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Eu era bom no totó.

Ou pebolim, ou como quer que chamem aquele futebol de mesa com


os bonequinhos. Aquele que o pessoal dos videogames hoje dá risada só de ouvir fala
r. E eu era imbatível no totó.

É verdade que jogava muito sozinho. Meu time, o Fluminense, magistralmente manejad
o, envolvia completamente o estático Flamengo do adversário ausente. Mas de tanto tr
einar contra ninguém, na infância e na adolescência, acabei melhor do que todos os adv
ersários reais que eventualmente enfrentava. Até aparecer o Iñaki.
O Iñaki era basco. Tinha se casado na Espanha com a minha prima Heloísa e os dois es
tavam morando em Porto Alegre. Ele ia muito na nossa casa, para ouvir os discos
de Mozart do meu pai e jogar totó comigo. Não era apenas um exímio jogador. Também era u
m teórico do totó. Foi ele que não só decidiu trocar a tradicional bola de pingue-pongue
por uma menor, de madeira, que facilitava o controle, como mandou fazer as bola
s de acordo com suas especificações precisas. E me ganhava sempre. Descobriu, inclus
ive, uma maneira de anular a minha jogada mais mortífera, um passe lateral para o
Bigode chutar de longe que nunca falhava. Contra o Iñaki o Bigode não acertava uma.
Uma vez fizemos um torneio de totó na nossa casa. Apenas um pretexto para reunir o
s amigos. Depois da comida, a mesa de jantar foi afastada e substituída pela de to
tó. Jogos eliminatórios, mata-mata. Meu desempenho foi digno. Ajudado pelo fator cam
po, cheguei a uma semifinal, mas fui eliminado. Pelo Iñaki, claro.
O Iñaki foi para a decisão com o vencedor da outra semifinal. E finalmente encontrou
um adversário que o igualava em técnica e vontade de ganhar: Elias Figueroa! O zagu
eiro chileno que na época era o grande ídolo do Internacional e iria comandar o time
na conquista de um bicampeonato brasileiro. E que era o campeão de totó das concent
rações do Inter.
Sinto dizer (anticlímax) que não me lembro quem ganhou a grande final. Sei que duran
te a batalha os brasileiros se retraíram: era Chile contra País Basco, uma questão de
outro sangue, nada a ver conosco.

The Animator's Survival Kit - Richard Williams


Cartoon Animation - by Preston Blair

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