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Seminários: o estudante como protagonista de seu saber Carlos André Gomes

Mário Pazzini

Seminários: o estudante como


protagonista de seu saber

Carlos André Gomes

Sociólogo e comunicador social, mestre em ciências sociais,


professor de sociologia no Loyola.

Mário Pazzini

Filósofo, psicólogo e professor de filosofia no Loyola.

O artigo discute a implementação de uma forma diferenciada


de trabalhar conteúdos em sala de aula. Trata-se da
introdução de novas disciplinas (Sociologia, Filosofia,
Teologia, Oficina de redação e Empreendedorismo) no Ensino
Médio do Colégio Loyola e, sobretudo, de um esforço de
possibilitar aos estudantes uma nova relação com o
conhecimento, relação mais autônoma, crítica e dialogada.
Nesse sentido, procurou-se desenvolver uma didática que
pudesse contribuir com um processo ensino-aprendizagem
construído em outras referências, nas quais os alunos
participem mais ativamente das aulas, uma vez que são
chamados a apresentar conteúdos aos próprios colegas, bem
como dialogar com teorias, textos e autores clássicos. Criou-
se, então, um novo formato de aulas, uma modalidade
didático-pedagógica diferenciada dentro da matriz curricular
da escola visando à introdução de um espaço educativo
distinto e complementar ao modelo predominante.

Palavras-chave: Processo ensino-aprendizagem, didática de


seminários, Filosofia no Ensino Médio, Sociologia no Ensino Médio.

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Revista Interlocução, v.3, n.3, p.50-56, publicação semestral, março-outubro/2010.
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Em um mundo atravessado por globalismos e particularismos, por


mudanças e permanências, por diferenças culturais e desigualdades sociais;
em sociedades inscritas em paradoxos e contradições, impregnadas de excesso
e falta; em tempos do virtual, de prazer e sofrimentos tantos, de civilização e
barbárie, de incertezas e dúvidas, a escola é interrogada, é posta à prova a
cada dia. Nesse contexto, novas e antigas instituições de socialização e
transmissão da cultura se modificam e ganham centralidade no cotidiano da
vida social e dos indivíduos, interpelando a sala de aula. Os conhecimentos são
interrogados pelos próprios estudantes, que os desejam mais vivos e
dinâmicos, mais significativos e próximos de seus interesses e necessidades.
Estamos diante de novos discentes.
Como pensar e como trabalhar com a Filosofia, a Sociologia, o
Empreendedorismo e a Teologia nesse cenário? Como aproximá-las do dia a
dia dos jovens e adolescentes, nossos estudantes, de forma que compreendam
suas importância e potencialidade para a leitura da vida e do mundo, para o
bem viver, para a construção de suas identidades, biografias e histórias
individuais e coletivas? Não são simples as possíveis respostas a essas
questões, mas é preciso ensaiar, é preciso buscar, aprendendo,
desaprendendo e reaprendendo – com eles e conosco, os colegas professores –
através de tentativas e esforços conjuntos.
Partindo dessas inquietações e perspectivas, temos construído uma
experiência de trabalho sobre a qual trazemos aqui algumas reflexões, sem
qualquer pretensão de esgotá-la.

Os seminários

Os chamados seminários são uma modalidade didático-pedagógica que


possibilita aos alunos enfrentarem problemas de interesse universal, tais
como: liberdade, cultura, verdade e ética. A partir de leituras orientadas,
exposição oral de ideias, discussões e registro de conclusões temporárias, os
alunos são levados a refletir e discutir sobre diversas questões. As disciplinas,
textos clássicos e outros textos abordam problemas que, apesar de sua
relevância, alguns estudantes ainda não tiveram a oportunidade de vivenciar
e/ou refletir. Mais do que resolver tais problemas, o importante é notar a
possibilidade de construir o conhecimento de maneira autônoma e coletiva. O
estudante é chamado a participar, expor e contrapor suas ideias e percepções
ao mesmo tempo em que conhece a perspectiva de alguns autores que já
teorizaram a respeito, além de partilhar suas ideias com ou contra as ideias
dos colegas.
Mas os seminários não diferem de outras disciplinas apenas pela didática
utilizada. Neles, a própria organização das aulas é diferente. Introduzidos no
Ensino Médio do Colégio Loyola a partir de 2008, são desenvolvidos nas
disciplinas de Teologia, Filosofia e Sociologia e, desde o início deste ano,
também em Empreendedorismo e Oficina de Redação. Para potencializar os
objetivos pretendidos, desenvolver uma relação mais autônoma, crítica e
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compartilhada com o conhecimento, verificou-se a necessidade de


desenvolverem-se disciplinas em um novo formato. Aulas no turno da tarde
(horário diferente daquele das demais disciplinas da Matriz Curricular), salas
com menor número de alunos que saem de suas turmas para se juntar a
outros estudantes de variadas salas, aulas geminadas e, talvez a principal
novidade, a duração semestral das disciplinas.

As aulas

As disciplinas de seminário possuem certa unidade, sobretudo na forma


como se encontram organizadas e em relação ao objetivo geral dessa
modalidade pedagógica: desenvolver uma maior autonomia e maturidade
acadêmica por parte de nossos estudantes a partir de um desenvolvimento
intelectual crítico. Entretanto, as estratégias, os temas e os percursos
utilizados por cada uma dessas disciplinas e professores são distintos, dada a
especificidade de cada disciplina, assunto e questões trabalhadas. Essa
diversidade didático-metodológica contribui, agrega, amplia e integra
diferentes aspectos e abordagens de uma realidade que também é múltipla,
sobretudo, nas maneiras e formas de se pensá-la.
Nos seminários de Filosofia, os alunos fazem a leitura prévia do texto
indicado. Um grupo de alunos escolhe o texto a ser trabalhado; apresenta as
ideias principais do texto e levanta questões para provocar o debate e
proporcionar as discussões. É fundamental observar que alguns conceitos
exigem explicação prévia do professor para facilitar a compreensão dos textos
e o surgimento de questões e novas ideias.
A Filosofia caracteriza-se por uma postura questionadora,
problematizadora e de enfrentamento racional dos problemas que envolvem o
ser humano. Ensinar filosofia é percorrer os caminhos da história das ideias
para fundamentar nosso conhecimento e facilitar o surgimento de um pensar
autônomo, crítico e criativo. Além disso, a filosofia propicia um crescimento
pessoal em termos de maior capacidade de autorreflexão e expressão e isso,
sem dúvida, proporciona um autocrescimento cívico, respeito pelo outro e pela
diferença, apontando necessariamente para a maior tolerância e paz entre os
homens.
Por sua vez, os seminários de Sociologia partem, geralmente, de noções
e conhecimentos que os estudantes possuem para, a partir daí, desenvolver a
capacidade de realizar um estranhamento de seu próprio cotidiano, bem como
interrogar e problematizar a vida social, compreendendo-a além do senso
comum, das pré-noções, dos estereótipos e preconceitos.
Os conteúdos e atividades desenvolvidos visam a desnaturalizar e
historicizar a compreensão dos processos sociais nos quais os estudantes estão
envolvidos. Através do estímulo ao exercício da imaginação sociológica (MILLS,
1965), pretende-se contribuir para a formação da capacidade de relativizar
aspectos culturais, políticos e sociais. Busca-se desenvolver uma compreensão

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das sociedades e culturas como construções humanas e, portanto, múltiplas,


históricas e dinâmicas.
A disciplina possibilita um primeiro contato dos alunos com obras e
autores clássicos das ciências sociais. A partir das contribuições da Sociologia à
compreensão da realidade, são incentivadas oportunidades para que os jovens
possam atuar no mundo como sujeitos comprometidos com a reinvenção da
sociedade e da história. Dessa forma, esperam-se formar homens e mulheres
conscientizados e sensibilizados para esse compromisso, conforme objetivado
pela proposta educativa da Companhia de Jesus.
Quanto à Teologia, mediante o estudo e a discussão de diversas crenças,
o seminário procura mostrar as religiões como mensagem e caminho de
salvação. Uma vez que todas elas transmitem, por meio da fé, uma visão da
vida, uma atitude perante a vida e normas para o bem viver. Nesse sentido, a
disciplina pretende contribuir com a formação integral, “um processo educativo
que aspire à excelência, um esforço de superação no desenvolvimento das
próprias potencialidades que integre o intelectual, o acadêmico e todo o resto”,
nos termos da Pedagogia Inaciana (2003, p.24). Isto é, deseja ajudar os
estudantes a serem homens e mulheres “para os outros” e “com os outros”.
Fundada na perspectiva da pedagogia inaciana, a Teologia pretende ser uma
experiência pessoal. Utiliza-se, didaticamente, da apresentação de um
problema-desafio que coloca os estudantes a par de uma realidade econômico-
político-cultural, desafiando-os a refletir acerca de tal contexto, levantando
vários questionamentos e confrontando com a realidade em que eles vivem.
De forma geral, nos seminários os alunos são estimulados à reflexão e a
propor soluções para os problemas com os quais se deparam. As aulas são
pensadas de forma a promover o protagonismo do estudante na relação
ensino-aprendizagem, na medida em que ele tem a oportunidade de expor,
escutar, argumentar e contra-argumentar, elaborar e construir o conhecimento
individual e coletivamente. Teorias e conceitos não são transmitidos aos
alunos. São discutidos, debatidos, dialogados e refletidos com eles. Valoriza-
se, ainda, a experiência da diferença, por perceber que o outro nos auxilia a
fomentar as ideias, seja pensando com ele ou contra os argumentos e ideias
apresentadas por ele. Os estudantes são desafiados a expor suas ideias
concordando ou discordando dos pensadores da história e a desenvolver a
capacidade de leitura, escrita e oralidade a partir de textos filosóficos,
sociológicos e teológicos. Além disso, há uma escolha racional por soluções
que abranjam o outro e o bem comum, fazendo, desse modo, o aluno ser o
maior responsável por si mesmo e pelo mundo no qual está inserido.

Algumas avaliações

Os seminários representam algo novo. Como costuma acontecer com as


novidades e em processos de mudanças, nem sempre as coisas acontecem da
maneira como são previstas. Outra característica desses momentos de
transição, como a representada pela novidade desses conteúdos disciplinares
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(Teologia, Empreendedorismo, Sociologia e Filosofia) no contexto escolar e


ainda pelas aulas no formato de seminários, é o fato de não acontecerem com
a velocidade que muitas vezes se pensou e nem todos já se encontram
preparados para vivenciá-los. Mas, por opção, estamos aprendendo e
lapidando a estrutura, o melhor funcionamento e, sobretudo, buscando
explorar toda a potencialidade dos seminários na medida em que vamos
fazendo e colocando em prática essas ideias e metodologias.
Por se tratarem de disciplinas novas no Colégio Loyola, sobretudo
Teologia e Sociologia, e pelas diversas inovações que apresentam, a
autonomia e a maturidade necessárias ao desenvolvimento das atividades
propostas têm sido, por vezes, desenvolvidas no decorrer dos cursos. Contudo,
os resultados e as experiências já vividas e relatadas nos encorajam e animam
a seguir nesse rumo. Podemos observar isso nos relatos abaixo:

“A real importância dos seminários não reside meramente na didática ou


em apenas mais um curso. A utilidade, a importância e até mesmo a
beleza dos seminários se encontram na construção conjunta de
conhecimento. Assim, ao buscarmos a verdade e o conhecimento, mesmo
que não o alcancemos em sua plenitude, com certeza o aprendizado será
grande. E este conhecimento é tão importante, pois em um mundo como
o nosso, onde tudo muda, todo o tempo, conhecimento é sinônimo de
liberdade.” (Bruno Vaz – 1 EM).

“Posso dizer, por experiência própria, que os seminários oferecidos a nós


no Loyola (Filosofia, Sociologia e Teologia) nos ensinam a analisar
criticamente as situações cotidianas. Percebemos que sempre existiram e
sempre existirão opiniões adversas às nossas, que temos acima de tudo
que respeitá-las e que podemos, em qualquer circunstância, defender
nossas ideias, mas que a base de qualquer defesa são bons argumentos.”
(Vivian Moreira de Carvalho – 2EM).

Próximos passos

Pretendemos desenvolver cada vez mais a autonomia de nossos alunos a


partir da disponibilização de novas oportunidades de escolhas para eles. Se
hoje os estudantes escolhem em que semestre fazem cada uma das disciplinas
dos seminários, desejamos que, em breve, os alunos possam também escolher
quais dos distintos conteúdos ofertados eles preferem estudar. A ideia é que
cada uma das disciplinas de seminário apresente diferentes programas para
que os estudantes possam optar por aqueles que despertem maior interesse.
Além disso, pretendemos viabilizar a organização de turmas que mesclem não
apenas alunos de diferentes turmas, como também das diferentes séries do
Ensino Médio.
Outra proposta é criar seminários optativos que estejam abertos não
apenas para os alunos, mas que possibilitem a inclusão de outros membros da
comunidade educativa.

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Desafios

Alguns desafios que estão postos nesta experiência dos seminários


pedem cuidadoso trato e dedicação para que sejam superados. Dentre eles,
parecem-nos os mais importantes:
- a permanente busca da compreensão e do diálogo fraterno, sincero e
educativo com os nossos adolescentes e jovens, tocando, trazendo à cena suas
vidas e realidades, problematizando-as de modo que possam reinventá-las em
outras bases, de modo que impliquem a construção de um outro mundo,
possível e necessário para si e para todos;
- aproximar cada vez mais nossos trabalhos e propostas das culturas
juvenis, nelas inserindo a beleza, a força, a luminosidade e o fascínio pelo
filosofar, pela imaginação sociológica e pela reflexão teológica sobre a vida e o
mundo.
Em outros termos, de modo significativo e fecundo, extrair e reinventar
os conhecimentos filosóficos, sociológicos e teológicos em seu potencial e
grandeza na compreensão e nos balizamentos críticos e inventivos para a vida
humana e social, para o bem viver de todos e para todos.
Entre outras condições para a superação desses desafios, três fatores
têm se mostrado imprescindíveis, quais sejam: nosso permanente esforço de
compreensão de quem são e como vivem nossos jovens hoje para melhor
desenvolvermos seu potencial, necessidades e protagonismos de hoje e
amanhã; nosso permanente esforço na realização de trabalhos coletivos,
criando vínculos humanos e laborais cada vez mais amplos e sólidos entre os
profissionais da escola. E, por fim, uma permanente e cotidiana reflexão sobre
o nosso trabalho e sobre a escola – seus tempos, espaços, rituais, propostas,
propósitos, limites e possibilidades – abrindo-a para novas propostas, projetos
e experiências que a tornem cada vez mais significativa e pertinente para a
formação dos estudantes.
Para percorrermos esse caminho e outros que possamos inventar,
convidamos todos e cada um de nossos colegas, convencidos de que os
protagonismos docentes serão mais belos e fecundos se estivermos juntos,
repercutindo muito mais em novos e formosos protagonismos discentes.

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Editora da UFMG, 1999.

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1993.

CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS. São Paulo:


Edições Loyola, 1991.

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1997.

LIPMAN, M. O Pensar na Educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

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