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Migragées de fronteira entre o Brasil e os paises do Mercosul* ‘Teresa Soles"* ‘Achat oportuno publicar esta nota de pesquisa nesse momento em que recrudesce a lula pela terra entre os ‘rabalhadores rurais brasileiros, levando 0 governo Fernando Henrique Cardoso f revor suas politicas piblicas no senti- do da priorizar a politica agréria. O contetide de minhas teflexdes sobre fronteira agricola, meroado de terras @ migragdes (primeira seco), as causas histéricas das migragdes de frontelra {segunda segio), 0 &xodo de brasileiros ‘em diregdo ao vizinho Paraguai (terceira segio) 6, finalmente, sobre migragao de retorno Paragual-Brasil (quarta seco), ‘mglto embora centrado na questo das migrag6es do fronteira nos paises do ‘Mercosul, contém como pano de fundo. na verdado, uma reflexdo sobre varios aspectos de nossa questo agréria, so- bre a qual tego as consideragées finais. Fronteira agricola, mercado de terras @ migragéos No Brasil, as politicas governaman- tais tm tid uma enorme inflyéneia nos movimentos de populagao, mesmo que essa influéncia seja exercida, na maior parte dos casos, de forma indireta, como 6 0 caso da proposta de reforma agratia da Nova Republica, que terminou por provocar um movimento de refiuxo das migragées de fronteira Brasil-Paragual, conforme seré analisado mais adiante. Tanto no caso das migracdes de fron- teira Brasi-Paraguai, como das migra ‘¢6e8 Brasil Uruguai © Brasil-Argontina, tem dempenhado um importante papel as polliicas agrarias governamentais do Brasil ¢ desses paises durante as déca- das de 70 80. Com objetivos explicitos de rotorma agraria ou simplesmente de democratizagdo do acesso a terra © polo @ pequena produgao na agricultu- ra, esses polticas terminaram igualmen- te por acarrotar efeitos indiretos, mut vezes em oposigao és suas propostas cexplictas. Um desses efeitos, quo pode ‘entrar na conta dos efeitos perversos, foi que, no Brasil, ossas politcas termi- naram por faciltar 0 desenvolvimento de uum mercado de terras agricolas e, com elo, a enttada do grandes grupos @ ‘empresas ma agricultura brasileira, em detrimento, justamente, da pequena pro- dugao familiar. Os fluxos migratérios de frontoira entre 0 Brasil, o Uruguai, 0 Paraguai e a Argentina tém muito a ver com esse process de valorizagao do terras. AS recentes migragSes de fronteira do Brasil fem direcéo a essos paises, causadas or questies agrérias, seriam de duas nnaturezas distintas, porém inter-relacio- nadas. Uma dolas 6 a migragao de proprietérios rurais ou ompresrios agri- ate tno & produto ce urs pescisa empeeenlda em 1934 ro Estado do Rio Grande do Sul, com base om Ssrfaveas cer pests cr da vais aigansoe que ham coma prod. agrapecsrae com auestto ‘Go abalhn ial naqusle esis, bem come er tevntamrio tthe vesirade na Ascaclogae Moga ‘dense de Em ndimarton do Aesitincia Teena a Eerste Rua (ale) ¢ M9 Convo BsslorD Go Bovunereayase Ecos de Baca co Pats (Code), om Pro Avge, Prcleseota Inte daconte de Departamento de Soviiogia do Into da Floseta w Cidneias Humane 02 Unwersidacs Estadual de Garena (Unica passa do Nicleo de Estas de Papuan (NEPO) ddova riverside som. colas (que tanto podem ser grandes proprietarios, como farmers @ poquenos produtores familiares) em busoa de tor- as mais baratas para produzir ou espe- cular. A outra 6 a migragao de trabalha- dores rurais ou pequenos produtores ue foram desapropriados pole proceso de modemizagdo ¢ tecrificagao da agri- cultura, movida pela busca de condigoes de subsisténcia. Clara que 0 segundo: ‘caso configura um movimento migratério de maiores proporgoes, até pela estru- ura social predominante nos campos brasilairos, com a sua marca de grande ‘concentragéo de renda o de proprieda- do. No caso da migragao do Brasil em diregio aos vizinhos Argentina 6 Une guai, contudo, mesmo que, numerica- ‘mente, 0 segundo tipo soja mals rele- vante, ele & em grande medida impul- sionado pelo primeiro tipo. S20 possivel- ‘mente 08 préprios proprietarios quo es- ‘do comprando torras nas fronteiras dos- '8e8 dots paises que levam consigo, em ‘cardter permanente ou mais comumente. ‘em cariter temporétio, os trabathadores que vao utilizar em seus cultivos. Esse tipo de migragao 6, em geral, de carater clandestino. O trabalhador se dasloca ao pais vizinho, realiza a tarefa para a qual {oi contratado e volta ao final do periodo de safra, ou até mesmo a cada final do semana, qual bélas-trias. Um fixe caracteristico desse tipo de migragao & aquele dos chamados granjeiros do Rio Grande do Sul, das fegides de frontoira com o Urugual cuitivadores de arroz. So, em geral, jé proprietarios em sua regiéo de origem que decidiram expandir sua cultura pela compra de terras mais baratas no viz ‘nho Urugual. Tanto os. proprietévios ‘come os trabalhadores por oles contra- tados deixam muitas vezes suas familias nos municipios brasileiros onde residem {Bejé ou Dom Pedrito, por exemplo), voltando para casa a cada final de semana. Awalmente existe também ‘produtores que compram terra no Uru- ey, rs Estudos Pap. Carona 199), 346 ‘gual para criar gado leiteiro, mas o maior contingente & mesmo dos produtores de arroz. Junto @ Fecotrigo obtivemos infor- magdos de que os brasilsires repre. sentam hoje cerca de 50% do total de produtores de arroz no Uruguai. De 763 produtores de arroz oxistentes naquale Pals, 375 sao brasilgiros, sendo que, Segundo essa mesma fonte de informa: ‘940, 08 brasileiros terlam maior produti- videde do que os uruguaios nesse cul- tivo. Na Argentina, a proporgao de pro- dutores brasileiros & menor, mas mesmo assim & consideravel: de mil produtores de arroz, 250 so brasileiros. ‘Tomando apenas 0 progo da terra fem decorréncia de poliicas agrérias ‘como motor para movimentos rigrato- Fios, pode-se observar que, no Brasil, 0 tipo de modernizacdo da agricultura im- plamentado a partir dos governos milita- Fes e no decorrer das décadas de 70 0 80 elevou sudstancialmente o prego da terra. “Enquanto que, para a média do Brasil, 05 pregos elovaram-se de um patamar de US$ 100, ao final dos anos 60, para US$ 600 nos anos 80, em So Paulo passaram de US$ 200 para US$ 1.000" (Reydon » Plata, 1995:164). Essa foi, sem divida, um tator que pesou ‘muito nas movimentos migratérios, tanto para as cidades como para a fronteia agricola. Para esta ultima acorreram nao 86 08 despossuidos que foram desioca- dos do campo pelo processo de moder- nizagao @ tecnificagdo da agricultura, ‘como também os que, em decorréncla do diferenciat de prego da terra, passa- ram a investir nos paises vizinhos, soja na compra de terras, seja na produgio agricola, No caso do Paraguai, a politica explicita da era Stroessner para favore- cor a ocupagio territorial, de forma a promover © desenvolvimento agricola, {oi a abertura aos paises vizinnos, so- bretudo 0 Brasil Também contribuiu ppara isso a pouca rigidez da legislagéio araguaia sobre a propriedade da terra, que sempre péde ser adquirida por ‘estrangsiros, desde que cumprissem as normas estabelecidas pelo orgio de terras do pais — o Institulo de Bom-Estar Social ‘Assim, 20 final da década dos 80, sobretudo, houve um intenso movimento de compra de terras no Paraguai por parte de proprietarios rurais © empresé- Fios brasileitos. Estes tinhem como meta aplicar em terras mais baratas do que as brasileiras, tanto para simpiesmente ‘especular, como para produzir eles mes- ‘mos ou arrendar para outros produtores. Essa foi, som divida, uma possibilidade de trabalho com que contaram os *bra- silguaios" quando para lé se dirigiram ‘om sou movimento de desbravamento de fronteiras. Na Argentina existe uma legislagio agrévia, que vem dasde fins dos anos 40, que profte a compra de terras por estran- geltos. As entrevistas realizadas no Rio Grande do Sul dio conta, entrotanto, quo, malgrado esse impedimento, para la tém 80 difigido muitos braslleitos, comprando rultas vezes loles de terra em condigSes ilegais, Assim, temos 0 exemplo de uma das reas de fronteira limitrofo com o Brasil, o Departamento General Beigramo, Cuja populagéo de 14.322 habitantes con- contra-se, em uma grande parte (6.688 habitamtes), no municipio de Bernardo de Irigoyen. Esse departamento 6 basicamien- te rural (86% da populagdo mora. no campo) com uma baica Gansidade de- mografica, de apenas um habitants por quilémetro quadrado, Sua populagéo urba- nna é constituida basicamente de argentinas a populacdo tural tem mais de 50% de brasiios, sendo esses, na sua maior, ccupantes ilegais da tera (Espindola, 1992), ‘A parte Leste da provincia de Misiones & contudo, a principal Srea de atragao dos imigrantes brasileiros. Ainda segundo Espindola (1992), os primeiros. lmigrantes brasileiros que se assentaram nesta zona no século passado eram de origem européia — alemes ¢ itallanos — ‘ev. Eston Pon. Gara 1). 186 © suas principais atividades eram a agricutura © a exploragdo de madeira. No comego do presente século 0 fhxo migratéro brasileiro foi decrescendo até quase dosaparecor com a promulgacio, polo governo argentino, da Lei de Fron teira de 1949. Na década de 70, porém, vollou a crescar 0 fluxo de brasileros para aquela fronicira de Misiones. Es- pindola (1992) estima um fluxo de 50 mil migrantes na década de 70, a maloria agyicultores sem-terra que la se dodica- vam & agricutura de subsisténcia ¢ a criagao de porcos, © Uruguai, & somatnanga do Para- ‘quai, ndo tem leis que restrinjam a venda de terras agricolas a estrangoiros. Jun- te-se a esse falor a prolongada crise agtopecudria vivida no pais nos anos 70 © tomse como resuitante um intenso movimento de venda de terras por parte dos produiores agropecuatios uruguatos. Sobretudo porque tem havido um movi- mento de procura de terras para compra por parte dos brasileros, que encontram ro vizinho Uruguai sempre melhores pregos do quo no Brasil. © trabalho de Reydon © Plata (1995) assinala um fato interessante a respeito dessa estroita relacdo de com- rae venda de teras entre Brasil © ‘Urugual. € que teria havido uma eleva- ‘cao do prego da terra. no Urugual logo depois do Plano Cruzado (1986). quando hhouve grande especulagdo com terras ‘agricolas no Brasil. Donde oles. con- lier que a enirada de brasileiros no Urugusi, sobretudo em 1987, tenha sido decorréncia da retragéo no mercado de terras no Brasil, 0 que teria levado os brasileitos a investi mais maciamente no mercado de terres uruguaio, contri- bbuindo, assim, para aumentar seu prego, Causas histéricas das migragées de frontelra Para entender os movimentos mi- gratérios de trabalhadores rurais brasi- Ieiros, dentre os quais se destacam 05 ‘movimentos migratérios de fronteira, faz- ‘se necessério retroceder um pouco na ‘nossa histéria, para nela observar uma das caracteristicas estruturais que mar- caram profundamente as relagbes so- ciais © politicas no Brasil: © monopslio econdmico @ do mando do latifindio rural. As ralagées de mando/subservién- cla que estiveram na esséncia das rela- .gées sociais da grande propriedade rural estdo na base de nossa desigualdade sociale tém sido uma das causas da Constante itinerancia da classe trabalha: dora dos campos brasileires, O latifindio escravocrata, menacul- tor 0 osterlizador da diversidade social estava intrinsecamente vinculado a0 po- der privado dos senhores de terra, ox- presso no apenas em relagio aqueles Que, peto proprio estatuto de escravos, ‘com eles se relacionavam na qualidade ‘de um bem possuido, mas sobretudo em relagiio aos *homens livres", cuja propria sobrevivencia fisica © social passava pelo grande dominio, ‘Observande a trajeloria desses ho- mens livies © pobios, aos quais se juntaram os libertos depois de 1888, © que se pode notar como trago marcante na sua fuga as situagoes de subservién- cia 8 a sua extrema mobiidade espacial © carater itinerante do trabathador rural brasileiro ¢, nesse sentido, talvez, a sua Principal marca caracteristica, desde os tompos do Brasil Colénia até a axpres- ‘sfio maior do assalariamento rural do hoje, concretizado nos trabalhadores Clandestinos © nos béias-fias. AA itinerdncia do trabalnador rurat brasileiro, cujas causas estruturals ro- montam ao predominio econdmico ¢ Politico do fatitindio, foi sem davida um dos motores da ocupacao de nossa frontoira agricola. A parlir de meados dos anos 60. © sobretudo durante a década dos 70, { mobilidade do trabalhador rural brasi- leiro passa a ter um outro fator condi- cionante, que se acrescenta aquoles ov. i Estos Pep, Comins 13). 188 Proviamente oxistentes na estrutura de ‘monopstio © concentragio da proprieda- de fundidtia. Trata-se do processo de modemnizagao e tecnificagso da agricul tur. © boi, a cana-de-agiear (no caso, menos a cana que adoga cafezinnos do ‘que a que abastece tanques de automé- ois). a soja, a laranja, so alguns de ‘noss0s “cameltos” ingleses do prooasso do “enclosures’, quo la durou corea de lum século moto, até a converse das forras artiveis em pastagens, © agul ‘utou pouco mais de uma década, Guar- dadas as proporeées, 0 fato de io termes tido uma concepede mediaval da terra, baseada em fungSes @ obrigagBes politicas, de niio termos tido uma socie- dade camponesa representada na aldeia tradicional, guardedas todas essas pro- orgdes o mais os ciferantes momentos histéricos em que ambos os processes ocorreram, sobra uma crue! semelhanca, fo sentido de que, tambem entre nds, esse processo de cercamentos pode sor aracterizado como aquilo quo Polany| (1980) chamou de “a rovotugdo dos ricos contra os pobres". TTalvoz por uma mé infuéncia de Lenin (1974) @ sobretudo de Kautsky 1970), que tiveram muito destaque na nossa produgéo académica, nas éreas de Economia © Sociologia, referida agricultura, 0 processo inglés de capta- lizagio da agriculture pela expansio da ‘grande propriedace tendou a sor um ‘modelo que, em nome da modemnizagio de agricutura, justiica a expropriagio 2 proletarizagdo do homem de campo, E ‘certo que 0s nossos cercamentos tivoram diferenciagBes regioneis e inten- sidades varigvels, mas foram também de Proporgées arrazadoras, a ponto de hoje ‘em cia Ja se tor praticamente esgotado toda a fronteira agricola para onde acor- iam os despossuidos as frequentes fondas de expuls4o do campo @ que cram submetidos. A uta pela terra trabalhadores surais bras favada polos ros se situa esse contexto do nossos cercamentos. Pois a contrafaco da modemnizagao da agricultura nfo tem sido, entre nés, muito diferente da desagregagio do tecido social descrita por Karl Polanyi (1980) para 0 contoxto inglés (1). ‘© Rio Grande do Sui, um estado que, em sua histéria de ocupagao terri- torial, aliou sempre a grande proprieda- de pecuaria com uma vasta extensao de terras nas maos de pequenas produgdes familiares, ocupadas com uma grande diversidade de cultivos, apresenta algu- ‘mas espacilicidades no quo so refere & itinerancia de seus trabalhadores. Antes de tudo porque 1é a ocupagéo territorial foi concomilante & fase de medemnizagao da agricultura © foi do enormes propor Ges. Depois, 0 proprio processo de Subdiviséo por heranga da pequena pro- priedado familiar, em tace do esgota- mento da fronteira agricola no interior do. ‘estado, foi o motor mais imediato dessa itinerancia dos trabalhadores, que extra- poloU 0s limites esteduais. Ela ocorte, por sua vez, junto a um processo de Subsiituigtio de cullivos no ambito da pequena produgdo, onde culturas tipica- mente comerciais e modemizadas, tais como @ soja @ 0 trigo, passam a subs- tituir antigas policulturas de consumo alimentar, que eram a base da pequena produgao familias. Exodo em dlregao ao Paragual Fol nesse periodo, que tem seu ‘auge nos anos 70, que © Brasil assistiu a0 éxodo de galichos, que se espatha- ram pais adentto e em direcdo a0 vizinho Paragual, desbravando fronteiras ‘onde as heuvasse ainda por explorar, por conta propria ou amparados em programas governamentais tais como aqueles de colonizagao dirigides para a tegiao Norte, Uma década mais tarde, ‘AOS anos BC, um importante movimento social seria arganizado pola classe so- cial dos pequenos agricultores despos- suidos, (© Movimento dos Trabalhadores Rurais Som-Torra (MST) veio se consti- tuindo com a progressiva expulsdo dos trabalhadores rurais da terra, sobretuudo no Estado do Rio Grande do Sul, 0 seu nascedouro. Uma das exprossdes. do MST no estado so os 98 assentamen- tos de 3.500 familias, distribuides em oito regides, alguns dos quais coordena- dos pela Cooperativa Central das Assen- tados do Rio Grande do Sui (Coceagrs), quo congrega quatro cooperativas e umas duas centenas de produtores as- sentades a elas vinculados. © ptiblico potencial para a reforma agraria &, con- tudo, muilas vezes maior, Conforme depoimentos do representantes da clas- 8¢, 08 sem-torta somam hoje 150 mil Tamilias,flbos de agricultores, parceiros, arrendatarios # assalariados. ‘© primero assentamonto data de setambro de 1979. Fol feito na fazenda ‘Macali, na regido de Sarandi. Seu res tado foi porém desastioso, devido a implantagao daquilo que ficou conhecido como “lavaurao colativo" (2). Essa expe- ridncla coletiva teris sido uma iniciativa de bermintencionados técnicos da Se- cretaria da Agricultura, ansiosos por fazer a roforma agréria no estado. A versio ao seu carater coletive por parte dos pionciras nassa experiéneia de as- sentamonto foi porém to forte que sO se vollaria a discutir novos assontamen- tos por volta de 1983, quando os traba- ‘hadores comegaram novamente a se moblizar e a se rounir, dessa vez sob 1) Mute auores fe debrugarars sobre esse assute. Cio especiaente Ponsa (198) ¢ Marine 1089), {2} Contre entreistarealzada com um assessor ca Cooeegs 1 @ lideranca da Igreja Catélica, através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). A prépria Igreja comprou, na: quele ano, uma area de 110 hectares para assentar dez familias em Nova Fonda Alta, dentro da mesma proposta de trabalho coletivo. A partir dal, inicia- ram-se as divergéncias entre a orienta- (gio do MST e a orlentagdo comunitaria da Igreja © das CEBs, resultado do movimento de tuta pela terra @, contudo, muito mais eviden- te em termos do &xode de trabalhadoras do que do seu assontamonto em expe- riéncias de reforma agravia, mesmo con- siderando alguns apoios vindos nessa diregao quando da criagdo do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agré- rio (MIRAD), 0s primeitos anos do governo da Nova Ropiiblica implantada fem 1985, Um dessos apoios conoretos foi a criagao de um programa de crédito especiatmonte voltado para os produto- res assentados om programas de refor ma agratia, o Procera, que ainda existe como linha de crédito nas agéncias ofciais, embora tenha perdido muito dos ‘objetivos abrangentes que tinha na épo- ‘ca em quo foi criado. (© éxodo dos gatichos, aos quais se juntam também os paranaenses de- sapropriados pelos mesmos fatores Je modernizagao da agricultura, segue om direcao a regides de tronteira no Con- tro-Oeste e no Norte do pals. No caso dos paranaenses, também contnibuity para 0 seu éxcdo a construgio da usina hidrelétrica de ttaipy em 1973, cvjo eservatério veio a alagar 1.350 Km2, sendo 780 Km? do lade brasileito © 570 Km2 do lado paraguaio. Segundo Ger- mani (1982). 0 lado brasileiro estava ‘ocupade por 42.444 pessoas, 38.445 na zona rural. A mobilizago en pro! de indenizagoes por parle dos assim cha- mados “atingidos" pela barragem, alem de engrossar 0s tluxos de [ronteira, seria também um outro gérmen para a cons- tituigdo do MST. 92 Pe an. Eve Pop. Camas 3), 1082 (corre que, enquanto o Brasil pas- ‘sava pelo processo modernizador ex- ulsor de populagao na agricultura, o Paraguai procedia a um plano de mo- dernizagao econémica visando @ sua ‘maior participagao no mercado extemo, no qual grande dostaque era dado aos rodutos agricolas, sobretudo @ soja e © algodao. Vale ressatar que, naquole Periodo, inicio dos anos 70, 0 Setor Primario representava em tomo de 60% do PIB daquele pais. Esse setor agririo do Paraguai ja vinha passando por transformagies des- ‘de 0s primetros anos da ditadura Stroos- sner, & partir de um conjunto de politica ditigidas colonizagtio e modemizagao da fronteira agricola. Contando com tn- ccentivos do govemo paraguaio, © mals @ disponibilidade de tercas fértois baratas, relalivamente ao prago da terra no Brasil, muitos agricultores braslleiros iniciaram um fluxo de migragéo para aquele pats no final da década dos 60, ‘com a implementaco da segunda fase do plano de modemizagao agricola pa- raguaio, incentivando 2 vinda de im grantes “alemaes” provenientes da re- Giéio Sul do Brasil. Esses migrantes nao vieram sozinhos; com oles vieram uma ‘outra categoria de produlores, mais po- bres © etnicamente diferenciados — os chamados “nagros” ~, @ que trequente- ‘mente terminavam por vabalhar como posseiros ou assalariados de produtoras brasilciros ov paraguaios mais bem-su- codides. © fhuxo migratorio Brasil-Paragual caracteriza-se como um tipico movinen- to migralério do fronteira, nesse caso, Cconstituido de vatias classes de produ- tores ruraig em busca de terra para Produzir. E um fluxo que pode ser ‘considerado quase come um desvia de rola das grandes levas de migragses internas, também de desbravamento de fronteiras, Da mesma forma que em outros Movimentos de fronteira no interior do Brasil, também no Paraguai o movimen- ‘ana to adquiriu uma conotagao de classe que (© marcou de forma diferenciada, Se a categoria dos pequenos patceiras @ ar rendatarios (esses seriam constitutives da camada dos ‘negros’, com uma ttajetéria de maior mobilidade espacial @ antre os quals nfo fallaram oriundos da regio Nordeste do Brasil) sxerceu a ungéo pioneira de desmatar o terreno, sbrindo caminho, qual uma forma de aoumulagdo primitiva, para a fulura pe- netragéo do capital, os alemies se juntariam aos proprietérios natives como produtores capitalistas. Nesse sentido, 0 programa de colonizacéo implementado pelo Instituto de Bem-Estar Fural para- uaio contribuiu para acontuar esse fe- émeno, na medida em que, depois de distribuir terras a pequenos agricultores, vusou de varios mocanismos para trans- feti-las a grandes empresérios @ espe- culadores, muitos deles estrangeiros (Fogel, 1990}. © processo de modernizacsio da fronteira agricola do Paraguat ating sou Apice na década de 70, No period que se estende de 1960 a 1983, implan- taram-se naquela regiso de tronteira do pals 645 colénias, das quais 14% por Injclativa privada, sendo, portanto, a maior parte delas, coldnias piblicas (Pa- lau @ Hoikel, 1987). Sdo muito imprecisas as ciftas a respetto do fluxo migratério Brasil-Para- ‘qual, variando de 300 mil a $00 mil 0 {otal do contingente que teria emigrado do Brasil rumo 0 Paraguai somente durante © periodo do governo Figueiredo (1979-1985). © Censo Demogratico pa- Fagualo de 1992 computa em 112 mil o numero total de brasileiios residindo no pais, JA os movimentos socials ligados Igreja_estimam em 00 mil esse contingente, sendo que, entre 1972 0 1977, 08 imigrantes brasileiros no pais setiam constituides por 63% de para- naenses, 18% de calarinenses, 12% de gatichos ¢ 7% de nordestinos & minek ros. fr 6s Eswocs PoC 131 1998 Um fator que pode mascarar essa orlgem @ que a migrapao Brasil-Paraguai tem se dado por slaps; portanto, po dem ser gatichos, catarinenses. ou mi- noiros 08 que apenas fazem escala no Parana antes de se dirigirem as regibes: de fronteira agricola do Paragual. Alguns eatudioses, baseados nos préprios da- os censais @ nas suas possiveis falhas fem aprender esse fendmeno, estimam fem 200 mil a 250 mil © nimeto total de brasileros que hoje vivem no Paragual, ‘8 que, de qualquer forma, configura um contingente que equivalo a corca de 7% do total da populagao paraguaia, Segundo Salim (1995), apesar de ‘apresentar uma &rea terrtorial bom me- ‘nor do que a soma dos estados de Mato Grosso @ Rondénia, a fronteira agricola do Paraguai recebeu, proporcionalimen- te, em menor espago do tempo, um alluxo de migrants oriundos do Sut do Brasil superior 9 nimero de migrantos dessa regio que se diigiv aqueles estados durante a década dos 70, Estudiosos paraguaios desse fené- meno de migrago de fronteitas (Palau ® Verén, +989) assinalam que, em uma ‘anja consideravel do territéno para- quaio, comprosndida entre os rios Para- 1 0 Caaguezi, forse constituinde uma “preslianizaglo" eoondmioa e cultural da comunidade paraquaia, consolidando-se uma integragaéo subordinada entre os dois paisos, mediante a sujeicao para- duaia as pavias culturais brasileiras. Na Tegido Oriental do Paragusi, onde vive 96% da populagdo do pais, convivem diterentes grupos sociais, tratando-se de uma interface politica, econémica © cul- tural com uma cultura propria, a cultura de fronteia, gerada a partir de uma fexposiggo continuada a valores do es- trangeiro (a0 caso, Argentina © Brasil principalmente). Na sociedade frontet- 2, por sua vez, oxstiam migrantes do Guita distancia ¢ duragao, os iinerantes propriamente. Ainda segundo a mesma fonto, 05 residentes permanentos em vias @ cidades tronteticas incluem és {ipos principais: o trabalhador binacional, © consumidor binacional e © estudante. binacional. ‘Apesar de a agricultura tor sido 0 ‘motor principal dos movimentos migra- {érios Brasil-Paragual, a tradigao de mi- gragées entre esses dois paises tom impulgionado muitas outras atividades de fronteira, dontre as quais se destace, hoje, © narcotréfico. Alnda que este soja uma constante em toda a fronteira pa- raguaia, & caracteristico da “tronteira seca’ da regio Oriental com 0 Brasit até 0 Parana, onde as atividadas eco- ‘nGmicas mais rentavois so 0 contraban- 0 de gado e madeira v a corsercializa- 380 © trafico do maconha, cocaina & armas, proporcionando grandes somas. e dinheira bom como uma nao despre- zivel ocupagao para a populagso fron teiriga, Na verdade, desde Maipu, 0 con- trabando se convertou no eixo do co: merci exterior do governo paraguaio, come ben assinala Fernando Masi (1990). A partie de entéo, © mercado paraguaio tem sido inundade de manu- faturas brasiloiras e, por outro lado, matéfias-primas paraguaias como ma: doiras, peles de gado c algodéo tan: sido. “exportadas” via contrabando até 0 Bra- sil. © Paraguai tem exersido, por sua vez, uma especie de triangulagao na regio, uma vez que, am face das restrigdes cambiais sofridas por produtos agricolas da Brasil como 0 café @ = soja, estes so ilicilamente tansteridos a0 Paraguai e reexportados como produtos Paraguaios. HA ainda os oletrcnicos e eletrodomesticos importados pelo Para- guai de Taiwan, Coréia © Estados Uni dos @ vendides em contrabande a0 Brasil, inundando toda una rede de comércio ambulante nas grandes cida- des brasilsiras, que doles se abaslece através dos famosos “sacolelros", que buscam seu contrabando em arriscadas Viagens pela ponte da Amivade. Houve ‘até 0 caso do trigo argentino, transerido licitamente para o Bresil via Paraguai. 94 ‘ey Ss Cees Pap. Cepia. 13,1906 ‘A migragao de retorno na fronteira Brasii-Poragual Em meados dos anos 80, esse Movimento migratério de tronteiras Bra- sii-Paraguai invorto sua droge @ inicia uma migragio de retorno Paragual-Bra- sil. Os tatores econdmicos explicativos para essa migragdo de retomo estio relacionados com 0 processo aludido ‘acima, de expulsao dos pionsiras des- bravadores das frontolras depois de es- tes terem-nas preparado para a ofetiva penetragtio do capital, através de outros agentes. sociais quo os sucodem na ‘ocupagio da tronteira. Foi assim no Brasil, foi assim no Paraguai. Em termos Sociais, esse processo se expressa nas muitas formas de exploragao e de ex ropriagao dos produtores rurais pobres, que tém sido os protagonistas da itine- rancia dos trabalhadores em nosso mun- do rural. Ha, contudo, um fator de naturoza mais politica que econémica que impul- sionou, ov que potencializou eseas con- dig6es estruturais dadas om um movi- mento concrete de retomo. E & precisa. mente nesse movimento de retorno que © movimenio migratrio de fronteira Bra sil Paraguai toma visibiidade publica, na ‘medida em que a vola se da sob a forma de um amplo movimento social de lula pela terra. Com a criagio do Ministério da Reforma © do Desenvolvimento Agrario, durante o governa Sarney, ea discussio do Plano Nacional de Reforma Agraria or ele coordenada, os principais alores ‘urais brasileiros moveram-so am dite- ‘g0es opostas. Os trabalhadoras acitra- fam sua historica Iuta pela terra eos proprictarios se organizaram em defesa dda manutenco do status quo. A expres: ‘80 maior da arganizacao dos grandes rodutores rurais brasileiros se deu com ‘ctlagdo da Unido Democratica Ruralis ta (UDR) ¢ com a sua oposicéo ergani zada a efetivaciio de qualquor plano de reforma agraria proposto naquele mo- mento @ depots, quando da promulgagso <éa nova Consttuigao brasileira em 1988, Mais uma vez sairam ganhando os ‘grandes proprietarios de terra. Os trebalnadores, por sua vez, ‘rganizaram em noves patamares a sua luta pela tera com a omergénoia do Movimento dos Sem-Terra. As condi ‘goes para sua existéncia estavam dadas @ 0 Rio Grande do Sul, como viros antes, foi © paleo inicial para o seu surgimento. ‘Aqui, vale uma pequena digtesséo histérica. © que, em ultima instancia, preside a luta pola terra no Brasil @ 0 direto a terra como base para trabalhar ¢,no limite, como direto a sobrevivéncia e’portanto vida. Dircito elementar de cidadania civil, portanio. Que nao se confunde, porém, com um outro direto elementar da cidadania civil surgido na mesma época na histéria da humanida- de @ no mesmo contexto hisiérco: 0 direito & propriedade. A referéncia se faz aqui a0 contoxto histérico do liboralismo classico em que surgiram os direitos lomentares da cidadania civ, a ingla- terra do século XVIll. Nesse contexto, © direito & propriedade estava intrinseca- mente ligado & liberdade individual. E € som duvida o dlreito propriedade nes- 50 sentido 0 que & mais trequentemente apropriado no discurso dos grandes pro- petarios terioriais, aqui e alhures, em defesa de seu patrimémio. Tanto que um 0s processos histéricos que coroou o dreito 4 propriedade nessa acepedo classica do liberalismo foi o dos *enclo- sures’, que tiveram lugar na Inglaterra antes @ durante 0 estabelecimento des- ses préprios principios liberals que sus- tentavam 0 dieeto propriedade O direito a terra como base para trabalhar faz parte da luta pela terra de todos 08 trabalhadoras rurais brasileiro © 82 bascia em argumentos que om ‘quase nenhum momento tém ponto de conoxao com aquoles usados pelos do- fensores da grande propriedade. Estes caminham pelo ciscurso liberal do direito Fy, rs Etats Pos, Cages. 130198 & propriedade, ao passo que aqueles caminham pelo discurso da justia so- residindo talvez ai uma de suas {raglidades, visivel trequentemente no nnivel_do discurso. © ano fatidico de 1985, de discussao e derrota do Plano Nacional de Reforma Agriria da Nova Republica, @ 2 retomada desse debate quando da discusséo e votagéo, na Assembiéia Constitute, da nova Carta brasileira foram momentos privilegiados fem que se mostrou 0 contetido mais acabado desse discurso liberal caboclo ‘em favor do direito & propriedade. ‘Ao distinguir 0 moderna concsito da propriedade privada do conceito vi gerile na Antigtidade Classica, Hannah Arendt (1989) traz elementos importan- tes para se pensar essa questo do ireito a terra como base para trabalhar @ para viver, direitos basicos da cidada- nia civil. Na Antigiidade Cléssica, se- gundo seu argumento, @ posse da pro- priedade privada estava ligada a propria ‘condigao de ser humano: “Assim, no & realmente exato dizer que @ propriedade privada, antes da era modema, era vista como condigéo axiométioa para admis- 880 a estera publica: ela ere muito mais ue isso. A privatividade era como que 9 outro lado escuro € ocuilo da estere piblica; ser politico significava atingir @ mais alta possibiidade de oxisténcia humana; mas néo pessuir um lugar préprio 'e privado (como no caso do ‘escravo) significava deixar de ser huma- no." (Arendt, 1989: 74). ‘A riqueza privada tern um sentido inteiramente diferante dessa propriedade privada como pressuposte a propria con- digo de ser humano, segundo seu argumento. Na Antigdidads Classica, essa nqueza privada fornou-se igual- mente condigio de admisso a vida piiblica, porém por motivos distinlos da- quoles da propriedade privada. Esses motivos, que assemelnam a explicacéo do Arendt aquela de Weber no seu Classico “Poiitica como Vocacio" (1963), estao ligados a0 fato de a terra prover ie a0 seu dono os meios materials que permitem liberé-to das obrigagdes mata- tiais da vida para poder exorcer a ativi- dade politica, 0 direito & terra como direite 20 trabalho e a vida tom um estreite paren- tesco com a concepgic de propriedade da Antigiidade Classica, tal como ex- pressa por Arendt na passagem citada, Essa concepeao da propriedade mudaria inteiramente com a emergencia do Es- tado-nagde @ a ascenséo do social, no qual se inclui a propriedade privada, & esfera publica, 0 que coincidiu, histori ‘camente, com a transformagao da prec- ‘cupago individual com a propriedade privada em preocupacao piblica, assu- mindo a sociedade 0 disfarce de uma ‘organizagao de proprietirios que pas- sam a exigir da esfera pilblica protegao para o aciimulo de mais riqueza. Em ‘outros termos, 6 a isso que Moore (1973) ‘90 refere quando diz que, do ponto de vista politico, a eliminagao do Poder Real com a Guerra Civil Inglesa havia removido a principal barreira contra 0 senhor rural “cercador” 0, simullanea- mente, preparado a Inglatora para o governo de um “comité do senhoras rurais”, expresso usada pelo autor para se relerir a0 Parlamento inglés do século xv, Os autores que so debrugaram sobre a tula pela terra no Brasil, mais do que aqueles que tam estudado a Teforma agraria, consequiram expressar ‘esse sentido do direito @ terra como direito a0 trabalho © direito & vida Martins (1980) expressa-o como 0 “di reito popular de propriedade’, distinto do direito & propriedade no sentido liberal do tormo, posto que este definiia a Propriedade capialista, que tam por fun G40 assegurar ao capital 0 direlto de cexplorar 0 trabalho. Essa seria a “terra de negécio", em conflte aberto com a “terra de trabalho”, que no se confunde com @ propriedade capitalista, mas ¢ propriedade familiar (ainda que também ropriedade privada), nao tendo sua 96 Fev sas Este Pap. Congas, 13,3608 exploragao o intuito de abter lucro, Pot sivelmenta essa interpretagao de Martins 6 sujeita a controvérsias juridicas, pela propria imprecisfio de seus conceitos. Contudo, & uma interpretagao que ex: ressa com incrivel fidelidade o ponto de vista dos trabathadores rurals pobres (@ maioria dos trabalhadores rurais bra- silsitos) sempre’ que eles s0 referem a0 contexto de sua luta pela terra. Analisando algumas lutas sociais, No caso espacifico, as lulas do MST, Pode-se constatar que 0 fato de os ‘rabalhadores poderem contar com al- gum direito basico assegurado © com um contendor a quem se dirigir para exolicitar suas demandas — 0 que ocor- Feu nos momentos iniciais do govero da Nova Ropiiblica — faz uma enorme diterenga para o rumo da sua luta pela trea, sobretudo se comparamos a época rosente com aquela am que predomi- hava © poderio privado do grande lati- findio. Pois om um pals como © nosso, ‘com uma enorme divida social, o Estado ‘exerce um papal fundamental. Nao foram simplesmonte os meti- vos econémicos mais imodiatos de de- sapropriago dos trabalhadores de se- gundas © terceiras geracées do Rio Grande do Sul, ou a desapropriagao dos “alingidos” pela barragem de Itaipu, no Parana, ou as novas desapropriagBes de alguns desses no Paraguai o que os moveu a se organizarem no MST. Foi também, © sobretudo, © fate de conta: rem com um contendor para suas de- mandas ~ 0 Estado. © que explica que 9 grande impulso para esse movimento ‘enha ocorrdo justamante no periodo em que os trabalhadores se viramn diante de Possibilidades reals de concretizaram suas demandas pela reforma agraria ‘Marcia Anita Sprandel (1992), que estudou em profundidade 0 significado ‘do movimento de retomo dos brasileiros que emigraram para 0 Paraguai em busca de terras para produzir, onfatiza que vem sobrotudo dai, do movimento de volla e de sua maior visiblidade ie T paltica, com 08 acampamentos. a prs= pia denominagao e autonomeapio de “prasiiguaios’. *O momento da organiza- ‘do da volta a0 Brasil 6 0 momento em que a identidade brasiguaios assume a plenitude de sua significacao: sao cam poneses que exigem da sociedade © do governo brasileiro que reconhecam sua Condigo de brasilires, bonoficiarios po- tenciais da reforma agraria em curso* (Sprandel, 1992:56). Cacia Cortez (1983) tambérn descreve em cores vi- vvas, na sua linguagem jornalistica do quem acompanhou de perto os acampa- imentos dos. *brasilquaios”, esse movi- mento de ratorno, s acampamentos como instru mento de luta pela terra tam sido ume das formas de mobilizagao camponesa no Brasil, sobretudo na regiao Sul, onde alguns deles se transformaram em ele- tivos assontamentos. E talvez uma das formas de lula que mais marcou o MST. AAinda. segundo Sprandel (1992), fol o Movimento dos Sem-Torra, assessorado por elementes da Comisséo Pastoral da TTerta do Mato Grosso do Sul, quem apciou 0 retorno erganizade dos “brasi- gusios* 2o pais. Nesse movimento de Tetomo, o acampamento de Mundo Nove teve a finalidade do pressionar pela instalagao do um processo de desapo- priagdo por interesse social de uma area compativel para as familias all mobiiza- das. A partir dessa primeira oxporioncia de acampamento de “brasilguaios’, mui- tas ovttas so sucederam nos anos de 1985 @ 1906, onquanto, no restante do pals. © sobretudo nos coredoras de Brasilia, discutia-se o Plano Nacional da Retorma Agraria, Consideragées finals Como tado cidadio brasileiro proo- cupado com a questéo social em nosso pals, acorspanho atentamente pela im- ‘fw ues Pop, Compr prensa o rurmo dos acontecimentos des- de a divulgago do massacre dos traba- Inadores sem-terra no Para. (Os caminhos tortuosos da constr ‘gho de nossa cidadania, que freqiente- Tents comega pela cidadania social, via programas sociais de governo, mostram ‘que, no presente, o Estado desempenha lum papel essencial como provedor de um welfare que, mesmo que de bem-es- tar tenha muito pouco, e mesmo quando assimilado como uma dadiva do govaro pelas populagdes beneficiavias, mesmo ‘assim, propicia a existéncia de um con- tendor para es movimentos populares na luta pelos seus direitos. E a outorga de diteitos & um passo imprescindivel para © individuo perceber-se como cidadao © poder, a partir dai, lular por oultos direitos além do quo Iho 6 outorgado. E assim que se pode dar a construcdo da cidadania em nosso pais. Esperar que populagdes privadas por muitos séculos dos direitos mais olementares de cidadania sejam capa- zes de, em ganhando a terra, tora de imediato produtiva @ tao ilusério quanto @ perverso 0 argumento dos grandes proprietarios de terra, que ja comegam a se manifestar com sua velha cantilana da desordem e da provocagso dos trabalhadores rurais, lembrando passagens histéricas dos velhas “cerca mentos” da Inglaterra, quando se pre- senciou a luta dos ricos contra os po- bres. O desatio da reforma agraria, todos ‘sabom, 6 grando 0 comploxo, E nao 6 necessario citar as varias pesquisas realizadas om assentamentos rurais que ‘mostram 0 seu elevado grau de produ- tividade em relagdo a outros tipos de propriodade rural. A outorga de direitos coma principio elementar de cidadania = nesse caso, o direilo vida pela posse do um lote de terra de trabalho ~ 6 j& argumento suticionte para que 0 governo ‘enfrente 0 grande desafio que se coloca mais uma vez em pauta no rumo de nossas politicas socials. Referéncias bibliogréticas ARENDT, Hannah. A conaligdo humana, 4a, ed, Blo de Janeiro, Forense Universitaria, 1969, CORTEZ, Cécia, Os brasiquaioe. Campo Grande/Sto Paulo, Exiga Brasil Agora: ANCA, 1993, ESPINDOLA. J.*La imigracion brasiona en el Este Mislonero Argentino: nuevo examen {de un antigo problema? Rovists Paraguaya do Sociologia, ano 85, n. 28, sal-de2., 1992, FOGEL. Ramon. ‘Les campesinos sin terra en la frontera", Série Tiora, CIPAE, n.2, 1986, ‘GERMANI, Gulomar inez, “Os expropriados de Uaipu’. 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