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«Os Mega-Agrupamentos Fazem Mal à Escola Pública»

A escola pública tem estado sob um ataque que se insere num movimento mais vasto, que visa a
reconfiguração do Estado Social e Provedor de serviços públicos. Nos últimos seis anos a situação
agravou-se com a aplicação das medidas de política educativa desenhadas pelos governos de José
Sócrates, que pretendem abrir espaço à privatização da educação, como já acontece em larga
medida no sector da saúde.

Sob a batuta das “boas práticas” de gestão impõem-nos Instrumentos de Acção Pública, que são
apresentados como medidas de carácter técnico com uma racionalidade científica não contestável e
que asseguram maior eficiência aos processos de livre circulação dos capitais. Entre estes
instrumentos aplicados à educação encontramos o modelo de gestão, a avaliação de desempenho, o
fim dos quadros de escola e, mais recentemente, a criação dos mega-agrupamentos.

A imposição de constituição de mega-agrupamentos, que as DRE’s estão a levar a cabo, diminuirá


muito a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas, afectando directamente as
aprendizagens e a segurança dos estudantes, em função de um previsível aumento da conflitualidade
e da indisciplina.

Estes problemas ocorrerão porque a articulação do trabalho docente se fará em situação muito mais
precária, devido à dispersão dos membros do mesmo grupo disciplinar por diversas escolas com
culturas organizacionais diferentes. Mas também porque os alunos sentirão a direcção do
agrupamento muito mais distante e a respectiva capacidade de intervenção disciplinar diminuída.

É certo que a retórica governamental nos apresenta esta medida envolta num alegado desejo de
melhoria do “serviço público de educação”, afirmando-se, na resolução do Conselho de Ministros
n.º 44/2010, que o objectivo é «promover condições para a criação e consolidação de unidades de
gestão que integrem todos os níveis de ensino e que permitam a um aluno completar a escolaridade
obrigatória no mesmo agrupamento de escolas.»

Nesse sentido o governo estabeleceu, em Junho de 2010, 3 orientações:

a) Adaptar a rede escolar ao objectivo de uma escolaridade de 12 anos para todos os alunos;
b) Adequar a dimensão e condições das escolas à promoção do sucesso escolar e ao combate ao
abandono; e
c) Racionalizar os agrupamentos de escolas, de modo a promover o desenvolvimento de um
projecto educativo comum, articulando níveis e ciclos de ensino distintos.
Já em Novembro, através da Portaria n.º 1181/2010 foram estabelecidos os procedimentos de
criação, alteração e extinção dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, bem como de
estabelecimentos públicos de ensino. Aqui, mais uma vez, o texto do preâmbulo não encaixa muito
bem no articulado da portaria, já que apesar de ser realçada a importância dos municípios e das
cartas educativas no planeamento e na gestão da rede escolar, o Artigo 2.º indica que a apresentação
de propostas de criação de agrupamentos de escolas e de estabelecimentos da educação pré -escolar,
do ensino básico e do ensino secundário, compete a) No caso de criação de agrupamentos de
escolas, às direcções regionais de educação (DRE); e b) No caso de criação de estabelecimentos da
educação pré -escolar, do ensino básico e do ensino secundário, às DRE e aos municípios.

É certo que há duas semanas atrás foi publicado o Despacho n.º 4463/2011, em que se determina
que a agregação de agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas pode ser da iniciativa das
direcções regionais de educação (DRE) ou dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas.

Só que, a determinação de que os municípios e os conselhos gerais apenas têm um prazo máximo de
10 dias para se pronunciarem sobre as propostas de agregação de agrupamentos de escolas e escolas
da iniciativa das DRE’s denuncia um propósito de fazer avançar os mega-agrupamentos a qualquer
custo.

Ao contrário dos alegados propósitos de melhoria da qualidade da escola, o verdadeiro objectivo do


governo é de natureza económica e visa a contenção orçamental, através da redução de custos com
pessoal e com os suplementos remuneratórios das direcções.

A concretizar-se a criação de 6 mega-agrupamentos no concelho da Amadora, o valor poupado só


com os suplementos de directores, sub-directores e adjuntos rondará os 16.000 € mensais. Aos quais
se deverá adicionar a poupança gerada por menos 45 horários dos actuais membros de direcções
que passarão a ter turma(s) para leccionar, deixando de ser substituídos por 45 professores
contratados.

Quando afirmo que o que se pretende obter com os mega-agrupamentos é apenas uma contenção de
custos, baseio-me na investigação existente sobre a dimensão das escolas, segundo a qual podemos
concluir que existe uma consistência notável entre todos os estudos realizados sobre o tamanho das
escolas: mais pequeno é melhor.

Isto decorre do facto de as necessidades das crianças, em especial as mais novas, se centrarem ao
nível da estrutura, estabilidade social e apoio comunitário. É que, parece que as escolas mais
pequenas fortalecem as relações interpessoais e o senso de comunidade, além de também serem
associadas a um maior empenhamento e responsabilização parental e terem maiores índices de
envolvimento dos pais.

Alguns investigadores argumentam que, hoje em dia, as escolas tendem a ser maiores porque o foco
nos “curricula cognitivos e académicos” obriga os decisores a ignorar as dinâmicas sociais
esquecendo que as escolas grandes contribuem para a despersonalização, negativismo, alienação e,
por último, para o absentismo e abandono.
O dilema para os decisores que apenas olham para os custos e taxas de sucesso é que estes números
não têm em conta os custos a longo prazo de tomadas de decisão erradas, custos reais que são
difíceis de estimar e que se relacionam com o crime, vandalismo, desemprego e outros problemas
comunitários atribuíveis a comportamentos associais, adquiridos através de um contexto social
inadequado nos anos da infância e adolescência.

Numa revisão da literatura existente sobre o tamanho das escolas, Cotton (1996) debruçou-se sobre
alguns dos factores que, de acordo com a sua análise, são afectados pela dimensão da escola.

Entre eles os investigadores descobriram que os ganhos para a qualidade do currículo são
insignificantes, uma vez que o dobro da capacidade da escola apenas aumenta em 17% a variedade
das ofertas curriculares e que apenas 5 a 12% dos alunos das escolas maiores se inscrevem nesses
cursos extra. Mas, mais importante ainda, cinco de seis estudos relataram que as escolas mais
pequenas eram tão eficazes como as maiores na preparação dos estudantes para o prosseguimento
dos seus estudos.

Quanto aos custos de Eficácia, os investigadores descobriram que, até certo ponto, há economias
de escala e os custos por aluno diminuem com o aumento do tamanho da escola. Só que, a partir de
certo ponto, à medida que aumenta o número de alunos, torna-se necessário contratar pessoal extra
e os custos voltam a subir. O tamanho da escola que maximiza os custos de eficácia é variável e
altamente dependente de particularidades da comunidade e do sistema escolar.

No que respeita aos resultados académicos nenhum estudo provou que as escolas grandes
proporcionam melhores resultados académicos do que as mais pequenas, ao mesmo tempo que estas
mostram melhores resultados por parte das minorias étnicas e dos estudantes com baixos
rendimentos.

A pesquisa sobre as atitudes dos estudantes favorece largamente as escolas mais pequenas em
relação às maiores, verificando-se de novo que as minorias e os estudantes de mais baixo status
económico beneficiam do ambiente das escolas mais pequenas.

As escolas pequenas têm menor incidência de comportamentos sociais desajustados do que as


escolas maiores, com as minorias e os estudantes de mais baixo rendimento mostrando os efeitos
mais positivos das escolas pequenas.

Os estudantes das escolas mais pequenas envolvem-se numa variedade maior de actividades extra-
curriculares do que os das escolas maiores.

As estatísticas de assiduidade voltam a favorecer as escolas mais pequenas em relação às maiores.


Nove em dez relatórios revistos por Cotton relataram menor abandono escolar nas escolas mais
pequenas.

Os investigadores relataram um maior sentido de comunidade e pertença entre os estudantes das


escolas mais pequenas, além de que a auto-estima pessoal e académica é mais forte nestas escolas.

Finalmente, os investigadores relataram que as relações interpessoais entre estudantes e


professores eram mais positivas nas escolas mais pequenas, e, não menos importante, os poucos
estudos sobre a atitude dos professores favorecem as escolas mais pequenas, porque “As escolas
grandes parece favorecerem uma percepção negativa dos professores em relação à administração
escolar e um moral baixo do pessoal.”

Em conclusão poderemos afirmar que propor a criação de mega-agrupamentos, nalguns casos com
mais de três mil alunos, centenas de professores, dezenas de funcionários e vários espaços escolares
dispersos pelo território, pode servir a poupança imediata de umas centenas de milhar de euros. Não
serve é, com toda a certeza, a qualidade da escola pública e um ensino de qualidade que é um
direito de todos os cidadãos e um dever do estado.

Obras Citadas
Cotton, K. (1996). School Size, School Climate, and Student Performance. School
Improvement Research Series .

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