.Quero casar minha filha e acaba de
chegar o noivo, que ela ainda não conhece.
CLEANTO – É muita honra senhor, ser testemunha de um encontro tão importante.
ARGAN – Ele é filho de um médico competente e o casamento se realiza dentro de quatro dias.
CLEANTO – Tão rápido assim?
ARGAN – Avise seu professor de música, para que ele venha ao casamento.
CLEANTO – Sem falta.
ARGAN – Está convidado também.
CLEANTO – Fico muito honrado.
NIETA – Preparem-se. Aí estão eles.
CENA V
CENA I
Beralda e Nieta
CENA II
Argan e Beralda
BERALDA – Precisamos conversar meu irmão, mas, antes de mais nada, deve me prometer que
não vai ficar nervoso.
ARGAN – Prometo.
BERALDA- Nem fica nervoso com as coisas que eu disser.
ARGAN – Certo.
BERALDA – E raciocinar junto comigo sobre os negócios que devemos discutir, calmamente.
ARGAN – Está bem. Para que tanto preâmbulo, meu deus!
BERALDA – Não consigo entender por que um homem rico como você, que tem uma única filha,
pois Luisinha ainda não interessa, resolve colocá-la num convento. De onde tirou isso?
ARGAN – Não acha que sou o dono da casa e posso fazer o que eu quiser?
BERALDA – Sua mulher vive aconselhando você a se livrar de sua filha, e não duvido nem um
pouco, não mesmo, que, por espírito de caridade, ela ficasse contentíssima se ela fosse religiosa.
ARGAN – Esse assunto de novo! Sempre a pobre da minha mulher, no meio de tudo, sendo
acusada de todos os males.
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BERALDA – Não, não. Ela está fora disso. É uma das mais bem intencionadas mulheres do mundo.
Em relação a ela, nenhuma dúvida a respeito. Falemos de Angélica. Qual é a sua intenção em
querer casá-la com o filho de um médico?
ARGAN – A intenção de me dar o genro de que eu preciso.
BERALDA – Mas o marido é para ela ou para você?
ARGAN – Para nós dois. Quero alguém na família que seja útil para mim.
BERALDA – Pensando desse jeito, quando Luís for grande você vai querer que se case com um
farmacêutica.
ARGAN – E por que não?
BERALDA – É possível que você queira se enganado a vida toda pelos seus farmacêuticos e
médicos e que deseje ser doente, a despeito da sua natureza?
ARGAN – o que está insinuando, Beralda?
BERALDA – Que não existe homem menos doente do que você, e que eu gostaria de ter uma
constituição física igual a sua. O sinal de que você está bem e que goza de excelente saúde é que,
apesar de tudo o que faz e dos remédios que toma, não conseguiu estragar o perfeito equilíbrio do
seu corpo.
ARGAN – Você sabe que o Dr. Purgan disse que eu morreria se ele parasse três dias de tomar
conta de mim?
BERALDA - Se você não prestar atenção, vai acabar morrendo de tanta tomação de conta.
ARGAN – Mas pense um pouco, Beralda, você acredita ou não acredita na medicina?
BERALDA – Não, meu irmão, e não vejo por que devemos acreditar nela para ter saúde.
ARGAN – Você desconfia de uma coisa em que todo mundo acredita e que é respeitada há
séculos?
BERALDA – Não só desconfio como, aqui entre nós, acho uma das maiores loucuras dos homens.
Não há nada mais engraçado, nem mais ridículo, do que um homem pretendendo curar outro.
ARGAN – E por que um homem não pode curar outro?
BERALDA – Simplesmente, meu irmão, porque até hoje são desconhecidos os mecanismos da
máquina humana, e a natureza nos colocou diante dos olhos vendas muito espessas para conhecê-
los.
ARGAN – Então você acha que os médicos não sabem nada?
BERALDA – Exatamente. A maioria conhece bastante literatura, sabe falar um belo de um latim,
sabe o nome grego das doenças, as definições, as divisões, mas curá-las, isso eles não conseguem.
ARGAN – Em matéria de medicina, eles abem mais que todos.
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BERALDA – Saber, eles sabem, curar é que são elas.
ARGAN – Mas, enfim, meu irmão, existem pessoas tão inteligentes e tão espertas quanto você que
na hora da doença procuram os médicos.
BERALDA – O que revela a franqueza humana e não a verdade da medicina.
ARGAN – No entanto, é preciso que os médicos, eles próprios, acreditem na arte da medicina, pois
devem se servir dela para eles mesmos.
BERALDA – D. Purgan, por exemplo, não há duvida, é um homem que acredita nas regras da
medicina, receita purgantes e sangrias, sem medir as conseqüências. Mas não queira mal a ele por
tudo o que possa fazer: é com a maior boa-fé do mundo que ele mata você, a mulher e os filhos
dele, e a ele mesmo, se for o caso.
ARGAN – Desde criança você não simpatiza com ele, meu irmão. Mas, enfim, vamos aos fatos: que
fazer quando se está doente?
BERALDA – nada.
ARGAN – Nada?
BERALDA – Nada. Basta ficar de repouso. A natureza, ela mesma, se a deixarmos, põe tudo,
vagarosamente, em ordem. Nossa aflição, nossa impaciência é que nos estragam, e quase todo
mundo morre dos remédios e não das doenças.
ARGAN – Quer dizer que você é dono de toda a ciência do mundo e que sabe mais do que os
grandes médicos do nosso século?
BERALDA – Esses grandes médicos são uma pessoa na teoria e outra na prática; falando são
hábeis, agindo, são os mais ignorantes dos homens.
ARGAN – Ah... Sei. Pelo que estou vendo, você é um grande doutor, e eu adoraria que estivesse
aqui algum médico para rebater seus argumentos e fazer você meter a viola no saco.
BERALDA – Ora, meu irmão, eu não pretendo combater a medicina e cada um, por sua conta e
risco, que acredite no que quiser. Falo com liberdade, aqui entre nós, e se quiser se divertir um
pouco vá ver uma comédia de Moliére sobre o assunto.
ARGAN – é um impertinente, esse Moliére, com as comédias engraçadas em que zomba de
pessoas honestas comoso médicos.
BERALDA – Não é dos médicos que ele zomba, mas daquilo que a medicina tem de ridículo.
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ARGAN – É problema dele se envolver com a medicina. Um tolo, um atrevido, caçoando das
consultas e das receitas, atacando profissionais e pondo no palco gente respeitável como os
médicos.
BERALDA – Do que você gostaria que ele tratasse, senão das diversas profissões dos homens? O
teatro sempre tratou de reis e príncipes, que são de tão boa família quanto os médicos.
ARGAN – Se eu fosse médico e ele ficasse doente, eu me vingaria de sua insolência deixando-o
morrer sem socorro. Podia por a boca no mundo que eu não receitaria uma sangria, nem lavagem,
coisa nenhuma, e ainda diria: “Pode gritar à vontade, isso é para aprender a não zombar da
faculdade”.
BERALDA – Você está furioso com ele?
ARGAN – Estou. É um sujeito abusado e se os médicos são inteligentes farão o que eu disse.
BERALDA – Ele será mais inteligente que os médicos, pois não pedirá nenhum socorro.
ARGAN – Pior para ele, se não puder recorrer aos médicos.
BERALDA – Vamos mudar de assunto, meu irmão. Eu queria pedir para você não tomar resoluções
tão drásticas, como enfiar a sua filha num convento. Você escolheu cegamente um genro e é
preciso, sobre isso, sentir um pouco as inclinações de ANGÉLICA, pois delas dependem um
casamento que deve durar a vida inteira.
CENA III
CENA IV
DR. PURGAN – Acabaram de me contar, na porta, que fazem pouco das minhas receitas aqui, e que
recusam o remédio que prescrevi.
ARGAN – Não foi bem assim, Dr. Purgan.
DR. PURGAN – É uma audácia enorme, um a estranha rebelião de um doente contra seu médico.
NIETA – Isso é surpreendente.
DR. PURGAN – Um clister que tive o prazer de preparar eu mesmo...
ARGAN – Não fui eu...
DR. PURGAN – Inventado e composto dentro das normas da arte.
NIETA – Ele está certo.
DR. PURGAN – E que devia fazer um efeito maravilhoso nos intestinos.
ARGAN – Meu irmão...
DR. PURGAN – Enviá-lo de volta com desprezo.
ARGAN – Foi ele...
DR. PURGAN – Um gesto absurdo.
NIETA – Ah, isso é.
DR. PURGAN – Um atentado contra a medicina.
ARGAN – Foi por causa...
31
DR. PURGAN – Um crime de lesa-faculdade.
NIETA – Tem toda a razão.
DR. PURGAN – Declaro que rompo relações com essa espécie de paciente.
ARGAN – Foi meu irmão...
DR. PURGAN – E que, para terminar toda e qualquer ligação, eis o dote que eu daria ao meu
sobrinho pelo casamento. (Rasga-o, violento)
ARGAN – Foi meu irmão o culpado.
DR. PURGAN – Desprezar meu clister.
ARGAN – Faça-o voltar, que eu tomo.
DR. PURGAN – Faltava tão pouco para eu curá-lo.
NIETA – Ele não merece isso.
DR. PURGAN – Eu ia limpar seu corpo e fazê-lo evacuar completamente sua bílis amarga.
ARGAN – Ah, meu irmão.
DR. PURGAN – Faltava umas doze doses, se tanto.
NIETA – Ele é indigno de seus cuidados.
DR. PURGAN – Mas, já que não quer se curar pelas minhas mãos...
ARGAN – A culpa não é minha.
DR. PURGAN – Já que resolveu desobedecer às ordens de seu médico...
NIETA – Pode vingar-se.
DR. PURGAN – Já que se revoltou contra meus remédios...
ARGAN – Não, de jeito nenhum.
DR. PURGAN – Devo dizer que eu abandono à sua má constituição, aos problemas de seus
intestinos, à corrupção de seu sangue e às agruras de sua bílis.
NIETA – Bem feito.
ARGAN – Ah, meu Deus!
DR. PURGAN – Antes de quatro dias seu estado será incurável!
ARGAN – Por favor.
DR. PURGAN – Vai cair na bradipepsia.
ARGAN - DR. PURGAN.
DR. PURGAN – Da bradipepsia, na dispepsia.
ARGAN - DR. PURGAN.
DR. PURGAN – Da dispepsia, na apepsia.
ARGAN - DR. PURGAN
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DR. PURGAN – Da apepsia na diarreia.
ARGAN - DR. PURGAN.
DR. PURGAN – Da diarréia, na disenteria.
ARGAN - DR. PURGAN.
DR. PURGAN – Da desinteria, na hidropisia.
ARGAN - DR. PURGAN.
DR. PURGAN – E da hidropisia, na privação da vida, que é aonde vai levar essa sua loucura.
(Nieta sai com Dr. Purgan)
CENA V
Argan e Beralda
ARGAN - Ah! Meu Deus, estou morto. Você me levou à desgraça, mano.
BERALDA - O que é que há?
ARGAN - Não aguento mais. Sinto que a medicina se vinga.
BERALDA - Minha vez de dizer que você está louco, e eu não gostaria, por várias razões, que
alguém visse você assim. Controle-se, caia em si e não dê tanta trela à imaginação.
ARGAN - Você viu as horríveis doenças com que ele me ameaçou.
BERALDA - Não seja ingênuo.
ARGAN - Vou ser um doente incurável antes de quatro dias.
BERALDA - Quem é ele para falar dessas coisas, um oráculo? Até parece que o Dr. Purgan tem o
dom de dar e tirar a vida de alguém. A vida é sua e a irritação do Dr. Purgan é menos capaz de
matar do que os remédios que ele receita. É a hora, se você quiser, de dispensar os médicos, ou, se
for incapaz de passar sem eles, de arranjar outro, que o faça correr menos riscos.
ARGAN - Ah, meu irmão, ele conhece minha constituição, e a maneira de dominá-la.
BERALDA - Devo admitir que você é um homem cheio de problemas e muito esquisito.
CENA VI
CENA VII
NIETA (Vestida de médico) - Senhor, aceite minha visita e os pequenos serviços que eu possa fazer
para sangrias e purgantes de que precisar.
ARGAN - Agradeço muito, doutor. Puxa, parece a própria Nieta.
NIETA - Peço que me desculpe um momento, esqueci de dar uma ordem ao meu ajudante, volto
num minuto.
ARGAN - Você não diria, Beralda, que é a Nieta? A própria?
BERALDA - Realmente, a semelhança é enorme, mas não é a primeira vez que se sabe desse
gênero de coisas, as histórias estão cheias de acasos da natureza.
ARGAN - Para mim... Estou tão chocado.
CENA VIII
NIETA (Trocou de roupa tão rápido que é difícil de acreditar que foi ela que apareceu de médico) -
Precisa de alguma coisa, patrão?
ARGAN - Como?
NIETA - Não me chamou?
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ARGAN - Eu? Não.
NIETA - Então meus ouvidos me enganaram.
ARGAN - Fique um pouco aqui para ver como o médico parece com você.
NIETA (Saindo) - Imagine. Tenho muito o que fazer lá dentro e já o vi bastante.
ARGAN - Se eu não tivesse visto os dois, pensaria que são um só.
BERALDA - Andei lendo coisas surpreendentes de casos de semelhança e há pouco tempo soube
de um, onde todo mundo se enganou.
ARGAN - Eu podia me enganar e jurar que ela e ele são a mesma pessoa.
CENA IX
CENA X
NIETA (Falando da porta,como se se dirigisse a alguém) - vamos, vamos. Não tenho a menor
vontade de rir.
ARGAN– O que há?
NIETA– Seu médico queria pegar no meu pulso.
ARGAN– Vejam só. Noventa anos.
BERALDA– É verdade. Mas meu irmão,já que o Dr.Purgan rompeu com você,não quer que eu fale
um pouco de um partido para minha sobrinha?
ARGAN– Não, Beralda. Quero que ela entre para um convento, já que se opôs às minha vontades.
Estou farto de saber que ela tem um namorado e descobri um encontro secreto que ninguém sabe
que eu sei.
BERALDA – Então, mano,quando há pelo menos uma pequena inclinação,não há nada de
criminoso, nem ofensivo,pois a intenção é um honesto casamento.
ARGAN– Seja o que for, a decisão está tomada: ela vai ser religiosa.
BERALDA– Você está querendo agradar alguém.
ARGAN– Isso de novo. Você sempre volta à minha mulher/
BERALDA– Vamos falar claramente, meu irmão. Não suporto mas a obsessão que você tem por ela
e pela medicina,nem a maneira como cai nas armadilhas que sua mulher trama.
NIETA– Ah,senhor,não fale mal da patroa. É uma mulher sofre quem não se pode dizer nada,uma
mulher sem artifícios e que ama o patrão.Ah…como ela o ama…não se pode dizer nada contra ela.
ARGAN– Pergunte como ela é carinhosa comigo.
NIETA–É verdade.
ARGAN– Fica tão aflita com as minhas doenças.
NIETA– Ah,isso é.
ARGAN- Os cuidados,os sacrifícios que faz por mim…
NIETA–Nem diga. (Para Beralda) Gostaria que eu convencesse e fizesse ver,daqui a pouco,como a
patroa ama o patrão?
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(Para ARGAN) Patrãozinho, permita que eu mostre que ele está errado.
ARGAN–Como?
NIETA–A patroa vai voltar logo.Deite nessa cadeira e finja que está morto.Vai ver o sofrimento dela
quando eu der a notícia.
ARGAN-Conte comigo.
NIETA (Para Beralda)–Esconda-se naquele canto ali.
ARGAN–Será que não há nenhum perigo de a gente se fingir de morto?
NIETA–Não,não.Que perigo haveria? Vamos nos divertir com a cara de bobo que seu irmão vai ficar.
Aí vem a patroa. Não se mexa.
CENA XI
BERALDA (Saindo do esconderijo)- Viu, meu irmão? Eu avisei. Palavra de honra que eu nunca ia
acreditar nisso. Mas ouço sua filha, que vem vindo. Repita a coisa e vamos ver de que maneira ela
recebe sua morte. Não custa experimentar. E, já que está no palco, conhecerá os sentimentos da
família.
BERALDA ( Gritando) – Minha mãe do céu, que desgraça. Que dia maldito.
ANGÉLICA- Que você tem, NIETA, por que está chorando?
BERALDA- Infelizmente, tenho más notícias.
ANGÉLICA- Quais?
BERALDA- Seu pai está morto.
ANGÉLICA- Meu pai? Morto?
BERALDA- É ele está ali. Acabou e morrer.
ANGÉLICA- Que falta de sorte. Que golpe cruel. Perdi meu pai, a única pessoa que tinha nesse
mundo, e o pior é que morreu zangado comigo. O que vai ser de mim, meu Deus? Como posso me
consolar de uma perda tão grande?
BELINHA - Já que, felizmente, ninguém sabe da coisa, vamos levá-lo para a cama e esconder essa
morte até que eu termine o que eu tenho para fazer. Há papéis e dinheiro que eu devo pegar, pois
não é justo que tenha passado ao lado dele os melhores anos de minha vida, sem ganhar nada.
Venha, NIETA, vamos pegar logo as chaves com dele.
ARGAN (Levantando-se bruscamente)- Calma. Calminha.
BELINHA (Surpresa)- Ui.
Aragn- Então, minha mulherzinha, é assim que me ama?
NIETA- Ih, o defunto não está morto.
ARGAN (A BELINHA, que sai)- Estou satisfeito com a amizade e o belo discurso que fez sobre mim.
Eis uma lição que não vou esquecer no futuro, e que vai me impedir de fazer muitas coisas.
Medicinae professores,
Aqui estamos reunidos
Para receber um novo confrade
Que, pela prática e longevidade,
Não precisou cursar Faculdade. Carissimi colegas presentes,
por príncipes e reis admirados,
devemos examinar o bacharelando e saber se pode
participar
do nosso magnífico corpo docente.
È para isso que convocatti estis:
Dono at interrogandum et a fundo examinandum
In suas capacitalibus.
CORO- Muito bem, muito bem, muito bem, Respondeu o douto paciente.
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Dignus, dignus est intrare no nosso corpo docente.
CORO- Muito bem, muito bem, muito bem, Respondeu o douto paciente.
Dignus, dignus est intrare no nosso corpo docente.
CORO- Muito bem, muito bem, muito bem, Respondeu o douto paciente.
Dignus, dignus est intrare no nosso corpo docente.
QUARTO DOUTOR- E se a doença teimosa não quiser sangrare e logo purgare. Quid illi facere?
REITOR- Jura guardare statuta per Facultatem prescrita com sensu e julgamento?
ARGAN- Juro.
REITOR- Jura consultationibus i mais velhi?
ARGAN- Juro.
REITOR- Jura de non jamais se servir de nenhum remédio não indicado pela Faculdade?
ARGAN- Juro.
REITOR- Jura deixar que os doentes morram de suas doenças?
ARGAN- Juro.
REITOR- Eu, com este diploma venerabili e docto, dou e concedo virtutem et poder medicandi
purgandi sangrandi cortandi et matandi impune per totam terram.
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CORO- Et vivat, vivat, cem vezes vivat, novus doctor que tão bem parlat mil, mil anos vivat per
sempre matat.