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Aproximação histórica
José Antonio Pagola
Fontes:
Revista IHU OnLine. Nº 336, 6 de julho, 2010
e artigos de Notícias do Dia, IHU Online.
Compilação, Transcrição e
Reprodução Eletrônica:
Luiz Edgar de Carvalho
Mens Sana
Publicações Eletrônicas
Para Ler e Pensar
Março, 2011
Apresentação
Jesus. Aproximação histórica é um livro que suscitou uma enorme polêmica na Europa,
especialmente na Espanha. O autor do livro é José Antonio Pagola, teólogo, autor de
diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Mais de 80 mil exemplares do livro
foram vendidos na Espanha. Duramente questionado pela Conferência Episcopal
Espanhola, o livro já foi traduzido em diversas línguas e também já publicado, no
Brasil, pela Editora Vozes.
O debate suscitado pelo livro está lembrado nos artigos reproduzidos a seguir, coligidos
de Notícias do Dia, publicadas diariamente na página do Instituto Humanitas Unisinos
– IHU Online.
Completando esta edição é discutido o tema do livro em entrevistas especiais,
publicadas na Revista IHU On-Line. No final, traz também uma resenha do livro feita
por Faustino Teixeira e dois textos extraídos do livro: a Apresentação e o Epílogo.
Foram entrevistados Andrés Torres Queiruga, teólogo, professor da Universidade de
Santiago de Compostela, na Espanha, Jacques Schlosser, exegeta, professor na
Faculdade de Teologia de Strasbourg (Université Marc Bloch), Carlos Palacio, teólogo,
superior provincial da Companhia de Jesus no Brasil, Francisco Orofino, teólogo,
professor no Seminário Paulo VI, de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro e Faustino Teixeira,
professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de
Juiz de Fora.
Sumário
Artigos:
— O segredo de um fascinante Galileu, de Faustino Teixeira
— “A tarefa urgente da Igreja atual é voltar a Jesus”, Pagola no sítio Religión
Digital
— O basco Pagola e o norte-americano John P. Meier, de Carlos Aizpurua
Entrevistas:
— Jesus pode ser um desafio muito perigoso para a Igreja atual''. José Pagola
— Faustino Teixeira: O Jesus de Pagola
— Andrés Torres Queiruga: “Em Jesus se realiza o melhor de nós”
— Francisco Orofino: Jesus: um apaixonado por Deus e pelas pessoas
— José Ignacio González Faus : A humanidade de Jesus como divindade e amor
— Jacques Schlosser: Jesus: o profeta da Galileia
— Carlos Palacio: Humanamente divino e divinamente humano
Resenha
— Jesus. Aproximação histórica. Por Faustino Teixeira
Extratos do Livro:
— Prólogo
— Epílogo
Pagola e os inquisidores
IHU Online: 22/3/2011
EPÍLOGO
Segundo um relato evangélico, ao caminhar pela região de Cesaréia de Filipe,
Jesus perguntou a seus discípulos o que se dizia a respeito dele. Quando eles o
informaram sobre os boatos e expectativas que começavam a originar-se entre o povo,
Jesus lhes perguntou diretamente: "E vós, quem dizeis que eu sou?"
Transcorridos vinte séculos, qualquer pessoa que se aproxima da figura de Jesus
com interesse e honestidade, encontra-se diante desta pergunta: Quem é Jesus?" A
resposta só pode ser pessoal. Sou eu que tenho que responder. Pergunta-se a mim o que
digo eu, e não o que dizem os concílios que formularam os grandes dogmas
cristológicos, não o que explicam os teólogos nem a que conclusões chegam hoje os
exegetas e investigadores de Jesus.
Também eu, ao longo deste estudo, perguntei-me mais de uma vez quem é
realmente Jesus para mim. Não é minha intenção confessar aqui minha fé em Jesus
Cristo. Deverei fazê-lo, como todos os cristãos, sobretudo com minha vida de cada dia.
O que quero efetivamente é compartilhar, com aqueles de vocês que se sentem cristãos,
algumas convicções que foram crescendo em mim com força, à medida que fui
avançando em meu esforço por aproximar-me da pessoa de Jesus.
Estas convicções não pretendem impor nada aos que pensam de maneira
diversa. São apenas expressão de minha fé em Jesus Cristo. Quero compartilhá-las com
vocês que amam a Jesus, crêem em seu projeto do reino de Deus e trazem bem no fundo
do coração a preocupação pelo destino da humanidade.
Voltar a Jesus
A primeira coisa e a mais decisiva é esta: pôr Jesus no centro do cristianismo.
Todo o resto vem depois, é secundário. O que pode haver de mais urgente e necessário
para os cristãos do que despertar entre nós a paixão pela fidelidade a jesus? Ele é o
melhor que temos na Igreja. O melhor que podemos oferecer e comunicar ao mundo de
hoje.
É essencial para os cristãos confessar Jesus Cristo como "Filho de Deus",
"Salvador do mundo" ou "Redentor da humanidade", mas sem reduzir sua pessoa a uma
"sublime abstração". Não quero crer num Cristo sem carne. Resulta-me difícil alimentar
minha fé só de doutrina. Não creio que nós cristãos possamos viver hoje motivados só
por um conjunto de verdades acerca de Cristo. Precisamos do contato vivo com sua
pessoa: conhecer melhor Jesus e sintonizar vitalmente com ele. Não encontro maneira
mais eficaz de aprofundar e enriquecer minha fé emJesus Cristo, Filho de Deus, feito
humano por nossa salvação.
Todos nós corremos certo risco de converter Cristo em "objeto de culto"
exclusivamente: uma espécie de ícone venerável, com rosto sem dúvida atraente e
majestoso, mas do qual ficaram apagados, em maior ou menor grau, os traços daquele
Profeta de fogo que percorreu a Galileia por volta do ano 30. Não precisamos hoje, nós
cristãos, conhecê-lo de maneira mais viva e concreta, compreender melhor seu projeto,
captar bem sua intuição de fundo e contagiar-nos com sua paixão por Deus e pelo ser
humano?
Nós cristãos temos imagens muito diferentes de Jesus. Nem todas coincidem
com a que tinham de seu Mestre querido os primeiros homens e mulheres que o
conheceram de perto e o seguiram. Cada um de nós nos fizemos uma ideia de Jesus;
temos nossa própria imagem dele. Esta imagem, interiorizada ao longo dos anos, atua
como "mediação" da presença de Cristo em nossa vida. A partir dessa imagem lemos o
evangelho ou ouvimos o que nos pregam; a partir dessa imagem alimentamos a fé,
celebramos os sacramentos e configuramos nossa vida cristã. Se nossa imagem de.Jesus
é pobre e parcial, nossa fé será pobre e parcial; se está distorcida, viveremos a
experiência cristã de forma distorcida. Entre nós há cristãos bons, que crêem em
Jesus e o amam sinceramente; será que não precisam muitos deles "mudar" e
purificar sua imagem de Jesus, para descobrir com alegria a grandeza dessa fé que
trazem em seu coração?
Seguir Jesus
Jesus não deixou atrás de si uma "escola", no estilo dos filósofos gregos,
para continuar aprofundando-se na verdade última da realidade. Tampouco pensou
numa instituição dedica da a garantir no mundo a verdadeira religião. Jesus pôs em
marcha um movimento de "seguidores" que se encarregassem de anunciar e
promover seu projeto do "reino de Deus". Daí provém a Igreja de Jesus. Por isso,
não há nada mais decisivo para nós do que reativar sempre de novo, dentro da
Igreja, o seguimento fiel à pessoa de Jesus. O seguimento de Jesus é a única coisa
que nos faz cristãos.
Embora às vezes o esqueçamos, é essa a opção primeira de um cristão:
seguir Jesus. Esta decisão muda tudo. É como começar a viver de maneira diferente
a fé, a vida e a realidade da cada dia. Encontrar, por fim, o eixo, a verdade, a razão de
viver, o caminho. Poder viver dando um conteúdo real à adesão a Jesus: crer no que ele
creu; viver o que ele viveu; dar importância àquilo a que ele dava importância;
interessar-se por aquilo pelo qual ele se interessou; tratar as pessoas como ele as tratou;
olhar a vida como ele a olhava; orar como ele orou; transmitir esperança como ele a
transmitia.
Sei que é possível seguir Jesus por caminhos diversos. O seguimento de
Francisco de Assis não é o de Francisco Xavier ou o de Teresa de Jesus. São muitos os
aspectos e matizes do serviço de Jesus ao reino de Deus. Mas há traços básicos que não
podem faltar num verdadeiro seguimento de Jesus. Assinalo alguns.
Seguir Jesus implica pôr no centro de nosso olhar e de nosso coração os pobres.
Situar-nos na perspectiva dos que sofrem. Fazer nossos seus sofrimentos e aspirações.
Assumir sua defesa. Seguir Jesus é viver com compaixão. Sacudir de nós a indiferença.
Não viver só de abstrações e princípios teóricos, mas aproximar-nos das pessoas em sua
situação concreta. Seguir Jesus pede desenvolver a acolhida. Não viver com
mentalidade de seita. Não excluir nem excomungar. Fazer nosso o projeto integrador e
includente de Jesus. Derrubar fronteiras e construir pontes. Eliminar a discriminação.
Seguir Jesus é assumir a crucificação pelo reino de Deus. Não deixar de definir-
nos e tomar partido por medo das consequências dolorosas. Carregar o peso do
"antirreino" e tomar a cruz de cada dia em comunhão com Jesus e os crucificados da
terra. Seguir Jesus é confiar no Pai de todos, invocar seu nome santo, pedir a vinda de
seu reino e semear a esperança de Jesus contra toda esperança.
Construir a Igreja de Jesus
Falar de Jesus e da Igreja é decisivo, mas também delicado e às vezes conflitivo.
Nem todos os cristãos temos a mesma visão da realidade eclesial; nossa perspectiva e
índole, nosso modo de perceber e viver seu mistério é, com frequência, não só diferente,
mas contraposto. Jesus não separa nenhum crente de sua Igreja, não o põe em confronto
com ela. Ao menos esta é minha experiência. Na Igreja eu encontro Jesus como em
nenhum outro lugar; nas comunidades cristãs ouço sua mensagem e percebo seu
Espírito.
Alguma coisa, no entanto, está mudando em mim. Amo a Igreja assim como ela
é, com suas virtudes e seu pecado, mas agora, cada vez mais, amo-a porque amo o
projeto de Jesus para o mundo: o reino de Deus. Por isso quero vê-la cada vez mais
convertida a Jesus. Não vejo maneira mais autêntica de amar a Igreja do que trabalhar
por sua conversão ao evangelho.
Quero viver na Igreja convertendo-me a Jesus. Essa há de ser minha primeira
contribuição. Quero trabalhar por uma Igreja que as pessoas sintam como "amiga de
pecadores". Uma Igreja que busca os "perdidos", descuidando talvez outros aspectos
que podem parecer mais importantes. Uma Igreja onde a mulher ocupe o lugar que
Jesus realmente quis para ela. Uma Igreja preocupada com a felicidade das pessoas, que
acolhe, escuta e acompanha todos os que sofrem. Quero uma Igreja de coração grande,
na qual cada manhã nos ponhamos a trabalhar pelo reino, sabendo que Deus fez seu sol
nascer sobre bons e maus.
Sei que não basta falar da "conversão da Igreja a lesus", embora pense que é
necessário e urgente proclamá-lo sempre de novo. A única forma de viver em processo
de conversão permanente é que as comunidades cristãs e cada um dos crentes nos
atrevamos a viver mais abertos ao Espírito de Jesus. Quando nos falta esse Espírito,
podemos cair na ilusão de ser cristãos, mas quase nada nos diferencia daqueles que não
o são; brincamos de ser profetas, mas, na realidade, não temos nada de novo a
comunicar a ninguém. Terminamos frequentemente repetindo com linguagem religiosa
as "profecias" deste mundo.
Mens Sana
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