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As doenças vêm passando por transformações em seu perfil epidemiológico, tanto em relação
à clientela como a sua prevalência, tendo-se hoje, no Brasil, o que Mendes denomina como
tríplice carga de doenças. Por um lado temos ainda as doenças de países subdesenvolvidos,
tais como diarréias, desidratação, doenças tropicais como a dengue, entre outras, em segundo
lugar temos um aumento de casos crônicos, como as doenças cardiovasculares,
predominantemente isquêmicas cardíacas e acidentes vasculares cerebrais, que acompanham
ao incremento de expectativa de vida da população e em terceiro lugar vemos um aumento da
violência urbana, tanto interpessoal como de trânsito, com um aumento das taxas de morbi
mortalidade nas causas externas.
Com este perfil epidemiológico os casos/situações podem ser considerados (as) crônicos (as),
crônicos (as) agudizados (as) e agudos (as). Entretanto, embora as situações crônicas
representem a maioria das situações, persiste ainda um direcionamento na maioria das vezes
à resposta aos casos agudos principalmente na rede hospitalar. Coube à atenção básica
trabalhar as condições crônicas, tanto por um enfoque promocional assim como assistencial.
Entretanto, na agudização dos casos crônicos acompanhados pela mesma ou nos casos agudos
que chegam à atenção básica, outra esfera deve responder à demanda, desarticulada de todo
o trabalho anteriormente realizado pela estratégia de saúde da família e da atenção básica.
Embora se creia que a atenção básica, como afirmada na Tese do CONASEMS 2010-2011
tenha a capacidade de ordenação do restante do sistema de saúde, dirigida por valores de
dignidade humana, equidade, solidariedade e ética profissional, os casos agudos ou
agudizações de casos crônicos levam a um ordenamento por outra rede, a rede de atenção
às urgências, distinta da primeira, de caráter regional, que deve dar respostas ágeis e num
tempo muito curto e que deve estar articulada com a rede de atenção básica para sua
qualidade de resposta. Nesta rede, o ordenamento se faz a partir de centrais de regulação
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Médico Ortopedista, Secretário Municipal de Saúde de Bombinhas – Santa Catarina, Presidente do
COSEMS-Santa Catarina, Diretor de Comunicação Social do CONASEMS, Implementador do SAMU em
Santa Catarina. Email: celdella@ibest.com.br
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Médico Cirurgião Geral e Urgencista, Implementador do SAMU Santa Catarina, Consultor de Urgências
de Minas Gerais, Espírito Santo e Curitiba, Membro do Grupo Brasileiro de Classificação de Risco. Email:
cesarnits@gmail.com
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de urgência regionais que devem executar idealmente linhas guia previamente pactuadas
e fornecer a resposta mais adaptada possível às necessidades agudas.
A atenção às urgências vem, ao longo dos últimos anos, passando por reformulações e sendo
estruturada a partir de discussões governamentais e não governamentais, por entidades de
classe, representações sociais, associações focadas nas urgências, emergências e traumas.
Seguiu-se a estas duas portarias uma ampla discussão nacional com a estruturação de vários
serviços de atendimento móvel de urgência, SAMU-192, em todo o Brasil, com características
na maioria das vezes municipais, e alguns poucos estaduais, sendo que apenas no Estado de
Santa Catarina foram implantados, em todo o Estado, sete SAMU-192 regionais, com
cobertura de 100% do Estado e interligados, através de uma pactuação de investimento e
custeio tripartite.
Entretanto o modelo municipal adotado na Portaria 1863 e 1864 não atendia às necessidades
de organização, escala e redefinição de fluxos que se davam na maioria das vezes por pactos
regionalizados ou estadualizados, traduzidos no Plano Diretor de Regionalização e no Plano
Pactuado e Integrado. Além disto, as experiências exitosas de regionalização do SAMU em
Santa Catarina e do Sistema Regional de Atenção às Urgências no Norte de Minas Gerais,
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racionalizando custos e aumentando a eficiência da resposta às situações de urgência,
reforçavam a necessidade de uma legislação própria que amparasse as ações regionais.
Até aquele momento, a atenção pré-hospitalar fixa havia ficado à margem do avanço da
atenção móvel, levando a uma confrontação diária entre as organizações móveis que haviam
se estruturado e a atenção fixa, desarticulada e sem incentivos para sua estruturação.
Entretanto, até o momento não temos ainda no país uma legislação específica e de amparo
tanto legal como financeiro para que a rede hospitalar tenha, além do papel definido e
importante na rede de atenção às urgências, um fomento a sua organização e melhoria através
de redefinição de papéis e incentivo à educação permanente, sendo integrada à rede de
atenção às urgências.
De maneira semelhante não temos ainda definido uma legislação que ampare as ações pós-
hospitalares, em relação às urgências, como as de reabilitação e reinserção social.
Por último, trabalhando dentro de uma visão de atenção integral, o amparo legal para a
articulação entre as redes de atenção básica e de urgência ainda carece de debates e
legislação própria.
Regulação médica
APH
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Componente Hospitalar
Componente Pós-Hospitalar
A rede de atenção
Além disto deve-se garantir que as UPAS e SE exerçam o seu papel na integração da
política de urgência e emergência através de uma efetiva regulação médica, evitando-se
assim a competição com o acesso a rede de atenção básica e que estejam conectadas ou
interligadas a um componente hospitalar da rede, garantindo assim sua retaguarda nos
casos em que se fizerem necessários. Na rede de urgência e emergência os hospitais
definidos como de apoio deveriam ter salas de estabilização estruturadas e funcionais.
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de estruturas administrativas regionais como modelo de gestão e financiamento assim
como uma legislação própria para repasses de investimento e custeio regionalizados.
1) Quanto à Governança
a. Se necessitarmos incrementar estruturas regionais que deem resposta efetiva
às urgências igualmente necessitamos de uma estruturação de instrumentos
de governança regionais que se ocupem do acompanhamento e
monitoramento da rede regional, da avaliação, proposição de mudanças e
repactuações assim como que possam auditar regularmente a rede. As
estruturas colegiadas regionais tem papel importante nesta função, mas uma
estrutura ligada a mesma, o Comitê Gestor Regional de Urgências,
necessariamente funcionando como câmara técnica de uma CIB
macrorregional ou na inexistência da mesma, da CIB estadual, fornece
especificidade técnica e gestora, autoridade e facilita o monitoramento e todo
o trabalho a ser realizado em relação à rede de urgências.
b. Cabe às regulações de urgência do SAMU e, quando existir, a regulação de
leitos, ser corresponsável na governança e fornecer dados precisos do
funcionamento da rede de forma cotidiana.
a. Atenção Básica:
i. Deficiências no acolhimento
As deficiências no acolhimento se devem a não inserção dos casos
agudos ou de agudização dos casos crônicos dentro de uma
perspectiva de acolhimento e tratamento pela atenção básica. A
atenção básica vem-se pautando por ações promocionais, essenciais
para a melhoria de qualidade de saúde e vida da população,
desconsiderando muitas vezes que sua população necessita de uma
resposta próxima e pouco complexa aos casos agudos ou agudizações
de casos crônicos.
ii. Unidades básicas sem a devida estruturação física e capacidade
técnica para o acolhimento das urgências
Existe despreparo para realização de acolhimento e classificação de
risco da clientela atendida assim como inexistência, na maior parte das
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vezes, de estrutura para prestar o primeiro atendimento assim como
resolver casos de menor complexidade.
iii. Desintegração das Unidades básicas na rede de urgência e emergência
Tanto no planejamento da rede de urgência como no cotidiano, a
atenção básica não tem, em sua maior parte, participado da discussão
de papel e fluxos da rede de urgência, levando a uma persistência da
não integralidade do atendimento, retardando acessos e dificultando
tanto o referenciamento como o contra-referenciamento.
iv. Falta de flexibilidade nos horários de funcionamento das Unidades
A atenção básica vêm-se mantendo com horários rígidos, não
compatíveis com trabalhadores assim como com as situações agudas,
que não escolhem hora para acontecer. Isto tem dificultado que a
população abrangida pela atenção básica tenha como referência inicial
para o atendimento as suas necessidades, situações agudas ou
situações crônicas, seja, atendidas.
v. Exames de menor complexidade não agregados à atenção básica
Até o momento ainda não existe claramente uma política de
distribuição e incentivo à instalação de exames de menor
complexidade na atenção básica, retardando e dificultando
diagnósticos simples, de baixa complexidade, e levando com que a
população veja as unidades hospitalares como a porta de referência
na qual poderá ser atendida, realizar exames e sair com o tratamento,
mesmo em situações de baixíssima complexidade, sobrecarregando a
rede hospitalar com esta conduta.
b. SAMU
i. Regulação ineficaz
Ausência ou insuficiente treinamento dos reguladores e ausência de
protocolos de regulação assim como de linhas guias pactuadas na rede
e disponíveis para serem executadas pelos médicos reguladores.
ii. Financiamento em desacordo com as portarias (1864/03 e 2970/08)
O financiamento das atividades educativas até o momento não foi
liberado pelo Ministério da Saúde. Embora as Portarias estabeleçam
que 50% do custeio cabe ao Ministério da Saúde, a base de cálculo que
definiu os valores é totalmente inadequada à realidade dos salários
praticados no Brasil. Assim sendo, enquanto uma Central de regulação
mínima, tendo um médico regulador, um Técnico Auxiliar de
Regulação Médica e um Radioperador e Operador de Frota, custa
mensalmente em torno de R$ 110.000,00(cento e dez mil reais) a base
de cálculo utilizada nas portarias é de um valor mensal de
R$ 38.000,00 (trinta e oito mil reais) cabendo ao Ministério da Saúde
um repasse de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais) o que em tese
representaria os 50% do Ministério da Saúde mas na realidade
corresponde a 17,2%. Em relação às unidades de suporte avançado o
mesmo se repete pois uma unidade móvel composta por médico,
enfermeiro e condutor-socorrista não custa menos de R$ 100.000,00
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(cem mil reais) mensais, incluindo salários, combustível e manutenção.
O Ministério da Saúde calculou que cada unidade de suporte avançado
custaria mensalmente R$ 55.000,00(cinquenta e cinco mil reais),
repassando apenas R$ 27.500,00(vinte e sete mil reais) mensalmente
o que, na realidade representa apenas 27,5% do custeio mensal e não
50% como previsto em portaria. Por último, em relação às unidades de
suporte básico de vida, o estimado de custo mensal previsto pela
portaria ministerial de R$ 25.000,00 se aproxima mais da realidade
pois se tem um custo real que normalmente gira em torno de
32.000,00(trinta e dois mil reais) ao mês, sendo que com o repasse de
R$ 12.500,00(doze mil e quinhentos reais ao mês) repassados pelo
Ministério da Saúde, tem-se um percentual de 39% ao mês.
Estas verbas subdimensionadas de custeio estão também
subdimensionadas quando é repassado o percentual de investimento
pelo ministério da Saúde, que representa apenas uma pequena parte
do investimento a ser realizado.
c. Componente Hospitalar:
i. Financiamento insuficiente e inexistentes para as Unidades de
Urgência
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O pagamento por procedimento, realizado pelo SUS, leva a uma
cultura de quanto mais, melhor, estimula o reembolso dos
procedimentos e é contraproducente para a organização de uma rede
que deve garantir a resposta aos casos realmente urgentes e
emergentes. Assim, tem-se de ter uma ampla discussão de incentivo
financeiro para as portas de entrada da rede de urgência, abolindo-se
o pagamento por procedimento mas garantindo a resposta às
necessidades regionais. Minas Gerais tem tido, a partir da Secretaria
de Estado da Saúde uma experiência exitosa neste sentido carecendo
até o momento de qualquer apoio federal para tal.
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preconizados. Acrescente-se a isto a dificuldade até o momento, por
falta de legislação própria, de internação domiciliar.
ii. Processo de regulação da urgência e emergência insuficiente tanto na
referência quanto na contra referência
Com já dito, sem um planejamento com pontos de atenção e papéis
na rede definidos assim como fluxos pactuados, criando uma linha
guia de ação, cabe aos médicos reguladores, a partir de sua
experiência e contatos pessoais, definir o fluxo e o ponto de atenção
para o atendimento de uma necessidade.
iii. Baixo nível de organização e de resolutividade dos pronto
atendimentos em nível local
Os pronto-atendimentos em nível local tem baixa resolutividade em
parte podendo ser devida ao isolamento deste tipo de unidade dentro
de uma rede assim como o não apoio direto de uma unidade
hospitalar. Podemos dizer que o ideal seria que cada pronto-
atendimento deveria ser uma porta avançada de uma unidade
hospitalar, se possível com um corpo clínico que trabalhasse em
ambas, comprometendo-se com os resultados em cada uma das
unidades.
iv. Financiamento insuficiente e inexistentes para os Pronto Socorros
Não existe até o momento qualquer incentivo financeiro para as
portas hospitalares (unidades de urgência ou prontos-socorros),
mantendo a mesma sem estrutura, perspectiva e servindo não para o
trabalho dos mais experientes mas sim para o trabalho dos iniciantes,
que tem a porta da emergência como possibilidade de entrada no
hospital para seu trabalho atual e futuro. Além disto, sem identidade,
os próprios trabalhadores destas unidades não se interessam em
organizá-la como igualmente não buscam capacitação específica visto
que sua atividade principal e foco é outra. Acrescente-se a isto que o
financiamento é feito por procedimento o que estimula a produção,
independente da necessidade real ou não de ser atendido em uma
porta hospitalar, sobrecarregando as unidades de urgência e deixando
muitas vezes para trás um caso realmente urgente.
v. Ausência de linguagem única e distribuição dos pacientes de acordo
com a gravidade
Uma das maiores dificuldades é definir-se a prioridade para o
atendimento e de que esta prioridade seja, dentro da rede de atenção,
vista e compreendida da mesma maneira, dentro de uma mesma
linguagem.
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Sugestões de Pontos para Discussão e Aprimoramento
Quanto à governança
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urgências devendo, junto a representantes de todos os municípios abrangidos
e do nível federal, realizarem a gestão e financiamento da rede/
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Referências
MENDES, Eugênio Vilaça. As redes de atenção à saúde. Ciênc. saúde coletiva, 2010, vol.15, n.5,
pp. 2297-2305. ISSN 1413-8123.
Minas Gerais. O choque de gestão na saúde em Minas Gerais / organizado por Antônio Jorge
de Souza Marques [et al.] . --- Belo Horizonte : Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais,
2009. 324 p. il.
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