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CONHEÇA A HISTÓRIA E COMO FUNCIONA O SUS

Muita gente já ouviu falar no SUS, o Sistema Único de Saúde de nosso país. O SUS
é um sistema, composto por muitas partes e, por mais diferentes que pareçam, tem uma
finalidade comum: cuidar e promover a saúde de toda a população, melhorando a
qualidade de vida dos brasileiros.
O SUS existe há pouco tempo. Surgiu como resposta à insatisfação e
descontentamento existente em relação aos direitos de cidadania, acesso, serviços e forma
de organização do sistema de saúde. Nos anos 70 e 80, vários médicos, enfermeiros, donas
de casa, trabalhadores de sindicatos, religiosos e funcionários dos postos e secretarias de
saúde levaram adiante um movimento, o "movimento sanitário", com o objetivo de criar
um novo sistema público para solucionar os inúmeros problemas encontrados no
atendimento à saúde da população. O movimento orientava-se pela idéia de que todos têm
direito à saúde e que o governo, juntamente com a sociedade, tem o dever de fazer o que
for preciso para alcançar este objetivo.
A Constituição Federal de 1988 determinou ser dever do Estado garantir saúde a
toda a população. Para tanto, criou o Sistema Único de Saúde. Em 1990, o Congresso
Nacional aprovou a Lei Orgânica da Saúde, que detalha o funcionamento do Sistema.
Portanto, o SUS resultou de um processo de lutas, mobilização, participação e esforços
desenvolvidos por um grande número de pessoas.
Como funciona o SUS?
O SUS é um sistema público, organizado e orientado no sentido do interesse
coletivo, e todas as pessoas, independente de raça, crenças, cor, situação de emprego,
classe social, local de moradia, a ele têm direito.
As diferentes situações de vida dos vários grupos populacionais geram problemas
de saúde específicos, bem como riscos e/ou exposição maior ou menor a determinadas
doenças, acidentes e violências. Isto significa, portanto, necessidades diferenciadas,
exigindo que as ações da gestão do sistema e dos serviços de saúde sejam orientadas para
atender a essas especificidades. Entretanto, como o SUS oferece o mesmo atendimento a
todas as pessoas, algumas não recebem o que necessitam, enquanto outras têm além do
satisfatório, o que aumenta as desigualdades. No SUS, situações desiguais devem ser
tratadas desigualmente. Baseia-se, portanto, no princípio da eqüidade.
Este é um grande desafio. Muito tem que ser feito para que todos possam ter saúde.
O Governo deve concentrar esforços e investir mais onde há maior carência. O SUS tem o
papel de cuidar de todas as necessidades da área da saúde. E cuidar da saúde não é apenas
medicar os doentes ou realizar cirurgias, é preciso garantir vacinas à população, dar
atenção aos problemas das mulheres, crianças e idosos, combater a dengue e outras
doenças. Este é o princípio de integralidade, ou seja, realizar todas as ações necessárias
para a promoção, proteção e recuperação da saúde de todos.
Todos sabem, porém, que, para ter boa saúde, é preciso ter boa alimentação, possuir
uma casa, morar num local com rede de esgoto, luz e água, trabalhar, ter um meio de
transporte bom e barato, desfrutar de programas de lazer. Assim, para que as pessoas
tenham uma boa qualidade de vida, não depende apenas do setor saúde. Compreende-se
que "os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do
país". Ou seja, há o reconhecimento de que os indicadores de saúde das pessoas devem ser
tomados para medir o nível de desenvolvimento do país e do bem-estar da população.
O Sistema Único de Saúde tem seus serviços administrados pelos governos federal,
estaduais e municipais e por organizações cujo objetivo é garantir a prestação de serviços
gratuitos a qualquer cidadão.
Em locais onde há falta de serviços públicos, o SUS realiza a contratação de serviços de
hospitais ou laboratórios particulares, para que não falte assistência às pessoas. Desse
modo, esses hospitais e laboratórios também se integram à rede SUS, tendo que seguir seus
princípios e diretrizes.
Devido às significativas diferenças existentes entre as várias regiões e municípios
brasileiros, o Ministério da Saúde criou formas de descentralizar a prestação dos serviços
públicos de saúde, repassando responsabilidades diferenciadas aos diferentes municípios.
A mudança foi grande, pois ocorreu a unificação de comando, representada pela
transferência ao Ministério da Saúde de toda a responsabilidade pela saúde no plano
federal. Da mesma forma nos estados e municípios, onde a responsabilidade fica a cargo
das respectivas secretarias estaduais e municipais de saúde. Sob outro aspecto, o princípio
da universalidade representou a inclusão de todos no amparo prestado pelo SUS, ou seja,
qualquer pessoa passa a ter o direito de ser atendidos nas unidades públicas de saúde,
lembrando que antes apenas os trabalhadores com carteira registrada faziam jus a esses
serviços.
Nem sempre é possível ao município executar sozinho todos os serviços de saúde.
Pequenos municípios carecem de recursos humanos, financeiros e materiais, e sua
população é insuficiente para manter um hospital ou serviços especializados. Por isso, a
descentralização dos serviços implica também na sua regionalização. Num país imenso
como o nosso, para evitar desperdícios e duplicações faz-se necessário organizar os
serviços, visando dar acesso a todos os tipos de atendimento.
O sistema de saúde é ainda um sistema hierarquizado: compõe-se de várias
unidades interligadas, cada qual com suas tarefas a cumprir. Num primeiro nível, estão os
centros de saúde, que todos podem procurar diretamente; em seguida, há outros
estabelecimentos que ofertam serviços mais complexos, como as policlínicas e hospitais.
Quando necessário, as pessoas serão encaminhadas para eles, sempre referenciadas a partir
dos centros de saúde. Para os casos de urgência e emergência, há um pronto-socorro
próximo.
É bem verdade que o SUS, como não poderia deixar de ser, está em constante
processo de aperfeiçoamento. A promoção da saúde à população estará sofrendo sempre
transformações pois, como as sociedades são dinâmicas, a cada dia surgem novas
tecnologias que devem ser utilizadas para a melhoria dos serviços e das ações de saúde.
Além disso, temos também como condição essencial para um melhor funcionamento do
SUS a participação e mobilização social em seus trabalhos. Podemos dizer que a sua
participação é a alma do SUS.
Texto produzido pela Área Técnica da Promoção da Saúde - Ministério da Saúde
O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

O Sistema Único de Saúde é uma nova formulação política e organizacional para o


redirecionamento dos serviços e ações da saúde. É assim definido por seguir a mesma
doutrina e os mesmos princípios organizativos em todo o território nacional, sob a
responsabilidade das três esferas do governo: federal, estadual e municipal. Não se trata de
um serviço ou uma instituição, mas um sistema que significa um conjunto de unidade, de
serviços e ações que interagem para um fim comum. Esses elementos integrantes do
sistema referem-se, ao mesmo tempo, às atividades de promoção, proteção e recuperação
da saúde.
Baseado nos preceitos constitucionais, a construção do SUS se norteia pelos seguintes
princípios doutrinários:
• Universalidade: é a garantia de atenção à saúde, por parte do sistema, a todo e qualquer
cidadão. Com a universalidade, o indivíduo passa a ter direito ao acesso a todos os serviços
de saúde, inclusive àqueles contratados pelo poder público. Saúde é direito de todos e
dever do governo, seja ele municipal, estadual ou federal.
• Equidade: é assegurar ações e serviços de todos os níveis de acordo com a complexidade
que cada caso requeira, more o cidadão onde morar. Todo cidadão é igual perante o SUS e
será atendido conforme suas necessidades até o limite do que o sistema pode oferecer.
• Integralidade: é o reconhecimento na prática dos serviços que:
∗ cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade;
∗ as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde formam também um todo
indivisível e não podem ser compartimentalizadas;
∗ as unidades prestadoras de serviço, com seus diversos graus de complexidade, formam
também um todo indivisível configurando um sistema capaz de prestar assistência integral;
∗ o homem é um ser integral, bio-psico-social, e deverá ser atendido com esta visão
integral por um sistema de saúde também integral, voltado a promover, proteger e
recuperar sua saúde.
Os princípios que regem sua organização são:
• Regionalização e hierarquização: os serviços devem ser organizados em níveis de
tecnologia crescente, dispostos numa área geográfica delimitada e com definição da
população a ser atendida Isto implica na capacidade dos serviços em oferecer a uma
determinada população todas as modalidades de assistência, bem como o acesso a todo tipo
de tecnologia disponível, possibilitando um ótimo grau de resolubilidade. O acesso da
população á rede deve se dar através dos serviços de nível primário de atenção, que devem
estar qualificados para atender e resolver os principais problemas que demandam os
serviços de saúde. Os demais deverão ser referenciados para os serviços de maior
complexidade tecnológica.
• Resolubilidade: é a exigência de que, quando um indivíduo busque atendimento ou
quando surge um problema de impacto coletivo sobre a saúde, o serviço correspondente
esteja capacitado para enfrentá-lo e resolvê-lo até o nível de sua competência.
• Descentralização: é entendida como uma redistribuição das responsabilidades quanto ás
ações e serviços de saúde entre os vários níveis de governo, a partir da idéia de que quanto
mais perto do fato a decisão for tomada, mais chance haverá de acerto. Deverá haver uma
profunda redefinição das atribuições dos vários níveis de governo com um nítido reforço
do poder municipal sobre a saúde - o que é denominado municipalização da saúde.
• Participação popular: é a garantia de que a população, através de suas entidades
representativas, participará do processo de formulação das políticas de saúde e do controle
da sua execução, em todos os níveis, desde o federal até o local. Essa participação deve se
dar nos Conselhos de Saúde, com representação paritária de usuários, governo,
profissionais de saúde e prestadores de serviço. Outra forma de participação são as
conferências de saúde, periódicas, para definir prioridades e linhas de ação sobre a saúde.
• Complementariedade do setor privado: a constituição definiu que quando o setor público
não for suficiente para prestar os serviços necessários devem ser contratados serviços
privados, desde que sejam seguidas as regras do direito público e as diretrizes do SUS e
sejam priorizadas as entidades não-lucrativas ou filantrópicas.
Gestores são as entidades encarregadas de fazer com que o SUS seja implantado e
funcione adequadamente dentro das diretrizes doutrinárias, da lógica organizacional e seja
operacionalizado dentro dos princípios anteriormente citados. Haverá gestores nas três
esferas de governo, sendo a nível federal o Ministério da Saúde, a nível estadual a
Secretaria Municipal de Saúde e a nível municipal a Secretaria Municipal da Saúde.
O financiamento do SUS vem de recursos da Seguridade Social (30%), verbas do
tesouro nacional e do orçamento da união que é destinado á saúde (cerca de 3%). Todos
estes recursos juntos constituirão o Fundo Nacional de Saúde que será administrado pelo
Ministério da Saúde e controlado e fiscalizado pelo Conselho Nacional de Saúde. Esses
recursos serão divididos em duas partes: uma será retida para o investimento e custeio das
ações federais e a outra será repassada para as secretarias de saúde estaduais e municipais,
de acordo com critérios definidos em função da população, necessidade de saúde e rede
assistencial. Em cada estado os recursos repassados pelo Ministério da Saúde serão
somados aos alocados pelo próprio governo estadual e desse montante, uma parte ficara
retida para as ações e os serviços estaduais, enquanto outra será repassada aos municípios.
Finalmente, caberá aos próprios municípios destinar a parte adequada de seu próprio
orçamento para as ações e serviços de saúde de sua população e gerir os recursos federais e
estaduais repassados a ele para o custeio das ações e serviços de saúde de âmbito
municipal.
A legislação básica do SUS é:
•Constituição federal de 1988;
• Lei 8080/setembro de 1990;
• Lei 8142/ dezembro de 1990;
• Normas Operacionais Básicas ( NOBS ) 01/91, 01/93, 01/96;
• Norma Operacional de Assistência – NOAS-SUS 01/2000.
Autor desconhecido
HÁ PEDRAS NO MEIO DO CAMINHO DO SUS!

Fui convidado para organizar um número temático sobre o Sistema Único de


Saúde. Senti-me agradecido e honrado. A eleição do assunto é oportuna, pois, de fato,
precisamos repensar o SUS também sob uma ótica objetiva, sistemática e científica. Que
nossos desejos e utopias não sirvam como venda a ocultar o óbvio: há pedras no meio do
caminho!
Por isso, é importante este número temático que tem objetivo de atualizar e difundir
diferentes interpretações sobre o SUS. Ele focaliza o SUS na prática, suas realizações e
limites e busca contextualizar seus problemas no marco histórico das políticas sociais
brasileiras.
Vivemos em uma época em que há imensos obstáculos estruturais (pedras) à
construção do bem-estar social. Talvez essa seja a marca que irá caracterizar no futuro esse
nosso tempo: a incapacidade, apesar da produção exponencial de riqueza, de assegurar
bem-estar às pessoas. As políticas públicas estão em crise, são consideradas fora de moda.
Construiu-se um discurso bastante difundido, repetido como um cantochão sinistro, sobre a
quase auto-suficiência do mercado. E essa é uma pedra no caminho do SUS.
O SUS é um sistema público, descentralizado e com gestão participativa, mas é
integrado por uma rede intricada de serviços e de servidores públicos, ainda que bastante
penetrada por componentes da sociedade civil: conselheiros, prestadores, organizações não
governamentais, opinião pública, etc. Boa parte das sugestões sobre como organizar e gerir
esse sistema parte do discurso único - em decorrência, é pobre e reduzido de construir
"agenda", "regulação" e "avaliação", na suposição de que com esses conceitos estaria dada
a boa "governança". Infelizmente, esses termos tecnocráticos não dão conta da gestão de
um sistema público, não privatizado, ainda que com interações importantes com entidades
privadas. Faltam-nos elementos para a tarefa concreta de planejar e gerir diretamente uma
rede complexa, falta-nos política de pessoal, falta-nos incorporar avaliação à gestão e falta-
nos subordinar a avaliação aos objetivos e metas do sistema.
Falta um mundo de coisas! Falta pensar outra estrutura administrativa para o SUS:
continuar a reforma política para dentro do Sistema, criar uma nova legislação sobre suas
organizações e sobre o modo como poderiam se relacionar. Há o obstáculo do
financiamento, há projetos pelo meio do caminho, mas, sobretudo, há, creio, uma falha
entre nós, atores sociais, usuários, governantes e sujeitos ou vítimas desse processo: no
fundo, no duro da batata, não pensamos e agimos como se o SUS fosse nosso espaço vital
encarregado de co-produzir saúde. A classe média e as empresas fogem pela saúde
suplementar; os governantes, para programas focais; a mídia, raramente nomeia o SUS:
fala em fila, hospitais, entretanto ignora o sistema, sequer menciona o controle social e a
gestão participativa; os pesquisadores são segmentados e empurrados para temas da moda:
governança, avaliação, integralidade, promoção, humanização. Raramente logramos
realizar alguma "meta-análise" que articule alhos com bugalhos.
Mesmo assim, há esse número da revista Ciência & Saúde Coletiva, houve o XII
Congresso de Saúde Coletiva e está havendo a "refundação" do CEBES. Pedras e
obstáculos no meio do caminho são para serem contornados ou destruídos, desde que se
almeje seguir pela trilha da não-violência, da solidariedade, da defesa da vida e do planeta.
Gastão Wagner de Sousa Campos
Editor convidado
Ciênc. saúde coletiva vol.12 no.2 Rio de Janeiro Mar./Apr. 2007
SAÚDE PÚBLICA, REDE BÁSICA E O SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

Resumo
Este artigo focaliza o desenvolvimento da saúde pública no Brasil com o intuito de
analisar os problemas com os quais se depara o processo atual de municipalização dos
serviços de saúde. Argumenta-se que a postura neoliberal ou conservadora tornou-se
incapaz de articular uma proposta viável para o sistema de saúde. Por outro lado, a
proposta reformista concentra sua atenção no sistema de saúde e sua administração, tendo
como modelo a postura positivista das ciências naturais e administrativas. Argumenta-se
que apenas uma mudança radical no paradigma da medicina, na qual a dimensão coletiva e
social predomina sobre a dimensão biológica e individual, permitiria conciliá-la com as
necessidades de saúde da população.
Palavras-chave: Saúde Pública; Sistemas de Saúde
Introdução
Este artigo tem como objetivo principal focalizar o desenvolvimento da saúde
pública e do sistema de saúde no Brasil, buscando contribuir para a compreensão dos
principais problemas que marcam o momento atual. Será argumentado que o processo de
municipalização dos serviços de saúde, em grande medida estimulado por princípios
contidos no paradigma (o termo "paradigma" é empregado de acordo com o conceito de
Kuhn (1975), ou seja, como um mapa que governa a percepção do cientista no sentido de
conformar a ele os fatos e as descobertas) social da medicina, encontra-se, presentemente,
num estágio crucial do seu desenvolvimento. Observa-se, neste sentido, que, sob uma nova
fachada de racionalidade administrativa, o paradigma mecanicista se impõe sobre o
paradigma social da medicina. Este artigo defende o ponto de que é necessário ir além de
uma mera reforma administrativa e, no interior de uma concepção social de medicina,
encontrar tecnologias (o termo "tecnologia" é empregado no sentido usado por Gonçalves
(1986), ou seja, como um instrumental contido principalmente na formação do especialista,
e não somente como um aparelho externo a ele) que, ao organizar o sistema de saúde, a
tornem prática.
Embora os fatos históricos apresentados na primeira parte deste artigo sejam de
conhecimento comum e já tenham sido divulgados (Merhy, 1991), sua apresentação
justifica-se por fornecer uma visão resumida do processo e permitir focalizar o momento
atual a partir de uma dimensão histórica.
O Desenvolvimento da Saúde Pública
A história da Saúde Pública brasileira inicia-se no começo do século com Emílio
Ribas, em São Paulo, e Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. No interior da escola
pasteuriana, estes cientistas tinham como meta superar a teoria miasmática a partir da
introdução da teoria bacteriológica, considerada mais adequada para organizar a
intervenção no campo da saúde. Nesta perspectiva, tanto a saúde como a doença passaram
a ser vistas como um processo coletivo, resultado da agressão externa que o corpo
biológico (fisiologicamente harmônico) sofria de um meio social/natural insalubre. A
descoberta e o isolamento dos indivíduos doentes contagiantes, o saneamento do meio, a
destruição dos vetores biológicos e a proteção dos sadios consistiam nos principais
objetivos desta perspectiva. Para instrumentalizar as ações de saúde, adotava-se a
bacteriologia e a engenharia sanitária. Secundariamente, utilizava-se a medicina, entendida
como muito limitada e pouco eficaz.
O modelo assistencial público tinha na campanha e na polícia sanitária seus meios
principais de efetivação. Para pôr em prática esta política, foram organizadas leis, códigos
e decretos. Além disso, foram também organizados institutos de pesquisa, laboratórios e
serviços sanitários como braços auxiliares. Os principais aspectos administrativos e
programáticos situavam-se no âmbito estadual, com alguns resíduos no nível municipal.
Via de regra, os pensadores da política de saúde eram funcionários públicos e, como tal,
compartilhavam das perspectivas que os grupos oligárquicos adotavam para as questões
sociais, tendo em vista servir ao processo agroexportador e legitimar o Estado.
A partir da teoria bacteriológica, novas idéias foram se organizando e
desembocaram, na década de 10, na formação de um movimento em saúde pública que
ficou conhecido como "médico-sanitário". Esta perspectiva foi influenciada pela escola
norte-americana de saúde pública, que tinha em Baltimore seu núcleo mais ativo, através
da associação entre a Fundação Rockefeller e a John Hopkins University.
Nesta época, já se buscava no Brasil uma ação social que saneasse a zona rural, a
fim de constituir um povo saudável, racialmente forte, permitindo, ao mesmo tempo, a
ocupação do interior do país, considerada vital para a integração nacional. A chamada Liga
do Saneamento caracterizou-se, neste sentido, por criticar os excessivos urbanismo e
regionalismo da política de saúde então vigente. Este movimento tinha em Belisário Pena e
Artur Neiva os seus mais significativos representantes.
No decorrer da década de 20, a corrente médico-sanitária tornou-se hegemônica,
organizando-se principalmente nos grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro, São
Paulo, Belo Horizonte, Recife, entre outros. Dois núcleos foram especialmente ativos: o
paulista, influenciado por Paula Souza e Borges Vieira (médicos sanitaristas formados pela
John Hopkins University, com bolsas da Fundação Rockfeller), e o dos "jovens turcos",
sanitaristas vinculados ao Departamento Nacional de Saúde Pública, no Rio de Janeiro, que
defendiam a especialidade na carreira médica na área de saúde pública e o trabalho integral
nas instituições estatais. Estes núcleos chegaram a organizar cinco congressos durante a
década de 20 (os Congressos Brasileiros de Higiene) e tiveram tal influência no
desenvolvimento da política de saúde no Brasil que sua presença se fez marcante até a
reforma administrativa da década de 60/70, no interior da Secretaria de Saúde do Estado de
São Paulo.
A base deste modelo pressupunha o processo saúde-doença como um fenômeno
coletivo, porém determinado, em última instância, pelo nível individual. O conceito de
"consciência sanitária" permitia compreender como o meio insalubre atingia os indivíduos.
Medicina e saúde pública eram entendidas como campos distintos; a primeira para curar
através da clínica, patologia e terapêutica, e a segunda para prevenir doenças, prolongar e
promover a saúde através da higiene e da educação sanitária. O setor privado, entendido
sob o ângulo "caritativo", deveria ser controlado pelo serviço público. Não havia qualquer
conflito com a organização liberal, predominante no período. O modelo tecno-assistencial
desta proposta centrou-se na construção de serviços regionais permanentes de saúde
pública (os centros e postos de saúde) comandados por especialistas — os sanitaristas —
em tempo integral.
Durante a fase de transição 30/37, a saúde pública praticamente reduziu-se à
atuação campanhista pelo conjunto do país. Sob a influência da Liga de Saneamento,
foram favorecidas as ações verticais permanentes. Este foi um período que viabilizou a
construção dos serviços médicos previdenciários, abrindo um outro setor socialmente
significativo no conjunto das ações de saúde.
Os "jovens turcos" foram marcando passagem pelas instituições na luta por uma
reforma que levasse à criação de um ministério da saúde e de secretarias estaduais de
saúde, experiência, aliás, já vivida pelo estado da Bahia em 1925. Assim ocorreu com a
Reforma Federal de 1937, que permitiu a criação dos departamentos nacionais de combate
a problemas específicos, como a malária, a febre amarela e a saúde das crianças. Quando,
na década de 40, tiveram a oportunidade (diante dos problemas colocados pela situação da
Segunda Guerra Mundial e as relações do governo brasileiro com o norte-americano) de
organizar um serviço que permitisse a ocupação de regiões importantes para a produção de
borracha e minérios, implementaram a Fundação Servico de Saúde Pública (Sesp). O
ideário original desta corrente foi mantido mesmo com a incorporação de novos recursos
médicos, como, por exemplo, o antibiótico, que foi "retraduzido" sob a mesma ótica
"tecnológica". A esta experiência seguiu-se a criação, em 1953, do Ministério da Saúde e,
em 1956, do Departamento de Endemias Rurais, que herdou um conjunto de projetos
realizados nos departamentos verticalizados específicos, como o da malária, existente
desde 1939.
No estado de São Paulo, a exemplo do que ocorria em outros estados, a Fundação
Sesp tentou influenciar a constituição da Secretaria Estadual de Saúde, em 1948. Neste
processo, os vários grupos articulados a esta proposta saíram frustrados, pois consideraram
que seus objetivos foram desvirtuados pela presença de interesses políticos menores que se
sobrepuseram aos técnicos. No entanto, com a reforma da organização dos serviços de
saúde no estado, em 1968, consideraram atingidos seus objetivos.
No pós-guerra, sem alterar as estratégias básicas da corrente "médico-sanitária",
novos elementos foram sendo incorporados, como, por exemplo, o uso da medicina clínica
pela saúde pública, que encontrava suporte teórico na concepção de Leavell & Clarck
(1967), que preconizavam a união do conjunto das ações de saúde num esforço comum de
prevenção e cura. Com isso, o modelo passou a introduzir a clínica nos programas de
saúde, dentro de uma perspectiva multicausal do processo saúde-doença. Esta concepção
permitiu que as ações de saúde se tornassem parte de uma atividade globalmente planejada.
Desde o final dos anos 40 já era evidente uma inversão dos gastos públicos, favorecendo a
assistência médica em relação à saúde pública. Nos anos 60, a dicotomia assistência
médica-saúde pública radicaliza-se no interior de um modelo institucional que mostrava
ações pontuais e desordenadas, incapazes de conter a miséria e as péssimas condições de
saúde da população brasileira.
Tomando como ponto de reflexão a falência das perspectivas "campanhistas" e
"norte-americanas", Mario Magalhães introduziu, numa perspectiva desenvolvimentista, a
integração e o planejamento das ações de saúde. Como presidente da Sociedade Brasileira
de Higiene, em 1962, e como secretário-geral da III Conferência Nacional de Saúde (cujo
tema era a municipalização dos serviços de saúde), em 1963, ele capitaneou um esforço no
sentido de reinterpretar a organização dos serviços de saúde no interior do conjunto dos
problemas brasileiros.
A idéia mais intensamente propagada neste período é que a doença e a miséria só
seriam controladas com o desenvolvimento econômico. No campo da saúde propriamente
dito, propunha-se um padrão tecnológico mais racional, de menor custo, integrado em seus
vários campos de atuação e sem a influência das leis de mercado. Esta perspectiva rompia
com a dicotomia entre assistência médica e saúde pública, subordinando aquela à lógica
desta. Previa-se, para isso, a implantação de serviços permanentes (contendo ações
médicas e sanitárias), municipalizados e controlados pelo Estado segundo uma hierarquia
de complexidade tecnológica. A ação federal deveria ocorrer no sentido de normatizar as
ações, racionalizar as atividades e ajudar os municípios que ainda não tivessem condições
de organizar seus próprios serviços.
Pela primeira vez discutiu-se, no país, um modelo tecno-assistencial baseado na
integração das ações coletivas e individuais de saúde, cujo ponto de apoio seria constituído
a partir de serviços básicos de saúde permanentes, elaborados de acordo com um
planejamento governamental. Pela primeira vez, também, levantou-se a questão da
organização dos serviços médicos privados.
A derrota destas propostas, em 1964, abriu um outro capítulo que vingou na
estruturação de um modelo centrado na assistência médica comercializada, que passava
pelo setor previdenciário, sendo a saúde pública reduzida a um braço auxiliar. Na
realidade, promoveu-se uma completa separação entre o campo da assistência médica e o
da saúde pública, com maciços investimentos no primeiro e o sucateamento do segundo.
Neste novo contexto, foi implementado um projeto privatizante e medicalizante. Somente
em algumas regiões renasceram experiências no campo da saúde pública que merecem
alguma atenção, como o "campanhismo", a nível federal, e as ações médico-sanitárias, em
alguns estados, principalmente o de São Paulo, com o Secretário Walter Leser, em 1968 e
1974.
Este modelo pós-64, sobejamente analisado no que se refere às questões da
assistência médica previdenciária, foi exposto a um conjunto severo de críticas que
permitiram um repensar de todo o sistema. O movimento sanitário, constituindo um campo
de saber, criando espaços para uma política alternativa e um trabalho de difusão
ideológica, teve um importante papel neste sentido. A criação dos departamentos de
medicina preventiva e do Centro de Estudos Brasileiros de Saúde foi o principal agente de
difusão desta nova consciência. Pretendia-se uma reforma sanitária que, adequada aos
limites financeiros impostos pela crise econômica, efetivamente pudesse oferecer melhores
condições de saúde à maioria da população.
Em 1974, a reorganização da estrutura institucional do Ministério da Previdência e
Assistência Social não se fez acompanhar de medidas que alterassem o modelo privado
prestador de serviços e que tocassem no chamado complexo médico-industrial. Pelo
contrário, a busca de extensão com baixo custo, através do projeto da Pronta Ação,
ampliou a base financeira disponível para o setor privado. No entanto, a instituição do
Sistema Nacional de Saúde, em 1975, abriu efetivamente um novo espaço de atuação a
partir da assistência médica individual e de medidas de alcance coletivo voltadas às
populações de baixa renda.
A partir de 1977, quando se estendeu o atendimento de urgência a qualquer
indivíduo, previdenciário ou não, os chamados "estouros" orçamentários no sistema
previdenciário passaram a ocorrer com maior freqüência, acentuando a urgência de se
imprimir uma maior racionalidade ao sistema de saúde. Os planos de governo Programa
Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-Saúde) e Conselho Consultivo de
Administração da Saúde Previdenciária (Conasp) vieram como tentativas de imprimir uma
maior racionalidade ao sistema de saúde. Este último, em particular, propunha a
descentralização do sistema de assistência médica através da criação de uma única "porta
de entrada", integrando, numa rede básica de serviços públicos de saúde, a capacidade
instalada já existente no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(Inamps), nos estados e nos municípios, entrando a rede privada apenas onde não
existissem unidades estatais.
A municipalização dos serviços de saúde passou a ser entendida como o único meio
que permitiria, ao mesmo tempo, maior racionalização administrativa, controle financeiro e
participação democrática da comunidade no gerenciamento do sistema, em oposição à
excessiva centralização do modelo anterior. Esperava-se, também, que este novo sistema
estimulasse o desenvolvimento de uma medicina mais holística, gravitasse em torno dos
verdadeiros problemas de saúde da comunidade e provesse uma melhor organização do
sistema, tornando menos oneroso o serviço de saúde. Este processo permitiu experimentar
modelos tecnológicos e assistenciais alternativos, baseados na medicina comunitária, que,
embora marcados pelo baixo custo, mostraram algum sucesso no interior das instituições
públicas (Somarriba, 1978).
O aprofundamento da crise econômico-financeira da Previdência Social acelerou a
reforma no setor saúde, principalmente a partir das Ações Integradas de Saúde (AIS), em
1982. As AIS efetivamente produziram um deslocamento relativo de recursos financeiros
da Previdência para o setor público prestador de serviços de saúde e promoveram uma
integração das ações setoriais. Este processo acentuou-se com a estruturação do Sistema
Unificado Descentralizado de Saúde (Suds) e com a formação do Sistema Único de Saúde
(Sus). Com a implementação do primeiro, ocorreu um deslocamento das responsabilidades
de gestão dos serviços de saúde para o nível estadual, permitindo uma efetiva
descentralização administrativa. Com a implementação do segundo, através da nova
Constituição Federal, ocorreu a descentralização, a nível municipal, da gestão dos serviços
públicos de saúde.
As Posições Político-Ideológicas e a Rede Básica
A partir dos anos 70, duas posições político-ideológicas organizaram-se em torno
da disputa por um novo modelo de política social de saúde: a conservadora e a
reformadora.
A posição conservadora pouco tinha a dizer sobre a organização assistencial ou
tecnológica da rede básica, uma vez que defendia uma lógica de mercado para a
organização dos serviços de saúde cujo eixo tecnológico principal era a assistência médica
baseada no produtor privado. Neste modelo, a intervenção estatal só se justificaria para
cuidar ou dos que ficavam fora do sistema, por não terem "capacidade social" de se
integrarem ao mercado, ou das questões que não interessavam nem ao produtor privado
nem ao seu modelo tecno-assistencial. Assim, o Estado atuaria de modo "caritativo", dando
assistência social aos mais necessitados e/ou excluídos, ou interviria em questões coletivas
com os tradicionais instrumentos da saúde pública, como a campanha e a educação
sanitária em massa.
Nesta vertente, o campo tecnológico fundamental manifesta-se na área médica
através da incorporação dos mesmos padrões que se adaptam às medicinas dos países
"mais centrais", nos quais vingaram os modelos baseados na especialização médica e na
intensa absorção de insumos e equipamentos para a realização do "ato médico" ordenado
pela lógica comercial capitalista (Donnangelo, 1976). Para as ações coletivas, sobram as
tecnologias tradicionais, retiradas fragmentariamente da bacteriologia, como a campanha, e
da perspectiva médico-social que preconiza a necessidade de educação sanitária em alguns
postos de serviços de saúde.
Pode-se apontar como interessados neste modelo tanto os grupos médicos que
defendem a organização empresarial e/ou liberal quanto alguns funcionários das
instituições públicas de serviços de saúde. Dentre estes últimos, são ressaltados os
ministros e suas equipes técnicas dos três primeiros governos militares, dentre os quais
destaca-se Leonel Miranda, que, em 1968, elaborou um plano nacional de saúde centrado
na privatização total da assistência à saúde (Melo, 1977).
Já a posição reformadora preconiza a constituição de uma rede básica de serviços
públicos de saúde descentralizada e universalizada, ou seja, que atenda à população coberta
ou não pela previdência social. Internacionalmente legitimada pela Conferência de Alma-
Ata, promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), postula-se o combate à
dicotomia das ações de saúde, técnica e institucionalmente, através formação de serviços
de saúde regionalizados e hierarquizados de acordo com sua complexidade tecnológica e
da unificação das ações a nível ministerial.
Torna-se estratégica, nesta concepção, uma rede básica de saúde que funcione
como porta de entrada de um sistema mais amplo e que obedeça à hierarquia tecnológica
da assistência à saúde, classificada em primária, secundária e terciária. Neste esquema, os
insumos e equipamentos correspondem a padrões quantificáveis de abrangência e
resolutividade dos problemas de saúde. As instituições que detivessem maior grau de
complexidade tecnológica passariam, então, a constituir as retaguardas que completam a
resolução dos problemas de saúde. Esta estratégia visa a organização de uma rede de
atenção primária pelos estados e municípios como um primeiro passo para o controle do
sistema de saúde como um todo.
Nesta perspectiva, os problemas de saúde seriam passíveis de um enquadramento
segundo o paradigma biologicista e naturalista, no qual a doença começaria gradativamente
e iria se tornando complexa, até constituir um quadro biológico dramático, em termos de
vida e morte orgânica. Ações médicas, específicas e inespecíficas, interviriam antes do
quadro patológico se desenvolver ou, gradualmente, a partir de seu desenvolvimento. Isto
é, a intervenção ocorreria do momento mais simples, em termos clínico-terapêuticos, para
o mais complexo, quando, então, haveria a incorporação de uma grande quantidade de
insumos e equipamentos.
Ainda que haja uma perspectiva epidemiológica e um sentido coletivo a partir de
ações educativas e de higiene nesta postura, ela encontra-se mais próxima de um enfoque
clínico do que de um enfoque populacional. Centrada na ótica médica e na teoria dos
sistemas que se tomam como ciências exatas, esta perspectiva pressupõe que o
planejamento das ações baseado na relação custo/eficácia seria não só possível, mas
fundamental.
Desde a Reforma de 1968, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo já tinha
adotado uma postura que trouxe avanços significativos às questões de planejamento das
ações e dos serviços de saúde, além da incorporação da assistência médica como
instrumental de saúde pública. Ela trouxe para o interior dos programas a serem executados
pelos centros e postos de saúde os parâmetros da epidemiologia (da multi-causalidade das
doenças) e do planejamento das ações, tornando estratégico o equacionamento da relação
entre eficiência e eficácia das ações técnicas programadas, tendo em vista os recursos
disponíveis e as necessidades "epidemiologicamente" detectadas.
A implantação deste modelo, no entanto, chocou-se com a contradição entre a
extensão de cobertura que ele implicava e o padrão de gasto maior do que historicamente
vinha ocorrendo (Braga & Paula, 1981). Isto fez com que a proposta não se reproduzisse
igualmente pelo território nacional e só vingasse, ainda que em termos relativos, em
estados e regiões mais ricos, que puderam equacionar melhor este obstáculo.
Discussão
O desenrolar dos acontecimentos na área da saúde, a partir da década de 70, mostra
profundas reformas que, mais do que nunca, merecem ser dimensionalizadas e criticadas
em função de um melhor controle democrático de seu processo. O desenvolvimento da
Reforma Sanitária significou uma derrota definitiva da proposta conservadora baseada no
predomínio da medicina privada. Mesmo os países ricos e desenvolvidos tiveram que rever
em profundidade esta perspectiva, a partir da constatação de que ela é extremamente
onerosa para o Estado e produz poucos resultados em termos de saúde. Assumindo,
portanto, que não há possibilidade de retorno nesta questão, pretende-se concentrar a
atenção na posição reformadora discutida acima e levantar alqumas questões sobre o seu
modelo tecnológico.
Ao se observar concretamente a rede básica de serviços de saúde presente no
contexto atual da maioria dos municípios mais desenvolvidos, em termos sócio-
econômicos, do país, os principais pontos que se destacam referem-se, de um lado, ao
sucesso significativo no que diz respeito à implantação de uma rede de serviços
municipalizada e universalizada e, de outro, à extrema dificuldade de se libertar do
predomínio da clínica individual, baseada no paradigma biológico, em favor da lógica da
saúde pública. Embora o discurso da Reforma Sanitária incorporasse uma perspectiva mais
holística da saúde e da medicina, na qual a dimensão clínica deveria se submeter ao
controle de critérios coletivos e sociais no âmbito da saúde, os fatos acabaram por
confirmar a dificuldade de se implementar tal proposta.
O que se observa, neste sentido, é uma redução do problema saúde-doença a uma
questão de organização racional (custo/eficácia) das ações médicas, auxiliadas pelas ações
coletivas, na qual a rede básica de serviços de saúde se transforma numa verdadeira
triagem dos problemas de saúde, a partir do eixo "queixa/procedimento", descaracterizando
a dimensão coletiva do processo saúde-doença e realizando, em nome da unificação das
ações de saúde, uma "deslavada" medicalização (Gonçalves, 1986).
A Reforma Sanitária posta em prática pode até gerar, em alguns casos, uma rede
que não caia na medicina aviltada própria do pronto atendimento e que realize uma
assistência médica primária com um razoável grau de resolutividade. Mesmo assim,
porém, o eixo central desta rede/porta de entrada é baseado não na unificação efetiva das
ações, mas na redução medicalizante do conjunto destas ações.
Diante deste quadro, o grande desafio da medicina passou a ser a superação da
forma degradante do pronto atendimento, através da reconciliação entre uma clínica que
dimensione o caráter individual e subjetivo da doença e o saber contido na epidemiologia e
na medicina social e coletiva. Neste novo modelo, as ações de saúde, embora incorporem a
assistência médica, não podem mais estar centradas na medicina. Todo um leque de
questões envolvendo o meio ambiente, a vigilância sanitária e epidemiológica e uma
perspectiva holística do ser humano e da saúde deve estar acoplado organicamente na
concepção de sistema de saúde.
O esforço para a integração entre clínica e saúde pública num mesmo programa de
saúde envolvendo ações individuais e coletivas de prevenção e de cura concorre para
melhorar a prática clínica e legitimar o programa de saúde pública. Neste esquema, o
ensinamento ao doente sobre sua doença é considerado um ato terapêutico tão importante
quanto administrar medicamentos. A integração da medicina coletiva com a clínica produz,
inevitavelmente, a necessidade de interação de uma equipe multi-disciplinar de trabalho
envolvendo vários profissionais. O trabalho em equipe contribuiria para uma melhor
percepção da demanda e sua relação com os programas de saúde, adaptando o sistema
médico a novos problemas decorrentes do modo de vida.
Um outro ponto importante, amplamente expresso na VIII Conferência Nacional de
Saúde, diz respeito à dimensão que deverá assumir a rede básica de serviços de saúde a
partir do nível de complexidade tecnológica que poderá absorver. É questionável, neste
sentido, a noção de que ela seria apenas a "porta de entrada" de um sistema de saúde, caso
haja a pretensão de transformá-la em um lugar essencial para que se realize a integralidade
das ações individuais e coletivas, numa abrangência que pressupõe o conjunto das práticas
sociais que determinam a qualidade de vida.
É evidente que a tecnologia adequada para a implementação de tal proposta teria,
em vários aspectos, que ser "inventada", não bastando incorporar o que já se acumulou em
outras experiências, em particular as que agregaram simplesmente a assistência médica à
saúde pública no mesmo lugar institucional.
Um fator, no entanto, é fundamental para se começar a pensar nas novas
tecnologias necessárias para uma rede básica que supere as inconsistências encontradas no
presente modelo: o predomínio dos aspectos coletivos e sociais da medicina em relação à
clínica individual e seu paradigma centrado na biologia e no hospital, numa nova
concepção de saúde e doença. É evidente que uma rede básica com este perfil teria que
incorporar alta tecnologia, enquanto saber que engendra instrumentos e formas
organizacionais, para que atingisse uma capacidade efetiva de descoberta e solução dos
casos individuais/coletivos. Além disso, esta rede teria que ser planejada e organizada
levando-se em conta um eficiente e eficaz sistema de retaguarda, sem o qual a base/origem
não funcionaria a contento.
Uma nova base tecnológica para a implementação desta proposta exigiria uma
mudança radical no paradigma dominante da medicina e da saúde, baseado nos princípios
positivistas, envolvendo os aspectos clínicos e epidemiológicos que tradicionalmente são
vistos como neutros e capazes de realizar um equacionamento dos problemas de saúde a
níveis individual e coletivo. Neste novo modelo de medicina e saúde, um pressuposto
fundamental se destaca, qual seja, a consideração de que a dimensão social configura e dá
sentido à dimensão biológica. Trata-se de um paradigma científico cujos contornos exigem
uma dimensão tecnológica que seja desenvolvida a partir de um novo enfoque nas causas
(sociais) das doenças e nas condições (sócio-ambientais) que promovem a saúde (Queiroz,
1987).
Se assumirmos que dimensões culturais e ideológicas encontram-se inevitavelmente
presentes no ato médico, mesmo quando ele se pretende positivo e neutro, uma questão
importante é considerá-lo como uma forma política de realizar certos objetivos sociais,
numa postura epistemológica radicalmente diferente da que caracteriza o positivismo.
No interior deste modelo, o grande problema é a radicalidade democrática e a grande
politização dos grupos sociais, uma vez que ele exige predominância dos interesses
coletivos sobre os privados. Esta perspectiva pressupõe um processo social bem mais
extensivo, de transformação, ampliação e composição da arena política, do que os limites
dados apenas pelo setor saúde. Além disso, como muito bem demonstra Sader (1988), os
agentes sociais que podem viabilizar este modelo extrapolam o nível exclusivo dos
profissionais e técnicos de saúde.
Emerson E. Merhy; Marcos S. Queiroz
Cad. Saúde Pública v.9 n.2 Rio de Janeiro abril/jun. 1993
POLITICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA

Capítulo I: Da Atenção Básica


1 - Dos Princípios Gerais
A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito
individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de
agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É
desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e
participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem
delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade
existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada
complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior
freqüência e relevância em seu território. É o contato preferencial dos usuários com os
sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da
coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização,
da humanização, da equidade e da participação social.
A Atenção Básica considera o sujeito em sua singularidade, na complexidade, na
integralidade e na inserção sócio-cultural e busca a promoção de sua saúde, a prevenção e
tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer
suas possibilidades de viver de modo saudável.
A Atenção Básica tem a Saúde da Família como estratégia prioritária para sua
organização de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde. A Atenção Básica
tem como fundamentos:
I - possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade e resolutivos,
caracterizados como a porta de entrada preferencial do sistema de saúde, com território
adscrito de forma a permitir o planejamento e a programação descentralizada, e em
consonância com o princípio da eqüidade;
II - efetivar a integralidade em seus vários aspectos, a saber: integração de ações
programáticas e demanda espontânea; articulação das ações de promoção à saúde,
prevenção de agravos, vigilância à saúde, tratamento e reabilitação, trabalho de forma
interdisciplinar e em equipe, e coordenação do cuidado na rede de serviços;
III - desenvolver relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e a população
adscrita garantindo a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado;
IV - valorizar os profissionais de saúde por meio do estímulo e do acompanhamento
constante de sua formação e capacitação;
V - realizar avaliação e acompanhamento sistemático dos resultados alcançados, como
parte do processo de planejamento e programação; e
VI - estimular a participação popular e o controle social.
Visando à operacionalização da Atenção Básica, definem-se como áreas
estratégicas para atuação em todo o território nacional a eliminação da hanseníase, o
controle da tuberculose, o controle da hipertensão arterial, o controle do diabetes mellitus,
a eliminação da desnutrição infantil, a saúde da criança, a saúde da mulher, a saúde do
idoso, a saúde bucal e a promoção da saúde. Outras áreas serão definidas regionalmente de
acordo com prioridades e pactuações definidas nas CIBs.
Para o processo de pactuação da atenção básica será realizado e firmado o Pacto de
Indicadores da Atenção Básica, tomando como objeto as metas anuais a serem alcançadas
em relação a indicadores de saúde acordados. O processo de pactuação da Atenção Básica
seguirá regulamentação específica do Pacto de Gestão. Os gestores poderão acordar nas
CIBs indicadores estaduais de Atenção Básica a serem acompanhados em seus respectivos
territórios.
3 - Da infra-estrutura e dos recursos necessários
São itens necessários à realização das ações de Atenção Básica nos municípios e no
Distrito Federal:
I - Unidade(s) Básica(s) de Saúde (UBS) com ou sem Saúde da Família inscrita(s) no
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde, de acordo com
as normas sanitárias vigentes;
II – UBS com ou sem Saúde da Família que, de acordo com o desenvolvimento de suas
ações, disponibilizem:
III - equipe multiprofissional composta por médico, enfermeiro, cirurgião dentista, auxiliar
de consultório dentário ou técnico em higiene dental, auxiliar de enfermagem ou técnico de
enfermagem e agente comunitário de saúde, entre outros;
IV - consultório médico, consultório odontológico e consultório de enfermagem para os
profissionais da Atenção Básica;
V - área de recepção, local para arquivos e registros, uma sala de cuidados básicos de
enfermagem, uma sala de vacina e sanitários, por unidade;
VI - equipamentos e materiais adequados ao elenco de ações propostas, de forma a garantir
a resolutividade da Atenção Básica;
VII - garantia dos fluxos de referência e contra-referência aos serviços especializados, de
apoio diagnóstico e terapêutico, ambulatorial e hospitalar; e
VIII - existência e manutenção regular de estoque dos insumos necessários para o
funcionamento das unidades básicas de saúde, incluindo dispensação de medicamentos
pactuados nacionalmente.
Para Unidade Básica de Saúde (UBS) sem Saúde da Família em grandes centros
urbanos, recomenda-se o parâmetro de uma UBS para até 30 mil habitantes, localizada
dentro do território pelo qual tem responsabilidade sanitária, garantindo os princípios da
Atenção Básica.
Para UBS com Saúde da Família em grandes centros urbanos, recomenda-se o
parâmetro de uma UBS para até 12 mil habitantes, localizada dentro do território pelo qual
tem responsabilidade sanitária, garantindo os princípios da Atenção Básica.
5 - Do processo de trabalho das equipes de atenção básica
São características do processo de trabalho das equipes de Atenção Básica:
I - definição do território de atuação das UBS;
II - programação e implementação das atividades, com a priorização de solução dos
problemas de saúde mais freqüentes, considerando a responsabilidade da assistência
resolutiva à demanda espontânea;
III - desenvolvimento de ações educativas que possam interferir no processo de saúde-
doença da população e ampliar o controle social na defesa da qualidade de vida;
IV - desenvolvimento de ações focalizadas sobre os grupos de risco e fatores de risco
comportamentais, alimentares e/ou ambientais, com a finalidade de prevenir o
aparecimento ou a manutenção de doenças e danos evitáveis;
V - assistência básica integral e contínua, organizada à população adscrita, com garantia de
acesso ao apoio diagnóstico e laboratorial;
VI - implementação das diretrizes da Política Nacional de Humanização, incluindo o
acolhimento;
VII - realização de primeiro atendimento às urgências médicas e odontológicas;
VIII - participação das equipes no planejamento e na avaliação das ações;
IX - desenvolvimento de ações intersetoriais, integrando projetos sociais e setores afins,
voltados para a promoção da saúde; e
X - apoio a estratégias de fortalecimento da gestão local e do controle social.
7 - Do processo de educação permanente
A educação permanente dos profissionais da Atenção Básica é de responsabilidade
conjunta das SMS e das SES, nos estados, e da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Os conteúdos mínimos da Educação Permanente devem priorizar as áreas
estratégicas da Atenção Básica, acordadas na CIT, acrescidos das prioridades estaduais,
municipais e do Distrito Federal.
Devem compor o financiamento da Educação Permanente recursos das três esferas
de governo acordados na CIT e nas CIBs.
Os serviços de atenção básica deverão adequar-se à integração ensino-
aprendizagem de acordo com processos acordados na CIT e nas CIBs.
Trechos de: POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA
Série Pactos pela Saúde -Volume 4 - 2006
ATENÇÃO BÁSICA E A SAÚDE DA FAMÍLIA
Ministério da Saúde

Diretriz conceitual
O acúmulo técnico-político dos três níveis de gestão do SUS, na implantação do Programa
de Agentes Comunitários de Saúde e da estratégia de Saúde da Família, elementos
essenciais para a reorientação do modelo de atenção, tem possibilitado a identificação de
um conjunto de questões relativas às bases conceituais e operacionais do que se tem
denominado "Atenção Básica à Saúde" no Brasil, e de suas relações com os demais níveis
do sistema. Esta discussão fundamenta-se nos eixos transversais da universalidade,
integralidade e eqüidade, em um contexto de descentralização e controle social da gestão,
princípios assistenciais e organizativos do SUS, consignados na legislação constitucional e
infraconstitucional.

A expansão e a qualificação da atenção básica, organizadas pela estratégia Saúde da


Família, compõem parte do conjunto de prioridades políticas apresentadas pelo Ministério
da Saúde e aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde. Esta concepção supera a antiga
proposição de caráter exclusivamente centrado na doença, desenvolvendo-se por meio de
práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em
equipes, dirigidas às populações de territórios delimitados, pelos quais assumem
responsabilidade.

Os princípios fundamentais da atenção básica no Brasil são: integralidade, qualidade,


eqüidade e participação social. Mediante a adstrição de clientela, as equipes Saúde da
Família estabelecem vínculo com a população, possibilitando o compromisso e a co-
responsabilidade destes profissionais com os usuários e a comunidade. Seu desafio é o de
ampliar suas fronteiras de atuação visando uma maior resolubilidade da atenção, onde a
Saúde da Família é compreendida como a estratégia principal para mudança deste modelo,
que deverá sempre se integrar a todo o contexto de reorganização do sistema de saúde.

Gestão
O Departamento de Atenção Básica (DAB), estrutura vinculada à Secretaria de Atenção à
Saúde, no Ministério da Saúde, tem a missão institucional de operacionalizar essa política
no âmbito da gestão federal do SUS. A execução dessa política é compartilhada por
estados, Distrito Federal e municípios. Ao DAB cabe, ainda, desenvolver mecanismos de
controle e avaliação, prestar cooperação técnica a estas instâncias de gestão na
implementação e organização da estratégia Saúde da Família e ações de atendimento
básico como o de Saúde Bucal, de Diabetes e Hipertensão, de Alimentação e Nutrição, de
Gestão e Estratégia e de Avaliação e Acompanhamento.

Saúde da Família
A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo
assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em
unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um
número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes
atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e
agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde desta comunidade. A responsabilidade
pelo acompanhamento das famílias coloca para as equipes saúde da família a necessidade
de ultrapassar os limites classicamente definidos para a atenção básica no Brasil,
especialmente no contexto do SUS.

A estratégia de Saúde da Família é um projeto dinamizador do SUS, condicionada pela


evolução histórica e organização do sistema de saúde no Brasil. A velocidade de expansão
da Saúde da Família comprova a adesão de gestores estaduais e municipais aos seus
princípios. Iniciado em 1994, apresentou um crescimento expressivo nos últimos anos. A
consolidação dessa estratégia precisa, entretanto, ser sustentada por um processo que
permita a real substituição da rede básica de serviços tradicionais no âmbito dos
municípios e pela capacidade de produção de resultados positivos nos indicadores de saúde
e de qualidade de vida da população assistida.

A Saúde da Família como estratégia estruturante dos sistemas municipais de saúde tem
provocado um importante movimento com o intuito de reordenar o modelo de atenção no
SUS. Busca maior racionalidade na utilização dos demais níveis assistenciais e tem
produzido resultados positivos nos principais indicadores de saúde das populações
assistidas às equipes saúde da família.

Equipes de Saúde
O trabalho de equipes da Saúde da Família é o elemento-chave para a busca permanente de
comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os integrantes da equipe e
desses com o saber popular do Agente Comunitário de Saúde. As equipes são compostas,
no mínimo, por um médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e 6
agentes comunitários de saúde. Quando ampliada, conta ainda com: um dentista, um
auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental.

Cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de cerca de 3 mil a 4 mil e 500


pessoas ou de mil famílias de uma determinada área, e estas passam a ter co-
responsabilidade no cuidado à saúde. A atuação das equipes ocorre principalmente nas
unidades básicas de saúde, nas residências e na mobilização da comunidade,
caracterizando-se: como porta de entrada de um sistema hierarquizado e regionalizado de
saúde; por ter território definido, com uma população delimitada, sob a sua
responsabilidade; por intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está
exposta; por prestar assistência integral, permanente e de qualidade; por realizar atividades
de educação e promoção da saúde.

E, ainda: por estabelecer vínculos de compromisso e de co-responsabilidade com a


população; por estimular a organização das comunidades para exercer o controle social das
ações e serviços de saúde; por utilizar sistemas de informação para o monitoramento e a
tomada de decisões; por atuar de forma intersetorial, por meio de parcerias estabelecidas
com diferentes segmentos sociais e institucionais, de forma a intervir em situações que
transcendem a especificidade do setor saúde e que têm efeitos determinantes sobre as
condições de vida e saúde dos indivíduos-famílias-comunidade.

Agentes Comunitários de Saúde


O Programa de Agentes Comunitários de Saúde é hoje considerado parte da Saúde da
Família. Nos municípios onde há somente o PACS, este pode ser considerado um
programa de transição para a Saúde da Família. No PACS, as ações dos agentes
comunitários de saúde são acompanhadas e orientadas por um enfermeiro/supervisor
lotado em uma unidade básica de saúde.

Os agentes comunitários de saúde podem ser encontrados em duas situações distintas em


relação à rede do SUS: a) ligados a uma unidade básica de saúde ainda não organizada na
lógica da Saúde da Família;e b) ligados a uma unidade básica de Saúde da Família como
membro da equipe multiprofissional. Atualmente, encontram-se em atividade no país 204
mil ACS, estando presentes tanto em comunidades rurais e periferias urbanas quanto em
municípios altamente urbanizados e industrializados.

Valorização Profissional
O Ministério da Saúde reconhece e valoriza a formação dos trabalhadores como um
componente para o processo de qualificação da força de trabalho no sentido de contribuir
decisivamente para a efetivação da política nacional de saúde. Essa concepção da formação
busca caracterizar a necessidade de elevação da escolaridade e dos perfis de desempenho
profissional para possibilitar o aumento da autonomia intelectual dos trabalhadores,
domínio do conhecimento técnico-científico, capacidade de gerenciar tempo e espaço de
trabalho, de exercitar a criatividade, de interagir com os usuários dos serviços, de ter
consciência da qualidade e das implicações éticas de seu trabalho.

Desafios Institucionais
Como desafios institucionais para expandir e qualificar a atenção básica no contexto
brasileiro destaca-se:
1 - a expansão e estruturação de uma rede unidades básicas de saúde que permitam a
atuação das equipes na proposta da saúde da família;
2 - a contínua revisão dos processos de trabalho das equipes de saúde da família com
reforço as estruturas gerenciais nos municípios e estados;
3 - a elaboração de protocolos assistenciais integrados (promoção, prevenção, recuperação
e reabilitação) dirigidos aos problemas mais freqüentes do estado de saúde da população,
com indicação da continuidade da atenção, sob a lógica da regionalização, flexíveis em
função dos contextos estaduais, municipais e locais;
4 - ações que visem o fortalecimento das estruturas gerenciais nos municípios e estados
com vistas a: programação da atenção básica, supervisão das equipes, supervisão dos
municípios, supervisão regional, uso das informações para a tomada de decisão;
5 - revisão dos processos de formação. educação em saúde com ênfase na educação
permanente das equipes, coordenações e gestores;
6 - a definição de mecanismos de financiamento que contribuam para a redução das
desigualdades regionais e para uma melhor proporcionalidade entre os três níveis de
atenção;
7 - a institucionalização de processos de acompanhamento, monitoramento e avaliação da
atenção básica;
8 - ações articuladas com as instituições formadoras para promover mudanças na
graduação e pós-graduação dos profissionais de saúde, de modo a responder aos desafios
postos pela expansão e qualificação da atenção básica, incluindo aí a articulação com os
demais níveis de atenção.

Desempenho
- Modelo de Atenção à Saúde do Brasil é referência internacional.
- Estratégia Saúde da Família como desenhada no caso Brasileiro é destaque e modelo para
outros países.
- Atenção Básica em Saúde é a pauta política dos gestores públicos.
- A estratégia Saúde da Família está consolidada nos municípios brasileiros.
- Estudos acadêmicos em curso demonstram que a Saúde da Família no período de 1992 a
2002 apresenta indicadores animadores como a redução da mortalidade infantil.
- Pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, em parceria com a Universidade de São
Paulo e Universidade de Nova York, demonstra que a cada 10% de aumento de cobertura o
índice de mortalidade infantil cai em 4,6%.
- Aumento da satisfação dos usuários quanto ao atendimento recebido resultado das
mudanças das práticas das equipes de saúde.

Responsabilidades das Esferas Gestoras em Atenção Básica


Federal
- Elaborar as diretrizes da política nacional de atenção básica;
- Co-financiar o sistema de atenção básica;
- Ordenar a formação de recursos humanos;
- Propor mecanismos para a programação, controle, regulação e avaliação da atenção
básica;
- Manter as bases de dados nacionais.
Estadual
- Acompanhar a implantação e execução das ações de atenção básica em seu território;
- Regular as relações inter-municipais;
- Coordenar a execução das políticas de qualificação de recursos humanos em seu
território;
- Co-financiar as ações de atenção básica;
- Auxiliar na execução das estratégias de avaliação da atenção basica em seu território.
Municipal
- Definir e implantar o modelo de atenção básica em seu território;
- Contratualizar o trabalho em atenção básica;
- Manter a rede de unidades básicas de saúde em funcionamento (gestão e gerência);
- Co-financiar as ações de atenção básica;
- Alimentar os sistemas de informação;
- Avaliar o desempenho das equipes de atenção básica sob sua supervisão.
O SUS PODE SER SEU MELHOR PLANO DE SAÚDE

Apresentação
Todos os brasileiros e brasileiras, desde o nascimento, têm direito aos serviços de
saúde gratuitos. Mas ainda faltam recursos e ações para que o sistema público atenda com
qualidade toda a população.
Você, que utiliza esses serviços, conhece bem as dificuldades e pode se valer desta
cartilha para conhecer seus direitos e exigir que eles sejam cumpridos.
Esta publicação também é de muita utilidade para quem possui um plano de saúde.
Se você fez essa opção, deve ter sido porque o sistema público ainda não funciona como
deveria e porque tem condições econômicas para tanto. Mas, certamente, você não deve
estar satisfeito com a idéia de pagar impostos para não receber nada em troca e, ao mesmo
tempo, pagar mensalidades altas para ter um plano que, ainda por cima, tem limitações,
impõe dificuldades, enfim, deixa muito a desejar.
O Idec sempre atuou na defesa dos usuários de planos de saúde e continuará nessa
batalha. Mas, por não acreditar que os planos sejam a solução, nem para os atuais usuários
muito menos para toda a população, é que decidimos participar da luta pela melhoria dos
serviços públicos. O Idec espera que, um dia, os consumidores deixem de ser reféns dos
planos de saúde e possam fazer valer o dinheiro pago com seus impostos.
Vale ressaltar que, em alguma medida, mesmo quem tem um plano de saúde é
também usuário do SUS, já que se beneficia das campanhas de vacinação; das ações de
prevenção e de vigilância sanitária (como controle de sangue e hemoderivados, registro de
medicamentos etc.); ou de eventual atendimento de alta complexidade, quando este é
negado pelo plano de saúde. Como você pode ver, o SUS não está tão longe quanto parece.
O Idec convida você a conhecer seus direitos, os avanços já conquistados e ajudar a
transformar o SUS no verdadeiro plano de saúde do Brasil.
Marilena Lazzarini
Coordenadora Executiva do Idec

O plano de saúde de todos os brasileiros


Há mais de 15 anos o Brasil vem implantando o Sistema Único de Saúde, o SUS,
criado para ser o sistema de saúde dos 170 milhões de brasileiros, sem nenhum tipo de
discriminação. Está enganado quem pensa que o SUS se resume a consultas, exames e
internações. O sistema hoje faz muito com poucos recursos e também se especializou em
apresentar soluções para casos difíceis, como o atendimento aos doentes de Aids e os
transplantes.
O orçamento do SUS conta com menos de R$ 20,00 reais mensais por pessoa. Isso
é dez vezes menos do que é destinado pelos sistemas de saúde dos países desenvolvidos e
bem abaixo do valor de qualquer mensalidade de um plano de saúde.
Por outro lado, os planos privados de saúde, que atendem 35 milhões de brasileiros,
estão longe de representar a solução para a saúde no Brasil. É ilusão achar que os planos
prestam serviços de qualidade. Além de custarem caro, muitas vezes negam o atendimento
quando o cidadão mais precisa: deixam de fora medicamentos, exames, cirurgias e muitas
vezes dificultam o atendimento dos cidadãos idosos, dos pacientes crônicos, dos portadores
de patologias e deficiências.
Alguns donos de planos de saúde já compararam os doentes e idosos a “carros
batidos”. Como só visam o lucro, eles preferem ter como “clientes” apenas os jovens e os
sadios.
Compare a diferença entre os dois sistemas:
Planos de saúde SUS
Só tem direito quem adere ao plano Todos têm direito, desde o nascimento

Só tem direito quem pode pagar Os serviços são gratuitos

A finalidade é o lucro A finalidade é a promoção e a recuperação


da saúde
Quem paga mais, recebe mais e Não há discriminação. Todos têm direito a
melhores serviços todos os serviços

Idosos pagam mais caro Não há discriminação


Doentes sofrem restrições e precisam pagar Não há discriminação
mais caro para ter atendimento
Há carências de até 2 anos Não existem carências
Só realiza atendimento Dá atendimento integral
médico-hospitalar
Há planos que não cobrem internação e parto Dá atendimento integral
Há planos que não cobrem exames e Dá atendimento integral
procedimentos complexos
Em geral, os planos não cobrem Não há restrições, apesar das deficiências
Doenças profissionais e
acidentes de trabalho
Não têm compromisso com a prevenção de Realiza prevenção de doenças e campanhas
doenças educativas em saúde
Aposentados, ex-funcionários, ex- Pode ser utilizado independentemente de
sindicalizados e ex-associados perdem qualquer situação ou vínculo empregatício
direitos do plano coletivo com o tempo

Você paga duas vezes, e ainda não fica satisfeito


Todos os cidadãos pagam mais de uma vez para ter acesso à saúde, mas, em geral,
nem o usuário do SUS, nem o consumidor de planos de saúde, está satisfeito com o
atendimento que recebe.
Boa parte do dinheiro para financiar o SUS vem de contribuições sociais de patrões
e empregados. Outra parte vem do pagamento de impostos embutidos no preço de produtos
e serviços (Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICMS) e também de impostos
sobre o lucro (o Cofins), sobre os automóveis (o IPVA) e sobre a movimentação financeira
(a CPMF).
Os planos de saúde não são financiados apenas pelas mensalidades dos usuários ou
pelas empresas que pagam o benefício para seus funcionários. Indiretamente, eles recebem
recursos públicos, como, por exemplo, por meio dos planos de saúde contratados para
funcionários públicos. Além disso, os planos de saúde tiram muitas vantagens do SUS.
Quando o plano nega um atendimento (a negativa pode ou não estar prevista no contrato),
como exames e procedimentos caros e complexos, é o SUS quem acaba atendendo o
cidadão.
Mesmo quando o paciente tem plano de saúde, o SUS atende todos os casos de
urgência e emergência que dão entrada nos hospitais públicos, a exemplo dos acidentes de
trânsito. Nestes casos, o SUS paga a conta que deveria ser da empresa de plano de saúde e
poucas vezes é ressarcido pelo atendimento prestado.
Outro desvio é a prática ilegal da “fila dupla”, quando as unidades do SUS,
principalmente hospitais universitários, fazem parcerias com planos de saúde. Neste caso,
os usuários dos planos recebem atenção diferenciada, “furam” a longa fila de espera do
SUS de marcação de exames e consultas, passam na frente nas cirurgias e demais
procedimentos, além de serem atendidos e até internados em melhores acomodações.
Conheça melhor o SUS, um direito de todos
A saúde no Brasil é direito de todos e dever do Estado. Mais que isso, a saúde é
item de relevância pública, o que assegura a participação do Ministério Público na
fiscalização do cumprimento das leis.
O SUS é um sistema porque é formado por várias instituições dos três níveis de
governo (União, estados e municípios) e pelo setor privado, com o qual são feitos contratos
e convênios para a realização de serviços e ações, como se fosse um mesmo corpo. Assim,
o serviço privado (um hospital, por exemplo), quando é contratado pelo SUS, deve atuar
como se fosse público.
O SUS é único, porque tem a mesma filosofia de atuação em todo o território
nacional e é organizado de acordo com uma mesma lógica. Além disso, o SUS:
- É universal porque deve atender a todos, sem distinções, de acordo com suas
necessidades; e sem cobrar nada, sem levar em conta o poder aquisitivo ou se a pessoa
contribui ou não com a Previdência Social.
- É integral, pois a saúde da pessoa não pode ser dividida e, sim, deve ser tratada como um
todo. Isso quer dizer que as ações de saúde devem estar voltadas, ao mesmo tempo, para o
indivíduo e para a comunidade, para a prevenção e para o tratamento, sempre respeitando a
dignidade humana.
- Garante eqüidade, pois deve oferecer os recursos de saúde de acordo com as necessidades
de cada um; dar mais para quem mais precisa.
- É descentralizado, pois quem está próximo dos cidadãos tem mais chances de acertar na
solução dos problemas de saúde. Assim, todas as ações e serviços que atendem a
população de um município devem ser municipais; as que servem e alcançam vários
municípios devem ser estaduais e aquelas que são dirigidas a todo o território nacional
devem ser federais. O SUS tem um gestor único em cada esfera de governo. A Secretaria
Municipal de Saúde, por exemplo, tem que ser responsável por todos os serviços
localizados na cidade.
- É regionalizado e hierarquizado: os serviços de saúde devem estar dispostos de maneira
regionalizada, pois nem todos os municípios conseguem atender todas as demandas e todo
tipo de problemas de saúde. Os serviços de saúde devem se organizar regionalmente e
também obedecer a uma hierarquia entre eles. As questões menos complexas devem ser
atendidas nas unidades básicas de saúde, passando pelas unidades especializadas, pelo
hospital geral até chegar ao hospital especializado.
- Prevê a participação do setor privado: as ações serão feitas pelos serviços públicos e de
forma complementar pelo setor privado, preferencialmente pelo setor filantrópico e sem
fins lucrativos, por meio de contrato administrativo ou convênio, o que não descaracteriza
a natureza pública dos serviços.
- Deve ter racionalidade: o SUS deve se organizar para oferecer ações e serviços de acordo
com as necessidades da população e com os problemas de saúde mais freqüentes em cada
região. Uma cidade não pode, por exemplo, manter um hospital e não dispor de unidades
básicas de saúde.
- Deve ser eficaz e eficiente: deve prestar serviços de qualidade e apresentar soluções
quando as pessoas o procuram ou quando há um problema de saúde coletiva. Deve usar da
racionalidade, utilizar as técnicas mais adequadas, de acordo com a realidade local e a
disponibilidade de recursos, eliminando o desperdício e fazendo com que os recursos
públicos sejam aplicados da melhor maneira possível.
- Deve promover a participação popular: o SUS é democrático porque tem mecanismos de
assegurar o direito de participação de todos os segmentos envolvidos com o sistema -
governos, prestadores de serviços, trabalhadores de saúde e, principalmente, os usuários
dos serviços, as comunidades e a população. Os principais instrumentos para exercer esse
controle social são os conselhos e as conferências de saúde, que devem respeitar o critério
de composição paritária (participação igual entre usuários e os demais); além de ter caráter
deliberativo, isto é, ter poder de decisão.

O SUS já provou que pode dar certo


Fonte: Ministério da Saúde e Fundação Oswaldo Cruz, 2002.

Você já deve ter ouvido falar muito mal do SUS. Freqüentemente, jornais, rádios e
TVs apresentam o seu lado ruim: filas de espera, hospitais lotados e sucateados, situações
de mau atendimento, falta de remédios e outros problemas.
O lado bom do SUS é mesmo muito pouco conhecido, pois há preconceito,
desinformação e até má fé de alguns setores que lucram com a exposição negativa dos
serviços públicos de saúde. Conheça alguns dos avanços e das conquistas do SUS:
- Dá assistência integral e totalmente gratuita para a população de portadores do HIV e
doentes de Aids, renais crônicos e pacientes com câncer.
- Realiza, por ano, 2,4 consultas para cada brasileiro; 2,5 milhões de partos; 200 milhões
de exames laboratoriais; 6 milhões de ultrassonografias.
- Na última década houve aumento da esperança de vida dos brasileiros; diminuição da
mortalidade e da desnutrição infantil; eliminação da varíola e da poliomielite; controle da
tuberculose infantil, tétano, sarampo e de muitas doenças que podem ser prevenidas com
vacinação.
- Mantém 500.000 profissionais de saúde, 6.500 hospitais, 487.000 leitos, onde são
realizadas mais de um milhão de internações por mês. Conta com 60.000 unidades básicas
de saúde, que realizam 350 milhões de atendimentos por ano.
- Realiza 85% de todos os procedimentos de alta complexidade do país. Em 2000, fez 72
mil cirurgias cardíacas, 420 mil internações psiquiátricas, 90 mil atendimentos de
politraumatizados no sistema de urgência emergência, 7.234 transplantes de órgãos.
- O Programa Saúde da Família do SUS contava com mais de 16.000 equipes no final de
2002, atendendo 55 milhões de pessoas, presente em 90% dos municípios brasileiros.
- Realiza por ano 165.000 cirurgias de catarata; distribui 200 milhões de preservativos;
realiza campanhas educativas; ações de vigilância sanitária de alimentos e medicamentos;
além do controle de doenças e epidemias.
- Os brasileiros que conseguem ser atendidos pelo SUS estão satisfeitos com o tratamento
que recebem. Pesquisa feita pelo Ministério da Saúde em 2001, com 110 mil usuários
internados pelo SUS, mostra que 85% consideram excelente ou bom o atendimento
oferecido pelo hospital.
- Outra pesquisa, do Ibope, revelou que a metade da população acredita que a implantação
do SUS está dando certo e 41% admitem que a qualidade dos serviços vem melhorando.

Não são poucas as dificuldades do SUS


As dificuldades do SUS são conhecidas, mas não podem ser generalizadas. Muitos
municípios, que assumiram a saúde de seus cidadãos, que respeitam a lei e investem
recursos próprios, estão conseguindo prestar atendimento com qualidade e dignidade a toda
a população. Todos nós podemos dar uma contribuição, pois ainda persistem muitos
problemas que precisam ser enfrentados:
- Muita gente não consegue ter acesso ao SUS. Em algumas cidades, principalmente nos
grandes centros, é longa a fila de espera para consultas, exames e cirurgias.
- Dependendo do local, é comum não haver vagas para internação, faltam médicos,
pessoal, medicamentos e até insumos básicos. Também é grande a demora nos
encaminhamentos e na marcação para serviços mais especializados.
- Muitas vezes os profissionais não estão preparados para atender bem a população, sem
contar que as condições de trabalho e de remuneração são geralmente muito ruins. Isso
também acontece nos planos de saúde, que remuneram mal os profissionais credenciados.
- O atendimento às emergências está longe de ser o adequado, principalmente às vítimas da
violência e dos acidentes de trânsito.
- São precários os serviços de reabilitação, o atendimento aos idosos, a assistência em
saúde mental e os serviços odontológicos. Nos planos de saúde, a situação não é muito
diferente: é comum a restrição aos serviços de reabilitação, à saúde mental e os serviços
odontológicos, normalmente, são excluídos. Os idosos, por sua vez, sofrem com os altos
preços das mensalidades.
- De acordo com pesquisas realizadas pelo Idec, em 2002, apenas 54% de 61
medicamentos básicos estavam disponibilizados em centros de saúde de 11 cidades. Outra
pesquisa do Idec demonstrou que em alguns municípios os usuários precisam chegar de
madrugada ou retornar várias vezes para marcar um exame preventivo.

Faltam recursos e políticas sociais


A saúde da população não depende somente do SUS, mas também de investimento
de recursos, de políticas econômicas e sociais. A garantia de emprego, salário, casa,
comida, educação, lazer e transporte interfere nas condições de saúde e de vida. Saúde não
é só atendimento médico, mas também prevenção, educação, recuperação e reabilitação.
Além disso, veja só o que está por trás das dificuldades do SUS:
- O orçamento público destinado ao SUS é insuficiente, o que fica pior com a política
econômica do governo; a CPMF (o “imposto” do cheque), criada para melhorar a saúde,
acabou sendo usado para outros fins; há estados e municípios que descumprem a
Constituição e não destinam os recursos previstos para a saúde.
- Parte do dinheiro da saúde, que já é pouco, está sendo desviada para pagamento de
salários de aposentados, pagamento de dívidas, obras de outros setores e até pagamento de
planos privados de saúde para funcionários públicos.
- A implantação do SUS esbarra na falta de vontade política de muitos governantes e na
falta de organização da sociedade, especialmente aqueles mais pobres e marginalizados,
que têm dificuldades de mobilização para pressionar as autoridades.

Está tudo na Constituição. Só falta cumprir.


Resultado de muita luta e mobilização da sociedade, a Constituição Brasileira
reconheceu a saúde com um direito de cidadania e instituiu um sistema de saúde que
precisa ser implementado.
Com base na Constituição Federal; na Lei 8080/90, a Lei Orgânica da Saúde; na
Lei 8142/90, que trata da participação da sociedade e do financiamento da saúde; e nas
demais leis que de alguma forma relacionam-se com o tema, o Idec elencou os principais
direitos dos usuários de ações e serviços de saúde. Conheça de perto esses direitos e passe
a lutar por eles no seu dia a dia.
São seus direitos:
- Ter acesso ao conjunto de ações e serviços necessários para a promoção, a proteção e a
recuperação da sua saúde.
- Ter acesso gratuito, mediante financiamento público, aos medicamentos necessários para
tratar e restabelecer sua saúde.
- Ter acesso ao atendimento ambulatorial em tempo razoável para não prejudicar sua
saúde. Ter à disposição mecanismos ágeis que facilitem a marcação de consultas
ambulatoriais e exames, seja por telefone, meios eletrônicos ou pessoalmente.
- Ter acesso a centrais de vagas ou a outro mecanismo que facilite a internação hospitalar,
sempre que houver indicação, evitando que, no caso de doença ou gravidez, você tenha que
percorrer os estabelecimentos de saúde à procura de um leito.
- Ter direito, em caso de risco de vida ou lesão grave, a transporte e atendimento adequado
em qualquer estabelecimento de saúde capaz de receber o caso, independente de seus
recursos financeiros. Se necessária, a transferência somente poderá ocorrer quando seu
quadro de saúde tiver estabilizado e houver segurança para você.
- Ser atendido, com atenção e respeito, de forma personalizada e com continuidade, em
local e ambiente digno, limpo, seguro e adequado para o atendimento.
- Ser identificado e tratado pelo nome ou sobrenome e não por números, códigos ou de
modo genérico, desrespeitoso ou preconceituoso.
- Ser acompanhado por pessoa indicada por você, se assim desejar, nas consultas,
internações, exames pré-natais, durante trabalho de parto e no parto. No caso das crianças,
elas devem ter no prontuário a relação de pessoas que poderão acompanhá-las
integralmente durante o período de internação.
- Identificar as pessoas responsáveis direta e indiretamente por sua assistência, por meio de
crachás visíveis, legíveis e que contenham o nome completo, a profissão e o cargo do
profissional, assim como o nome da instituição.
- Ter autonomia e liberdade para tomar as decisões relacionadas à sua saúde e à sua vida;
consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e com adequada informação prévia,
procedimentos diagnósticos, terapêuticos ou outros atos médicos a serem realizados.
- Se você não estiver em condição de expressar sua vontade, apenas as intervenções de
urgência, necessárias para a preservação da vida ou prevenção de lesões irreparáveis,
poderão ser realizadas sem que seja consultada sua família ou pessoa próxima de
confiança. Se, antes, você tiver manifestado por escrito sua vontade de aceitar ou recusar
tratamento médico, essa decisão deverá ser respeitada.
- Ter liberdade de escolha do serviço ou profissional que prestará o atendimento em cada
nível do sistema de saúde, respeitada a capacidade de atendimento de cada estabelecimento
ou profissional.
- Ter, se desejar, uma segunda opinião ou parecer de outro profissional ou serviço sobre
seu estado de saúde ou sobre procedimentos recomendados, em qualquer fase do
tratamento, podendo, inclusive, trocar de médico, hospital ou instituição de saúde.
- Participar das reuniões dos conselhos de saúde; das plenárias das conferências de saúde;
dos conselhos gestores das unidades e serviços de saúde e outras instâncias de controle
social que discutem ou deliberam sobre diretrizes e políticas de saúde gerais e específicas.
- Ter acesso a informações claras e completas sobre os serviços de saúde existentes no seu
município. Os dados devem incluir endereços, telefones, horários de funcionamento,
mecanismos de marcação de consultas, exames, cirurgias, profissionais, especialidades
médicas, equipamentos e ações disponíveis, bem como as limitações de cada serviço.
- Ter garantida a proteção de sua vida privada, o sigilo e a confidencialidade de todas as
informações sobre seu estado de saúde, inclusive diagnóstico, prognóstico e tratamento,
assim como todos os dados pessoais que o identifiquem, seja no armazenamento, registro
e transmissão de informações, inclusive sangue, tecidos e outras substâncias que possam
fornecer dados identificáveis. O sigilo deve ser mantido até mesmo depois da morte.
Excepcionalmente, poderá ser quebrado após sua expressa autorização, por decisão
judicial, ou diante de risco à saúde dos seus descendentes ou de terceiros.
- Ser informado claramente sobre os critérios de escolha e seleção ou programação de
pacientes, quando houver limitação de capacidade de atendimento do serviço de saúde. A
prioridade deve ser baseada em critérios médicos e de estado de saúde, sendo vetado o
privilégio, nas unidades do SUS, a usuários particulares ou conveniados de planos e
seguros saúde.
- Receber informações claras, objetivas, completas e compreensíveis sobre seu estado de
saúde, hipóteses diagnósticas, exames solicitados e realizados, tratamentos ou
procedimentos propostos, inclusive seus benefícios e riscos, urgência, duração e
alternativas de solução. Devem ser detalhados os possíveis efeitos colaterais de
medicamentos, exames e tratamentos a que será submetido. Suas dúvidas devem ser
prontamente esclarecidas.
- Ter anotado no prontuário, em qualquer circunstância, todas as informações relevantes
sobre sua saúde, de forma legível, clara e precisa, incluindo medicações com horários e
dosagens utilizadas, risco de alergias e outros efeitos colaterais, registro de quantidade e
procedência do sangue recebido, exames e procedimentos efetuados. Cópia do prontuário e
quaisquer outras informações sobre o tratamento devem estar disponíveis, caso você
solicite.
- Receber as receitas com o nome genérico dos medicamentos prescritos, datilografadas,
digitadas ou escritas em letra legível, sem a utilização de códigos ou abreviaturas, com o
nome, assinatura do profissional e número de registro no órgão de controle e
regulamentação da profissão.
- Conhecer a procedência do sangue e dos hemoderivados e poder verificar, antes de
recebê-los, o atestado de origem, sorologias efetuadas e prazo de validade.
- Ser prévia e expressamente informado quando o tratamento proposto for experimental ou
fizer parte de pesquisa, o que deve seguir rigorosamente as normas de experimentos com
seres humanos no país e ser aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do hospital
ou instituição.
- Não ser discriminado nem sofrer restrição ou negação de atendimento, nas ações e
serviços de saúde, em função da idade, raça, gênero, orientação sexual, características
genéticas, condições sociais ou econômicas, convicções culturais, políticas ou religiosas,
do estado de saúde ou da condição de portador de patologia, deficiência ou lesão
preexistente.
- Ter um mecanismo eficaz de apresentar sugestões, reclamações e denúncias sobre
prestação de serviços de saúde inadequados e cobranças ilegais, por meio de instrumentos
apropriados, seja no sistema público, conveniado ou privado.
- Recorrer aos órgãos de classe e conselhos de fiscalização profissional visando a denúncia
e posterior instauração de processo ético-disciplinar diante de possível erro, omissão ou
negligência de médicos e demais profissionais de saúde durante qualquer etapa do
atendimento ou tratamento.
Esta publicação, uma iniciativa do Idec com o apoio da Fundação Rockfeller,
é destinada a informar e orientar os cidadãos sobre seus direitos
às ações e aos serviços de saúde.

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