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87 JBPSAX/962 — Del Porto JA, Laranjeira RR & Masur J ~ Escalas de auto-avaliagfo de estados subjetivos — Influéncia das instrugGes ~ J bras Peig, 32 @ ): 87-90, 1983. Escalas de Auto-Avaliagao de Estados Subjetivos — Influéncia das InstrucGes José Alberto Del Portot Ronaldo R. Laranjeiras? Jandira Masur? Resumo As publicagdes concementes aos psicotrépicos apontam ‘a mensuragdo de seus efeitos psiquicos como uma das gran- des dificuldades metodolégicas nessa érea de pesquisa. Em nosso meio, umg dificuldade adicional resulta do fa- to de que, na maioria das vezes, as escalas de avaliagio sao tradugoes de métodos desenvolvidos no estrangeiro, e que necessitam de validagdo em nossas condigSes culturais. No presente trabalho aplicamos uma escala analgica de auto-avaliagdo de estados subjetivos (escala de Norris) 4436 ‘estudantes universitarios, com a finalidade de comparar a distribuigéo das respostas, em cada item, com os resultados obtidos por Bond e Lader (Br J med Psychol, 47: 211, 1974), na Inglaterra, e por Zuardi e Karniol (J bras Psiq, 31: 403, 1981), em nosso meio. Estes iiltimos obtiveram resultados {que se concentraram nos extremos de cada item, enquanto que no estudo inglés houve maior porcentagem de respostas em tomo dos valores centrais, Neste trabalho verificamos que a modificagdo das instru- ¢des, em portugués, dadas aos voluntérios, alterou marcada- mente a distribuigdo das respostas, tomando-a semelhante aquela obtida pelos autores ingleses. ‘Unitermos:escalas de auto-avaliagfo, estados subjetivos; escalas de avaliago psiquiftrica* ‘A necessidade de se avaliar a sintomatologia psiquiétrica de forma padronizada jé € antiga, datando do inicio do sé culo 0 x0 de escalas de medida com essa finalidade!. A busca de instrumentos:confidveis que possibilitem a detec- (¢do de caracteristicas clinicas ¢ o desenvolvimento de uma linguagem comum que permita a comunicagio dos resulta- dos obtidos entre diferentes pesquisadores tem sido objeto de um niimero crescente de publicagdes nos diltimos anos? Seja com relagdo aos critérios diagndsticos ou & detecgao de sintomas, a utilizago dos recursos tradicionais mostra enor- me discrepancia entre psiquiatras de diferentes escolas, mesmo entre ayueles de formagio semelhante; a titulo de ‘exemplo, citamos o trabalho de Kreitman e cols.6 em que duplas de psiquiatras, independentemente um do outro, en- trevistaram uma série de 90 pacientes ¢ registraram a pre- senga ou auséncia de 24 itens clinicos, apresentando con- cordéncia em apenas 46% dos itens. advento da psicofarmacologia, com a exigéncia de se testarem os efeitos psiquicos dos diferentes {érmacos, em pacientes ou em voluntirios sadios, veio tornar ainda mais imperative 0 uso de medidas adequadas para a detecgdo quantificagZo desses efeitos. Em que pese sua importancia, as escalas so, no entanto, instrumentos limitados, e o pesquisador que as utiliza ndo pode deixar de levar em consideracio essas limitagées. ‘As escalas de avaliagZo tém sido produzidas, de modo ge- ral, na Europa e na América do Norte, o que cria problemas ‘especiais para sua aplicago em nosso meio. Essas dificulds- des sio ainda maiores no emprego de escalas de auto-avalia- ‘so, ou seja, aquelas nas quais o proprio sujeito, paciente ou voluntério, deve fazer uma apreciacio de seu estado subjeti- vo. Essas escalas ndo podem incluir termos técnicos ou ex: pressbes consagradas entre os especialistas, ¢ necessariamen- te devem se adaptar as caracteristicas culturais e & lingua- gem corrente dos probandos. ‘A escala que estudamos foi originalmente empregada por Norris? na Inglaterra, em 1971, Trata-se de uma escala constituida por 16 itens, sendo cada item composto por 2 adjetivos de sentidos opostos, separados por uma linha de 100mm, Segundo Aitken*, as escalas visuais lineares alcan- ‘gam sensibilidade bem maior que aquelas que utilizam pala~ ras ow numerais, sendo ao mesmo tempo mais simples quanto & sua aplicago. Os probandos avaliam seu estado gubjetivo, em cada item, através de uma marca vertical 1Professor-Assistente do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, P6s-Graduando do Departamento de Psicobiologia dda Escola Paulista do Medicina. 2 Médico-Residente do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina. 'Professora-Adjunta do Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina. Pesquisadora 1-A do CNPq Copyright 1983 ~ ECN-Editora Cientifica Nacional Lda. 88 Jornal Brasileiro de Psiquiatria mar/abr 1983 Vol. 32.492 sobre a linha de 100mm, correspondendo os extremos da li- nha & intensidade méxima de cada dimensio. Os 16 itens foram agrupados, aprioristicamente, por Norris, em 4 cate- gorias: “Comprometimento da vigilincia” (‘‘mental seda- tion or intellectual impairment”), “sedagio fisica” (“physi- cal sedation or bodily impairment”), “tranqiilizagio (“‘tran- quillization”) e “outros tipos de sentimentos ou atitudes” (“other types of feelings or attitudes”), este Gilkimo grupo incluindo sentimentos como tristeza, desinteresse e hostii- dade (¢ seus opostos). Bond & LaderS em 1974, também na Inglaterra, aplica- ram essa escala a 500 voluntétios normais, com 0 objetivo de, através da anélise fatorial, extrair os fatores comuns e estudar sua distribuigio nessa populagio. Esses autores ob- servaram que os 16 itens se agruparam om trés fatores, que mediram alerta, trangiilizagio e contentamento, a0 invés dos 4 propostos anteriormente por Norris. Verificaram também que, de modo geral, houve tendéncia de os valores se agruparem em toro da medida central; além disso, a transformagao logaritmica das respostas obteve distribuigao normal, aspecto que justficaria, segundo alguns, o emprego de estatfstica paramétrica para essa escala. Zuardi & Karniol” , em 1981, traduziram ¢ aplicaram, em nosso meio, a escala de Norris, eplicando o estudo estatisti- co de Bond & Lader com 540 voluntirios, sendo todos uni- versitérios da cidade de Sao Paulo. Esses autores encontra- ram uma grande concentragio de respostas nos extremos de cada item, enquanto que no estudo inglés as respostas dis- tribuiram-se em torno de um valor aproximadamente cen- tral No presente trabalho replicamos o estudo de Zuardi & Karniol, modificando as instrugbes dadas aos voluntitios, com a finalidade de testar sua influéncia sobre os resulta dos obtidos. Métodos e resultados Submetemos a escala a 436 estudantes universitérios da cidade de Sio Paulo, em situagio de sala de aula. A amos- tra compésse de 196 homens e 240 mulheres, variando as idades entre 17 ¢ 38 anos (mediana = 19,5 anos). ‘As instrugées fornecidas aos voluntirios foram as segui tes: Nas péginas que se seguem vocé encontrari, em cada li- nha, separados por um trago de 10cm, adjetivos ou grupos de palavras com sentidos opostos que visam descrever como voc esté se sentindo no momento. Vocé deve fazer um tra- 0 vertical na linha de 10cm, no ponto que melhor corres ponde a seu estado atual. Os extremos de cada linha devem ser considerados como equivalentes ao méximo que voc jé tenha sentido anterior- mente. Nos exemplos que se seguem utilizamos as palavras BEM e MAL: 0 extremo da linha,“ direita, onde esti escri ta a palavra MAL, deve corresponder ao pior estado que ‘ocd ja vivenciou anteriormente. O oposto vale para o pélo da palavra BEM, que deve equivaler ao mavimo de bem-estar que vocé jé experimentou. Os graus intermedirios podem se distribuir ao longo de toda a linha, correspondendo 0 centro da linha ao estado de indiferenga, em que vocé nio se sente nem bem nem mal. Exemplo 1 — Voc# esta se sentindo extremamente bem, em grau comparivel ao maximo de bem-estar que jé sentiu an- teriormente: Bem |_-—————____________ ma Exemplo 2 — Vocé est se sentindo extremamente mal, em sgrau comparivel ao pior estado que jf sentiu anteriormente: ee Exemplo 3 — Vocé nio esté se sentindo nem bem nem imal: pam a, Exemplo 4 — Voct esti se sentindo moderadamente mal. = — mtr Com essas instrugSes procuramos enfatizar, para o volun- trio, a idéia que os extremos de cada linha correspondem a0 miximo de intensidade de cada condigio. Buscamos, dessa forma, tormar mais clara, para os nossos probandos, a solicitagio de Norris?: “Regard the adjectives as represen- ting the extreme condition. For example one is seldom ab- solutely “Honest” or “Dishonest”, normal honesty would be rated in the mid range of the line.” No mesmo sentido, lé-se nas instrugdes propostas por Bond & LaderS : “Regard the line as representing the full range of each dimension.” Urilizamos a tradugio da escala anteriormente emprega- da por Zuardi & Kamiol®, que transcrevemos abaixo: BEM BEM ALERTA SONOLENTO CALMO AGITADO FORTE FRACO CONFUSO ‘COM IDEIAS CLARAS AGIL DESAJEITADO APATICO DINAMICO. SATISFEITO INSATISFEITO PREOCUPADO TRANQUILO PENSAMENTO PERSPICAZ LENTO TENSO RELAXADO ATENTO DISTRAIDO INCAPAZ. CAPAZ ALEGRE ‘TRISTE, HOSTIL AMISTOSO. INTERESSADO DESINTERESSADO NAO SOCIAVEL SOCIAVEL Jornal Braslefro de Psiquiatria mar/abr 1983 Vot, 32.092 89 Medimos a distincia entre o inicio da linha, & esquerda, até 6 ponto assinalado pelo voluntério; com os valores obti- dos construfios histogramas de freqiiéneis para cada item, A Fig. 2 apresenta esses histogramas ao lado dos obtidos pelo estudo de Hy nd & Lader ¢ de Zuardi & Karniol. A Pace, Poaara|*E ae, Te] Leathe fe pert, hs ee ae (ee [Meme [Le “Ta pe] Taco, fl] os nll Observamos, em nosso trabalho, que as respostas se dis tribufram de forma semelhante aquela encontrada no est: lo inglés; como neste tiltimo, embora em alguns itens haja certa concentragio nos extremos, a distribuigéo tende a se fazer ao longo de toda a linha, diferindo da polarizagio dos resultados obtidos anteriormente pos Zuardi & Kamiol. Diseussio Interessados em aplicar a escala de Norris em pesquisaa a serem realizadas em nosso meio, chamou-nos a atengao a discrepincia entre os resultados de Zuardi & Kamniol e aque les obtidos na Inglaterra. A concentragio das respostas nos salseare dudais Unlisipureceuson agations que, de ani modo geral, a escala foi preenchida pelos roluntitios, nos moldes de um questionério com duas opsSes: presenga ou auséncia da condigo apontada. Desa forma, Norris perdeu seu poder de discriminagao, pris gem sobre as escalas usuais, que pretendem quantificar os sentimentos como “varidveis discretas”, utilizando catego- rias como nor exemolo:0 -ausente: 1-leve: 2-moderada: 3-50~ vero. Embora uma pessoa post avaliar, com relativa preci sio, a intensidade de determinado estado ou sentin que esteja vivenciando, as palavras disponiveis sto muitas vvezes limitadas para desctever com exatidao a enorme dife- da experiéneia subjetiva. A discrin 10 continuo perde muito quando reduride 4 de win fendm graduacio artificial em categorias discretas. ‘A mi compreensio das insteugdes foi uma das explica- ies sugeridas por Zuardi & Karniol pata justificar 08 resul- tados obtidos; resolvemos enti restar essa hiporese apli- cando novamente a escala em populagio semelhante 3 an- terior (estudantes universitarios de Sio Paulo), com instru- ges mais dotalhadas, frisando que os ext tha significavatn o maximo da intensidade de cada item ‘Os resultados encontrados parecem de fato confirmat essa explicagio, de ver que nossa distribu consideravelmente daquela obtila pelos autore Nossos voluntirios, talvez por tendéncia algo mais acentua da a respondecem nos exttemos, precisaram de instrucdes mais explicitas para utilizar a escala em sua total dimensio. ‘Summary SELF-RATING SCALES FOR SUBJECTIVE STATES: INFLUENCE OF INSTRUCTIONS Publications conceming psychotropic drugs point out the measurement of their neuchic offerte ac one af the max 90 ‘Joma Braseiro de Piquiateia mar/abr 1983 Vol, 32 96 Jor difficulties in this areq of research. Additional problems. are found when seales are used in other cultures different ‘from these in which they were developed for. In the present paper a self evaluation scale for subjective states was administered t0 436 universitary students, The responses distribution in each item was compared with tho- se found by Bond & Lades, in England, and Zuardi & Kar- niol, ix Brasil. The last authors found that the responses were largely concentrated at the extremities of the scale, while in the English study the response approximated a normal distribution. In the present puper, by ssing different instructions, a distribution similar to the English stualy was obtained, Uniterms:pychisrie status rating seals"; sell-mating scales, subjective states Referéncias © 1, Kempf The behavior chart in mental diseases, Am J Issn, 71: 761, 11S. 2 Hamilton MA rating scale for depression. Neurol Neurosuee Psych, 23: 56-62, 1960, 1 3. Kendell RE ‘An important source of bss afecting ratings made by ps chats Thsvehie oy 6: RSL, 968. & 4, Athen ROU "A. ar ‘edge of measumement of ry Soe Med, 62: 889.9 Toto. 5: Bond Ae Lafer Me The gwofaaoge tern at subjective feling. Be med Paychol, 37: 211218, 1974. Kreitman N, Samsary P, Moravey J. Powers & Scrivener} — relbiity of Psyehizuy assessment” an ands. J men So, 1 1887-908, 1961. 7. Noms H ~The action of sedatives on be stem ocuomotor sstemsin ian, Newrophariacalogy, 10: 181-1! 1011. m8. Zuant AW & Kagnol 1G ~ Fatudo Transl ama esata de aatoavalagfo par estadosubjetivos bras Pi, 403-406, 1981. FEnderego do autor Departamento de Paicobiologis Escola Paulista do Medicina RBotweati 862 ~ 1Pandar (04023 ~ Sio Paulo ~ SP

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