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Horizonte

O mar anterior a nós, teus medos,


Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa


Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis


Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte
Os beijos merecidos da Verdade.

Fernando Pessoa
A esquecida filha do mar

O mar anterior a nós, teus temidos


Tinham coral e praias e sereias
Desvendadas a noite e a luz
As tormentas passadas e feias
Abria em flor o Longe, e o Sul da luz
'Splendia sobre as naus da rainha

Linha severa da longínqua terra


Quando a nau se aproxima ergue-se a guerra
Em árvores onde o Longe nada via
Mais perto, abre-se a terra em sons e folia
E, no desembarcar, há aves, e a uma milha
Onde era só, de longe a abstracta ilha

O sonho é ver as formas desconhecidas


Da distância imprecisa, e, esquecidas
Movimentos da esperança e de sonhar
Buscar na linha fria do mar
A árvore, a praia, a flor, a ave, a ilha
Os beijos merecidos da esquecida filha do mar.

João Ferreira
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,


Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,


Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,


Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões
A morte da moda mudada

Mudam-se os tempos, mudam-se as vidas


Muda-se o ser, muda-se as roupas vestidas
Todo o mundo é das fadas
Tomando sempre novas modas

Continuamente vemos mudança


Diferentes em tudo até à matança
Do mal ficam as mágoas na lixeira
E do bem, se algum houve, a nova feira

O tempo cobre o chão de verde dinheiro


Que já coberto foi de cobre do ferreiro
E em mim converte em choro o vestido

E, agora este mudar-se cada segundo


Outra mudança faz a morte
A morte da moda mudada

João ferreira

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