Saliento, inicialmente, que venho afastando a aplicação dos
sistemas de "cotas" das universidades federais com foro
recursal neste Tribunal, tendo em vista considerar que ditos sistemas quebram princípios básicos e prestigiados pela Constituição Federal de 1988 e não se sustentam em lei. Assim, embora os bons propósitos que as inspiram, tenho entendido que as cotas raciais e sociais não podem ser prestigiadas em face do princípio democrático da legalidade. Aduzo que não resta dúvida de que o Brasil é um país socialmente desigual, também está fora de dúvida que somos uma nação de mestiços. Por outro lado, a classificação racial bipolarizada enfrenta dificuldades. As classes menos favorecidas não podem ser reduzidas aos negros e índios. Afastados emocionalismos, o mais racional parecer ser a cota social aos mais pobres, egressos de escolas públicas, mas sem fundamentalismo, ou radicalismo. Distinções baseadas em raça, etnia, nota extrínseca ou intrínseca do indivíduo já foram afastadas pelo Supremo Tribunal Federal. O direito à educação é um direito social fundamental (art. 208, inc. I, da Constituição Federal de 1988), sendo dever estatal provê-lo a todos. No ensino superior o acesso é informado pelo critério do mérito, que é fundamental na vida acadêmica. O atingimento dos níveis mais altos do ensino superior depende de esforço individual, o "mérito acadêmico", que é representativo do "bem de todos". O objetivo da Universidade pública não é dar ensino a quem não pode pagar, mas aos melhores, daí a ênfase no mérito. Produzir o melhor em conhecimento e pesquisa para retornar o melhor para a sociedade. Ao argumento de favorecer ou antidiscriminar alguns, não se pode prejudicar a todos, isto é, à coletividade que espera seja vertida à sociedade a excelência em conhecimento e pesquisa. A sociedade - a coletividade - é diretamente prejudicada se não forem seriamente selecionados os melhores. As políticas públicas de subsídio a estudantes pobres - Creduc e ProUni - já são aptas a promover o acesso dos menos favorecidos ao ensino superior, segundo a capacidade de cada um. Aqui, repousa o princípio do mérito acadêmico, que não se destina a proteger interesses individuais, mas sim, é do interesse da sociedade, o retorno do melhor para a sociedade. O estudo universitário público não pode ainda ser universal é então para os melhores. Na oferta e seleção dos candidatos devem ser observados os artigos 5º, 37 e 206 da Constituição Federal de 1988, com especial ênfase, à legalidade, imparcialidade, moralidade, publicidade e eficiência. A Universidade não tem autonomia para criar um "direito de raça" para seleção de alunos. As ações afirmativas podem e devem ser promovidas pelo Estado, mas se, ao implementá-las, o Estado quebra os princípios constitucionais regedores da espécie, como aqui, a igualdade de acesso, sem distinções de raça, sexo, cor, etc., necessita-se obviamente de interposição legislativa. É o Parlamento que legitimamente obriga a todos. É o princípio da dominação democrática, a quebra só pode ser feita pela lei, emanada do Legislativo. As cotas nas Universidades aqui discutidas, de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, foram instauradas ao desamparo de lei. Neste passo, distinguem-se da política pública Programa de Universidade para Todos (ProUni), convertida na Lei n. 11.906/2005, servindo o modelo do ProUni de argumento contra a implantação de tais programas ao arrepio da lei. Havendo lei, a sua constitucionalidade será examinada. As ações afirmativas promovidas pelo Estado com a quebra dos princípios constitucionais, como no caso, a igualdade de acesso, e o discrímen por raças ou renda, necessitou de interposição legislativa. O fato de a própria Constituição Federal de 1988 ter discriminado afirmativamente os portadores de necessidades especiais (art. 37, inc. VIII, da Constituição Federal de 1988) e a mulher em algumas hipóteses (art. 7º, inc. XX, da Constituição Federal de 1988), ao invés de apontar no sentido da desnecessidade de lei, a reforça. As Leis n. 10.558/2002 e 10.678/2003 não são suficientes ao propósito almejado, pois não são específicas em relação às cotas, não fazendo um objetivo dimensionamento das mesmas. Ainda que assim não fosse, e acaso se tivessem por válidas, na hipótese, as "cotas" sociais, a impetrante não faria jus à matrícula. Com efeito, tida por viável a implantação de sistema de reserva de vagas, pela UFRGS, dever-se-ia, em princípio, respeitar as regras por ela impostas, mediante a comprovação, no caso, de que a concorrente às vagas destinadas a egressos do ensino público aí cursou, integralmente, o Ensino Médio e, pelo menos, metade do Ensino Fundamental. Com efeito, considerando esta Magistrada ser inaceitável a reserva de vagas, em concurso vestibular, da forma como vem sendo feita, nas Universidades públicas da Quarta Região, ainda mais inadequado mostrar-se-ia estender as hipóteses de "cotas" previstas nos atos normativos das instituições de ensino, possibilitando, e.g., que preenchessem as vagas reservadas alunos que não cursaram todo o Ensino Médio e metade do Ensino Fundamental (no mínimo) em estabelecimento público, mas em instituição privada.